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A Capoeira como conteúdo curricular nas séries iniciais
do ensino fundamental: com base num relato de experiência
nas aulas de Educação Física

La Capoeira como contenido curricular en los primeros grados de
la escuela: basado en un relato de experiencia en clases de Educación Física

Capoeira as curriculum content in the early grades of elementary
school: based on a report of experience in Physical Education classes

 

Licenciado e Bacharel com Habilitação em Treinamento

Desportivo em Educação Física (FEFIS/UNIMES)

Licenciado em Pedagogia com Habilitação em Gestão Educacional (FECH/UNIMES)

Professor de Capoeira da Escola de Capoeira de Santos (ECASA)

Kaled Ferreira Barros

kaledbarros@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho consiste num breve relato sobre a Capoeira como conteúdo curricular, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, com base nas aulas de Educação Física. Para tanto, buscou-se a valorização da cultura e do saber popular por meio da Capoeira e suas raízes Afro-brasileiras.

          Unitermos: Educação Física Escolar. Capoeira. Currículo.

 

Abstract

          This paper is a brief story about Capoeira as content curriculum in the early grades of elementary school, based on physical education classes. Therefore, we sought the opinion of popular culture and knowledge through Capoeira and Afro-Brazilian roots.

          Keywords: Physical Education. Capoeira. Curriculum.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 177, Febrero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997) a Educação Física é entendida como o componente curricular que trata do conhecimento denominado “Cultura Corporal”, cujos temas são: o jogo, a ginástica, a dança, o esporte e a luta. Apesar disso, diversos autores criticam a “cultura da bola” que ainda hoje predomina na maioria das quadras escolares. Dessa forma, percebe-se que muitos professores não cumprem as orientações dadas nos PCNs e acabam se limitando ao ensino do quarteto esportivo: Futsal ou Futebol; Handebol; Voleibol; Basquetebol.

    A Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003, de autoria de Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque, responsável por alterar a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação nacional, que tem por finalidade, incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Portanto, se era difícil para alguns cumprir com as orientações dadas nos PCNs, agora, com a obrigatoriedade da lei, se torna uma missão quase impossível de realizar.

    Partindo de ambos os pressupostos, trabalhar a Capoeira como conteúdo curricular seja por meio das aulas de Educação Física ou por meio de outro componente curricular, torna-se possível a concretização da Lei 10.639/03 bem como o cumprimento das orientações dadas pelos PCNs. Além disso, é um tema relevante para o educador e para o educando, ao passo em que irá revelar a ambos a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, o que possibilita uma abordagem crítica das relações étnico-raciais e seus desdobramentos: a questão do preconceito, da pluralidade cultural, o substrato histórico e cultural africano e outros.

Justificativa: motivos para a realização do trabalho

    Quando comecei a lecionar no Colégio Ônis (Município de Santos, Estado de São Paulo, Brasil) no ano de 2010, inicialmente fui pelo mais fácil, devido a pouca experiência e insegurança, explorei os esportes com bola: Voleibol; Futsal e Basquetebol. Acreditando que eu teria uma boa receptividade por parte dos educandos. O que de fato ocorreu.

    No ano seguinte, em 2011, só me restaria praticamente o Handebol, mas por outro lado queria fugir dessa “Cultura da Bola” que predomina em muitas escolas brasileiras. Já bem mais seguro do trabalho que desenvolvia e mais experiente, decidi explorar esportes sem bola: Capoeira e Atletismo.

    A idéia de se trabalhar Capoeira surgiu de uma combinação de fatores que culminou nessa decisão. Além das orientações dadas por meio dos PCNs e da obrigatoriedade da Lei 10.639/03, somado ao interesse em “ampliar os horizontes” dos educandos, relativos à prática esportiva e a cultura do corpo e do movimento. Ainda, neste mesmo ano, seria o Ano Internacional dos afrodescendentes, o objetivo desta iniciativa era fortalecer o compromisso político de erradicar a discriminação a descendentes de africanos e, também, promover o respeito à diversidade e heranças culturais. Portanto, uma ótima oportunidade para trabalhar a Capoeira como tema das aulas de Educação Física.

    A partir disso, foi elaborado um projeto para os educandos dos 4os e 5os anos sobre o ensino da Capoeira para o segundo trimestre, que compreendeu os meses de maio, junho e agosto.

Objetivos: o que queria que os educandos aprendessem

    O objetivo geral teve como foco rever as atitudes preconceituosas e ações discriminatórias na nossa sociedade a fim de erradicar tais situações relativas aos descendentes de africanos.

    Os objetivos específicos enfocaram no domínio das técnicas convencionais de ataque e esquiva; na identificação e compreensão do universo simbólico da modalidade; no respeito à diversidade e heranças culturais; na valorização e preservação do patrimônio cultural; na participação de situações que promovam aprendizagem intergeracional.

Metodologia: o passo a passo de como o trabalho foi desenvolvido

  • Passo 1 – Roda de conversa: para determinar a presença, ou ausência, de conhecimentos acerca do assunto. A fim de estimular, os educandos, a se interessarem pelo tema.

  • Passo 2 – Vivência corporal: para a iniciação na Capoeira, os educandos conheceram e aprenderam a Ginga e algumas esquivas e ataques básicos.

  • Passo 3 – Pesquisa: para a semana do dia 13 de maio “Abolição da Escravatura” os educandos dos 4os anos pesquisaram e construíram juntamente com as respectivas professoras de classe um varal pedagógico sobre: Abolição da Escravatura e os costumes dos negros no Brasil.

  • Passo 4 – Exposição oral: foi realizada uma exposição do varal pedagógico, dos 4os anos, para os 5os anos. Em seguida, foi realizada uma roda de conversa mediada pelo professor de Educação Física em que o tema abordado foi: Preconceito e Discriminação Racial.

  • Passo 5 – Palestra: para a semana do dia 25 de maio “Dia da África” foi convidado um palestrante para dissertar sobre o tema “Diversidade Cultural e a Figura do Ancião dentro das Comunidades Africanas” voltado para os 4os e 5os anos.

  • Passo 6 – Relatório: os educandos do 5os anos tiveram que elaborar um relatório sobre o conteúdo da palestra. Este material serviu de subsidio para uma futura roda de conversa.

  • Passo 7 – Projeção de vídeo: foi realizada a projeção de um vídeo em que versava sobre a História da Capoeira: desde a origem até o seu desenvolvimento nos dias atuais a fim de compreender os percursos e percalços enfrentados pelos seus próprios agentes específicos; os capoeiras.

  • Passo 8 – Roda de conversa: foi realizada uma roda de conversa abordando assuntos como: Religião e Tolerância.

  • Passo 9 – Vivência instrumental: para a iniciação na musicalidade da Capoeira, os educandos conheceram e aprenderam a tocar pandeiro, atabaque, reco-reco e agogô, além de bater palmas e responder ao coro das cantigas de capoeira.

  • Passo 10 – Aula teórica: foram abordados os Fundamentos e Tradição da roda de Capoeira. Momento este que, foi desenvolvida uma roda de conversa entrelaçando o tema: Respeito e Preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro.

  • Passo 11 – Estudo do meio: era visitar as Ruínas do Engenho de São Jorge dos Erasmos, monitoradas por educadores da USP (Universidade de São Paulo), a fim de potencializar a aprendizagem significativa. 

  • Passo 12 – Vídeo-aula: onde os educandos assistiram a uma Roda de Capoeira e, posteriormente, discutiram os pontos destacados pelo professor.

  • Passo 13 – Roda de Capoeira: para a semana do dia 03 de agosto “Dia do Capoeirista” foi realizada uma roda de capoeira pelos próprios educandos, onde eles foram os protagonistas. Neste dia eles tocaram os instrumentos, jogaram capoeira e responderam ao coro das cantigas de capoeira cantada pelo professor.

Análise e discussão: do processo de aprendizagem dos educandos ao trabalho pedagógico do professor

    Durante a primeira roda de conversa em que foi questionado o que cada educando sabia sobre a Capoeira, logo surgiram comentários como: Capoeira é uma luta; também é uma dança; tem música; não encosta no outro; é uma demonstração. Ao final da conversa foi constato que a Capoeira não era um elemento estranho aos educandos, entretanto, o conhecimento era apenas superficial.

    Foram realizadas aulas práticas para a iniciação na Capoeira, durante todo o trimestre, onde os educandos conheceram e aprenderam a Ginga e algumas esquivas e ataques básicos, além dos deslocamentos por meio dos aús – conhecido popularmente por estrela. No inicio alguns educandos apresentaram certo grau de inibição, mas no decorrer das aulas a inibição foi deixada de lado e a curiosidade em explorar as capacidades físicas e coordenativas foi ganhando espaço.

    Foi possível observar, a participação de todos na construção do varal pedagógico, por meio da presença do trabalho exposto. A exposição oral foi facultativa, de maneira que os educandos que se sentiram confortáveis com a situação comentaram com propriedade o assunto. Em seguida, durante a roda de conversa, os educandos foram auxiliados a construírem o conceito acerca do que vem a ser preconceito e discriminação. Ainda, foram auxiliados a relacionar o conceito construído com as atuais práticas de preconceito e discriminação existentes na sociedade. E por fim, tomaram ciência de como isso ocorria no período pós-abolição. Dessa forma, chegaram à conclusão que alguns preconceitos existentes na atualidade são oriundos deste período.

    Durante a palestra, alusiva ao “Dia da África”, os educandos do 5os anos elaboram um relatório sobre o conteúdo da palestra. Este material serviu de subsidio para a aula seguinte. Percebeu-se, através dos relatórios, a possibilidade de promover a discussão e reflexão sobre os assuntos abordados. Logo, o assunto enfatizado foi a figura do ancião e do jovem nas comunidades africanas e, em paralelo, a figura do mestre e do discípulo na capoeira. Além da relação professor-aluno na atual sociedade brasileira. De tal maneira, os educandos chegaram à conclusão de que aquele que ensina hoje não é tão respeitado como aqueles que ensinavam antigamente.

    Após a projeção de um vídeo em que versava sobre a História da Capoeira: desde a origem até o seu desenvolvimento nos dias atuais. Esperava-se que, através do vídeo fossem compreendidos os percursos e percalços que a Capoeira enfrentou para chegar aos dias de hoje. Entretanto, ao término do vídeo surgiram mais dúvidas ao invés de esclarecimentos. Então, foi realizada uma reflexão coletiva acerca das dúvidas para ventilar as idéias objetivando sanar as dúvidas apresentadas.

    Nesta roda de conversa o tema abordado foi: Religião e Tolerância. Uma questão chave que desencadeou a conversa foi: Capoeira é ou tem a ver com religião? Após muita conversa, e por meio de exemplos que se exigia da articulação do pensar, como: do jogador de futebol ao entrar no campo de futebol se benze, assim como do surfista que antes de adentrar o mar também se benze. Os educandos compreenderam que a religião está na pessoa e não na modalidade esportiva.

    Durante as aulas práticas para a iniciação na musicalidade da Capoeira, os educandos apresentaram pouca dificuldade. Talvez pelo fato do colégio possuir como componente curricular a Música. Portanto, os educandos aprenderam noções básicas de pandeiro, atabaque, reco-reco e agogô, além de bater palmas e responder ao coro das cantigas de capoeira.

    Na aula teórica em que foram abordados os Fundamentos e Tradição da roda de Capoeira, os educandos tiveram a sensação que um enigma foi decifrado. Uma vez que, passaram a entender as nuances e as riquezas de detalhes presentes na roda de Capoeira. E perceberam que a roda é uma ação coletiva e interdependente. Posteriormente, foi entrelaçado o tema: Respeito e Preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. A questão que desencadeou o assunto foi: Qual a importância da Capoeira enquanto Patrimônio Cultural do povo brasileiro? As respostas atenderam as expectativas do professor, visto que os educandos levaram em consideração todo o valor histórico e cultural discutido até o momento nas aulas de Educação Física.

    O planejamento previa o estudo do meio nas Ruínas do Engenho de São Jorge dos Erasmos, localizado no município de Santos, monitoradas por educadores da Universidade de São Paulo. Nesta proposta os educandos do 5os anos iriam conhecer o Engenho dos Erasmos, e seus olhares seriam direcionados para a história, a riqueza cultural e a importância da preservação do monumento. Na volta ao colégio, os educandos do 5os anos fariam um relato da visita aos educandos dos 4os anos. Entretanto, não foi possível realizar está proposta de estudo. Talvez porque a sugestão tenha ocorrido num curto espaço de tempo para sua operacionalização, ou por concorrer com outros estudos do meio. Mas, apesar da importância do trabalho de campo dentro do planejamento, não houve comprometimento. A alternativa foi realizar simples comentários com o intuito de desperta a curiosidade e o desejo de visitar as Ruínas na companhia dos pais.

    Para a semana do dia 03 de agosto “Dia do Capoeirista” bem como na ultima aula do trimestre, foram realizadas uma roda de capoeira pelos próprios educandos, onde eles foram os protagonistas. Neste dia eles tocaram os instrumentos, jogaram capoeira e responderam ao coro das cantigas de capoeira cantada pelo professor. Como os próprios educandos descreveram: “Foi um desafio”. Um desafio que exigiu a participação e a dedicação de todos para atuarem coletivamente, a crença de que todos são capazes, a superação em melhorar o que sabem fazer, e a segurança em colocar o aprendizado em prática.

    Contudo, se no inicio do trimestre era comum ver risos ou chacotas daquele mais desengonçado devido ao sobrepeso ou estado de prontidão diferente da maioria, com o passar das aulas notou-se uma mudança gradual e progressiva nas relações entre os educandos por meio de atitudes e comportamentos solidários e afetuosos.

Considerações finais

    Avaliação foi contínua, preponderando os aspectos qualitativos sobre os quantitativos. De modo que, ocorreu por meio das habilidades ou potencialidades que a atividade proposta quis desenvolver, além de levar em consideração o progresso, a superação e as conquistas do educando, se baseando no comparativo do antes e depois de cada etapa do processo.

    Devido à forma de avaliação, portanto, é possível pontuar que os educandos envolvidos atingiram significativamente os objetivos propostos.

Referências

  • BRASIL. Lei n° 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm

  • _____. Lei n˚ 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Lei História e Cultura Afro-Brasileira. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.639.htm

  • _____. Parâmetros Curriculares Nacionais. v. 7 educação física, Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC, 1997.

  • _____. Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Dossiê Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Brasília: Departamento do Patrimônio Imaterial, 2007.

  • CAPOEIRA, N. Capoeira: os fundamentos da malícia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.

  • SÃO PAULO (Estado). Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagem para a Educação Étnico-Racial na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Secretaria Municipal de Educação. São Paulo: SME / DOT, 2008.

  • SILVA, G. de O.; HEINE, V. Capoeira: um instrumento psicomotor para a cidadania. São Paulo: Phorte, 2008.

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