efdeportes.com

Perspectivas para atuação do profissional
de Educação Física na Saúde Pública

Las perspectivas para la intervención del profesional de la Educación Física en la Salud Pública

 

*Professor Doutor da Central de Cursos da Universidade Gama Filho (UGF)

e das Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU)

**Professor Doutor do Departamento de Psicologia

da Universidade Regional de Blumenau (FURB).

***Professor Mestre do Departamento de Educação Física e Desportos

da Universidade Regional de Blumenau (FURB)

Clóvis Arlindo de Sousa*

Carlos Roberto de Oliveira Nunes**

Sidirley de Jesus Barreto***

sidbarreto@ibest.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Os primeiros métodos regulares de Educação Física, baseados em princípios científicos, surgiram no final do século XVIII, com Amoros e Ling. Além do Brasil, vários países da Europa tiveram sua história influenciada pelas práticas de Educação Física, primeiramente fundamentadas em ideais higienistas, depois militares, e mais recentemente, associadas às práticas esportivas competitivas e de rendimento. Atualmente, à medida que as evidências em relação às necessidades de saúde da população apontam para a importância da prática de exercícios físicos, renasce a demanda higienista de aprimoramento da saúde coletiva. Este estudo tem por objetivo descrever a mudança de paradigmas recentemente sofrida pela área de Educação Física, e apontar necessidades de revisão dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação nesta área. A Saúde Pública teve seu interesse inicial pela prática de exercícios físicos já nas décadas de 50 e 60 do século XX, com estudos associando as doenças cardiovasculares com os níveis de atividade física no trabalho. Havia, também, os interesses na preparação militar de jovens e na aptidão física relacionada ao desempenho para competições esportivas. A partir da década de 80 do século XX, foi iniciada a proposta de mudança de ênfase da aptidão física voltada ao desempenho para a aptidão física relacionada à saúde, também com grande repercussão na Educação Física Escolar em todo o mundo. Esta mudança enfoca a promoção da saúde e da qualidade de vida da população, a partir da qual o Educador Físico passa a atuar em equipes multiprofissionais de educação e de saúde; adicionalmente, a Estratégia Saúde da Família tornou-se um campo importante de atuação para Profissionais de Educação Física. Em virtude da ampliação no campo de atuação da área e da mudança de paradigma, identifica-se a necessidade de revisão dos Projetos Pedagógicos dos cursos de Graduação em Educação Física, no sentido da preparação de profissionais para a ocupação ética, eficiente e cientificamente fundamentada deste novo campo de atuação. 

          Unitermos: Educação Física. Treinamento. Qualidade de vida. Promoção da saúde. Saúde Pública. Currículo.

 

Resumen
         
Los primeros métodos regulares de educación física, basada en principios científicos, surgieron en el siglo XVIII, con Amorós y Ling. Además de Brasil, varios países europeos fueron influenciados en su historia por las prácticas de educación física, primero fundadas en los ideales higienistas, después por los militares, y más recientemente asociada con los deportes de competición y rendimiento. En la actualidad, a medida que las evidencias con respecto a las necesidades de salud de la población se orientan hacia la importancia de la práctica de ejercicios físicos, renace la demanda higienista de mejoramiento de la salud pública. Este estudio tiene como objetivo describir el cambio de paradigma sufrido recientemente por el área de Educación Física, y señalar las necesidades de revisión de los Proyectos Pedagógicos de los programas de graduación en esta área. La Salud Pública tiene su interés inicial por el ejercicio físico desde los años 50 y 60 del siglo XX, con los estudios que relacionan la enfermedad cardiovascular con niveles de actividad física en el trabajo. Existía también el interés en la preparación militar de los jóvenes y la forma física relacionada con el desempeño en las competencias deportivas. Desde la década de 1980, comenzó la propuesta del cambio en el énfasis del rendimiento hacia la condición física orientada a la aptitud física y la salud, también con gran impacto en la Educación Física en el mundo. Este cambio se centra en la promoción de la salud y la calidad de vida, en la cual el educador físico empieza a funcionar en equipos multidisciplinarios de educación para la salud y, además, la Estrategia de Salud de la Familia se ha convertido en un importante campo de acción para los profesionales de Educación Física. Debido a la expansión del área de intervención y el cambio de paradigma, se identifica la necesidad de una revisión de los Proyectos Pedagógicos de los cursos de graduación en Educación Física, en la preparación de profesionales para la ocupación ética, eficiente y científicamente fundamentada de este nuevo campo de actuación.

          Palabras clave: Educación Física. Entrenamiento. Calidad de vida. Promoción de la salud. Salud Pública. Curriculum.

 

Abstract 
         
The earliest regular methods of physical education, based on scientific principles, emerged in the late eighteenth century, with Amoros and Ling. Beyond of Brazil, several European countries had its history influenced by the practices of physical education, first founded on ideals hygienists, after the military, and more recently associated with competitive sports and performance. Currently, as the evidence regarding the health needs of the population point to the importance of physical exercise, reborn demand hygienist improvement of public health. This study aims to describe the paradigm shift recently suffered by the area of Physical Education, and point out needs for revision of the Pedagogical Projects of undergraduate programs in this area. The Public Health had its initial interest by physical exercise since the 50s and 60s of the twentieth century, with studies linking cardiovascular disease with levels of physical activity at work. There was also the interests of young people in military preparedness and performance-related fitness for sports competitions. From the decade of the 80th century, started the proposed shift in emphasis from physical fitness oriented performance for physical fitness and health, also with great impact on Physical Education in the world. This change focuses on health promotion and quality of life, from which the Physical Educator starts operating in multidisciplinary teams of health education and, additionally, the Family Health Strategy has become an important field of action for Physical Education Professionals. Due to the expansion of the playing field area and the paradigm shift, it identifies the need for revision of the Pedagogical Projects of undergraduate courses in Physical Education, towards the preparation of professional ethics for the occupation, efficient and scientifically substantiated this new playing field.

          Keywords: Physical Education. Training. Quality of life. Health promotion. Public Health. Curriculum.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 176, Enero de 2013. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    A partir do final do século XVIII, houve, mundialmente, um conjunto de discussões sobre os primeiros métodos regulares de Educação Física (EF), baseados em princípios científicos e/ou sistemáticos, por exemplo: método Sueco de Ling; método de Amoros; método natural de Hebert; método de Démeny; método Francês de D’Argy e de Laisné; método Alemão (Basedow) de Muths, Jahn e Spiess; e o método Calistênico de Christina André. No Brasil, a história da Educação Física pode ser dividida em três períodos, do mesmo modo que a sua história política: Brasil Colônia (1500-1822), Brasil Império (1822-1889) e Brasil República (1899 até os nossos dias) (GOIS JUNIOR, 2000).

    As atividades físicas realizadas no Brasil Colônia não tinham por objetivo a recreação e o lazer, mas eram impostas pelas necessidades criadas pelo ambiente próprio, como o arco e flecha, a caça e a pesca, a navegação e a canoagem, a corrida (processo de rápida locomoção em terra), a natação, a equitação e as danças (rituais). Com a chegada dos Jesuítas (1549), iniciou-se a catequização dos índios, com aulas teóricas pela manhã e com prática de atividades físicas naturais à tarde (SOARES, 1994 e 2004).

    No período do Brasil Império, houve grande número de trabalhos sobre EF, matéria geralmente escolhida para tema nas teses apresentadas pelos doutorados nas Escolas de Medicina. Nesta época, a Europa, sobretudo a França, estava preocupara em resgatar a energia social de seu povo, pois devido a Revolução Industrial, os franceses estavam debilitados, indispostos e fisicamente fracos, e isto poderia comprometer a supremacia do país. É a partir desse período que os ideais higienistas se fortaleceram e foi iniciada sua influência sobre a EF (GUIRALDELLI JUNIOR, 2004).

    Em 1851, foi aprovada a lei que incluiu a ginástica nos currículos escolares. Rui Barbosa preconizou a obrigatoriedade da EF nas escolas primárias de secundárias, praticada 4 vezes por semana durante 30 minutos (SOARES, 1994 e GOIS JUNIOR, 2000). A influência militar na área reside nos métodos ginásticos, na formação dos primeiros instrutores, na ênfase na disciplina e dos valores físicos. Isto é inegável, mas também é inegável que estes pressupostos de uma EF rotulada como militarista tem origem no pensamento higienista (SOARES, 1994).

    O ideal higienista visava à formação de valores morais e disciplinadores, características consideradas militaristas. Não se concebe uma divisão temporal entre “higienismo” e militarismo, mas se entendermos que a sistematização da EF moderna foi uma exigência dos higienistas, que enfatizavam aqueles valores (GUIRALDELLI JUNIOR, 2004), pode-se deduzir haver forte associação entre o higienismo e o militarismo na gênese do pensamento educacional do ocidente.

    Durante o final do século XIX e início do século XX, também foram iniciadas as aplicações dos conhecimentos sobre exercícios físicos no tratamento de doenças e na recuperação de lesões (NAHAS, 2010). Durante a primeira metade do século XX, foi criado o Método Pilates, que teve repercussão a partir dos anos 40, voltado à recuperação de soldados acamados, e que ressurgiu a poucos anos atrás, remodelado e como atividade de condicionamento ou recuperação física, e é aplicado por profissionais de EF e de Fisioterapia (PAFFENBARGER et al., 2001; PARK, 1997; NAHAS e GARCIA, 2010).

    Em meados do século XX, a Saúde Pública teve seu interesse voltado para a relação entre a prática de atividades físicas e o desenvolvimento das condições de saúde, com estudos pioneiros associando as doenças cardiovasculares ao nível de atividade física no trabalho (MORRIS et al., 1953). Nos anos 50 e 60, havia o interesse da medicina por fatores associados à crescente prevalência de doenças cardíacas em países industrializados, e na EF, continuava dominando o interesse na aptidão física relacionada ao desempenho motor para as competições esportivas ou para a preparação militar de jovens (PAFFENBARGER et al., 2001; NAHAS e GARCIA, 2010).

    O início do Brasil República foi marcado pela acentuação da preparação militarista. Os exercícios físicos podiam ser encontrados apenas no Ginásio Nacional, Colégio Militar, Exército, Marinha e nas Associações Cristãs de Moços. Neste período, foram criados Centros e Escolas militares de EF com objetivo de preparar instrutores e monitores. Essa foi uma época onde começou a profissionalização da EF. Foi um período marcado também por práticas pedagógicas embasadas em métodos de treinamento esportivo, automatizados e repetitivos, no sentido do desenvolvimento científico-tecnicista e competitivo (OLIVEIRA, 2002).

    A partir da década de 1980, foi iniciada a proposta de mudança de ênfase da aptidão física voltada ao desempenho para a aptidão física relacionada à saúde, também com grande repercussão na EF Escolar em todo o mundo. Esta proposta incluía as medidas de aptidão cardiorrespiratória, força e resistência muscular, flexibilidade e de composição corporal, pois surgiu a preocupação com a obesidade na população (AAHPERD, 1980).

    A EF começava então a utilizar os conhecimentos científicos e as evidências epidemiológicas em suas práticas, aumentando sua vinculação com as questões de saúde pública, como o aprimoramento da saúde da população e a proteção contra a mortalidade precoce (PAFFENBARGER et al., 1986; BLAIR et al., 1989). No início dos anos 90, a atividade física foi definida como uma prioridade da pesquisa em saúde pública, e o sedentarismo passou a ser considerado um fator de risco primário e independente para doenças cardiovasculares (FLETCHER et al., 1992). Houve então um interesse crescente e multidisciplinar na pesquisa em atividade física e saúde, e sucederam-se recomendações de pesquisas populacionais sobre os benefícios da atividade física para prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, a hipertensão arterial sistêmica, o câncer, o diabetes, a osteoporose e a obesidade (HHS, 1996; PATE, 2009).

    O terceiro milênio trouxe também uma nova demanda para na área de EF, que passou a considerar cada vez mais cuidadosamente as questões relacionadas com atividade física e saúde. Diversos jovens pesquisadores brasileiros da área de EF buscaram na saúde pública os conhecimentos da Epidemiologia, e os têm aplicado de forma efetiva nos diversos temas relacionados à EF. Estudos mais qualificados, com melhor base teórica e abordagens metodológicas apropriadas para pesquisas populacionais têm colaborado para o crescimento dos estudos em atividade física e saúde no Brasil (NAHAS e GARCIA, 2010; NAHAS, 2010).

    A partir deste prenúncio, a EF passou a ser incluída na atuação em saúde, nos níveis de atenção primária, secundária e terciária, de caráter inter e trans disciplinar, a despeito de que ela já havia tido esta abordagem, no período da EF higienista (GUIRALDELLI JUNIOR, 2004). Esta inclusão na área de saúde nem sempre tem sido simples, pois, muitas vezes, são identificadas dificuldades no diálogo com outras formações profissionais e científicas (AMARAL e PEREIRA, 2009).

    Há o entendimento de que a atividade física adequadamente realizada é determinante para o aumento da longevidade humana saudável (BARRETO e SILVA, 2007), atuando de maneira efetiva na prevenção e na redução de danos de várias doenças crônicas não transmissíveis. Acredita-se que uma pessoa sedentária, muito provavelmente, vai frequentar mais os hospitais, realizar mais exames, mais consultas médicas, e tomar mais remédios durante sua existência, irá faltar mais ao trabalho e, consequentemente, produzirá menos (NAHAS, 2010), contra a lógica capitalista vigente que objetiva o lucro (Pitanga, 2002).

    O desenvolvimento das condições de vida da população envolve ações sobre muitas dimensões sociais diferentes. Podem ser incluídas a prevenção de enfermidades através de ações de vacinação, a modificação de maus hábitos alimentares e de higiene, o estabelecimento de condições adequadas de saneamento básico, a melhoria das condições de trabalho, o desenvolvimento de atividades de lazer, a disponibilização de infraestrutura de tratamento e reabilitação de enfermidades, e outros mais, como o combate ao sedentarismo (BARRETO e GUERRA FILHO, 2000 e SOUSA e BARRETO, 2004).

    A área de EF pode colaborar de maneira importante com equipes multiprofissionais de saúde para reduzir o sedentarismo, como fator de risco à saúde da população (SOUSA e BARRETO, 2004). Nesta direção, a Política Pública Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) destaca, entre as prioridades de ação até 2011, a indução de atividades físicas e práticas corporais, como fatores de proteção contra condições de risco à saúde (Malta et al., 2009).

    Tal objetivo poderá ser atingido por meio do desenvolvimento de ações educativas, intervindo de forma individual, familiar e coletiva, na compreensão da interrelação saúde/doença. A partir desta premissa, a aptidão física relacionada à saúde compreende as dimensões morfológica, funcional-motora, fisiológica, comportamental e cognitiva, caracterizadas por pólos favoráveis e desfavoráveis, dentro de uma visão em que a relação saúde/doença deve ser analisada como fenômeno de um processo multifatorial e contínuo (GUEDES e GUEDES, 1995), fortemente determinado pelos estilos de vida adotados pelas pessoas.

    Diante deste contexto, da necessidade de estabelecimento de hábitos coletivos de práticas de atividades físicas, de definição da PNPS de indução de atividades físicas, das dificuldades de diálogos dos Profissionais de EF com outros da área de saúde, surge o desafio da inclusão desses profissionais nas equipes de saúde dos vários níveis de atenção (primária, secundária e terciária). O conhecimento científico desenvolvido na área de EF tem permitido a compreensão das modificações ocorridas nos organismos quando são submetidos a diferentes condições de práticas de exercícios físicos, que geram alterações das condições físicas e de saúde (BRUM et al., 2004; DUARTE, 2006). Este conhecimento acumulado parece delegar aos educadores físicos a possibilidade de transitar profissionalmente nas áreas da Educação e Saúde, mas que para fazê-lo, deve ultrapassar a herança positivista, que lhe deu certo status científico, mas o alienou de alguns de seu papel social (SÉRGIO, 2000).

    De qualquer modo, este conhecimento acumulado constitui a base para o desenvolvimento de novos paradigmas a serem estabelecidos na área de EF, e em especial na formação dos educadores físicos, com o intuito de levar saúde a todas as camadas sociais, principalmente àquelas menos favorecidas. Portanto, os educadores físicos deveriam, em nossa compreensão, também se voltar para as ações de adequar suas formações acadêmicas para promover a saúde e qualidade de vida da população, e de conquistar os espaços de atuação na Saúde Pública.

    Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi descrever a mudança de paradigma sofrida pela área de EF recentemente e apresentar a possível necessidade de revisão dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação nessa área.

Promoção da saúde e qualidade de vida 

    A atividade física associa-se a promoção da saúde, ao bem estar e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, especialmente daquelas em processo de envelhecimento, o que envolve dimensões antropométricas, neuromotoras, metabólicas e psicológicas (MATSUDO et al., 2000 e NAHAS, 2010). Para Carvalho et al. (1995), a atividade física relacionada à saúde, em termos motores, engloba as seguintes capacidades físicas: resistência cardiorrespiratória, força/resistência muscular, flexibilidade e alguns aspectos da composição corporal, salientando a importância dos programas de atividade física direcionados a promoção a saúde.

    Neste sentido, a EF como área de formação e de intervenção, sobretudo do desenvolvimento humano, tem a responsabilidade da promoção de estilos de vida ativos, em todas as condições e idades. Os hábitos de realização de atividades físicas têm como metas, por exemplo, de manter o peso corporal desejável, de fortalecer o coração e os pulmões, diminuir a pressão arterial, proteger contra ataques do coração, contra derrames, osteoporose, diabetes, deve fortalecer músculos esqueléticos, e aliviar ansiedade e a depressão, prolongando e melhorando a qualidade de vida dos indivíduos (PAPALIA e OLDS, 2000; JORGE FILHO, 2001).

    Para atingir a redução do nível de ansiedade e de estresse, talvez seja interessante que os Profissionais de EF se apropriem dos avanços da Psicomotricidade (BARRETO, 2010), e atuem no sentido de uma Educação para o Tempo Livre e Lazer. Para tanto, deve-se dar escopo a conscientização da importância da atividade física relacionada à saúde (BARRETO e GUERRA FILHO, 2002). 

    No II Fórum Nacional das Instituições de Ensino Superior em Educação Física, realizado entre os dias 18 e 20 de julho de 2002, foram abordados vários temas da formação profissional, e a promoção da saúde foi foco de diversos debates teórico, com vistas às aplicações práticas e ao desenvolvimento do conhecimento. Guedes e Guedes (1995) apresentaram um estudo demonstrando os fatores mais importantes responsáveis por mortes ocorridas prematuramente nas populações ocidentais, sendo: Estilo de vida (53%), Meio Ambiente (21, 8%), Biologia Humana (16, 4%) e Serviços de Saúde (9,8%).

    Segundo Dantas e Novaes (2005) e Nahas (2010), o corpo humano necessita de certa quantidade diária de movimento para sentir-se bem e manter-se saudável, no sentido de que a atual negligência das pessoas para a realização de atividades físicas gera a hipocinesia, isto é, a falta/insuficiência de movimentos, e os transtornos associados de saúde. Inclusive, pode ser percebido que, entre os critérios de desenvolvimento tecnológico dos equipamentos que fazem parte de nosso cotidiano está a menor exigência possível de ações motoras para controlá-los, ou seja, “à exceção das máquinas específicas para exercício físico, os equipamentos tecnológicos que necessitam de menos movimentos humanos e força para serem executados, são melhores do que os concorrentes que exigem mais”.

    Vemos, portanto, a importância do estabelecimento de hábitos adequados de saúde pela população, com a maior prática de atividades físicas e diminuição do sedentarismo. Entende-se que, do ponto de vista dos educadores físicos, este objetivo deve ser alcançado pela busca de novos modelos de trabalho, nos quais a atividade física passe a ser realizada em condição de bem estar, muitas vezes com baixa competitividade, e associada a outras dimensões do estilo de vida saudável, que incluem a qualidade da alimentação, dos hábitos de sono e higiene pessoal, do desenvolvimento de atividades de lazer, das condições adequadas de trabalho, do respeito às horas de sono, dos baixos níveis de estresse e da qualidade das relações interpessoais; em síntese, do alto nível de desenvolvimento humano, o que implica, na realidade, no desenvolvimento de um processo educacional da população, que para ser alcançado, exigirá que educador físico ocupe locais de trabalho além daqueles tradicionais, como as academias, clubes esportivos e escolas.

Conquistando um novo campo

    A inclusão do profissional de EF na Estratégia de Saúde da Família (ESF), estabelecida nas Políticas Públicas Brasileiras para a área da Saúde, abriu um novo campo de trabalho, mas também passa a exigir novas posturas deste profissional, pautadas principalmente em uma intervenção a partir de uma relação dialogal com a equipe multiprofissional e com os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), o que pressupõe a observância vigilante da ética.

    A Estratégia de Saúde da Família representa um modelo inovador para a área de EF. Segue o princípio de prevenir a doença, além detratá-la, fundamentando-se em uma abordagem sistêmica de Educação em Saúde, que inclui a alimentação, moradia, cultura, educação, lazer e atividade física (BRASIL, 1998).

    A ESF consiste em um conjunto estruturado de ações em nível de atenção primária -que objetiva a vigilância das condições de saúde, em uma concepção de saúde centrada na promoção da qualidade de vida-, que se expandiu no país a partir de 1996, com a operacionalização da Norma Operacional Básica do SUS, a NOB-SUS 96 (COSTA NETO, 2000). De acordo com essa proposta da ESF, surgiu a necessidade da inclusão do Profissional de EF, na equipe multiprofissional, o que pode auxiliar as ações das equipes de saúde, com benefício para a comunidade.

    As atribuições do Profissional de EF dentro das Unidades da Estratégia de Saúde da Família são muitas: a) exercícios físicos para pessoas com doenças endócrinas, metabólicas, nutricionais, cardiovasculares, pulmonares, musculoesqueléticas e neuromusculares; b) relaxamento; c) atividades recreativas; d) dança; e) lazer; f) jogos; g) lutas; h) atividades rítmicas; i) atividades expressivas; j) avaliações e intervenções ergonômicas em vários contextos; k) atividades de potencialização de saúde do trabalhador; l) exercícios compensatórios; m) e práticas corporais envolvendo toda a comunidade, com destaques para hipertensos, diabéticos, gestantes e idosos, por serem pessoas que necessitam prontamente destas práticas (CONFEF, 2002).

    Nahas e Corbin (1992) salientam a EF se apresenta como uma profissão que tem a grande responsabilidade em prestar serviços relacionados com o desenvolvimento humano, além da atuação na área escolar e esportiva. Adicionalmente, os multiprofissionais da ESF cuidam da saúde da comunidade, e, quem zela pela saúde destes profissionais? Surge consequentemente a necessidade de envolver a equipe de saúde da família, nas práticas de promoção de saúde e promoção humana, sendo este também um atributo primordial do Profissional de EF.

    A intervenção dos Profissionais de EF pode ser dirigida a indivíduos e/ou grupos alvo, de diferentes faixas etárias, pessoas com diferentes condições corporais e/ou com necessidades de atendimentos especiais, de forma individualizada e/ou em grupo. Do mesmo modo, a operacionalização da ESF deve ser adequada às diferentes realidades locais, desde que mantidos os seus princípios e diretrizes fundamentais. Para tanto, o impacto favorável nas condições de vida da população deve ser a preocupação básica dessa estratégia. A humanização da assistência e o vínculo de compromisso e corresponsabilidade estabelecido entre os serviços de saúde e a população tornam a Estratégia Saúde da Família um projeto de grande potencialidade transformadora do atual modelo dominante de atuação dos Profissionais de EF.

    No âmbito da Universidade Regional de Blumenau, esta mudança de ênfase de formação dos Profissionais de EF vem sendo construída objetivamente, desde 2002, com o envolvimento de docentes e discentes desta área nos projetos das Residências Multiprofissionais em Saúde da Família entre 2002 e 2008, no Pró-Saúde, “Promoção da Saúde: Fortalecimento da Atenção Básica”, e no PET-Saúde, “PET-SAÚDE: Pesquisa e Extensão para a Melhoria do Cuidado”. Este processo é longo e trabalhoso, porém apresenta grande potencial de desenvolvimento das condições de saúde da população, o que é o objetivo final das formações de todos os cursos da área da saúde.

    Iniciado o processo de mudança de ênfase da aptidão física voltada ao desempenho para a aptidão física relacionada à saúde, recomenda-se que as Instituições formadoras de Profissionais de EF repensem os currículos de graduação, no sentido de favorecerem os futuros profissionais para exercerem, de maneira competente, a aplicação de atividade física relacionada à saúde e qualidade de vida. Além da preparação para integrar equipes multiprofissionais de saúde, como é a proposta da ESF, para exercerem, junto às populações de usuários e profissionais do SUS, atividades de prescrição de exercícios físicos e educação para a prática de atividades físicas.

Considerações finais

    Considerando o exposto, torna-se importante que as instituições formadoras de educadores físicos repensem os Projetos Pedagógicos dos cursos de Graduação em EF, para exercerem a relação com a saúde e qualidade humana e para que possam integrar as equipes multiprofissionais de saúde. Para que tal perspectiva se realize, é necessário o trabalho conjunto de profissionais de diferentes formações, e que estes envolvidos criem uma atmosfera dialética, para a criação de uma proposta de trabalho interdisciplinar.

    De outro lado, de acordo com Battaglion Neto (2003), a EF não tem definido seu objeto teórico e de conhecimento, estando inserida em diversos campos de atuação, e não tendo ao certo seu objeto específico. Deste modo, para este autor, é preciso reconhecer qual é a verdadeira identidade do profissional de EF, e estabelecer os limites dos saberes e práticas aplicadas, o que pressupõe destacar mais uma vez a necessidade de se levar em consideração a ética.

    Essa incerteza existe pelo fato da EF se apropriar dos saberes advindos de outras ciências, e possuir muitos campos de aplicação, o que pode facilmente ocasionar distanciamentos entre as práticas pedagógicas e os campos de intervenção profissional priorizados. É preciso uma reestruturação para buscar subsídios que possibilitem a aproximação entre a teoria e a prática, aproximando a universidade com a realidade do entorno no qual está inserida (BATTAGLION NETO, 2003), visando à produção de uma práxis transformada e transformadora.

    Entendemos que a Estratégia de Saúde da Família, como campo de formação de profissionais, pode reduzir estas distorções, dado que esta formação deve ocorrer em consonância com as necessidades de saúde da população, no sentido dos mesmos argumentos apontados por Ceccim e Feuerwerker (2004) referindo-se à formação dos profissionais das várias áreas da saúde.

Referências bibliográficas

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 176 | Buenos Aires, Enero de 2013
© 1997-2013 Derechos reservados