Educação Física escolar: repetir a história ou inovar a prática? Educación Física escolar: ¿repetir la historia o innovar la práctica? Physical Education: repeat history or innovate practice? |
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*Licenciado em Educação Física pela Faculdade AGES **Orientadora. Professora Substituta UFS Professora Titular da Faculdade AGES (Brasil) |
Uedson Dantas Lima* Priscila Ellen Pinto Marconcin** |
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Resumo A Educação Física escolar mudou muito nos últimos tempos, mas os professores da área ainda enfrentam muitos desafios, entre eles, a inserção dos conteúdos estruturantes do componente curricular frente à hegemonia esportiva que sempre caracterizou a disciplina na escola. O presente trabalho tem o objetivo de analisar como os professores da turma de pós-graduação em Educação Física Escolar da Faculdade São Luís de França – SE lidam com a pressão escolar e social frente ao enfoque esportivista dado às aulas de Educação Física na escola e a necessidade pedagógica da inserção dos seus conteúdos estruturantes enquanto componente curricular nas suas respectivas escolas e colégios de atuação. A pesquisa caracterizou-se como levantamento de campo de natureza quanti-qualitativa, tendo a participação de 11 professores, sendo 5 (cinco) do sexo feminino e 6 (seis) do masculino, com faixa etária entre 23 e 41 anos. O instrumento utilizado foi a entrevista semi-estruturada. A análise dos dados utilizou a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2004) e a discussão teve como principais teóricos utilizados Betti (1991; 2002), Coletivo de Autores (1992; 2009), Daólio (1995; 1996), Darido (2003; 2007; 2011) e Kunz (1998; 2003; 2006). Os principais resultados apontaram que os professores ainda enfrentam muitos desafios para tentar romper com a resistência aos outros conteúdos estruturantes da Educação Física frente à influência do esporte de forma hegemônica, dentre eles, as barreiras físicas, materiais e, até mesmo, a própria desvalorização da área. Como conclusão, é possível perceber que a Educação Física escolar ainda precisa passar por uma profunda transformação pedagógica, de modo que sua teoria não afaste os alunos da prática, tampouco que a prática afaste de sua teoria, sendo preciso inovar, buscar melhorias de modo a legitimar o componente curricular na escola. E, por fim, que nossa missão soma-se aos demais educadores que enxergam a possibilidade da transformação social rumo à construção de um mundo melhor, começando pela base fundamental: a educação. Unitermos: Educação Física escolar. Cultura corporal. Prática pedagógica.
Resumen La educación física ha cambiado mucho en los últimos tiempos, pero los profesores del área todavía se enfrentan a muchos desafíos, entre ellos la inclusión de contenidos que estructuren el componente curricular frente a la hegemonía de los deportes que ha caracterizado a la disciplina en la escuela. Este trabajo tiene como objetivo examinar cómo los profesores del curso de postgraduación en Educación Física Escolar Colegio de Faculdade São Luís de França, SE manejan la presión escolar y social frente al enfoque deportivista dado a las clases de educación física en la escuela y la necesidad de integración pedagógica de la estructuración de contenidos como un componente curricular en sus respectivas escuelas y colegios donde intervienen. La investigación se caracterizó como un estudio de campo de carácter cuantitativo y cualitativo, con la participación de 11 maestros, cinco (5) mujeres y seis (6) varones, con edades comprendidas entre 23 y 41 años. El instrumento utilizado fue una entrevista semi-estructurada. El análisis de los datos utiliza la técnica de análisis de contenido propuesto por Bardin (2004) y para la discusión fue utilizado como teóricos principales a Betti (1991, 2002), Colectivo de autores (1992, 2009), Daolio (1995, 1996), Darido (2003, 2007, 2011) y Kunz (1998, 2003, 2006). Los principales resultados mostraron que los profesores siguen enfrentándose a muchos desafíos al tratar de romper la resistencia a la estructuración de otros contenidos de Educación Física antes de la influencia de la forma hegemónica del deporte, incluyendo las barreras física, material e incluso la depreciación de área. En conclusión, es posible ver que la Educación Física tiene que pasar por una transformación pedagógica profunda, por lo que su teoría no aleje a los estudiantes de la práctica, ni la práctica se separe de su teoría, siendo necesario para innovar, buscar mejorar legitimidad del componente curricular en la escuela. Y, por último, que nuestra misión se suma a los otros educadores que ven la posibilidad de la transformación social hacia la construcción de un mundo mejor, empezando por la educación básica fundamental. Palabras clave: Educación Física. Cultura física. Práctica pedagógica.
Abstract The Physical Education has changed a lot recently, but teachers of this subject still face many challenges, among them, the inclusion of structuring contents of the curriculum component front to the sports hegemony that has characterized this subject at school. This work aims to analyze how teachers in the class of post graduation in School Physical Education of São Luís de França College – State of Sergipe handle the school pressure against and social sports focus given to Physical Education classes at school and the pedagogical need of integration of its structuring contents as a curriculum component in its respective schools and colleges. The research was characterized as a field survey of quantitative and qualitative nature, with the participation of 11 teachers, being five (5) females and six (6) males, aged between 23 and 41 years old. The instrument used was a semi-structured interview. Data analysis used the technique of content analysis proposed by Bardin (2004) and discussion was used as the main theoretical Betti (1991, 2002), Coletivo de Autores (1992, 2009), Daólio (1995, 1996), Darido (2003, 2007, 2011) and Kunz (1998, 2003, 2006). The main results showed that teachers still face many challenges in trying to break the resistance to other structuring contents of Physical Education before the influence of the hegemonic form of sport, including the physical, material obstacles and even the depreciation of this area. In conclusion, it is possible to see that school Physical Education must still undergo a deep pedagogical transformation, so that its theory does not let away the student of practicing, nor the practice away from its theory, being necessary to innovate, in order to seek improvements to legitimate the curriculum component in the school. And, finally, that our mission adds to the other educators who see the possibility of social transformation towards building a better world, starting with the fundamental basis: education. Keywords: School Physical Education. Physical culture. Pedagogical practice.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 174, Noviembre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Os professores de Educação Física, até os dias atuais, enfrentam o desafio de desmitificar a área frente ao modelo esportivista que imperou na metade do século XX, a partir de 1964. É comum várias escolas ainda usarem a Educação Física no seu molde esportivista para promoção da unidade escolar. Isso não seria problema algum, não fosse a metodologia utilizada que se resume em treinamento ocorrido nas aulas regulares do componente curricular, ou seja, é negada aos educandos a vivência crítica e reflexiva das variadas manifestações da cultura corporal. Deve-se ter clara a distinção entre aulas de Educação Física escolar e treinamento desportivo.
Assim, em meio a esse dilema, os professores de Educação Física, para além de suas funções da prática pedagógica, precisam enfrentar a pressão escolar e social frente aos conteúdos historicamente impostos. Estes com enfoque exclusivamente esportivista e, em contraponto, a necessidade pedagógica da inserção dos seus conteúdos estruturante, sendo a análise dessa problemática o objetivo central deste estudo.
A análise de tal problemática justifica-se na medida em que poderá contribuir para a melhoria da prática pedagógica do professor de Educação Física, visto que, atualmente, ainda há o desafio de superar o modelo tradicional e, com isso, dar significado às aulas de Educação Física escolar. A partir desta análise, poderão ser repensadas novas estratégias para enriquecer as práticas pedagógicas docentes dos professores de Educação Física e, assim, desmitificar o olhar estereotipado frente ao modelo esportivista.
O objetivo geral da pesquisa é analisar como os professores da turma de pós-graduação em Educação Física Escolar da Faculdade São Luís de França – SE lidam com a pressão escolar e social frente ao enfoque esportivista dado às aulas de Educação Física na escola e a necessidade pedagógica da inserção dos seus conteúdos estruturantes enquanto componente curricular nas suas respectivas escolas e colégios de atuação.
Metodologia
A presente pesquisa é de natureza qualitativa descritiva exploratória e quanto ao delineamento da pesquisa é classificada como levantamento de campo. A amostra da pesquisa foi composta por 11 (onze) professores de Educação Física, sendo 5 (cinco) do sexo feminino e 6 (seis) do sexo masculino, com faixa etária entre 23 e 41 anos, regularmente matriculados no curso de especialização Lato Sensu intitulado: Educação Física Escolar com Ênfase em Esportes Individuais e Coletivos, oferecido pela Faculdade São Luís de França, situada em Aracaju (SE), porém, com pólo em Paulo Afonso (BA), onde foi realizada a pesquisa. Todos os professores entrevistados possuem graduação em Licenciatura e/ou Licenciatura Plena em Educação Física e já atuam em escolas, sendo estas distribuídas nos estados de Alagoas (cinco professores), Bahia (três professores) e Pernambuco (três professores).
Para coletar os dados com maior fidedignidade, optou-se como instrumento, por uma entrevista, semi estruturada, contendo 9 questões abertas. O objetivo prioritário é a percepção da opinião dos entrevistados sobre o assunto que tem sido abordado, pois a entrevista é “uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação” (GIL, 2010, p. 109).
A análise dos dados foi feita pela técnica de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2004), como a melhor opção para categorizar e analisar com maior fidedignidade os dados da entrevista.
Análise e discussão dos resultados
A seguir, são apresentados os dados obtidos a partir das entrevistas feitas com os professores, conforme exposto na descrição da amostra, sendo os resultados organizados em categorias e subcategorias de análise, bem como suas devidas características.
Tabela I. Categoria 1: Significados atribuídos à Educação Física escolar
De fato, definir o que realmente seja Educação Física escolar não é muito fácil, tampouco se encontrará um consenso, visto que, pelo grande número de abordagens adotadas, pelas vivências na formação e nas experiências profissionais tidas pelos professores, cada um atribui ao componente curricular um sentido específico.
No entanto, o que mais chamou a atenção na fala dos entrevistados foi a contribuição numa esfera mais ampla, ou seja, a Educação Física pode sim contribuir para a construção de uma sociedade melhor, como pode-se observar na seguinte fala do professor A11: “Educação Física, para mim, é um veículo de formação social e corporal que está associado de uma forma que não se pode separar no ambiente educacional.”
A cultura corporal também foi citada praticamente como sinônimo de Educação Física em alguns momentos, o que nos leva a refletir que seu objeto de estudo, muitas vezes, é confundido com a definição da própria área.
Dentre as inúmeras definições do objeto de estudo da Educação Física, a cultura corporal de movimento ganhou muito destaque, possivelmente devido ao fato do conceito de cultura guardar uma “pluralidade de significados” (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, org. 2008, p. 110).
Como pode ser observado na fala do professor A7: “Bom, na área escolar, a educação Física tem como base a cultura corporal de movimento [...] envolve várias temáticas e os conteúdos que ela abrange, todas elas voltadas à questão do movimento [...] esportes, jogos, danças, lutas e ginásticas, fazendo com que as crianças e os adolescentes tenham novas experiências a respeito do movimento e consigam expressar da maneira que [...] possam, através dessa expressão adquirir conhecimento”.
Fica evidente que considerar a cultura corporal de movimento como objeto de estudo da Educação Física escolar implica possibilitar inúmeras vivências corporais para os educandos de modo que estes possam conhecer, vivenciar e, por fim, transformar o movimento de forma crítica e autônoma.
Portanto, atribuir um significado à Educação Física escolar traz, em contrapartida, a concepção adotada por cada professor e quais as contribuições vislumbradas pelos mesmos, seja a nível social ou cultural. Dessa forma, fica evidente que, para grande parte dos entrevistados, a Educação Física trabalha com a Cultura Corporal do Movimento, assim, para os mesmos, seu objeto de estudo maior é a cultura corporal de movimento, sendo, muitas vezes, associado enquanto sinônimo da área.
Tabela II. Categoria 2: Compreensão do desenvolvimento histórico da Educação Física no Brasil
Conhecer os aspectos históricos associados à Educação Física, sobretudo a escolar é imprescindível, visto que é analisando práticas do passado que é possível não cometer os mesmos erros, além da possibilidade de avançar na área.
Na análise das entrevistas, não ficou tão evidente a importância mencionada acima, pois os professores não relataram grande conhecimento acerca da influência que as fases passadas pela Educação Física tiveram para a sua configuração atual, como se pode ver na seguinte fala do professor A10: “Dentro do [...] estudo que a gente faz, né, na graduação, ela vem desde aquela fase militarista, depois higienista e, hoje, já como cultura do movimento, né, cultura corporal [...]”.
É preciso entender que tudo está inter-relacionado e que os reflexos de todas as fases ainda podem ser encontrados na contemporaneidade, ou seja, “importante se faz resgatarmos os passos dados pela Educação Física” (CASTELLANI FILHO, 1988, p.117).
No entanto, tais fases, pelas quais a Educação Física passou, também foram consideradas importantes para adentrarmos ao espaço educacional, como é destacada na seguinte fala do professor A2: “[...] a educação física, ela teve influência francesa que trouxe para dentro da escola, movimentos calistênicos através de atividades militaristas, mas que, de certa forma, elas foram relevantes para que a educação física no Brasil fosse levada a sério, que os professores buscassem, fossem estudar mais, se aperfeiçoar, buscar o conhecimento que, até então, eram oriundos de outros países, que trouxeram essas influências que, até hoje, perduram no nosso ramo [...]”.
Na fala anterior, fica claro que, de certa forma, o descontentamento com os modelos vigentes da época levaram estudiosos da área buscar embasamento teórico para mudar a realidade da disciplina, o que, indiscutivelmente, culminou nos inúmeros debates, congressos e encontros ocorridos na década de 1980.
Deste modo, conhecer o passado nos ajuda a entender o presente, bem como buscar subsídios para melhorá-lo visto que nossa realidade ainda precisa de muitas mudanças para reesignificar a Educação Física no cenário escolar e, com isso, conseguir as mudanças tão almejadas na área.
Tabela III. Categoria 3: Importância da Educação Física no âmbito escolar
Pensar a importância da Educação Física no cenário escolar implica entender qual a concepção de mundo e sociedade adotada por cada um, pois, se por um lado, a educação pode libertar, por outro, pode se tornar um forte instrumento de alienação na qual as pessoas que estão no poder lutam para manter o status quo.
Em alguns momentos, a formação cidadã foi apontada como principal e se destaca na seguinte fala do professor A6: “Eu acho que é a formação do cidadão, o esporte tem uma grande importância na formação social da pessoa [...]. Acho que o conjunto, todos têm um pouquinho de importância e de contribuição nessa”.
Ao analisar tal fala, percebe-se que o esporte parece ser o único elemento da cultura corporal que influencia na formação cidadã, como se as outras manifestações em nada acrescentassem à formação do cidadão.
Como destaca Neira (2006), é preciso unir o que se convencionou separar culturalmente, ou seja, o corpo que participa das “aulas de movimento” é o mesmo presente nas “aulas de raciocínio”, não há porque fazer tal separação.
A questão da interdisciplinaridade também foi mencionada, mas no seu aspecto negativo ou mesmo em sentido contraditório, pois a Educação Física, segundo a fala de alguns entrevistados, é importante porque contribui para o aprendizado de outras matérias, como se não houvesse um corpo de conhecimento próprio da área como se observa na seguinte fala do professor A5: “[...] é de fundamental importância que a educação física trabalhe como uma matéria interdisciplinar [...] trabalhe todas as áreas de conhecimento, não somente o movimento [...] Eu acho que o professor, tem que partir do professor essa importância.”
Neste discurso, o movimento parece ficar em segundo plano. Não podemos negar o papel do movimento, pois este também é imprescindível para a construção do aprendizado na área, como destaca o professor A10: “Para quem tem conhecimento realmente da educação física escolar, sabe que ela pode ajudar significativamente nas outras disciplinas, principalmente na relação cognitiva, aí entra a questão afetiva, a questão social, até a motora mesmo, a gente sabe que a educação física é essa disciplina que tem esse contato mais próximo, né, entre o professor e o aluno, ela leva vantagem diante das outras disciplinas, muito além do que se imagina que seja apenas a prática de atividade física. [...] Quem tem que definir somos nós professores diante dos alunos e principalmente diante das direções dos colégios”.
Antes de qualquer coisa, na escola, “o aluno deverá apropriar-se dos conhecimentos que justificam a presença e a importância da Educação Física na escola. Com esses conhecimentos, o aluno poderá ter uma atitude consciente [...]” (DARIDO; RANGEL, 2011, p. 39).
Assim, nota-se que é papel e dever ético dos profissionais de Educação Física, sobretudo os que atuam na escola, legitimar a área dando sua devida importância através do seu corpo próprio de conhecimento, ou seja, a interdisciplinaridade pode e deve acontecer, mas, em nenhum momento, a Educação Física deve ser uma ponte para qualquer outra disciplina.
Tabela IV. Categoria 4: Estabelecimento dos objetivos das aulas
Os objetivos de ensino constituem o ponto onde se deseja chegar. Na Educação Física, isso constitui um verdadeiro desafio, pois o que se deseja alcançar nas aulas nem sempre dá suporte ou aprofundamento para a construção da autonomia no processo educativo, limitando as vivências, experiências e aprendizados ao cenário escolar. Isso também é necessário, mas o aluno deve ser capaz de pensar e agir criticamente sobre o mundo.
É imprescindível lembrar que os objetivos também devem servir de base para a seleção dos conteúdos. Assim, pensar o ponto de chegada implica pensar os conhecimentos a nível conceitual construído ao longo do tempo na sociedade. Partir do contexto do educando, nesse sentido, é muito importante como foi mencionado pelo professor A5: “De acordo com a sala, com a turma que você tem [...], é que é feito objetivo [...]”.
Assim, conhecer a realidade é o primeiro passo para o estabelecimento dos objetivos, pois, de acordo com a mesma, é possível melhorá-la dentro das circunstâncias encontradas. A generalização de objetivos nem sempre dá certo em face das diversidades encontradas. No entanto, também é imprescindível estabelecê-los a partir de adaptações, ou seja, os objetivos não podem ser selecionados somente a partir da realidade.
Uma coisa é certa, mesmo que não possa haver generalizações, vivenciar criticamente os diversos elementos da cultura corporal deve estar presente nos objetivos gerais da Educação Física nas suas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais (DARIDO; RANGEL, 2011).
O professor A11 relatou que: “Os objetivos das aulas são estabelecidos, primeiramente, com base nos parâmetros, certo, parâmetros educacionais não podem fugir disso e, em segundo plano, as necessidades da população que está sendo atendida. [...] primeiro, a formação social, em segundo, é a formação física mesmo da questão da educação corporal e, em terceiro, plano a, formação como cidadão e que e no âmbito geral”.
A fala anterior se apresenta um pouco incoerente, visto que a formação social e a física, além da formação enquanto cidadãos, são tratados como coisas distintas. Não seria junção destas quiçá um dos objetivos maiores da Educação Física na escola?
Outro ponto a se discutir também é a aplicabilidade dos parâmetros. É indiscutível sua importância, no entanto, até os mesmos reforçam a necessidade que se faz em considerar o contexto do educando como ponto de partida e não a ordem inversa.
Portanto, organizar os objetivos de ensino dentro da Educação Física implica considerar a realidade encontrada, podendo, para isso, serem utilizados os parâmetros nacionais como base e, assim, tentar contribuir para a formação integral dos educandos no processo educativo.
Tabela V. Categoria 5: Conteúdos trabalhados nas aulas de Educação Física
Os conteúdos de ensino formam a base da cultura do conhecimento, ou seja, tudo que, até então, se produziu nas mais diversas ciências, sendo direito de todos a terem acesso de qualidade à base nacional comum sem desconsiderar a parte diversificada. Dentro da Educação Física, os conteúdos fazem referência aos elementos da cultura corporal, como destaca o professor A4: “Os conteúdos são jogos, são esportes, dança, lutas, todos os conteúdos que norteiam a cultura corporal em geral [...] São selecionados de acordo com os alunos, com o ambiente, a estrutura física, né, tudo isso implica na seleção desses conteúdos.”
Para Libâneo (1991, p.128), “os conteúdos de ensino são o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos, e atitudinais de atuação social, organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e aplicação pelos alunos na sua prática de vida”.
Na Educação Física, os conteúdos que compõem a base nacional comum são: os jogos, os esportes, as lutas, as danças e as ginásticas.
As escolas públicas, em sua grande maioria, adotam os Parâmetros Curriculares Nacionais como suporte para seleção dos conteúdos de ensino, o que, de certo modo, torna-se um ponto importante de análise, ou seja, a forma como tais conteúdos vêm sendo selecionados.
No entanto, por questões históricas, os esportes sempre tiverem maior ênfase e isso não mudou muito nos últimos anos em algumas realidades. Com isso, são negados aos alunos os conhecimentos e as vivências da base nacional dos conteúdos, como destaca o professor A7: “Bem, esportes, porque, infelizmente, a realidade é essa, esportes coletivos, esportes individuais, também a gente trabalha a questão de saúde corporal, conhecimentos sobre o corpo, também trata muito disso ai e também tem os valores sociais, a gente trata muito [...]”.
Assim, “os conteúdos são os meios pelos quais o aluno deve analisar e abordar a realidade de forma que, com isso, possa ser construída uma rede de significados em torno do que se aprende na escola e do que se vive” (DARIDO; RANGEL, 2011, p. 68).
Nesse sentido, o papel da Educação Física supera o simples ensinar esporte, dança, jogos, lutas ou ginástica. É preciso articular conhecimentos de ordem conceitual, procedimental e atitudinal mesmo que, em determinados momentos, seja dado mais ênfase a determinado aspecto, sua fragmentação corre o risco de tornar-se pouco significativa para o processo formativo integral do educando.
Os conhecimentos sobre o corpo no que tange sua estrutura e seu funcionamento também se tornam indispensáveis face ao mundo moderno contemporâneo, em que, pela própria lógica do mercado capitalista, este se tornou mais uma fonte valiosa de mercado. Desse modo, ter consciência crítica dos mitos e das verdades relacionados ao conhecimento corpóreo pode e deve configurar nos conteúdos referentes à Educação Física.
Portanto, estabelecer relações entre a cultura corporal do movimento, os conhecimentos corporais e o cuidado com a ênfase exagerada nos conteúdos esportivos é um dos caminhos a serem trilhados rumo a uma ressignificação da Educação Física escolar. Assim, os entrevistados seguem as recomendações teóricas da área, uma vez que consideram a multiplicidade dos conteúdos.
Tabela VI. Categoria 6: Interferência familiar e escolar (direção) na construção das aulas
Discutir a participação familiar e da direção na construção das aulas do professor de Educação Física é um pouco complexo. De um lado temos a autonomia do docente e do outro, opiniões que, nem sempre, vão de encontro ao planejamento docente.
A modernidade acelerou o cotidiano social fazendo com que a maioria dos pais passe a maior parte do tempo trabalhando e mal tenha tempo para uma participação efetiva no processo de formação do seu filho no âmbito escolar.
Quanto à direção, muitas vezes, ainda relega a Educação Física a um segundo plano, dando um tratamento diferenciado das outras disciplinas curriculares ou mesmo exime-se do processo, como se em nada pudesse interferir ou contribuir.
Há, por parte de alguns docentes, uma queixa referente a essa ausência da direção como destaca o professor A4: “Eu penso que deveria ter uma participação maior no âmbito de não só planejar, de participação ativa no processo, nas aprendizagens e nas tomadas de decisões em relação à escola, com relação ao material, com relação ao acompanhamento por parte dos familiares e do corpo docente e discente”.
Fica explícito que a fala acima traz uma reflexão maior do importante papel da participação de todos os atores do âmbito escolar.
É preciso que escola e família estejam em harmonia, pois uma complementa a outra, podendo ambas se tornar espaços agradáveis para a construção do aprendizado. No entanto, os pais parecem que estão preferindo ou deixando que a escola dê limites e faça exigências. Enquanto isso, aos pais, restam-lhes os momentos de ócio com os filhos, o que pode se tornar um grande problema.
A partir do momento que os educandos passam a ter limites somente na escola e não na família, os educadores passam a serem vistos como os grandes “inimigos”, podendo, com isso, comprometer o processo educativo, visto que, certamente, terá mais dificuldade para lidar com esses alunos.
Nesse sentido, “é fundamental que o professor reconheça sua autoridade como elemento vital de sua prática pedagógica” (CAPARROZ; BRACHT, 2007, p.30). Reconhecer sua autoridade implica conceber suas limitações, ou seja, o professor sozinho não conseguirá resultados tampouco avanços significativos, se não houver a participação ativa da família no processo educacional.
Ora, o professor pode e deve se impor, mas também deve usar de sua autoridade sem autoritarismos para tentar integrar a família à escola, juntamente à direção, pois, certamente, o trabalho docente será melhor desenvolvido e a escola conseguirá cumprir com suas funções.
No contexto analisado, observaram-se relações indiferentes ou mesmo negativas, pois os pais e/ou direção, por carregarem uma imagem impregnada de estereótipos, ainda não compreendem a real função da Educação Física escolar. Assim, cabe aos professores da área realizar ações que promovam um novo olhar para o componente curricular.
Portanto, a integração família e escola, num contexto mais amplo, é indispensável e constitui mais um desafio para o professor de Educação Física na sua prática diária enquanto sujeito de transformação.
Tabela VII. Categoria 7: Principais dificuldades encontradas enquanto professor de Educação Física
As reclamações sobre o espaço físico adequado e a ausência de matérias didáticos suficientes é uma queixa antiga dos professores de Educação Física, pois, no desenvolvimento de sua prática pedagógica, os mesmos se vêem limitados diante das circunstâncias encontradas, como relata o professor A5: “Ah, essa ai é de praxe [...] falta de material, de espaço, em alguns cantos, falta de apoio, mesmo até por parte dos diretores”.
Outro problema a ser destacado é o fato do entendimento do que seriam os materiais didáticos, pois muitos pensam que o professor de Educação Física só utiliza bolas nas suas intervenções práticas, o que faz com que ele sempre tenha que improvisar e fazer verdadeiros “milagres” para dar conta da vivência dos outros elementos da cultura corporal.
Não se nega a importância de se fazer adaptações, mas fazer isso o tempo todo pode sucatear o componente curricular. É importante construir materiais, mas também é indispensável que se façam mais investimentos na área, pois “a Educação Física escolar tem as mesmas metas que qualquer outra disciplina do currículo, ou seja, possibilitar o desenvolvimento do seu potencial humano” (GALLARDO, 2009, p. 50).
Mas o desenvolvimento desse potencial atende a uma especificidade da área, ou seja, a Educação Física necessita de recursos próprios para garantir a vivência adequada dos seus diversos elementos.
Com relação à seriedade dada à disciplina, ainda se percebem alguns problemas, o que acaba provocando uma desmotivação docente ou mesmo um entendimento errôneo do que realmente traria essa importância. Na fala do professor A11: “Primeiro, a seriedade dada dentro da escola à educação física, uma disciplina que não seja, que não reprove, que não tenha tanta seriedade e também a falta de recursos físicos e materiais”.
Na fala acima, surge uma discussão dentro da Educação Física, será que a reprovação é um recurso que possibilite uma maior ou menor seriedade dada à disciplina?
Com isso, surge um dilema: de um lado, a escola tem como função possibilitar novas aprendizagens e o professor deve sempre reavaliar seus mecanismos de avaliação para, com isso, melhorar sua prática pedagógica, sobretudo no que tange à metodologia utilizada; do outro, temos o caráter utilitarista que a educação vem ganhando, ou seja, se não reprova, não há porque levar a sério. Pensam os alunos.
Nesse sentido e levando em consideração os aspectos discutidos acima, percebe-se que o professor de Educação Física tem muitos obstáculos na sua prática pedagógica, obrigando-o a pensar, constantemente, em ressignificar sua área em face de tantos desafios.
Portanto, muito além de barreiras físicas e ausência de materiais, o professor de Educação Física também enfrenta a desvalorização do componente curricular, bem como um entendimento errôneo dos recursos didáticos que esta pode utilizar no andamento e construção do processo de ensino aprendizagem.
Considerações finais
A Educação Física escolar ainda precisa passar por uma profunda transformação pedagógica, de modo que, sua teoria não afaste os alunos da prática, tampouco que a prática os afaste de sua teoria. Nesse sentido, o compromisso político do professor deve ser encaminhar o componente curricular para além das simples técnicas corporais ausentes de reflexão, mas sim trabalhar rumo à vivência emancipada dos diversos conteúdos estruturantes que se fundamentam na cultura corporal.
Tendo em vista o estudo realizado, percebe-se que os professores conceituam a Educação Física, bem como vislumbram sua importância a partir da concepção metodológica adotada e os principais desafios enfrentados são as barreiras físicas, materiais e a própria valorização do componente curricular frente aos demais da base nacional comum.
Quanto à seleção dos objetivos educacionais e conteúdos trabalhados, podem-se perceber pontos bem divergentes, desde o fato de alguns professores ainda trabalharem com o enfoque esportivista até outros que conseguem trabalhar com a maior parte dos elementos estruturantes da Educação Física escolar.
Com relação à interferência familiar e da direção, notou-se pouca participação ou influência negativa. Outro aspecto que se pode concluir é que a maior parte dos professores afirmou que suas escolas participam de algum tipo de competição durante o ano. Em algumas delas, há distinção entre as aulas de Educação Física e o treinamento, mas outras ainda ocorrem a preparação para competição durantes as aulas.
Diante do exposto, conclui-se que é preciso inovar, buscar melhorias de modo a legitimar o componente curricular na escola, mas, ao mesmo tempo, é preciso ter consciência das limitações sociais impostas pela própria sociedade, ou seja, vivemos num meio capitalista em que os valores sociais parecem ter enfraquecido, sendo assim, o que importa é o conhecimento que levará ou possibilitará ascensão social aos indivíduos.
Embora caiba a nós, professores da área, tentar modificar tal visão, ainda teremos um árduo caminho para não corrermos o risco de repetir a história e ainda buscar subsídios materiais, políticos, sociais e culturais para inovar a prática pedagógica. Nossa missão soma-se aos demais educadores que enxergam a possibilidade da transformação social rumo à construção de um mundo melhor, começando pela base fundamental: a educação.
Portanto, longe de termos uma resposta pronta e acabada para tal problemática inerente à educação e, em especial, à Educação Física escolar, a presente pesquisa cumpriu com seus objetivos, que eram de análise e discussão de diferentes pontos referentes à área. Contudo, novos estudos são necessários. Ampliar a amostra, extrapolar as fronteiras territoriais do presente estudo são pontos cruciais para que a contribuição na área seja ainda maior e, nesse sentido, possa servir como subsídio para a transformação da realidade atual.
Referências
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Digital · Año 17 · N° 174 | Buenos Aires,
Noviembre de 2012 |