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Processos de transição no Brasil: aspectos 

demográficos, nutricionais e epidemiológicos

Los procesos de transición en Brasil: aspectos demográficos, nutricionales y epidemiológicos

 

*Escola de Saúde Pública de Mato Grosso do Sul – ESP/MS

Instituto de Ensino Superior da Funlec, IESF. Faculdade Unigran Capital

**Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

(Brasil)

Joel Saraiva Ferreira*

Ricardo Dutra Aydos**

falecomjoel@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo teve como objetivo fazer uma breve descrição dos processos de transição pelos quais a população brasileira passou nas últimas décadas. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com busca de informações científicas em bibliotecas físicas e na Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme). As informações analisadas descreveram uma mudança importante ocorrida num pequeno período de tempo cronológico, implicando assim em alterações no estilo de vida da população. Tais mudanças representaram também uma alteração no perfil de doenças que acometem as pessoas, passando de uma condição de risco de morbidade e de mortalidade por doenças infecciosas, para a necessidade de intervenções voltadas ao controle de doenças crônicas não transmissíveis.

          Unitermos: Transição nutricional. Demografia. Transição epidemiológica.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 175, Diciembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Mudanças não só biológicas, mas também no modo de vida, têm ocorrido naturalmente conforme a evolução do ser humano, implicando em alterações características de cada período vivido pelo homem. Devido à busca instintiva pela sobrevivência e por melhores condições de vida, o panorama no qual o ser humano está inserido modificou-se, ora de maneira lenta, ora de maneira acelerada. Nesse caminho, no século XX vivenciou-se momentos de elevado grau de mudanças, resultando em alterações marcantes no comportamento da população, as quais são chamadas de processos de transição, envolvendo principalmente modificações demográficas, nutricionais e epidemiológicas (PINHEIRO, FREITAS e CORSO, 2004).

    Mendonça e Anjos (2004) acreditam que o momento histórico que marcou o início desse grande processo de transição foi a 2ª Guerra Mundial, já que todo o planeta teve uma nova configuração social após esse episódio. Os autores acrescentam ainda que, associadas às alterações sociais, também vieram mudanças demográficas, epidemiológicas e nutricionais. No aspecto demográfico, muitos países, dentre eles o Brasil, vivenciaram o êxodo rural, com o conseqüente superpovoamento das cidades, sobretudo aquelas que já possuíam grandes contingentes populacionais. No âmbito epidemiológico, houve aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, em detrimento das doenças agudas e transmissíveis. Vinculado a vida urbana, o hábito alimentar também modificou-se, já que a disponibilidade dos alimentos tornou-se diferente, bem como a oferta de novas formas de alimentação, tão comuns à vida nas cidades. São exemplos disso as grandes redes de comida rápida e a comodidade para receber em casa os alimentos solicitados por telefone.

    Quanto às alterações demográficas, Pinheiro, Freitas e Corso (2004) destacam ainda que, em função da nova distribuição da população, agora com predominância nos centros urbanos, modificou a disponibilidade de alimentos para essas pessoas, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos, o que representou uma ingesta alimentar bastante diferente para aqueles que anteriormente produziam seus próprios alimentos.

    Sobre as alterações das estruturas sociais, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2004) chama a atenção para o fato de que a tendência econômica globalizada e industrializada de alguns países gerou, por um lado, melhoras na qualidade de vida e, por outro, problemas associados à vida urbana com grande concentração demográfica e alterações das relações cotidianas da família e da comunidade. Contudo, a melhora na qualidade de vida não significou melhora na qualidade da alimentação, mas sim, na maioria das vezes, incremento apenas quantitativo dos alimentos ingeridos. Em contrapartida, o tempo dedicado às atividades motoras, tanto no trabalho como nas horas de lazer, tem declinado nas últimas décadas.

    Com tantas alterações, o cotidiano vivido atualmente difere-se consideravelmente daquele vivido há algumas décadas. Por isso, a Organização Panamericana de Saúde (OPAS, 2003) alerta que uma conseqüência, quase que natural, desse somatório de fatores, é o incremento no peso corporal da população que, ao longo de poucas décadas, viu a obesidade tornar-se algo real. Traeberg et al. (2004) corroboram dessa idéia, ao afirmarem que tais mudanças repercutem hoje em um ambiente favorável a instalação do excesso de massa corporal, notadamente no tocante ao tecido adiposo, inclusive entre as crianças e adolescentes.

    Chopra, Galbraith e Darnton-Hill (2002) dão indicação de que o recente ganho de peso da população é resultado do processo de transição nutricional, no qual destaca-se o incremento de novos produtos alimentícios altamente calóricos e bastante palatáveis. Além disso, os autores apontam para a existência de fatores comerciais influenciando a dieta alimentar da população, ao exemplificarem o caso do Reino Unido, onde de todos os novos produtos introduzidos nos supermercados no ano de 1991, mais de 77% destes eram novos tipos de alimentos. Neste cenário, algumas doenças ganharam espaço e se estabeleceram de maneira preocupante entre a população, dentre as quais a obesidade tem grande relevância como agravo à saúde, sendo considerada por Pinheiro, Freitas e Corso (2004) a mais importante desordem nutricional dos países desenvolvidos.

    Apesar de o Brasil ter experimentado algumas das alterações descritas anteriormente, o processo de transição ainda não se completou, visto que há situações divergentes quando compara-se as grandes regiões do país. Isso decorre de fatores como a grande extensão territorial, elevado número de habitantes e diferenças sociais, econômicas e culturais. Por isso, o Brasil ainda está numa fase intermediária de todos esses processos, porém, sem homogeneidade em todo o país (PINHEIRO, FREITAS e CORSO, 2004).

    Vasconcelos e Silva (2003) alertam para casos ainda mais graves do controle de estado nutricional da população brasileira, sendo possível identificar indivíduos obesos e subnutridos dentro de um mesmo grupo familiar. Batista Filho e Rissin (2003) também alertam para uma evidente alteração no quadro nutricional do país, visto que há um aumento de casos de sobrepeso e obesidade entre os estratos de renda mais baixa e exemplificam tudo isso apresentando informações recentes, oriundas do Estado de Pernambuco, um dos mais pobres do país, onde a prevalência de obesidade em mulheres adultas é mais frequente que a prevalência de baixo peso. Além disso, há uma associação reconhecidamente perigosa, entre obesidade e dislipidemias, que também se manifestou naquela população.

    Nota-se que esse contexto molda uma situação paradoxal, com o excesso de peso e o déficit ponderal em populações que ocupam um mesmo espaço geográfico, como um fato concreto e, ao mesmo tempo, de difícil solução. Dâmaso (2003) aponta para uma possível incompatibilidade alimentar, representada pela ingesta de alimentos em quantidades pequenas, porém com elevada concentração de lipídios e carboidratos, como uma explicação coerente para tal fato.

    Como no Brasil o paradigma da desnutrição energético-protéica ainda é uma realidade em algumas regiões do país, os dados que apontam para uma mudança demográfica, epidemiológica e nutricional, nem sempre são vistos com a magnitude de seu potencial para um processo degenerativo da saúde da população (BATISTA FILHO e RISSIN, 2003). Porém, isso não é exclusividade do Brasil, já que em vários países em desenvolvimento há um paradoxo de quadros de desnutrição e obesidade convivendo em áreas geográficas não muito distantes. Tal situação decorre de fatores etiológicos análogos responsáveis por ambas as doenças, como a disponibilidade, a quantidade e a qualidade dos alimentos e nutrientes ingeridos corriqueiramente por esses indivíduos (TRAEBERG et al., 2004). Corso, Botelho e Zeni (2003) afirmam que a fome crônica afeta crianças brasileiras há várias décadas. No entanto, observa-se um declínio deste problema, o qual cede espaço para a obesidade infantil, que configura-se mais frequente que o déficit nutricional. Como este cenário está presente mais frequentemente em áreas urbanas e geralmente bem desenvolvidas, pode-se atribuir o ganho excessivo de peso corporal na população infantil às mudanças decorrentes do processo de transição nutricional.

    Em relação às consequências dessas doenças, verifica-se que a obesidade e o sobrepeso atuam de maneira mais acentuada na morbidade, enquanto que a desnutrição tem um impacto importante tanto na morbidade, quanto na mortalidade (TRAEBERG et al., 2004). Talvez, por isso, causem mais impacto as ações que se dedicam ao combate do déficit nutricional do que as que visam o controle do excesso de peso da população.

    Com tudo isso, as alterações descritas no período das últimas décadas representam mudanças abrangentes no perfil de morbidade e mortalidade, apontando não só para avanços, como também, e principalmente, para mudanças de focos epidemiológicos, representando, de uma maneira simplificada, a transição de doenças relacionadas ao baixo peso, passando para aquelas decorrentes do sobrepeso ou obesidade, acometendo não só adultos, mas também crianças e adolescentes. Nesse sentido, Mendonça e Anjos (2004) observam que o sobrepeso e a obesidade alcançaram os patamares mais elevados já experimentados pela população brasileira, como consequência do estilo de vida proveniente do processo de transição nutricional. Para Batista Filho e Rissin (2003), o componente epidemiológico do quadro de sobrepeso e obesidade da população brasileira é a característica mais marcante do processo de transição nutricional no país.

    Como resultado das mudanças relativas ao processo de transição, vivido no século XX, a população brasileira caminha para uma condição nutricional em que o baixo peso diminui gradativamente, enquanto que o excesso de peso aumenta em uma proporção um pouco maior. Isso não acontece de maneira linear em todo país, devido às particularidades de cada região geográfica e dos estratos sócio-econômicos diferenciados. No entanto, o sobrepeso e a obesidade já são situações preocupantes entre as crianças e adolescentes brasileiros, pois sua disseminação tem sido observada em várias pesquisas realizadas nos últimos anos (ANJOS, CASTRO e ENGSTROM, 2003).

    Em estudo realizado com 153 adolescentes de 10 a 14 anos de idade, todos pertencentes a comunidades carentes da região central do município de São Paulo-SP, os pesquisadores (GARCIA, GAMBARDELLA e FRUTUOSO, 2003) identificaram, com utilização de medidas antropométricas, valores de 2,2% e 1,6% dos meninos e meninas, respectivamente, com baixo peso. Ao passo que o excesso de peso esteve presente em 9,8% dos meninos e 5% das meninas. Chama a atenção o fato de que, mesmo tratando-se de adolescentes de baixa renda financeira, o agravo nutricional predominante é o excesso e não o déficit de peso, em ambos os gêneros. Tais relatos vêm consolidar a ideia de transição nutricional vivenciada pela população brasileira nas últimas décadas.

    Nesta mesma pesquisa citada no parágrafo anterior, os autores verificaram que o consumo alimentar dos jovens era qualitativamente insatisfatório, visto que alimentos ricos em açúcar, gordura e bebidas gaseificadas faziam parte diariamente das refeições de 70% desses indivíduos. Ao analisar a contribuição quantitativa de cada nutriente ingerido, observou-se o consumo excessivo de lipídios, proteínas e colesterol, o que possivelmente está contribuindo para o excesso de peso entre a população investigada, além de apresentar-se como um fator de risco para doenças cardiovasculares.

    Outro estudo nessa área avaliou 3806 crianças com idade até seis anos, residentes no município de Florianópolis-SC, onde os autores verificaram que apenas 1,9% da população pesquisada apresentava desnutrição, enquanto que 6,8% estavam com excesso de peso. Neste caso, os infantes com excesso de peso distribuíram-se de forma semelhante entre os gêneros feminino (3,5%) e masculino (3,3%) (CORSO, BOTELHO e ZENI, 2003).

    No estudo realizado com escolares da cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1999, os autores observaram que ambos os gêneros apresentaram valores de estatura muito próximos aos valores de referência norte-americana, sendo que ao observar os dados em forma de curvas de distribuição, as linhas praticamente se sobrepunham, indicando um crescimento estatural semelhante entre a população pesquisada e as crianças e adolescentes de mesma idade dos Estados Unidos. Ainda na mesma pesquisa, identificou-se que os valores de desnutrição naquela população ficaram abaixo do esperado na população de referência. Entretanto, a prevalência de sobrepeso foi elevada, apontando valores gerais de 17,7% e 14,1% para meninas e meninos, respectivamente. Entre as meninas observou-se um aumento do sobrepeso com o aumento da idade, enquanto que entre os meninos essas duas variáveis não mostraram associação (ANJOS, CASTRO e ENGSTROM, 2003).

    Como o estudo mencionado no parágrafo anterior utilizou uma amostra probabilística e, ainda, por se tratar de escolares, ou seja, indivíduos que representam as diferentes características sociais, culturais e econômicas da população de onde foi extraída, pode-se imaginar que há uma tendência à mudança no foco do problema nutricional naquele município, passando da desnutrição para o excesso de peso. Também pode-se esperar que o ganho de massa corporal seja uma realidade entre os adolescentes, já que o ganho em estatura alcançou valores equivalentes ao da população norte-americana, onde o excesso de peso é o principal agravo nutricional registrado.

    Dessa forma, parecem evidentes as consequências dos processos de transição no Brasil, mesmo que ainda não estejam completamente concluídos. Nesse sentido, há também necessidade de mudança no modo como a população atua em relação à proteção e promoção da própria saúde, o que se espera que seja incentivado por políticas públicas e não só por ações individuais, já que a abrangência dos problemas é populacional.

Procedimentos metodológicos

    Para o desenvolvimento do estudo, foram utilizados textos completos disponíveis em bases de dados físicas e na Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme).

    A busca pelos textos foi feita por meio de uso de descritores, sendo utilizadas para tal finalidade as expressões “transição nutricional”, “demografia”, “transição epidemiológica”.

    Como critério de inclusão utilizou-se as publicações em língua portuguesa e inglesa, disponibilizadas na forma de textos completos, que apresentassem um ou mais de um dos descritores mencionados anteriormente.

Considerações finais

    Ao verificar um itinerário paralelo entre a transição nutricional e a transição epidemiológica, vemos que o processo saúde/doença da população brasileira não pode ser reduzido a fatores isolados, mas sim a complexas e múltiplas variáveis. Admite-se, portanto, que o cenário desencadeado pelo sobrepeso e obesidade da população ainda não foi devidamente descrito, já que o paradoxo desnutrição/obesidade ainda habita o país. Ou seja, ainda há desafios no quadro epidemiológico brasileiro que clamam por investigações sistematizadas, a fim de sanar de modo eficaz, as discrepâncias vislumbradas atualmente.

Referências

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