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Uso do lactato sanguíneo como medidor de performance no triathlon

El uso del lactato sanguíneo como control del rendimiento en el triatlón

 

*Especialista em Treinamento Desportivo e Personal Trainer

Faculdade SOGIPA de Educação Física

** Escola de Educação Física

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Diego Peres Müller*

Rogério da Cunha Voser**

peresmuller@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O avanço do treinamento desportivo, com suas individualidades e questionamentos, levam cada dia mais a busca da minimização de erros na elaboração de um planejamento. O mínimo detalhe pode resultar na perda de uma medalha ou até mesmo a falha na busca de uma marca pessoal. No triathlon, essa busca caracteriza-se em melhorar ao máximo a performance de um atleta em três modalidades. Este estudo de revisão bibliográfica (LAKATOS e MARCONI, 1991) objetivou caracterizar o uso de um marcador bioquímico, o lactato sanguíneo, como um facilitador desse processo na busca de atingir o máximo da performance. Foi observado em diversos estudos que valores mais altos ou valores mais baixos não implicam diretamente na performance final desta prova, visto que os alguns estudos apontaram ainda para uma não-determinação de valores fixos de lactato para o monitoramento de um triatleta, sendo explicado por um dos princípios do treinamento físico, a individualidade de cada atleta, onde mostram respostas diferentes a remoção ou a tolerar melhor esse lactato produzidos e concentrados; além de suas respostas individuais quanto à temperatura ambiente e desidratação durante uma prova.

          Unitermos: Lactato sanguíneo. Triathlon. Performance.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 176, Enero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    O Triathlon consiste em nadar, pedalar e correr, sendo assim uma modalidade única, não podendo ser confundida com a natação, o ciclismo e o atletismo praticados individualmente. Desde seus primórdios, que datam 1974 na cidade de San Diego (EUA), caracteriza-se por ser uma prova de extrema resistência física, onde seus fundadores buscavam inicialmente manter a forma física de alguns atletas de um Clube de Atletismo através de planilhas de treinamento onde o foco principal era a natação e o ciclismo.

    No triathlon, a busca por melhorar ao máximo a performance de um atleta em três modalidades está sempre no início, meio e fim de um planejamento.

    Neste contexto, este artigo de revisão objetivou caracterizar o uso de um marcador bioquímico, o lactato sanguíneo, como um facilitador desse processo na busca de atingir o máximo da performance. Segundo Lakatos e Marconi (1991), uma pesquisa bibliográfica se propõe a fazer uma avaliação crítica na literatura existente. Em seu plano de coleta de dados tem os seguintes passos: Identificação das fontes, Localização das fontes, Compilação, Fichamento, Análise e interpretação e por fim, a Redação.

2.     Revisão de literatura

2.1.     Treinamento

    Segundo Dantas (1999), a elaboração de um programa de treinamento deve ser específica à modalidade esportiva praticada e, ainda respeitar a individualidade biológica do ser humano. Assim, impossibilitando a elaboração de programas de treinamento de alta performance a pessoas que não venham a possuir as capacidades antropométricas, fisiológicas e genéticas para a modalidade. Os estímulos fisiológicos que atuam no organismo do indivíduo podem ocasionar sérios danos à vida do homem. A utilização dos princípios do treinamento desportivo facilita a elaboração de programas de treino para os nadadores, os ciclistas e os corredores. Porém, quando se elabora um programa de treinamento para um atleta que faz as três modalidades seqüencialmente criam-se pressupostos sobre: Quais os tempos de recuperação entre cada estímulo? O princípio da sobrecarga se adequará ao treinamento das três modalidades? Isto possibilitará ao organismo do atleta uma melhor adaptação aos estímulos aplicados? Ainda, como programar melhor as sessões de treinamento para cada uma das modalidades, sem que ocorra um excesso de treinamento (DE VITO, 1995; O’TOLLE, 1995).

    Conhecidamente a melhora do desempenho atlético depende da aplicação e manipulação de duas variáveis fundamentais ao treinamento: o volume e a intensidade. As adaptações fisiológicas e a supercompensação requerem além do treinamento, também períodos suficientes de recuperação. Assim, principalmente o volume de treinamento e o tempo de recuperação se relacionam estreitamente e podem ser considerados críticos para o estado fisiológico geral do atleta, levando a um desequilíbrio entre esforço e recuperação, podendo acarretar sérias conseqüências fisiológicas, que vão desde a diminuição da tolerância ao treinamento e do desempenho até o aumento a susceptibilidade a infecções respiratórias. Essa é a explicação dada por Garcia e Mortatti (1998) para esse fenômeno chamado de overtraining ou síndrome do excesso de treinamento, que pode ser controlada através de avaliações periódicas do limiar anaeróbio, utilizando-se de medições do lactato sanguíneo na sua determinação.

    No âmbito do treinamento desportivo é fundamental controlar diferentes variáveis do treinamento que se relacionem com a carga aplicada além de analisar os efeitos de diferentes metodologias de treino no estado do atleta (MOREIRA et al., 2006).

    Estratégias de treinamento são aperfeiçoadas dia após dia na busca por melhores resultados. Visto isso, pode-se dizer que a ciência do treinamento desportivo, não mais comporta a fixação em um só método de treinamento, nem a reprodução do programa vitorioso da temporada passada e, tão pouco a improvisação sem conhecimentos científicos. Uma vez que num contexto moderno, tendo como objetivo final à otimização da forma desportiva, as pesquisas evidenciam que somente um treinamento metodizado em bases científicas, aplicado ao indivíduo mais favorecido geneticamente, pode promover a melhoria e obtenção das condições ideais para se alcançar um alto nível de rendimento funcional, quer seja nas atividades desportivas em geral, ou em uma especialidade atlética em particular (DANTAS, 1995).

    Segundo Sleivert e Rowlands (2000), a demanda fisiológica da prática seqüenciada das três modalidades é única, impondo aos triatletas o desenvolvimento de características antropométricas e fisiológicas distintas das que são pertinentes aos atletas que praticam somente uma das modalidades que o compõe. A prova considerada mais importante do Triathlon ultimamente - o Ironman - é constituída de 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo de estrada e maratona de 42,195 km, a serem realizadas em um único dia. Porém, com o intuito de facilitar a popularização deste esporte, foram criadas diversas derivações do triatlhon, com distâncias reduzidas, entre elas o Short Triathlon, (750m de natação, 20km de ciclismo e 5km de corrida) e o Triathlon Olímpico (1,5km de natação, 40km de ciclismo e 10km de corrida).

    Logo, em um mesmo percentual de esforço, autores em sua maioria indicam que indivíduos diferentes podem se encontrar em fases distintas em relação à cinética do lactato, o que é determinante para a duração e manutenção da qualidade do exercício.

2.2.     Lactato sanguíneo e fadiga

    Nos últimos anos, o uso do lactato sangüíneo, como indicador do estado de condicionamento físico, ou da intensidade de treinamento, ganhou grande impulso. Isto se deve, principalmente, à facilidade na obtenção e análise de amostras através de instrumentos semi-automatizados. Em particular, esta medição tem sido amplamente utilizada em exercícios aeróbios e anaeróbios (HOPKINS, 1991, apud FERREIRA 2005).

    Normalmente verifica-se uma baixa concentração de lactato no sangue em repouso (aproximadamente 1 mmol/L no sangue e no músculo) (MAZZA, 1997). A taxa de remoção depende da concentração de lactato, ou seja, é necessário que a lactatemia alcance um determinado nível para forçar a remoção de lactato e estimular as enzimas e coenzimas a catalisar o processo de reversibilidades. Por este fato encontramos sempre concentrações de lactato sanguíneo mesmo em situações de repouso.

    Nos exercícios de longa duração, com duração superior a 30 minutos, a energia para a contração muscular provém da combustão aeróbica do glicogênio, gorduras e proteínas (ASTRAND, 1980 apud FERREIRA, 2005). Em exercícios de baixa intensidade, há predominância da utilização de gorduras sobre a de glicogênio, ocorrendo o inverso nos de alta intensidade. Em exercícios de longa duração, o atleta está sujeito a fadiga devido a vários fatores: depleção de glicogênio muscular, acidose induzida pelo lactato, desequilíbrio hídrico ou mineral, etc, onde a acidose induzida pelo lactato é um importante fator de fadiga (JACOBS, 1986 apud FERREIRA 2005).

    A resposta do lactato sangüíneo durante um exercício incremental tem sido muito utilizada na área esportiva como forma de mensuração dos efeitos do treinamento, prescrição das intensidades de exercícios e como forma de estimar o desempenho em diferentes modalidades esportivas (FERREIRA et al. 2007; BILLAT et al., 2003).

    O lactato é mais um intermediário metabólico do que um produto final do metabolismo energético. O lactato é continuamente formado e liberado de diversos tecidos como os músculos esqueléticos e as células vermelhas sanguíneas. O lactato também serve como uma fonte energética em tecidos altamente oxidativos como o coração e o precursor da gliconeogênese, o fígado; sendo assim, um bom marcador indireto de alterações no metabolismo celular (ROBERGS, 2001).

    Mazza (1997) refere que durante o processo de recuperação mais de 70% de lactato é reconvertido em piruvato e oxidado na mitocôndria. A afirmação deste autor é tanto mais importante, se considerarmos que é em repouso que vamos completar o ciclo da glicólise com o aproveitamento do produto final da glicólise anaeróbia, traduzindo-se numa maior eficiência energética dado o aproveitamento de toda a energia disponível numa molécula de glicose graças à reversibilidade dos diferentes percursores da glicose. 

    Weltman (1983) apud Costa (1995) demonstrou que elevada lactacidemia pode induzir fadiga em exercício, independente do músculo em atividade. Esta situação pode ocorrer, no triathlon, quando um atleta realiza as primeiras provas em intensidades muito elevadas. Na natação, há predominância da utilização de membros superiores. Contudo, se houver acúmulo de lactato na natação, as provas subseqüentes, apesar da predominância da atividade de membros inferiores, devem estar prejudicadas. Embora a produção de energia através da metabolização do glicogênio a lactato seja predominante em exercícios com duração de até três minutos, atletas bem condicionados podem tolerar elevadas concentrações de lactato durante muito tempo.

    A depleção de glicogênio muscular é reconhecida, há muito tempo, como um importante fator de fadiga no exercício de longa duração. Além disso, sabe-se que a depleção de glicogênio muscular ocorre, predominantemente, nas fibras musculares recrutadas no exercício (FOX & MATHEWS, 1983, apud FERREIRA, 2005). Em outras palavras, exercícios de alta intensidade produzem depleção de glicogênio em fibras brancas, enquanto que os de baixa intensidade em fibras vermelhas. Já que o glicogênio muscular é o substrato primário da produção de lactato, a depleção daquele resulta em menor produção deste ácido.

    Segundo Pereira (1989), as intensidades de exercício podem ser expressas pela concentração de lactato sangüíneo em quatro níveis:

  1. trabalho de aeróbio, correspondendo a lactato de até 2,0 mM;

  2. trabalho de baixa acidose, com lactato até 4,0 mM;

  3. trabalho de média acidose, com lactato de até 6,0 mM e

  4. trabalho de elevada acidose, com lactato superior a 6,0 mM.

    Conforme Jacobs (1986), quando a concentração de lactato atinge valores superiores a 5 mM, há fadiga evidente no exercício subseqüente.

    Em sua monografia, Ferreira (2005), objetivou seu estudo para desmistificar cientificamente o que autores vêm publicando sobre o Triathlon nacional e internacionalmente, em diversas áreas de pesquisa. Cita a fisiologia abordando que o tipo de exercício praticado no triathlon, com duração superior a 30 minutos, provém sua energia para a contração muscular da combustão aeróbia do glicogênio, gorduras e proteínas (ASTRAND; RODAHL, 1980; FOX; MATHEWS, 1983). Nesse tipo de exercício o atleta está sujeito a fadiga devido a vários fatores: depleção de glicogênio muscular, acidose induzida pelo lactato, desequilíbrio hídrico ou mineral, etc.

2.3.     A prova e o lactato

    Partindo para o campo da especificidade na elaboração de um programa de treinamento de triathlon, dois estudos se propuseram a analisar o comportamento do lactato em provas de Short Triathlon (750m natação, 20km ciclismo e 5km de corrida). Costa e Kokubun (1995) realizaram um estudo onde simularam uma prova de short triathlon, com intuito de verificar a concentração de lactato produzido e compara-los com as concentrações encontradas nas provas isoladas de natação, ciclismo e corrida. Participaram do estudo 8 triatletas do sexo masculino com idade 26, 3 ± 4,1 anos, peso 65,1 ± 2,5 kg e estatura 175 ± 0,04 cm, atletas que realizavam treinamento regular para esta modalidade.

    Os autores verificaram que as velocidades da prova do ciclismo e da corrida eram significativamente maiores (4,1 e 8,0% respectivamente) quando realizadas isoladamente do que quando realizadas de modo combinado (natação-ciclismo-corrida). Porém, a concentração de lactato pós-esforço, não variou significativamente entre as duas condições (isolada e combinada). Onde na prova de ciclismo (isolada) a concentração de lactato foi de 9,11 ± 1,49 e de forma combinada foi de 7,39 ± 2,85, com uma diferença de concentração de lactato de -1,72 ± 2,64. Para a corrida os valores das concentrações de lactato sanguíneo foram 7,16 ± 2,06 (isolada) e 6,79 ± 1,55 para a prova combinada e diferença de -0,37 ± 1,93. As diferenças do tempo e de lactato entre as provas combinadas e isoladas apresentaram correlação significante, sugerindo que a diminuição do desempenho na prova combinada pode ser atribuída à acidose que se verifica antes do início da próxima etapa.

    Como a diferença em percentuais entre a velocidade de prova e a velocidade do limiar anaeróbio correlacionaram-se negativamente (r = -0,90) entre a natação e o ciclismo, é provável que a diminuição de velocidade no ciclismo possa ter ocorrido porque após a prova de natação os triatletas encontravam-se em acidose, já que a velocidade de nado foi acima do limiar anaeróbio, e como se sabe, concentrações de lactato superiores a 4-6 mM determinam prejuízo para o exercício subseqüente (WELTMAN; REAGAN, 1983). Dentre os 8 sujeitos, apenas um apresentou o lactato sanguíneo inferior a 5,0 mM e um outro ficou entre 4,8 e 6,0 mM na prova combinada. Todos os demais sujeitos realizaram as três provas combinadas com lactato superior a 6,0 mM.

    Correlacionado a isso, o estudo realizado por Balakian e Denadai (1994) com seis triatletas durante uma prova de short triathlon (750 metros de natação, 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida), teve como objetivo determinar a correlação entre Limiar Anaeróbio (LAn) a performance e, comparar a velocidade correspondente ao LAn na natação, ciclismo e corrida, com a velocidade média destas provas durante o short triathlon. A amostra consistiu de um grupo de atletas que realizaram um programa de treinamento da modalidade, todos do sexo masculino, com idades entre 17 e 26 anos. Para a determinação do Limiar Anaeróbio foi considerada apenas a mais alta concentração de lactato encontrada das três amostras realizadas em cada tiro. Deste modo, para cada tiro foram determinadas a velocidade média e sua respectiva concentração de lactato e, por interpolação linear, foi calculada a velocidade correspondente a 4 mM de lactato (Limiar Anaeróbio). O grande achado do estudo foi que houve correlação significante entre a velocidade do Limiar Anaeróbio na natação, ciclismo e corrida e o tempo no percurso em cada evento (r = -0,98, r = -0,90 e r = -0,89) respectivamente. Os resultados encontrados sugerem que o LAn é uma variável capaz de predizer a performance em provas de triathlon de curta distância (short triathlon) com 750 metros de natação, 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida e provas com distâncias um pouco acima do triathlon olímpico (1.9 quilômetros natação, 90.3 quilômetros de ciclismo e 21.1 quilômetros de corrida), sendo portanto um índice fundamental para a seleção do treinamento de triatletas que treinam para competir nessas distâncias.

    Além disso, verificaram que a velocidade média da prova de natação era significativamente maior do que o respectivo limiar de lactato, enquanto que nas provas de ciclismo e corrida, o resultado era o inverso. Esses achados indicam que o treinamento aeróbio é mais importante para o Short Triathlon do que o treinamento para tolerância da lactacidemia. Os resultados do presente estudo indicam que:

  1. a prova combinada de triatlon provoca diminuição significativa no desempenho das provas de ciclismo e corrida;

  2. nas provas combinadas, a redução do desempenho é devido, parcialmente, à elevada lactacidemia, que já ocorre na prova de natação.

    Lopes (2006) caracterizou sua monografia utilizando o lactato como um divisor entre onde o limiar de treinamento efetivo e o início de um overtraining. O objetivo desse estudo foi verificar a importância de alguns parâmetros fisiológicos e bioquímicos em algumas possíveis alterações do organismo durante uma prova de triathlon olímpico, para delimitar uma margem segura entre um limiar de treinamento efetivo e o início de um overtraining. A amostra foi composta de 12 triatletas, com idade de 27,9 ± 1,73 anos, estatura de 177,9 ± 2,16cm, peso corporal médio de 73,88 ± 1,73kg, com somente 7,3 ± 0,55% de gordura. Procurou simular um triathlon com distâncias olímpicas, e permitiu coletas de sangue da polpa digital e de sangue intravenoso antes da prova, no final de cada modalidade (natação, ciclismo e corrida) e após 1 hora de recuperação. As análises de sangue capilarizado mostraram que as concentrações de lactato sanguíneo foram mais elevadas durante o ciclismo (6,98 mmol/L), seguido pela natação (5,75 mmol/L) e corrida (4,47mmol/L). Todos os valores de lactato durante a prova se diferenciaram dos valores de repouso e de recuperação (p<0,05).

Tabela 1. Principais estudos sobre o Triathlon

    Demonstrou-se que a concentração de lactato sangüíneo diminui quando há depleção de glicogênio. A depleção de glicogênio é um importante fator de fadiga em exercícios com duração de 90 minutos ou mais (BERGSTROM et al, 1967 apud FERREIRA, 2005) .

    Ferreira (2005) cita em sua monografia alguns estudos comparativos acerca da produção e remoção de lactato sanguíneo em diferentes tempos de exercício, tais como:

  • Farber et al (1987) verificaram que a concentração do lactato em competição de Ironman permanecia estável;

  • van Rensburg et al (1986) verificaram que a concentração plasmática de glicerol e ácidos graxos livres aumentava ao longo da mesma competição.

    Esses achados estão de acordo com a hipótese de que, em provas de longa duração, tal como o Ironman, a mobilização e oxidação de lipídeos aumenta ao longo de sua realização, agindo como importante mecanismo de economia de glicogênio muscular (O'TOOLE et al, 1989).

    Mayers et al, (1986) verificaram que, após 45 minutos de ciclismo, a velocidade máxima de corrida era significativamente diminuída e que após 60 minutos de ciclismo, havia aumento do consumo de oxigênio, lactato sangüíneo, freqüência cardíaca e ventilação pulmonar quando os sujeitos realizavam corrida em velocidade constante. Esses achados sugerem que a prova de natação não afeta o desempenho em ciclismo, porém, este último, afeta o desempenho na corrida. Os resultados do presente trabalho confirmam o efeito residual da prova de ciclismo sobre a de corrida.

    Como está bem estabelecido, quanto menor a duração do esforço, maior é a intensidade do exercício e conseqüentemente, a concentração do lactato, então, sugere-se dois tipos de treinamento para uma melhor performance:

  1. treinamento para aumentar a tolerância à acidose, através de exercícios anaeróbios, ou:

  2. treinamento para diminuir a produção de lactato, através de exercícios aeróbios.

    Entretanto, sabemos que o treinamento de alta intensidade está inversamente correlacionado com a capacidade aeróbica, resultando o treinamento aeróbio resulta em um aumento da atividade enzimática mitocondrial, e, em conseqüência, a capacidade de oxidação de gorduras e carboidratos. Disto resulta: menores concentrações muscular e sangüínea de lactato, menor taxa de depleção de glicogênio e maior aproveitamento das gorduras para o metabolismo energético. O treinamento aeróbio produz queda na atividade de enzimas glicolíticas, tais como a glicogênio fosforilase, fosfofrutoquinase, gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, piruvato quinase e lactato desidrogenase. Essas adaptações resultam em deslocamento da curva de lactato para a direita, de modo que o seu acúmulo se inicia em intensidade de exercício mais elevada (Jacobs, 1986 apud Ferreira, 2005).

2.4.     Natação e triatletas

    No que diz respeito à primeira etapa de uma prova de triathlon, a natação, Ribeiro et al (2001) fala acerca da utilização da “esteira” durante a prova e seus benefícios. (este trabalho teve como propósito verificar, através da lactacidemia, a possível existência de uma redução no gasto energético em natação, devido à utilização da esteira de um atleta por outro em velocidade correspondente à concentração sanguínea de 4 mM de lactato, além de comparar as respostas de nadadores e triatletas à utilização da esteira.

    Participaram do estudo dezesseis indivíduos treinados de ambos os sexos, que participaram de três avaliações. 1) 1x400 m para a determinação da velocidade máxima (Vmax); 2) 2x400 m, respectivamente a 85 e 100% da Vmax para a determinação do LA; 3) 2x400 m à 100% do LA para verificação do efeito da esteira sobre a lactacidemia. Nas avaliações 2 e 3, os atletas tiveram coletadas do lóbulo da orelha amostras sangüíneas para a determinação da lactacidemia. Tanto a velocidade máxima para 400 m (1,38 ± 0,09 vs 1,20 ± 0,06 m.s-1) quanto o LA (1,29 ± 0,06 vs 1,12 ± 0,02 m.s-1) foram significantemente maiores (p < 0,05) para os nadadores, e a utilização da esteira reduziu significantemente a lactacidemia pós-esforço dos nadadores (4,47 ± 1,44 vs 3,19 ± 1,05 mM) e triatletas (3,95 ± 0,33 vs 2,10 ± 0,21 mM). Também foi significante a diferença observada entre os grupos na situação esteira (3,19 ± 1,05 vs 2,10 ± 0,21 mM).

    O autor define assim que a utilização da esteira proporciona considerável redução do gasto energético em velocidade correspondente ao LA para ambos os grupos, sendo esta redução mais acentuada entre triatletas. Logo, conclui que em provas de natação em águas abertas ou no triathlon esta prática deve ser estimulada para maximizar a performance do atleta, visto que essa é uma pratica liberada pelas regras do triathlon mundial. A utilização da esteira reduziu significantemente a lactacidemia pós-esforço de nadadores e triatletas em velocidade correspondente ao limiar anaeróbio, indicando uma redução da participação do metabolismo anaeróbio lático enquanto via energética para a realização do trabalho, e conseqüentemente uma redução no gasto energético.

    Em uma comparação sobre o tema proposto, a redução média da lactacidemia entre nadadores de 28% se aproxima da encontrada por Basset et al (1991), que observaram uma queda de 31% na concentração desse metabólito fisiológico entre atletas que utilizaram a esteira a 95% da velocidade máxima em 600 jardas (549 m). Entre triatletas, a redução média da concentração sangüínea de lactato devido à utilização da esteira foi de 46%. Vale ressaltar que no presente estudo os atletas foram avaliados em intensidade correspondente à 100% do LA.

2.5.     Corredores e triatletas

    Denadai et al. (2004) coloca que mensurar e identificar índices fisiológicos que possam ser utilizados para a predição das capacidades do indivíduo possibilita aplicações importantes dentro da área de avaliação e treinamento. O treinamento aeróbico pode ser mais bem monitorado quando aplicado de acordo com as respostas de uma avaliação, aprimorando a capacidade aeróbica no indivíduo. Existe, de fato, um efeito generalizado a partir desta forma de treinamento no sentido de reduzir os níveis sangüíneos de lactato, que é o principal produto referente ao LAn, e prolongar o nível de intensidade do exercício antes do inicio do acúmulo demasiado deste produto.

    Em razão do anteriormente exposto, objetivou-se avaliar o limiar anaeróbio (LAn) através do comportamento do lactato sanguíneo, e determinar se as variáveis identificadas neste ponto de transição fisiológica, como freqüência cardíaca e velocidade de corrida são coincidentes entre corredores e triatletas. Por meio de teste em laboratório, participaram desta pesquisa seis corredores e seis triatletas, do sexo masculino. Antes de iniciar o protocolo na esteira, foi mensurada a freqüência cardíaca e a concentração de lactato sanguíneo durante o repouso, com o indivíduo sentado por 03 (três) minutos. A determinação do LAn consistiu num protocolo incremental, onde era aumentada a velocidade em 1,2 km/h-1 a cada três minutos. Ao final de cada estágio era feita coleta de sangue e freqüência cardíaca. A determinação do LAn foi feita por meio de análise visual da curva de lactato, utilizando o Limiar Anaeróbico Individual (IAT). Encontrou-se uma diferença estatisticamente significativa, sendo que os corredores atingiram o limiar com a velocidade média de 17,8 ± 1,4 km/h-1, enquanto os triatletas alcançaram 16,4 ± 0,8 km/h-1. O autor conclui afirmando que o modelo aplicado mostrou-se bastante eficiente para identificar o LAn, apresentando, desta forma, uma alternativa para determinação deste parâmetro.

3.     Conclusão

    Analisando os estudos coletados, pode-se sugerir que o triathlon envolve várias características singulares no que diz respeito a sua prática e treinamento. As variáveis antropométricas e fisiológicas parecem apresentar significante contribuição para esse esporte, sendo necessário uma atenção especial a essas variáveis na prática e também na investigação desse esporte para o início e a melhoria do rendimento esportivo.

    Na correlação dos parâmetros lactacidêmicos com o desempenho final do triathlon, os valores de lactato não mostraram ser preditivos ao tempo de prova. Ou seja, pela concentração de lactato ser extremamente individual, valores mais altos ou valores mais baixos não implicam diretamente na performance final desta prova. Alguns estudos apontaram ainda para uma não-determinação de valores fixos de lactato para o monitoramento de um triatleta, sendo explicado por um dos princípios do treinamento físico, a individualidade de cada atleta, onde mostram respostas diferentes a remoção ou a tolerar melhor esse lactato produzidos e concentrados; além de suas respostas individuais quanto a temperatura ambiente e desidratação durante uma prova.

    Porém, considerações são feitas tanto aos valores de lactato durante a prova, que apresentaram-se diferentes dos valores pré prova e de recuperação, como a sugestão de que a natação, por ser a primeira modalidade de um triathlon, seja determinante ao acúmulo de lactato para as modalidades subseqüentes. Apesar de haver uma remoção de lactato durante a corrida, os valores relatados no ciclismo e apresentados nos diversos estudos foram bem elevados, caracterizando uma intensa produção e pouca remoção de metabólitos influentes no desempenho, talvez até devido à alta acidose que se verifica em qualquer uma das três provas.

    Uma consideração a ser feita remete ao fato de que futuros estudos poderiam voltar-se a determinação de um valor fixo de lactato por modalidade, ou seja, com uma grande amostra acredito ser possível criar um ponto de referência para o Short Triathlon, Triathlon Olímpico e Ironman, as principais categorias do triathlon.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 176 | Buenos Aires, Enero de 2013
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