Benefícios da fisioterapia na doença de Machado Joseph Los beneficios de la fisioterapia en la enfermedad de Machado Joseph |
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Fisioterapeuta, graduada pela Universidade de Passo Fundo (Brasil) |
Mariana Zancan |
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Resumo A doença de Machado Joseph é uma doença autossômica dominante, de caráter degenerativo que acomete o cerebelo de forma lenta e progressiva. O tratamento fisioterapêutico parece bastante eficaz, auxiliando na parte respiratória, na independência funcional dos pacientes em suas AVDs, na realização da marcha, manutenção do equilíbrio, ganho de força e conseqüente redução do número de quedas. Unitermos: Doença de Machado Joseph. Tratamento fisioterapêutico.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 176, Enero de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A doença de Machado-Joseph (DMJ), também chamada de Ataxia Espinocerebelar Tipo 3 (AEC 3), é uma patologia heredo-degenerativa do Sistema Nervoso Central (SNC) (CAMBIER et al, 1999). Foi descrita pela primeira vez em 1972 por Nakano e colaboradores, que caracterizou a família Machado, descendente açoriana, a qual era afetada por uma forma progressiva de ataxia, nistagmo, hiporreflexia, variados graus de amiotrofia e sinais de lesão do cordão posterior da medula. Quatro anos depois, nos Estados Unidos, Rosemberg e colaboradores (1976), descreveram uma nova família de sobrenome Joseph, a qual foi observada a ocorrência de ataxia progressiva, disartria, nistagmo, bradicinesia, fasciculações de língua e de face, postura distônica, hiperreflexia e sinal de Babinski em sete gerações
As ataxias cerebelares hereditárias são distúrbios progressivos que podem ter início na infância ou na vida adulta e caracterizam-se pela degeneração dos feixes espinocerebelares, dos feixes piramidais e dos feixes da coluna posterior (STEVANIN et al, 2000). As principais funções do cerebelo envolvem coordenação da atividade motora, equilíbrio e tônus muscular. O cerebelo também é vital no controle das atividades musculares rápidas, correção e aprendizado motor. Doenças e distúrbios cerebelares produzem deficiências na velocidade, amplitude e força do movimento. Assim, com a perda dessa área do encéfalo pode haver em incoordenação das atividades motoras. (LUNDY- EKMAN, 2004)
A DMJ tem uma ampla variação fenotípica e cinco subtipos clínicos têm sido descritos. No tipo I os pacientes mostram sinais piramidais pronunciados além de sinais extrapiramidais como a distonia, com início precoce dos sintomas. No tipo II os pacientes têm sintomas cerebelares e piramidais. No tipo III os pacientes apresentam sinais cerebelares e neuropatias periféricas, de manifestação mais tardia. No tipo IV os pacientes desenvolvem predominantemente parkinsonismo e amiotrofia distal. No tipo V, que foi descrito mais tarde, cursa com paraparesia espástica. Achados cerebelares como ataxia da marcha, disartria e incoordenação apendicular, e sinais extrapiramidais como bradicinesia e rigidez também são encontrados no paciente acometido. (KANEKO et al, 1997)
O objetivo do tratamento fisioterapêutico é a coordenação global do paciente, que vai desde o relaxamento do enfermo até a melhor forma articular que ele consiga obter, passando em etapas gradativas, iniciando pela função respiratória, modificação eficaz da emissão sonora e adequação da ressonância. Embora não exista, atualmente, tratamento específico para as AEC 3, como em todos os distúrbios neurodegenerativos, o tratamento é de suporte e visa maximizar e preservar a função (FELDMAN, 2001)
Propostas de tratamento fisioterapêutico
A literatura sobre o assunto e sobre a abordagem fisioterapêutica neurofuncional é ainda muito escassa, portanto sugere-se a utilização de programas fisioterapêuticos baseado em outros tipos de ataxias cerebelares.
Hauser et al (2009), procuraram descrever o progresso da DMJ analisando a idade de início da doença e o comprimento da mutação. A progressão da doença ocorre mais lentamente com o aumento da idade de início da doença; por outro lado quanto maior o comprimento da mutação, mais rápida é a progressão da doença. Os achados sugerem então, que uma maior idade no início da doença é fator proteção para a progressão da doença e um maior comprimento da mutação é fator de risco.
No trabalho de Crowdy et al (2002), os indivíduos com degeneração cerebelar primária autossômica dominante foram submetidos a um protocolo de reabilitação que consistia em caminhar sobre um circuito com 18 pedras dispostas irregularmente. Os pacientes deveriam realizar passadas, ensaiando movimentos sacádicos ao longo das pedras antes de iniciar a caminhada. As passadas e os movimentos oculares foram monitorados. Os indivíduos realizaram menos movimentos oculares multi- sacádicos e mais movimentos sacádicos únicos e precisos quando fixaram um alvo ao longo do circuito. Assim, uma maneira de melhorar o desempenho locomotor de indivíduos com alterações cerebelares pode relacionar-se à realização de movimentos oculares.
Rotnes et al (2008), propuseram também, um protocolo de reabilitação baseado especificamente na movimentação ocular, para amenizar as deficiências provenientes do comprometimento da função motora desses indivíduos, e obtiveram resultados positivos
O protocolo de reabilitação proposto por Oliveira et al (2012), foi realizado através de duas pistas proprioceptivas com diferentes tipos de obstáculos, utilizando movimentos oculares. Este método de estimulação ocular, pode estimular todas as áreas cerebelares e algumas mais específicas, podendo reintegrar e funcionalizar áreas do tronco cerebral e cerebelo responsáveis pela ataxia cerebelar. Ao término do tratamento os pacientes obtiveram melhora do equilíbrio, da atividade de vida diária e correção da marcha.
Stoykov et al (2005), sugerem que um programa de reabilitação baseado na adequação postural e habilidades funcionais de membros superiores facilita a preensão e promove um controle na velocidade dos movimentos.
O paciente estudado por Busanello et al (2007), apresentou, inicialmente, os sintomas de ataxia relacionados à marcha, problemas de tensão nos membros superiores, com evolução para impossibilidade da marcha, sendo necessário uso de cadeira de rodas. Além disso, houve agravamento da ataxia para os órgãos da fala, dificultando também esta, fato já esperado na DMJ.
A proposta de tratamento de Araújo et al ( 2010), enfatizou exercícios de alongamento, fortalecimento, propriocepção, treino de equilíbrio, marcha e atividades funcionais. Tais exercícios preparam os músculos para os exercícios, aumentam a amplitude articular, previne contraturas e deformidades, e podem aumentar o número de sarcômeros que parece favorecer um melhor desempenho muscular. O alongamento muscular pode potencializar o trabalho muscular e prevenir futuro danos aos portadores de DMJ.
O treino de força muscular melhora o equilíbrio e diminui o risco de quedas. Possui impacto músculo- esquelético positivo na excitação neuro- motora, na manutenção da integridade do tecido conjuntivo, e na sensação de bem estar. Sendo assim, o exercício precisa ter frequência, intensidade e duração suficientes para estimular os componentes fisiológicos do músculo e não deve exceder a capacidade máxima do paciente, simplesmente pelo fato de o paciente com DMJ possuir tendência ao desenvolvimento de fadiga muscular. (HARRIS e WATKINS, 2001)
À medida que se ganha força, pode aumentar a resistência, incrementar a carga e evoluir com o exercício, o qual pode ser complementado com atividades de equilíbrio. A otimização da força muscular, reflete na melhora da marcha, equilíbrio, coordenação e maior habilidade nas AVDs (HARRIS e WATKINS, 2001).
O método Bobath facilita o treino das reações de proteção, endireitamento e equilíbrio postural. O tratamento consiste em deslocar o paciente em diferentes superfícies, indo desde superfícies estáveis como o tatame, até instáveis como a bola suíça. Esta técnica promove ganhos musculares, treino funcional, de equilíbrio, dissociação de cinturas, alongamento, propriocepção e estabilidade postural, além de amplos exercícios na bola que facilitam os movimentos funcionais e inibem os patológicos (IBITA)
A aplicação da FNP com o paciente com DMJ objetiva estimular o paciente, proporcionando coordenação motora, sincronismo e uma melhor resistência muscular, o que leva a diminuição da fadiga. Os padrões de movimentos diagonais atuam globalmente ao combinarem músculos sinérgicos que promovem alongamento, fortalecimento, reforçando movimentos funcionais e reabilitando através do mecanismo de repetições (ADLER et al, 2007)
A recuperação do equilíbrio precede a marcha efetiva. Da mesma forma, é por meio da estabilização dos segmentos corporais pelo equilíbrio de forças musculares e equilíbrio postural dinâmico, que se obtém uma marcha funcional (STOYKOV et al, 2005)
Há que se atentar também para a parte respiratória do paciente. Costa et al (1996), realizaram um estudo envolvendo pacientes de 7 a 55 anos, portadores de miopatias hereditárias, que indicou que a maioria deles apresentou valores abaixo do previsto no teste espirométrico. Os resultados sugeriram que com o avançar da idade há uma piora no desempenho respiratório, indicando que com a idade, à medida que aumento o comprometimento músculo- esquelético, aumenta diretamente o grau de comprometimento músculo- respiratório. O indivíduo estudado por Martinelli et al (2005), na análise dos parâmetros respiratórios, apresentou diminuição do volume corrente médio executado.
Martinelli et al ( 2005), evidenciam em sua investigação o impacto tanto para o paciente portador da DMJ quanto para os familiares em virtude do enorme comprometimento músculo- esquelético, sugerindo que a sociedade e as equipes de saúde desenvolvam um trabalho de cuidado especial para estes indivíduos. Também enfatizam que a reabilitação promove ganhos na medida em que evita danos, minimiza perdas e prolonga ao máximo a independência funcional.
O terapeuta deve desenvolver um protocolo de tratamento que beneficie a marcha e o equilíbrio, que são mais prejudicados na DMJ, além de força e condicionamento físico, que a longo prazo, parece tender ao desenvolvimento de atrofia muscular e fadiga nos indivíduos acometidos. É necessária também reavaliação constante do paciente, a fim de ajustar as condutas de acordo com a evolução do paciente. Isso proporciona maior segurança no desenvolvimento das atividades e melhor adaptação do paciente às mudanças feitas (MARTINELLI et al, 2005).
A fisioterapia não impede a evolução dos déficits funcionais motor e pneumo-funcionais, mas procura buscar alternativas que suavizem o quadro clínico. Como já foi dito, o tratamento deve sustentar-se na criação de estabilidade nas articulações proximais do corpo e proporcionar ao paciente uma base de sustentação, realizada pela adoção de posturas antigravitárias, visando à estimulação tônica (O’SULLIVAN e SCHIMTZ, 1993)
Conclusão
Evidencia-se o destaque a atuação fisioterapêutica nos pacientes com DMJ, em virtude dos benefícios promovidos, a melhora de independência funcional, da marcha e equilíbrio que refletem na redução do risco de quedas e melhora da qualidade de vida dos portadores da doença, retardando os danos por ela provocados.
Além disso, realização do protocolo fisioterapêutico, pode ser mais um recurso para minimizar a progressão da doença e fazer com que o paciente alcance seu maior grau de independência.
Referências
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Stoykov M; Stojakovich M; Stevens J. A. Beneficial effects of postural intervention on prehensile action for an individual with ataxia resulting from brainstem stroke. Neuro Rehabilitation 20(2):85-9, 2005.
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