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Educação Física frente ao corpo obsoleto: reflexões a partir de Foucault

La Educación Física frente al cuerpo obsoleto: reflexiones a partir de Foucault

 

*Mestre em Educação Física UPE/UFPB

**Professor Doutor em Filosofia pela Universidade de Louvain

Docente do Núcleo de Educação Física da UFPB

(Brasil)

Fábio Luís Santos Teixeira*

Iraquitan de Oliveira Caminha**

fabioesef@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A presente investigação objetiva analisar o papel da Educação Física na problemática da obsolescência do corpo, enquanto elemento característico do Biopoder tecnológico nas sociedades atuais, questão que remete a uma mudança epistemológica sobre o conceito corpo que se desenha no campo das ciências, nos últimos séculos. Seguindo a linha teórica que sustenta a valorização dos aspectos sociais e culturais do corpo como forma de reação à construção de uma natureza biotecnológica, propõe-se que Educação Física realize uma aproximação teórica de seus saberes com o conceito foucaultiano de Estética da existência objetivando viabilizar o exercício crítico de suas práticas para reconstrução de uma identidade autônoma sobre a construção do próprio corpo.

          Unitermos: Biopoder. Tecnologia. Corpo.

 

Resumen

          Esta investigación tiene como objetivo analizar el papel de la Educación Física en el problema de la obsolescencia del cuerpo, en tanto elemento característico del Biopoder en las sociedades contemporáneas, tema que hace referencia a un cambio epistemológico en el concepto de cuerpo que se configura en las ciencias, en los últimos siglos. Siguiendo la línea teórica que apoya la mejora de los aspectos sociales y culturales del cuerpo como reacción a la construcción de una naturaleza biotecnológica, se propone que la Educación Física debería realizar una aproximación teórica de sus conocimientos con el concepto foucaultiano de la estética de la existencia con el objetivo de permitir el ejercicio crítico de sus prácticas para reconstruir una identidad.
          Palabras clave: Biopoder. Tecnologia. Cuerpo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 175, Diciembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este trabalho trata sobre o resgate dos elementos sócio-culturais do movimento humano como uma reação à questão radical da obsolescência do corpo fomentada pelos avanços tecnológicos das biociências que imprimem suas marcas na naturalidade da carne (LE BRETON, 2003). Insere-se no campo da epistemologia, adotando uma perspectiva que se afasta do positivismo para tentar propor concepções capazes de dar conta da Educação Física como atividade científica real (TARDIFF, 2002). A questão norteadora é a seguinte: tendo em vista a necessidade de discutir politicamente acerca das possibilidades e limites dos progressos tecnológicos, sua influência na natureza corporal humana, e a utilização destas tecnologias para aprimorar a vida, qual o papel da Educação Física enquanto campo de conhecimento no debate destes avanços sobre o corpo? Ou seja, como a Educação Física enquanto ciência deve se apresentar na discussão sobre a retomada da naturalidade do corpo?

    Seguindo a linha de argumentação defendida por teóricos que questionam a problemática do corpo na história, a partir da sistematização do conceito de Biopoder elaborado por Foucault (2006), pretende-se discutir a mudança na forma de se entender o corpo nas ciências de maneira a politizar as questões sobre a superação da natureza pela cultura biotecnológica, extrapolando para o âmbito da Educação Física como importante campo de resistência à obsolescência do corpo.

Práticas de si, tecnologia e corpo

    A história das civilizações revela a existência de uma associação entre as práticas de si e a ascensão de mecanismos de controle da vida que remonta principalmente à cultura grega, que deixou como legado uma série de formulações éticas de caráter médico-filosófico, as quais fundamentam, ainda hoje, as relações de cuidado com a saúde e de submissão à investigação clínica (FOUCAULT, 2006). Num longo processo, o corpo cada vez mais passou a ser alvo de investimentos tecnológicos, sendo que no século XVIII, esse tipo de controle passou a se desenvolver por meio de forma institucional, formando uma sociedade disciplinar em que a tônica era a economia/poupança de energia.

    Nos dias de hoje percebe-se uma alteração dos valores e uma conseqüente liberação do corpo constatada pelo surgimento das mais variadas técnicas corporais, aplicadas desde a moda até o esporte (CRESPO, 1990). Através do processo de transição/migração do poder, em que houve um deslocamento da função repressiva do Estado para o controle do próprio sujeito, estabeleceu-se uma libertação integral do corpo acompanhada pela atuação e renovação de um aparato especial de tecnologias de controle. Neste processo a consolidação da uma medicalização da sociedade trouxe consigo a tradicional acentuação corporal dos conceitos de saúde, como ausência de certos sintomas específicos agrupados de maneira sistemática, e de doença, como ausência de saúde, ou anomalia socialmente construída pela prática médica, subsidiada pelos avanços das ciências (FOUCAULT, 2006).

    Através do exemplo citado pode-se dizer que as mudanças nas formas de se entender o mundo e o ser humano refletem novas formas de controle onde as práticas, principalmente as corporais, solidificam-se com os avanços da tecnologia e ciência. Uma crescente valorização das tecnologias sobre as estruturas corporais, em paralelo com os mais novos conhecimentos, culmina numa preocupação especial com a saúde e com a longevidade, como resposta a uma outra forma de se colocar perante a morte (ELIAS, 1993).

    De acordo com Silva (2001), os avanços tecnológicos e formação de um mercado (fruto da economia capitalista), provocaram uma radicalização de um modelo mecanicista com o surgimento da mídia (e da propaganda), e uma banalização nas relações com o corpo (DEL PRIORE, 2000). Alguns reflexos dessa radicalização são o consumo excessivo de uma imagem ideal e um remodelamento técnico do corpo procura chegar ao ponto da máxima artificialização (SILVA, 2001).

    Um fenômeno urgente que tem sido alvo de grande reflexão diz respeito às tecnologias da informação e da comunicação e sua influência na forma como o homem concebe o corpo e sua própria imagem, estabelecendo novos limiares de produção e modificação da imagem que apontam para uma superação da naturalidade corporal, fato que ratifica a aproximação entre experiências corporais na atualidade e os fronteirismos entre a máquina e o homem (COUTO, 2000).

    Tendo em vista que os progressos científicos desenvolvidos na medicina, na biologia molecular e na cibernética têm promovido uma série de debates sobre os limites do natural, do corpo e da vida humana, cabe questionar para onde esta nova dinâmica levará a espécie humana? Como o homem, com toda engenhosidade construída pelo conhecimento científico, se lançará nesse percurso incerto de mudanças?

    Alguns teóricos revelam a existência de uma estreita associação entre as práticas de si e a ascensão de mecanismos de controle da vida (FOUCAULT, 2005). FERREIRA (2002) constata que atualmente essa relação se encontra marcada pelo radicalismo científico presente na continuidade sistêmica entre as esferas da consciência humana, do mundo maquínico e da natureza. Continuidade alimentada pela informação e pela necessidade de transformar o corpo humano, como defendem os arautos da obsolescência do humano. Para compreender melhor essa questão, é necessário refletir sobre essas suposições.

A obsolescência do humano: radicalizando os limites do corpo

    “O homem é uma corda estendida entre a besta e o super-homem – uma corda sobre um abismo!” – escreveu Nietzsche (2001) ao refletir sobre a existência do homem e sua necessidade de superação. Numa primeira análise, a corda estendida pode representar a continuidade de um processo evolutivo que se prolonga do estado "natural" para um estado reconhecido pelo filósofo como transcendental futuro, que está por vir e que nem mesmo Nietzsche pôde vislumbrar concretamente.

    Entretanto para alguns teóricos atuais da biotecnologia esta figura do "super-homem" pode representar a próxima fronteira a ser vencida na linha evolutiva do ser - humano, uma evolução que reside no melhoramento do próprio corpo através da utilização de um suporte tecnológico especializado e desenvolvido pelo conhecimento científico, numa lógica da construção artificial visando o melhoramento das funções e prolongamento da existência.

    (...) trata-se de uma radicalização do processo de instrumentalização iniciado no Ocidente há mais de dois séculos. Uma constatação como essa, embora correta, deixa escapar características culturais distintivas da "ação morfogenética combinatória", presa que está a um campo teórico extremamente vinculado ao capitalismo industrial (FERREIRA, 2002 p. 219).

    O homem contemporâneo se depara com um processo de agregação tecnológica que atinge seu cume na obsolescência do ser – humano - processo em que as funções naturais do organismo vivo dão lugar ao estatuto do ciborgue, da nanotecnologia e da produção da vida em laboratório (TUCHERMAN, 1999; LE BRETON, 2003). Percebe-se assim uma dinâmica de controle e aperfeiçoamento constante da vida. Uma estrutura tecnológica de Biopoder que incide diretamente sobre o corpo, como foi evidenciado por Foucault (2006) em seus estudos sobre sujeição e relações de poder nas diversas organizações sociais a partir do séc. XVIII.

    Um dos traços políticos distintivos do mundo moderno parece ser a transformação da vida natural em espaço de exercício de poder. Ao desnudar o corpo de significados culturais específicos, passando a apreciá-lo segundo critérios de funcionalidade e operacionalidade, a ciência finda por trazer a vida biológica para o centro da cena política industrial (FERREIRA, 2003).

    Assim, privilegiando o mecanismo corporal, o conhecimento científico promove o desaparecimento dos laços sociais, históricos e culturais, estabelecidos na relação entre homem e corpo, construindo-se, pela biologia, um novo sentido sobre a vida, uma nova relação que se manifesta numa identidade frágil, instável, descentrada, mutante, processual e inconstante, à qual corresponde um corpo fragmentado em partes minúsculas (TUCHERMAN, 1999).

    O conhecimento das estruturas mínimas do corpo, para Le Breton (2003), tende a projetar de forma radical e determinista as diferentes representações das estruturas mentais e físicas dos indivíduos. Sejam nas promessas fomentadas pelo projeto genoma, ou nas argumentações legais que se baseiam nas anormalidades genéticas para explicar uma conduta criminosa, o extremismo da dimensão biotecnológica representa um retorno epistemológico às raízes positivistas.

    Uma repercussão imediata é a redução do corpo a um sistema de informações elementares, protéicas, distribuídas em cadeias diferentes de aminoácidos como uma soma organizada de mensagens que vem a substituir o sujeito e o soma por um modelo impessoal e comparativo de interação entre moléculas.

    A redução epistemológica é legítima, acompanha qualquer desenvolvimento de conhecimento, mas, no discurso e no imaginário de muitos cientistas, ultrapassa seu campo de aplicação para englobar o próprio indivíduo e dissolvê-lo, por exemplo, na forma de seu programa genético (LE BRETON, 2003 p. 103).

    Se por um lado, o poder tecnológico sobre o corpo pode proporcionar maior qualidade e melhor funcionamento da vida, por outro implica uma mudança no estatuto ontológico clássico do ser humano: o fato de "ser singular" e "não duplicável" parece dar lugar à reprodução simultânea de identidades mutantes - abertas para uma [...] maquinização do comportamento, a qual pressupõe que todo o comportamento é resultado de reações químicas (TUCHERMAN, 1999 p. 158) - e à medicalização da ética e da política. Medicalização que define outras modalidades da relação consigo a partir da caracterização de uma ética que pode superar a finitude da vida, mas que está atrelada a um modo de sujeição na forma de obediência a uma lei, que é ao mesmo tempo resultante da vontade pessoal e da realização racional da construção de si, através do conhecimento científico.

    Segundo Tucherman (1999), a política e a moral não se cansam de responsabilizar o sujeito pela posse do corpo numa medicalização que impregna todos os discursos, fazendo dele a nova religião. Entretanto, a responsabilidade pela manutenção da saúde e da vida encontra nos avanços tecnológicos uma superação da naturalidade.

    A percepção da natureza como instância limitada em seus recursos, limitadora em sua dinâmica, equilibrando, harmonizando através da lógica da escassez as ações das diversas espécies em sua luta pela subsistência, cede lugar a uma compreensão da vida na terra como produto de uma linguagem de programação (FERREIRA, 2002 p. 228).

    Nesse sentido, o direcionamento das práticas tecnológicas na administração dos cuidados individuais com corpo parece não apontar para uma direção nítida, pois, o ser - humano, regido pela redução epistemológica do corpo na ciência contemporânea, está prestes a encarar a constituição de uma segunda natureza, cujo nascimento remete ao rompimento com a concepção tradicional de se pensar o homem metafísico e material, fato que justifica a necessidade de discutir a problemática da obsolescência dentro da própria ciência (TUCHERMAN, 1999). Para isso, é preciso entender as relações de Biopoder que regem o conhecimento na atualidade a partir de uma perspectiva histórica do corpo.

O Biopoder e a questão da liberdade

    O século XVIII marca o início da narrativa sobre o corpo como campo de poder. Narrativa que se desenvolve em dois momentos distintos. No primeiro instante ele é tido como objeto de poder coercitivo que remete ao nível da mecânica, dos [...] movimentos, gestos, atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo (FOUCAULT, 2004 p. 118). Assumindo uma forma coercitiva ininterrupta, esse poder [...] vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação ao máximo do tempo, do espaço, dos movimentos (Ibidem p. 118).

    Num segundo instante, definido pela ascensão burguesa, capitalista e ocorrência das revoluções industrial e operária, percebe-se um redirecionamento do poder para "servir" economicamente ao Estado. Importava nesse momento preparar cidadãos aptos à defesa da pátria e à produção econômica industrial (FOUCAULT, 2006). Surge assim uma organização institucional do Estado caracterizada pela formatação dos primeiros elementos tecnológicos de controle sobre o corpo. A partir desta lógica histórica de controle físico, atualmente percebe-se que

    [...] a mecânica não é mais o paradigma dominante mediante o qual se promove a compreensão dos organismos vivos. A cibernética ocupou tal posto. A informação e o texto são as novas metáforas de ordenamento e disseminação do discurso biotecnológico, e não mais a engrenagem, a máquina. Medicamentos neuropsiquiátricos, moderadores de apetite, medicamentos de tratamento de disfunção erétil, por exemplo, são elementos de uma guerra informacional em que à medicina caberia driblar disposições inconvenientes do organismo (FERREIRA, 2008).

    No escopo desta guerra, alguns teóricos seguem na contramão da radicalidade questionando as possibilidades de lidar com o corpo enquanto elemento de informação, apontado críticas a uma fragmentação que termina por findar a identidade dos próprios sujeitos (TUCHERMAN, 1999). Seguindo a linha teórica de renovação e de resgate das instâncias culturais e sociais do corpo como uma forma de resistir às novas formas cibernéticas de biopoder, teóricos como Deleuze, Guatarri, Serres e Habermas, argumentam sobre aceitabilidade da transformação da natureza humana ou se a ruptura com a natureza humana é algo que pode destruir os parâmetros do humanismo moderno. A exploração da informação, entretanto, parece marcar o auge da civilização humana e o clímax da sua existência evolutiva num cenário que aponta para a construção de uma nova natureza humana, sem possibilidades de retorno ou negação do avanço das tecnologias.

    Nesse sentido, outra questão surge ao se pensar uma reposição do corpo: a questão da liberdade para construir um novo corpo. [...] A questão agora seria a liberdade para modificar e mudar o corpo, respondendo à provocação: Qual é o corpo que eu quero ter? (TUCHERMAN, 1999 p. 185).

    Na medida em que se responsabilizam pelo corpo que possuem, os indivíduos se tornam capazes de planejar suas estratégias "pós-evolutivas", o seu modo pessoal de produzir a si mesmo, fato que torna ainda mais importante o debate sobre o problema da obsolescência. Dentro da necessidade de politizar a discussão, é extremamente importante que a construção de si passe por um processo de reflexão. Reflexão que deve partir das instâncias de produção e de utilização do conhecimento científico, fundamentalmente, as universidades e as escolas. Reflexão que, tendo em vista a liberdade dos sujeitos, parece caminhar para a elaboração de uma estética da existência, conceito foucaultiano que remete à reconstrução de si através da autonomia e auto-gestão da vida, considerando, a priori, que as relações de produção do corpo se encontram suspensas neles próprios.

    Como campo de conhecimento reconhecidamente marcado por exercer controle tecnológico, a Educação Física deve se posicionar no debate sobre a renovação da cultura do corpo. Neste trabalho, esta possibilidade pode ser considerada a partir da aplicação do conceito de estética da existência como elemento enriquecedor na problemática da intervenção profissional em Educação Física.

Educação Física: estética da existência e resgate do corpo

    Foucault (2006) afirma que nenhuma técnica, nenhuma aptidão profissional pode ser adquirida sem exercício e que também não se pode aprender a arte de viver sem uma askesis, ou adestramento de si por si mesmo. Ao constatar isso, defende que a conduta reflexiva sobre si mesmo serviria como forma de transformar a verdade em ethos, em forma de conduta para moldar a própria vida, como o artesão que com as mãos dá forma ao barro. Essa constatação permite aos educadores pensar em torno do sentido de sua ação pedagógica e do tipo de sujeito que se pretende alcançar a partir dela.

    Em outras palavras, é preciso que o educador realize uma desconstrução constante de suas referências e dos saberes que constituem sua prática no sentido de produzir em si mesmo e nos outros os reflexos de sua postura crítica.

    No bojo das discussões aqui levantadas, a Educação Física parece encontrar na reflexão sobre si mesma uma forma de discutir uma epistemologia sobre o corpo que possibilite a construção do resgate deste enquanto identidade e não apenas enquanto informação tecnológica. Para isso é preciso admitir duas condições: o conhecimento acerca dos saberes específicos e a adoção de uma postura crítico-reflexiva do ato de ensinar.

    Focalizando a questão dos saberes, considera-se que são [...] os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) as atitudes, isto é, aquilo que muitas vezes foi chamado de saber-fazer e saber-ser, refletindo o que os próprios profissionais dizem a respeito de seus próprios saberes profissionais (TARDIFF, 2002 p. 11).

    Em linhas gerais, de acordo com os paradigmas da Educação Física, pode-se considerar que os saberes específicos de seu campo de intervenção são o esporte, o jogo, o treinamento e as demais formas de manifestação cultural do movimento humano.

    O ensino desses conteúdos tem demonstrado que a educação física precisa superar seu status histórico de dispositivo tecnológico de produção e reprodução sobre os corpos.

    Será preciso talvez direcionar o ensino não só para a assimilação de conteúdos, mas também para a desconstrução e reformulação destes de acordo com a individualidade de cada sujeito. Desconstruir os conteúdos para exercitar a desconstrução e a reconstrução de si, como Plutarco em relação ao exercício da escrita e sua definição de etopoiética, forma ascética de fazer da aula um espaço de experiência e não só de verdade (FOUCAULT, 2006).

    Dessa forma, a valorização dos aspectos culturais e sociais do corpo que vivencia os elementos de sua própria produção possibilitariam formas de se entender as diferenças que constituem as identidades de cada sujeito envolvido no processo.

    Assim, cuidar de si pode ser entendido como a realização do ato de ensinar através do ato reflexivo sobre si. No caso da Educação Física cuidar de si remete à politização do corpo, à reflexão coletiva e desconstrução a partir de seus conteúdos próprios. Além disso, é não negar os avanços tecnológicos sobre o corpo, mas entender a historicidade do processo e promover o desenvolvimento de sujeitos aptos a questionar sobre a liberdade de cultivar seus próprios corpos.

Conclusão

    Nos últimos anos os progressos científicos desenvolvidos na medicina, na biologia molecular e na cibernética têm promovido uma série de questionamentos sobre os limites do corpo e da vida humana enquanto elementos que se desenvolvem no universo dos fenômenos da natureza.

    A percepção de corpo enquanto espaço hipermoderno e a suposta fragmentação do indivíduo em linguagem genética decorrente dela tem revelado certos aspectos:

  1. A contra-resposta a essa perspectiva surge a partir de debates que apontam para uma resistência ao desenvolvimento de uma possível segunda natureza humana;

  2. Essa discussão tem caráter epistemológico na medida em que houve uma mudança profunda na forma de se entender o corpo, fato que promoveu a reestruturação das relações entre indivíduo e corpo;

  3. Devido à natureza da questão e ao status da ciência atualmente, o debate sobre o corpo obsoleto precisa se desenvolver dentro da própria ciência, envolvendo as esferas de intervenção associadas a ela;

  4. A Educação Física enquanto área de conhecimento que busca seu estatuto epistemológico deve contribuir no debate de forma a superar sua determinante histórica, promovendo um resgate dos aspectos sociais e culturais inerentes ao movimento humano.

    No que diz respeito à Educação Física o resgate cultural deve exceder a mera transmissão de conhecimentos apontando também para a reflexão histórica, desconstrução dos conteúdos, reconstrução de valores e identidades individuais, de maneira a desenvolver a autonomia, administração crítica das práticas de si, e politização do debate sobre o corpo, para além das esferas da ciência.

    Conclui-se, nesse sentido, que se ainda não é possível pensar um estatuto próprio para a Educação Física, sua participação no debate das hipertecnologias do corpo pode fomentar uma reflexão epistemológica sobre ele no âmbito científico, enriquecendo as críticas à redução da identidade do ser humano.

    Entretanto isso só poderá ser alcançado se os profissionais de Educação Física construírem sua intervenção na perspectiva de uma estética da existência, em que a desconstrução e reconstrução dos saberes específicos de seu campo estabeleçam uma relação mais reflexiva perante as relações de Biopoder que se desenham atualmente.

Referencias

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  • FERREIRA, Jonatas. O alfabeto da vida (da reprodução à produção). Lua Nova: revista de cultura e política n.55-56, Jan. 2002.

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  • FERREIRA, Jonatas. Humanismo, biopoder e soberania: elementos para uma discussão das biotecnologias contemporâneas. Cienc. Cult. vol.60 n.1, Jan. 2008.

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  • ______________. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

  • LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2007.

  • NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2001.

  • SILVA, Ana Márcia. Corpo, Ciência e Mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo da felicidade. Santa Catarina: Autores Associados, 2001.

  • SOARES, Carmem. Educação Física: Raízes Européias. Campinas: Autores associados, 2004.

  • TARDIFF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, 2002.

  • TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Passagens, 1999.

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