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Famílias com doenças crônicas avaliadas
segundo o modelo Calgary. Reflexão crítica

Familias con enfermedades crónicas evaluadas según el modelo Calgary. Una reflexión crítica

 

*Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucurí

**Graduado em Enfermagem pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, MG

Especialistas em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família

pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, MG

(Brasil)

Nayra de Oliveira Duarte*

duartenayra@ig.com.br

Mário Anderson Librelon Pires**

mariolibrelon@ig.com.br

 

 

 

 

Resumo

          As doenças crônicas não transmissíveis afetam as famílias bem como seus membros, trazendo uma nova realidade à estrutura familiar que deverá se adaptar e reorganizar a essa nova condição. Este estudo tem o objetivo de analisar como o modelo Calgary contribui na avaliação de famílias que enfrentam a realidade das doenças crônicas não transmissíveis. Para este fim utilizou-se como metodologia a revisão bibliográfica. Ao se avaliar uma família que enfrenta condições crônicas pode-se utilizar vários modelos dentre eles o Modelo Calgary de avaliação e intervenção nas famílias. A utilização de modelos pré-estabelecidos permitem aos profissionais uma visão mais ampliada de todo o processo saúde- doença da família permitindo uma intervenção que auxilie o grupo familiar a lidar com a nova realidade de forma mais efetiva. O fundamento da teoria da mudança do modelo Calgary mostra que mudanças de comportamentos não dependem dos serviços de saúde, mas da interação que estes e o indivíduo conseguem e, mais ainda, da própria percepção que este faz de seu problema. Com isso, a interiorização de conceitos e práticas depende da percepção que a família possui de todo o processo de adoecer e como este modifica a realidade vivenciada pela mesma.

          Unitermos: Modelo Calgary. Família. Doenças crônicas não transmissíveis.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 176, Enero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O desenvolvimento técnico científico favoreceu a transição epidemiológica no país, em que o diagnóstico precoce e terapêutica adequada proporcionaram a diminuição da ocorrência das doenças infectocontagiosas, porém se observa a alta prevalência das doenças crônicas não transmissíveis1. Paralelo a isto, a desospitalização, incentivada pela política do Sistema Único de Saúde, o envelhecimento populacional e o incremento das doenças crônicas, favoreceram os cuidados domiciliares orientados pela família2.

    Os profissionais de saúde, em especial os que lidam diretamente com essas famílias, necessitam aperfeiçoar as ferramentas que utilizam para avaliação e intervenção na família, a fim de que suas ações, direcionadas para a melhora das condições de vida desta, possam apresentar algum resultado. Diante desse quadro, muitos deles utilizam das ferramentas disponíveis na literatura, por exemplo, os Modelos Calgary de avaliação e intervenção na família, o genograma, o ecomapa e o ciclo de vida familiar. Utilizando-se de modelos pré-estabelecidos e adaptando-os a realidade das famílias, o profissional poderá ter uma melhor visão destas, e com isso ajudá-las a enfrentar essa nova condição, seja ela aguda ou crônica3, 4. Os modelos Calgary constituem-se em uma forma de “trazer à nossa consciência muitas idéias, noções e conceitos” 3, muitas vezes, despercebidos pelos profissionais ao avaliar as famílias e seus membros.

    Os modelos Calgary de avaliação e intervenção na família possuem seis fundamentos teóricos que embasam essa ferramenta, sendo eles: “teoria do pós-modernismo, sistemas teóricos, cibernética, teoria da comunicação, teoria da mudança e biologia da cognição do pós-modernismo” 3.

A realidade modificada pelas condições crônicas não transmissíveis

    No Brasil, o incremento das doenças crônicas transforma a cada dia a realidade dos membros das famílias que vêem o ambiente em que vivem modificado pela nova condição e mergulhados em um mundo que, na maioria das vezes, não possuem noções básicas de como lidar com ele. Ao se diagnosticar um paciente com doença crônica, esse deverá modificar seus hábitos de vida de forma a se adaptar a nova condição de saúde-doença5.

    As condições crônicas acarretam perdas e disfunções, modificando seu cotidiano definitivamente e daquelas pessoas ao seu redor6. Na prática clínica, verifica-se que a condição crônica desestrutura o núcleo familiar4, 6. Este irá tentar restabelecer uma nova dinâmica para suprir as condições advindas da doença diagnosticada7.

    A participação da família no contexto da doença crônica de um de seus membros torna-se importante, uma vez que esta modifica seus comportamentos e padrões de vida para ajudar o indivíduo doente, em relação às suas limitações, frustrações, incapacidades e hábitos, sendo que a forma como o indivíduo vivencia o adoecer é diretamente influenciado também pelo significado que a família atribui à doença1.

    Um dos conceitos abordados no fundamento do pós-modernismo do modelo Calgary, diz que as famílias possuem varias formas de lidar e entender uma condição diferente da anteriormente estabelecida, existindo tantas formas, quanto famílias vivenciando essa realidade3.

    Essa fase do pós-modernismo demonstrou a necessidade de debates sobre o conhecimento prévio e os novos saberes possíveis de se absorver3. Abordagens às famílias através de reuniões e trabalhos em grupos que possibilitem a estas esclarecer dúvidas, compartilhar experiências e aprender a cuidar dos demais membros desse grupo foi identificado em pesquisas como uma prática que auxilia na promoção dos cuidados familiares1, 8. Destacou-se também que o uso de cartilhas educativas favoreceu a posterior fixação dos conteúdos discutidos, pois o familiar não absorvia todo o conteúdo no momento dos encontros1.

    O contato com os familiares favorecendo as trocas de idéias permite tanto ao profissional como às famílias um momento de aprendizado e de colaboração mútua através das experiências vivenciadas3. Ao envolver os familiares no processo de saúde/doença de um de seus membros devem-se valorizar as ações adotadas pelas famílias, os hábitos culturais, a religiosidade, o cotidiano, pois ao incorporar a terapêutica médica às praticas adotadas, isso favorecerá com que a conduta seja internalizada, uma vez que, os familiares sentirão corresponsáveis pelos cuidados direcionados ao membro doente1, 9.

A abordagem familiar no enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis

    Conceituar família torna-se difícil, pois atualmente existem vários modelos de organização familiar. O modelo ideal de família, ainda hoje, é o que grande parte da sociedade considera como “padrão de normalidade”. As famílias tentam seguir e se estruturar a partir desse modelo, porém o que se verifica é a existência de várias estruturas independentes10.

    Dentre as várias estruturas familiares existentes, podemos citar a família nuclear, a composta e a extensa, que muitas vezes estão mergulhadas dentro de uma estrutura maior10. Um dos fundamentos do modelo Calgary trata justamente dessa correlação entre os vários sistemas familiares que compõem um sistema maior que engloba todos os demais3, 7.

    A unidade familiar assume esse conceito, pois seus membros possuem ligações que ao terem um dos seus afetados por alguma condição, crônica ou aguda, esta refletirá no todo, ocasionando mudanças na saúde e bem estar1, 7.

    A enfermagem ao lidar com pacientes, especialmente com condições crônicas, deve mudar a forma de abordagem de individual voltada para o doente, para a abordagem familiar, uma vez que o indivíduo com uma nova condição de saúde-doença traz modificações que afetarão toda a dinâmica familiar. Deverá incentivar a valorização da participação de todos os membros da família, de redes de apoio para que participem efetivamente de todo o processo de adoecer, sentindo-se corresponsáveis pela melhora do ente doente1, 7.

    O serviço de saúde deve compreender que ao abordar a família, abordam-se conjuntamente a ela seus vários membros, que juntos, podem unir esforços para o bem maior, a organização familiar, ou tentar adequá-la da melhor forma a nova realidade. Segundo o modelo Calgary, “a família, como um todo, é maior que a soma de suas partes.”3

    O genograma familiar ao ser traçado mostra que, avaliando o indivíduo isoladamente, perdem–se os fatos mais relevantes para a resolução de determinado conflito. Analisando o genograma e estruturando as relações entre os membros da família, pode-se analisá-la sob o ponto de vista da causalidade, que traz que o comportamento de cada indivíduo causa um efeito e é influenciando pelo outro. A avaliação circular permite aos profissionais perceberem que vários fatos que antes analisados isoladamente, causam outros efeitos se analisados juntos em um determinado contexto3.

    Na maioria das famílias, apenas um dos filhos, torna-se o cuidador, ficando os demais a mercê dos cuidados. Desinteressados pela doença, não compreendem a importância do cuidado prestado por aquele que lida todos os dias com o membro doente11. A convivência com o doente faz com que os familiares e/ou cuidador percebam as limitações causadas pela enfermidade, bem como sua evolução11.

    Os profissionais de saúde precisam identificar as limitações, respeitar as dificuldades e entender que cada grupo familiar reagirá de uma forma, para cada situação, precisando para isso de apoio para conseguir planejar as ações, dividir tarefas de forma a não sobrecarregar nenhum de seus membros e tornar o cuidado o mais efetivo e ameno possível1.

    O grupo familiar possui maneiras de lidar e enfrentar as condições impostas pela doença, essas são influenciadas pela cultura, conhecimentos e relações entre seus membros. Diante da nova realidade, precisam de habilidades para entender quais são seus novos papéis, nesta nova dinâmica, e como estes podem ser ajustados para que se estabeleça um novo padrão de comportamento transformado para se adequar a situação vivenciada3, 10.

    Os profissionais de saúde ao identificarem e avaliarem as reais necessidades de um grupo familiar planejam ações, dentre estas, algumas voltadas ao ensinamento de seus membros para conseguirem lidar de forma mais amena, promovendo cuidados necessários que influenciarão favoravelmente no prognóstico do paciente. O Cuidador/familiar possuindo conhecimentos básicos sobre os cuidados adequados que deverá prestar ao paciente torna o atendimento mais eficiente e auxilia para que a relação familiar seja mais equilibrada. Favorece o cuidado menos estressante e mais eficiente promovendo uma melhor assistência ao grupo familiar1. O fundamento da cibernética, segundo o modelo estudado, diz respeito ao “feedback”, realizado tanto pelos profissionais que o obtém das ações propostas, como os familiares podem perceber das ações realizadas3.

A comunicação como ferramenta chave para a mudança no contexto das famílias

    A teoria da comunicação está totalmente intrigada na relação entre os profissionais e as famílias, entre os próprios membros desta ou daquela. A comunicação se faz necessária no convívio entre seres humanos para conseguirem relacionar-se12. Na área da saúde, há uma comunicação mais importante do que a verbal (digital), baseada apenas em palavras, sendo ela a comunicação não verbal. A comunicação não verbal, também denominada de analógica, baseia-se em todas as ações, sejam elas gestos ou atitudes, influenciadas por um contexto maior que se inserem os indivíduos3, 12.

    A doença crônica transforma as relações familiares e causa desgastes tanto físicos como emocionais. Os familiares ao submergirem-se, diante de uma condição crônica, perdem a própria identidade para cuidar do outro, necessitando da atenção minuciosa dos profissionais para realizarem promoção, prevenção e, se necessário, tratamento de patologias, muitas vezes, negligenciadas, quando os cuidados ficam voltados somente para o membro doente da família1.

    A comunicação não verbal, no contexto da doença crônica, demonstra aos profissionais aqueles membros que perderam completamente a sua individualidade em detrimento do outro, e que, às vezes, precisam de mais atenção do que o próprio enfermo crônico. Conseguir identificar os sinais gerados pelos familiares torna-se imprescindível quando se quer ajudar o grupo familiar a enfrentar a situação da doença crônica e promover saúde dos demais membros para que não adoeçam adicionalmente3, 7, 12.

    Todas as formas de comunicação dependem do conteúdo e da forma de transmissão deste entre as partes envolvidas para que seja efetiva3,7,12. Os serviços de saúde devem estabelecer uma relação de confiança que favoreça o reconhecimento de situações que requerem maiores esclarecimentos e atenção para que ocorra a absorção dos conhecimentos necessários para a transformação dos comportamentos, favorecendo a adaptação mais branda a nova realidade.

    Ao avaliar as famílias e identificar as percepções que estas possuem sobre os problemas apresentados, os profissionais devem compreender que todas as visões relatadas são válidas e propor uma nova visão, sem que esta seja imposta como modelo a ser seguido. Deve-se tentar adaptar a partir das percepções identificadas, uma interseção entre a nova visão proposta e as pré-estabelecidas3, 7.

    Muitas famílias estão sob a influência vertical, pelo ambiente em que vivem, e horizontais, pelos ciclos vitais. O indivíduo torna-se o resultado das características genéticas herdadas e de suas próprias aprendizagens ao longo da vida. Sendo modificado pelas relações que estabelece com seus familiares, comunidade, sociedade em geral e pelas modificações que ocorrem nas etapas do ciclo de vida familiar10.

    Estudos que buscam a avaliação do ambiente familiar contribuem para o aprofundamento na abordagem das pessoas que compõem esse sistema, e possibilitam a intervenção efetiva na melhoria da saúde destes13.

    Para que mudanças sugeridas sejam incorporadas a dinâmica familiar, primeiro faz- se necessário identificar as influências recebidas pela família, como as entre seus membros, com os demais membros que compõem o grupo maior que engloba as famílias e com a comunidade, para com isso começar a gerar mudanças significativas nesta estrutura3, 7.

    As intervenções que a enfermagem realiza podem afetar apenas um membro do grupo para posteriormente promoverem modificações dos demais ou não afetarem nenhum deles. Infelizmente, não se pode prever isso ao avaliar as famílias3.

    As intervenções na família precisam inicialmente ser planejadas tendo o conhecimento dos recursos disponíveis e restrições que esta possui3, 7. Não adiantaria propor uma intervenção que seja inviável, por exemplo, financeiramente para a família, que esta não adotaria, ou o faria por pouco tempo.

    Ao incorporar a família no planejamento dos cuidados para o membro doente, proporciona-se a estes a possibilidade de explanarem sobre angústias, medos, limitações e estratégias para agirem diante do quadro, que somente estes conhecerão profundamente a ponto de modificarem o estado de saúde daquele1.

    Os profissionais devem propor objetivos que sejam desenvolvidos em conjunto com a família, proporcionando assim que esta possa sugerir formas de adaptação, relatar dificuldades, anseios e mostrar quais as estruturas que possuem para enfrentar essa situação3, 7, 9. Neste contexto, os profissionais deverão ajudar a família a encontrar as suas próprias respostas para os problemas apresentados e adquirirem uma nova forma de visualizar estes problemas3, 7.

    Mudanças efetivas necessitam de co-responsabilização entre o serviço de saúde e o usuário deste serviço14. As pessoas devem entender que para que ocorram modificações de uma condição de doença para uma de saúde, torna-se necessária a participação de quem mais precisa dessa mudança, elas próprias. Profissionais que tem características paternalistas, não permitem que os pacientes tomem decisões sobre suas próprias vidas, gerando como conseqüências abandonos da terapêutica proposta14.

    Para que um cuidado seja internalizado a ponto de gerar mudanças de comportamentos, primeiro o indivíduo precisa entender que é corresponsável por esta condição e que precisa sozinho modificá-la. Os demais membros da família e os serviços de saúde servirão apenas de suporte e apoio para as mudanças14.

    O entendimento por parte da família, dos problemas vivenciados, raramente é responsável por mudanças. Essas ocorrem quando são modificados crenças e comportamentos. Os profissionais devem explorar o que as famílias estão fazendo para perpetuarem e para tentar resolver os problemas apresentados3, 4, 7.

    O fundamento da teoria da mudança do modelo Calgary mostra que mudanças de comportamentos não dependem dos serviços de saúde, mas da interação que estes e o indivíduo conseguem e, mais ainda, da própria percepção que este faz de seu problema3.

    Os profissionais possuem reponsabilidades em encontrar meios que facilitem a mudança3, 7, a fim de proporcionar melhor qualidade de vida aos membros de um grupo, uma vez que possui dentre suas funções as de promoção, prevenção e reabilitação dos indivíduos e suas famílias.

    Para o enfrentamento dos problemas crônicos existem diferentes caminhos e dentro destes caminhos uma infinidade de outros a perder de vista. Conseguir enxergá-los é o mais difícil, pois as pessoas tendem a olhar a realidade sob a ótica da objetividade, supondo “a existência de uma área de referência para a explicação do mundo”3. A nova visão, a realidade entre parênteses, reconhece que as pessoas “existem de fato, mas não são independentes dos sistemas de vida que os produz”3. Não existem verdades absolutas, existem aquelas observadas pelos profissionais e os membros das famílias3, 7.

    Mostrar às famílias que as realidades que estas produzem para suas vidas são de responsabilidades delas, e que estas são criadas pela interação com o mundo, com eles próprios e com os outros a sua volta, através da linguagem, permite que estas consigam promover mudanças consideráveis sobre a própria realidade vivenciada. A teoria da biologia da cognição, do modelo Calgary, explica que a realidade construída por um indivíduo nada mais é do que as realidades que os membros das famílias criam juntos3, 7.

Considerações finais

    Diante do presente estudo, percebeu-se a importância em utilizar o modelo Calgary nas avaliações e intervenções nas famílias para que através deste, as famílias possam ser incluídas no processo de adaptação dos indivíduos a sua nova condição quando acometido por uma doença crônica. De acordo com esse modelo a mudança deve ocorrer em todo núcleo familiar, mas sendo imprescindível que o individuo seja o maior interessado nas mudanças e adaptações exigidas em sua nova condição.

    O modelo Calgary torna-se uma ferramenta essencial na abordagem aos pacientes crônicos e ao seu núcleo familiar, pelos profissionais de saúde exigindo sua prática constante para atingir um nível ótimo em sua utilização, bem como incluí-lo como rotina nos serviços.

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