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A Educação Física no parecer sobre a Reforma do
Ensino Primário e várias instituições complementares da
instrução pública
: educação integral no projeto de modernidade

La Educación Física en las consideraciones sobre la Reforma de la Escuela Primaria y varias instituciones 

complementarias de educación pública: la educación integral en el proyecto de la modernidad

 

*Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Física Escolar e Corpo (GEPEFEC) - UFRRJ

**Laboratório de Estudos do Corpo e Movimento (LECOM) - UFRRJ

Núcleo de Estudos de Tradições Indígenas e Negritudes (NETIN) – UFRRJ

(Brasil)

Felipe Lameu dos Santos*

felipelameu@gmail.com

Roberta Jardim Coube**

robertabelcoube@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Neste trabalho, abordamos de forma introdutória alguns aspectos da proposta de Educação Física contida no parecer sobre a Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública, de Rui Barbosa. Buscamos analisar como os aspectos intelectuais, físicos e morais se articulariam no processo de educação integral, e de que forma a escola atuaria na construção de um novo tipo de povo brasileiro capaz de suprir as demandas do projeto liberal de modernidade.

          Unitermos: Educação Física. Rui Barbosa. Corpo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 175, Diciembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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O presente se enraíza no passado e se projeta no futuro.

Dermeval Saviani

Introdução

    Este trabalho volta-se para o parecer de Rui Barbosa intitulado Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública, precipuamente ao item nomeado “Da educação física”. Procuramos identificar no referido documento quais as concepções de educação e educação física defendidas pelo autor, sobretudo a partir das demandas do homem moderno, as quais estavam voltadas para as classes subalternas com uma preocupação exclusiva para sua atuação social enquanto trabalhadores. Apreensão pragmática, sem a real intenção em agir na melhoria das condições de trabalho, mas sim em reforçar o caráter instrumentalizador da educação.

    Localizado no contexto histórico-político de um Brasil ainda não incorporado na modernidade, permitindo-nos pensar na necessidade de o país industrializar-se e, conseqüentemente, afastar-se da condição de colonizado. Rui Barbosa defende o projeto de inserção do Brasil na modernidade, onde o espaço escolar passa a ser encarado como um lugar capaz de moldar indivíduos para cumprir a relevante tarefa de disseminar os ideais modernos.

    A educação física, sob a forma de ginástica, nesse contexto, possui um importante papel para a educação popular do homem integral, mas ainda visto de forma fragmentada e/ou compartimentada, visto que a atividade física serve para alicerçar a atividade intelectual, encarada como mais nobre. “O exercício físico renova a energia intelectual” (BARBOSA, 1883, p. 78) e, por isso, a importância da reciprocidade e paralelismo entre eles.

    O resgate histórico, neste estudo, parte da premissa de que o presente se enraíza no passado e se projeta no futuro, sendo imprescindível para a compreensão radical do presente o estudo de sua gênese; o entendimento de suas raízes (SAVIANI, 2010). Não se trata de defender que o presente é um simples reflexo do passado, mas de procurar identificar a relevância da história, certos de que nenhuma análise versa sobre fatos e verdades absolutas e cristalizadas; e longe de compactuar com um pragmatismo presentista, que busca na história a explicação e a justificativa mecânica do presente, pensamos que um compromisso político deve ser assumido e a história nos ajuda a entender e firmá-lo. Todavia, para isso, não basta revisitar a história como se ela fosse um amontoado de datas e fatos, nem muito menos, olhar com lentes da neutralidade positivista. Destarte, identificamos na concepção de História de Walter Benjamin uma possibilidade de construir uma análise histórica a contrapelos, procurando pensar além de determinismos e idéias congeladas, fixas.

Educação popular no projeto de modernidade

    Conforme nos aponta Souza (2000), desde a segunda metade do século XIX a questão da educação popular envolveu, em todo o Ocidente, a discussão sobre a organização administrativa e didático-pedagógica do ensino primário. Tratar-se-ia, portanto, de definir as finalidades da escola primária e as estratégias para sua universalização. Esse processo implicou debates acerca da democratização do acesso à escola e de sua função nas sociedades modernas.

    Em todo o mundo ocidental vivia-se um otimismo em relação ao papel da educação e ao poder da escola como fator de desenvolvimento, modernização, mudança social e progresso. A idéia que um novo modelo de escola (escola moderna) atuaria na criação de um novo modelo de homem que se articulava com as exigências do desenvolvimento industrial e do processo de urbanização. Assim, na segunda metade do século XIX a escola foi colocada como a base da pirâmide do desenvolvimento, como condição necessária para o progresso no mundo oitocentista.

    A construção dos Estados-Nação e a modernização social tornam-se os pilares sobre os quais se alicerçaram os ideais de inovação educacional no final do século XIX, e no Brasil não foi diferente, onde a educação popular foi elevada a condição de redentora da nação e de instrumento de modernização. E é Influenciado por essa discussão que Rui Barbosa elabora o Parecer Sobre a Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública (1883), empenhado no projeto de modernização do país, com vistas à criação de um sistema nacional de ensino gratuito e laico, desde o ensino das primeiras letras até a universidade. Para elaboração do seu projeto buscou inspiração em países onde a escola pública estava sendo difundida procurando demonstrar os benefícios de sua criação (MACHADO, 2001).

    Esse documento constitui uma das primeiras obras, e a mais completa delas, sobre a organização pedagógica da escola primária e sobre política de educação popular produzida no Brasil no século XIX. Designado como relator da Comissão de Instrução Pública, ao estudo do projeto, Rui Barbosa buscou documentar amplamente o substitutivo tomando como referência farto material bibliográfico especializado vindo do exterior. Conforme indicações de Lourenço Filho, no parecer sobre o ensino primário foram citados 365 trabalhos, 179 em língua francesa, 129 em língua inglesa, 26 em português, 5 obras em língua alemã, 4 em italiano e 5 em espanhol. Muitas dessas obras referenciadas por Rui foram publicadas entre 1880 e 1882 (SOUZA, 2000).

    Neste parecer, Rui Barbosa propunha um programa enciclopédico tendo em vista a necessidade de ampliação da cultura escolar para o povo, isto é, a formação de uma classe trabalhadora conformada às exigências do desenvolvimento econômico e social do país. Este novo programa compreendia não só o ensino da língua materna e da matemática, mas também, a educação física, música e canto, desenho, rudimento das ciências físicas e naturais, cosmografia, economia política, cultura moral e cívica. Ele deveria abarcar todos os conhecimentos, os quais atenderiam ao projeto de modernização do país e à formação de uma classe trabalhadora preparada para a vida urbana e o trabalho industrial.

    Esse currículo representou uma profunda transformação na cultura escolar, isto é, a substituição de uma escola fundamentada no ensino da leitura, da escrita, do cálculo e da doutrina cristã, por uma escola pautada na educação do corpo, na ciência, nos valores morais e cívicos e nos saberes instrumentais para o trabalho. A conformação dessa cultura escolar ampliada foi fruto de um longo e conflituoso processo de escolarização de saberes oriundos de fontes diversas. Essa adaptação pedagógica, tendo em vista a aprendizagem infantil, efetivou-se, especialmente, mediante o método intuitivo (ibidem).

    Uma leitura desatenta poderia identificar o enaltecimento que Rui Barbosa transfere à educação do homem integral. De certo que sua obra possui relevância para pensarmos acerca das influências localizadas no contexto histórico, momento mesmo em que produz o parecer. Todavia, e procurando fugir de uma possível análise anacrônica, faz-se importante identificar qual integralidade e qual projeto pedagógico está contido no documento.

A educação do físico alicerçando a atividade intelectual: Rui Barbosa e a dicotomia corpo/mente

    A cultura helênica constitui-se referencial para tecer orientações à modalidade de educação popular de Rui Barbosa. A máxima grega "mens sana in corpore sano" (mente sã em corpo são) é retomada também, e precipuamente, com o sentido de reforçar a fragmentação corpo/mente, essência do parecer. A própria presença do vocábulo “educações”, grafado no plural, aponta para ocorrências de objetivos educacionais distintos. A diferenciação no porte físico, que marca a distinção entre quem é e quem não é cidadão (na Grécia clássica), aparece menos como entrave e exalta uma educação que valha ao físico visando mesmo alicerçar a atividade intelectual. “A arte da música e da ginástica entrelaçavam-se inseparavelmente, a fim de preparar, de geração em geração, uma juventude sadia no corpo e na alma”.

    A defesa de Rui Barbosa marca, no sentido de reforçar, a dicotomia corpo/mente e é respaldada pelo caráter científico/racional da fisiologia. Para ele, “o cérebro desenvolve-se pelo exercício que lhe é peculiar” (p. 70), exercício que é duplo porque permite a ação consciente e não-consciente do mesmo. Reitera, igualmente, que sua defesa não é materialista, sua intenção vem a ser a consolidação de corpos capazes de sustentar mentes: citando o Dr. E. H. Clarke, Barbosa defende que “para compor um cérebro perfeito, necessário é que todos os órgãos do corpo tenham o seu desenvolvimento harmônico e um exercício apropriado” (p. 71).

    Por certo que a relação corpo/mente defendida no parecer aponta, ainda que polarizando os termos, para a harmonização do ser humano. “Contudo que dúvida poderá mais subsistir de que a vida do cérebro e, conseguintemente, a da inteligência tenham como fatores essenciais a vida muscular, a vida nervosa e a vida sanguínea, isto é, a regularidade harmoniosa de todas as funções e a saúde geral de todos os órgãos do corpo?” (p. 74). O intento de apontar correspondência e afinação entre físico e intelectualidade reforça, inclusive, o ideal grego de homem integral.

    Citando Horácio Greeley, Barbosa aponta que a educação deve desenvolver o homem em suas dimensões moral, intelectual e física. Uma imagem que poderíamos utilizar é a de um triangulo eqüilátero, em que seus três lados devem ser desenvolvidos de forma harmoniosa para criação de um homem equilibrado. E que a função da Educação não é a criação de aberrações, o que acontece quando uma dessas dimensões é muito mais desenvolvida que as outras. Ratificamos aqui a presença da dicotomia entre corpo, mente e espírito, que separa essas dimensões, apontando, todavia, para o desenvolvimento do homem integral.

    Contida nessa defesa (contraditória?) da integralidade humana, parece-nos favorável pensar na complexa, talvez ambígua ou polissêmica, idéia de progresso humano. Citando Herbert Spencer, Barbosa afirma que “A primeira condição de felicidade neste mundo, bem reflete um pensador, é ‘ser um bom animal’, e a primeira condição de prosperidade nacional é que a nação seja composta de bons animais” (p.75).

    Grosso modo, uma nação próspera, tomando como perspectiva o liberalismo, parece atender mais aos ideais positivistas (que, aliás, estão contidos na defesa de progresso nacional) do que aos interesses do bem-estar social humano.

    A educação física, por conter em si o movimento, a atividade física, faz-se importante partícipe no projeto moderno de Rui Barbosa:

    “O que a extensão dos cabelos era para Sansão é o exercício para o comum dos homens... A experiência tem mostrado que os alunos que se emparedam no gabinete, e não exercem os membros, fazem, numa série dada de anos, menos progresso, do que aqueles que, em horas apropriadas, aliviam de estudo a inteligência, e restauram as forças do espírito, exercitando as do corpo... O exercício físico renova a energia intelectual.” (WICKERSHAM apud BARBOSA, 1883)”.

    O exercício físico além de alicerçar a atividade intelectual funciona como descanso para a mente e o espírito. Atentamos, nesse contexto, para a utilização das palavras “em horas apropriadas” ao se reportar ao exercício, ou seja, ele (exercício) tem hora marcada, é regularizado, normatizado.

Considerações finais

    Tomando como ponto de partida a instrução pública no contexto da Reforma do ensino primário e, conseqüentemente, as tentativas no século XIX de universalização do ensino, Rui Barbosa apresente seu projeto (liberal) de modernidade. Nesse contexto, “o Estado passa a intervir cada vez mais na educação para constituir uma escola leiga, gratuita e obrigatória” (MACHADO; MORMUL, 2000).

    Rui Barbosa defende em seu parecer um modelo de educação integral onde deveria ocorrer a harmonia entre todas as dimensões do humano, contudo em sua proposta fica clara a polarização entre corpo e mente. Para ele o exercício físico tinha como função alicerçar a atividade intelectual, entendida como mais nobre e importante.

    Corroborando as demandas sociais que visavam um homem adaptado aos interesses e ideais modernos, Rui Barbosa defende uma educação física capaz de corresponder à modernização e aos interesses do capital, com suas propostas muito mais preocupadas com a prosperidade e o progresso da nação do que com os interesses do bem-estar social humano.

Referência

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