Corpo e Educação Física Cuerpo y Educación Física |
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Especializandas em Movimento Humano, Sociedade e Cultura Centro de Educação Física e Desportos. CEFD, UFSM Santa Maria, RS (Brasil) |
Roberta Bevilaqua de Quadros Tatiane Razeira Ojeda |
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Resumo O presente estudo aborda a concepção de corpo, de Educação Física e as relações entre ambos com estudantes do ensino fundamental de uma escola municipal de São Sepé (RS). Trata-se de um estudo exploratório de caráter qualitativo no qual utilizamos um questionário para coleta dos dados. O interesse pelo tema surgiu no desenvolvimento das aulas, no programa Mais Educação. O número reduzido de publicações sobre o tema reforçou a intenção da pesquisa. O grupo entende o corpo apenas em seu caráter biológico (conjunto de órgãos, ossos, músculos, etc.) e a Educação Física para a maioria desses estudantes é esporte. A relação existente entre corpo e Educação Física, foi relacionada ao movimento, o qual ajudaria a desenvolver o corpo. Unitermos: Corpo. Educação Física. Educação Física Escolar.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 175, Diciembre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O presente estudo abordou a concepção de corpo, Educação Física e a relação existente entre ambos. Esse estudo foi realizado com estudantes do 3º, 4º e 5º anos, com idade entre 09 e 12 anos de uma escola municipal da periferia do município de São Sepé (RS), participantes do Programa Mais Educação. Nessa escola, o programa (Mais Educação) busca desenvolver esportes, lazer, cultura, arte, dança, conteúdos da Educação Física que são desenvolvidos em forma de oficinas pedagógicas.
Em relação às oficinas pedagógicas, Moita e Andrade (2006) afirmam que essas servem como formação contínua do (a) professor (a) e para seus alunos e alunas na construção criativa e coletiva do conhecimento.
Conforme o portal do Ministério da Educação o Programa Mais Educação, criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007, aumenta a oferta educativa nas escolas públicas por meio de atividades optativas que foram agrupadas em macro campos como acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, comunicação, educação científica e educação econômica. A iniciativa é coordenada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) e com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. Sua operacionalização é feita por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A partir da realização de atividades relacionadas aos conteúdos da Educação Física no Programa Mais Educação, houve o interesse de conhecer o que os estudantes do ensino fundamental compreendem sobre corpo, Educação Física e a relação existente entre ambos.
A Educação Física e suas relações com o corpo
A partir da Lei de Diretrizes Básicas - LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996) a Educação Física deixou de ser uma atividade dentro da estrutura curricular da escola para tornar-se componente curricular integrado ao processo educacional.
Betti e Zuliani (2002) descrevem que a Educação Física enquanto componente curricular da Educação Básica deve:
(...) assumir então outra tarefa: introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo, do esporte, das atividades rítmicas e dança, das ginásticas e práticas de aptidão física, em benefício da qualidade da vida (Betti e Zuliani, 2002, p.3).
Os estudantes em contato com o esporte e outras formas de cultura corporal são envolvidos não somente pela prática, mas pelo contexto que há entorno dessas atividades, e especialmente pela socialização e convívio entre os participantes. Essa interação faz com que haja um estímulo a reflexões e debates entorno das atividades.
De acordo com o Coletivo de autores (1992), não se trata somente de aprender o jogo pelo jogo, o esporte pelo esporte, ou a dança pela dança, mas esses conteúdos devem receber outro tratamento metodológico, a fim de que possam ser historicizados criticamente e aprendidos na sua totalidade enquanto conhecimentos construídos culturalmente, e ainda serem instrumentalizados para uma interpretação crítica da realidade que envolve o aluno.
Bracht (1999) refere-se que o entendimento do objeto da Educação Física, o movimento humano, tornou-se fenômeno histórico-cultural, deixando o pensamento biológico, mecânico, e também psicológico de lado. Mas que esse entendimento da Educação Física só afirmar-se-á quando as ciências sociais e humanas tornar-se mais fortemente como referência.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (Brasil, 1998) a Educação Física, como cultura corporal do movimento, possui diversos objetos como conteúdos: os jogos e brincadeiras, os esportes, as danças, as ginásticas e as lutas. Essas atividades ressignificam a cultura corporal e apresenta caráter lúdico e /ou objetivo.
Nesse sentido os PCNs (Brasil, 1998), entende-se a Educação Física como campo de conhecimento da cultura corporal de movimento e a Educação Física escolar como disciplina que integra o aluno na cultura corporal de movimento. Sendo que o aluno vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para desfrutar os vários conteúdos em benefício à qualidade de vida e exercício crítico da cidadania.
Vale ressaltar sobre a reflexão que Arantes elabora a propósito da escola em relação ao indivíduo.
Sendo o homem sujeito da sua própria história e educação, à escola cabe a tarefa de promover o indivíduo, de fazê-lo refletir sobre si mesmo e sobre o seu entorno, de forma a não ser instrumento mecânico de reprodução, e ou, de estar a serviço do processo de “ajuste” do aluno à sociedade. Ao contrário, graças a sua consciência crítica o aluno assumirá progressivamente o papel de sujeito escolhendo, decidindo, resolvendo e criando situações capazes de solver os problemas que se apresentarem (Arantes, 2005, p. 13).
Freire citado por Arantes (2005) menciona que a escola tem o poder e deve modificar a consciência dos indivíduos, por fazer parte de um contexto histórico de cada sociedade. Por isso, o professor deve atender o contexto em que os alunos e a escola encontram-se.
O professor de Educação Física possui papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem sendo facilitador, orientador, transformador, assim, construindo uma relação de confiança para que os estudantes sintam-se seguros para o desenvolvimento das atividades e na motivação de aprender com o que está sendo realizado.
De acordo com os PCNs (Brasil, 1998), a Educação Física no ensino fundamental para alunos com idade entre 7- 14 anos, sugerem que o aluno possa conhecer e entender o desenvolvimento de seu corpo nos diferentes domínios, com ênfase na qualidade de vida e atuando de forma crítica nas relações sociais. Nesse sentido, os mesmos citam que:
(...) o trabalho na área da Educação Física tem seus fundamentos nas concepções socioculturais de corpo e movimento, e a natureza do trabalho desenvolvido nessa área se relaciona intimamente com a compreensão que se tem desses dois conceitos (Brasil, 1998, p.28).
O corpo está tão inserido e é tão importante para a sociedade que ao mesmo tempo é capaz de produzir uma cultura e ser influenciado por outras. Concordamos com Goellner quando a autora apresenta que "pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é, simultaneamente, um desafio e uma necessidade" (2003, p.28). Podemos compreender essa necessidade com mais clareza quando discutimos o corpo no tempo e suas tendências. A cultura se inscreve nos corpos.
O homem, ao longo de sua história, demonstra modificações na forma como concebe e trata de seu corpo, revelando relações desse corpo com o contexto social.
Conforme PCNs (Brasil, 1998) o corpo é compreendido como um corpo vivo, um organismo integrado, que vivencia todos os tipos de sentimentos, que interage com o meio físico e cultural, e não como um amontoado de partes e aparelhos. Os conhecimentos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e bioquímicos são utilizados para conhecer o corpo, aos quais habilitam a análise crítica dos programas de atividade física e a afirmação de critérios para a realização de atividades corporais saudáveis.
Na maioria das vezes, na escola, intencionalmente ou não, prezamos a disciplina, o silêncio e o controle dos corpos e como observa Arroyo (2004, p. 126) acabamos não percebendo que “[...] os corpos dos alunos revelam muito mais do que indisciplinas, revelam os enigmas de sua existência”.
Na escola, o processo de aprendizagem acontece de maneira fragmentada, e o corpo é visto como objeto puramente biológico. As experiências e vivências dos estudantes são desconsideradas e o processo de aprendizagem torna-se sem sentido e sem significado.
Dessa maneira, o autor citado acima nos faz refletir sobre a indissociável relação entre corpo biológico e cultural, lembrando que o corpo e seus movimentos traduzem elementos de uma sociedade ou cultura, seus valores, costumes, tradições. Ressalta Daolio (1995) que a natureza humana não pode ser restringida ao nível biológico, pois é eminentemente cultural.
Evidencia o mesmo autor:
[...] que o conjunto de posturas e movimentos corporais representa valores e princípios culturais. Consequentemente, atuar no corpo implica atuar sobre a sociedade na qual esse corpo está inserido. Todas as práticas institucionais que envolvem o corpo humano – e a Educação Física faz parte delas - sejam elas educativas, recreativas, reabilitadoras ou expressivas, devem ser pensadas nesse contexto, a fim de que não se conceba sua realização de forma reducionista, mas se considere o homem como sujeito da vida social. Percebemos que a Educação Física contribui em diferentes aspectos do desenvolvimento humano, e inevitavelmente na sociedade, e ao considerar as necessidades, experiências e diferenças dos estudantes, confere-se sentido e significado às suas aprendizagens (Daolio, 1995, p. 42).
A Educação Física é essencial para que o estudante entenda seu corpo como uma construção social, cultural e histórica dentro do seu contexto. O professor deve valer-se dos prévios conhecimentos dos estudantes e a partir desse momento estimular uma construção de corpo além do biológico e mecânico.
Metodologia
O estudo aconteceu em uma escola municipal do município de São Sepé (RS), com uma das três turmas atendidas pelo Programa Mais Educação. A turma que participou do estudo possui estudantes de 9 a 12 anos, de ambos os sexos. Essa turma possui duas aulas de dança por semana, com duração de uma hora e meia no turno inverso das aulas regulares.
Este trabalho desenvolveu-se durante uma das aulas de dança, do Programa Mais Educação, onde inicialmente foram explicados os objetivos e a importância deste estudo e a seguir esclarecimentos de como preencher o questionário.
Neste questionário foram solicitadas informações como: idade e ano na escola. E as seguintes perguntas: o que é corpo? O que é Educação Física? Existe relação entre o corpo e a Educação Física?
A partir das respostas dos estudantes, separamos e analisamos as mesmas por categorias: entendimento sobre corpo, concepção de educação física e as imbricações entre ambos.
Análise e interpretações
Para melhor compreensão dos dados, as perguntas que compuseram o instrumento, foram transformadas em categorias de análise. Assim, as categorias foram denominadas: I- Corpo, II- Educação Física, e III- Relação entre Corpo e Educação Física.
Categoria I: Corpo
Nesta categoria a maioria dos estudantes, 15 dos 16 estudantes relacionaram o corpo com os aspectos biológicos, ressaltando partes do corpo, órgãos e ossos. Como destaca o estudante I: “é uma carne com couro e sangue” e a estudante R: “é o tronco onde fica a barriga, o pulmão, coração...”.
Foi comparado o corpo com uma máquina, como escreveu a aluna G: “é que nem uma máquina, mas só tem ossos com carne”. Cito Daolio (1995, p. 41) que ressalta “[...] conceber o corpo como meramente biológico é pensá-lo – explícita ou implicitamente - como natural e, consequentemente, entender a natureza do homem como anterior ou pré-requisito da cultura”. O autor ainda reforça que, o que define o corpo é o seu significado, sendo ele produto da cultura, é construído de formas diferentes em cada sociedade, e não suas semelhanças biológicas universais.
Categoria II: Educação Física
Quando perguntados sobre o que entendiam por ser Educação Física, todos os estudantes relacionaram com o esporte. Houve 3 estudantes que além de esporte associaram que EF com saúde e 1 estudante relatou que é para aprender, estudante J: “é uma coisa boa e faz a gente aprender coisa nova”. Deste modo, Gonçalves (1994, p. 116) destaca que a EF “deveria resgatar a verdadeira importância da dimensão da corporalidade e do movimento na vida humana e possibilitar a compreensão de seu sentido social”.
Em muitas das respostas a Educação Física se confunde com esporte, como se fossem a mesma coisa como relata a estudante G: “É um esporte que é muito bom”. E outra resposta, da estudante R: “É esportes, como vôlei, basquete, alongamentos, futsal, natação e futebol”.
O estudante F respondeu: “É um esporte saudável para desenvolver o osso”.
Categoria III: Relação entre corpo e Educação Física
Todos os estudantes responderam que sim, que existe relação entre corpo e EF. E 11 estudantes responderam em virtude da relação do corpo com movimento, como expressa a estudante R: “O corpo tem que se movimentar para dançar e jogar bola”; e também a estudante J: “Sim, porque o corpo se mexe”.
Buscando ultrapassar essa dimensão cito Gonçalves (1994, p. 116) destaca que a EF “deveria resgatar a verdadeira importância da dimensão da corporalidade e do movimento na vida humana e possibilitar a compreensão de seu sentido social”.
Considerações finais
Este estudo possibilitou compreendermos o que pensam estudantes de uma turma de ensino fundamental sobre corpo, educação física e como se entrelaçam as relações entre ambos.
Percebeu-se que o corpo é comparado à máquina e entendido apenas como constituição biológica.
Ao realizar este estudo podemos entender e conhecer a realidade desses estudantes, o que levou-nos a refletir sobre o planejamento de conteúdos para aulas de Educação Física no ensino fundamental que contemplem suas necessidades, ampliando seus conhecimentos. A EF não pode ter um caráter único, precisa ser um espaço de prazer, de se relacionar, de se expressar, de se divertir, de se perceber e de ser entendido como corpo. Completando as idéias acima mencionamos Arroyo (2004, p. 128):
[...] Escutar as falas dos corpos dos alunos é nosso dever, como pensamos ser o dever deles escutar nossas falas. Quando a esfera subjetiva não é susceptível de se expressar em palavras tenderá a se revelar nos corpos. Como entendê-los? Se nossas falas docentes não falarem a alunos corpóreos, se os falarmos sem vê-los, não esperemos respostas. Os corpos nos trazem o outro como presença e como interrogação.
Acreditamos que é de suma importância buscar mudanças efetivas e significativas, e que essas mudanças se materializem no interior da escola, que não sejam ações isoladas e individuais de alguns professores, pois entendemos como direito dos estudantes conhecer e vivenciar os vários conteúdos da EF e dever do professor proporcionar essas vivências e aprendizados.
Ao desenvolver este estudo, o conhecimento sobre o tema foi ampliado, dando visibilidade à modalidade de ensino referida, gerando uma aproximação entre escola e universidade, compartilhando e construindo conhecimentos conjuntamente.
Referências
ARROYO, M. G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. CAP: Os corpos, suas marcas, suas mensagens (p. 121-138).
BETTI, M.; ZULIANI, L. R. Educação Física Escolar: uma proposta de diretrizes pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2002, 1(1):73-81.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF: 1996.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física / Secretaria de Educação Fundamental. . Brasília : MEC /SEF, 1998.
CARVALHO, R. M. Educação Física Escolar e Educação de Jovens e Adultos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 16. CONGRESSO INTERN. 3. 2009, Salvador. Anais... http://www.cbce.org.br/cd/listaresumos.htm. Acesso em: 15 abril 2011.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo; Cortez, 1992.
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas, SP: Papirus, 1995.
GOELLNER, S. V. A produção cultural do corpo. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2ª ed. 2005. p. 28 - 40.
GONÇALVES, M. A. S. Sentir, Pensar, Agir - Corporeidade e Educação. Campinas, SP: Papirus, 1994.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12372&option=com_content&view=article. Acessado em 20 de junho de 2012.
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