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Educação Física, cultura e sociedade

Educación Física, cultura y sociedad

 

Professor Adjunto do Departamento de Educação Física

da Faculdade de Ciências da Unesp. Campus de Bauru

Livre-Docente em Métodos e Técnicas de Pesquisa em Educação Física

Doutor em Filosofia da Educação. Mestre em Educação Física

Mauro Betti

maurobettiunesp@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Trata das relações entre Educação Física, cultura e sociedade, valendo-se do conceito de cultura corporal de movimento. Considera as mídias como importe elemento dinamizador da cultura contemporânea, e aponta a necessidade de atualização da Educação Física diante dos fenômenos culturais.

          Unitermos: Cultura. Cultura Corporal de Movimento. Mídias. Educação Física

 

          Texto revisado da versão original publicada em: Portal da Educação Física, Esporte e Saúde. Presidente Prudente, 2005. Este site não está mais disponível.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 174, Noviembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Quando se diz que a Educação Física é um fenômeno cultural, não se quer dizer que os dados biológicos não estão presentes ou não são importantes, mas que estes últimos não são suficientes para a compreensão, por exemplo, do esporte. Os europeus do Renascimento ou os indígenas brasileiros à mesma época não jogavam basquetebol ou futebol, embora do ponto de vista fisiológico-mecânico possuíssem o potencial para fazê-lo. É claro que jogos com bola, atendendo ao impulso lúdico que está na origem da própria cultura humana (HUIZINGA, 1980) são registros bastante antigos na história, mas apenas em contextos socioculturais específicos é que surgiram o basquetebol e o futebol tal como os conhecemos hoje. O surgimento e ascensão do esporte como um importante fenômeno sociocultural pode ser explicado pelos predicados intrínsecos (lúdicos e agonísticos) presentes nas diversas modalidades esportivas, aliados ao contexto de liberalismo e industrialização da Europa no século XIX, daí espalhando-se para todo o mundo (BETTI, 2009a).

Cultura Corporal de Movimento

    Mas o que é cultura? Temos dificuldade em compreender nossa própria cultura, porque estamos nela imersos, ela nos aparece como um dado evidente, sobre o qual não nos debruçamos a todo momento para uma análise sistemática.

    DaMatta (1978) considera que, ao estudar uma dada cultura, um antropólogo deve realizar um duplo movimento: transformar o estranho em familiar, e, ao mesmo tempo, o familiar em estranho. O primeiro é o movimento original da Antropologia, ao final do século XIX, quando buscava compreender culturas nativas. O segundo corresponde ao momento presente da Antropologia, que se volta para a nossa própria sociedade, e então temos que estranhar o que nos é familiar.

    Lembra Dartigues (1973) que Husserl (1859-1938), considerado o “pai” da fenomenologia moderna, agradeceu aos antropólogos do seu tempo, já que concebia a descoberta da essência dos fenômenos sociais e culturais como decorrentes de uma compreensão prévia, logo, de um conhecimento, pelo sociólogo/historiador, de culturas diferentes da sua – e os antropólogos penetraram em universos culturais inteiramente estranhos ao homem europeu, os quais não poderiam ter concebido, nem mesmo como pura possibilidade, se não tivessem ido investigar in loco.

    Uma boa e didática ilustração do que poderia ser esse processo de estranhamento, e que apresenta interesse para a Educação Física, é a matéria jornalística exibida na televisão (matéria exibida no "Globo Repórter", produzido pela TV Globo, em 9 de junho de 1999) sobre alguns aspectos da cultura da Mongólia, país encravado na Ásia, entre a Rússia e a China. Naquele país realiza-se anualmente, conforme a referida matéria, há quase oito séculos, um “festival de esportes”, que inclui as modalidades: arco e flecha, corrida de cavalo e luta. Na corrida, o percurso totaliza 56 quilômetros, tendo como cavaleiros meninos de 4 a 12 anos; exaustos, alguns cavalos morrem de cansaço, literalmente. É o animal vitorioso, e não o cavaleiro, quem recebe as honras. Na competição de luta, mais de 500 concorrentes se enfrentam sucessivamente, sem divisão de categorias por peso e sem limite de tempo (algumas lutas chegam a durar duas horas), até que apenas um deles permaneça em pé – o vencedor é aclamado como herói. Tais fatos podem chocar defensores dos direitos dos animais, médicos, pedagogos e/ou profissionais da Educação Física, porque confrontam valores estabelecidos (mesmo que provisoriamente) em nossa cultura – tanto a cultura no sentido mais amplo (a cultura ocidental, por exemplo), como em sentido mais específico (a cultura profissional-pedagógica da Educação Física, por exemplo). Todavia, se tomarmos a corrida de cavalos como exemplo, é preciso considerar que saber cavalgar, num país em que a maioria da população possui hábitos nômades, e onde há mais equinos que seres humanos, é habilidade altamente valorizada, inclusive para crianças.

    O exemplo nos permite entender porque “cultura” pode ser definida como “conjunto dos modos de vida de um grupo humano determinado, sem referência ao sistema de valores para os quais estão orientados esses modos de vida” (ABBAGNANO, 2000, p. 229). Tal definição aplica-se tanto a sociedades complexas, tecnológicas, como a sociedades simples e rústicas.

    Todavia, na sociedade ocidental contemporânea, em especial nas últimas décadas, um conceito que destaque o caráter semiótico da cultura parece ser mais apropriado - qual seja, considerar a cultura como uma dinâmica de produção e circulação de signos e sentidos. Para essa direção se volta o conhecido trabalho de Geertz (1989), cuja importância foi destacada por Thompson (1995), por ter reorientado a análise da cultura para o estudo do significado e do simbolismo, adotando uma concepção simbólica de cultura, que Thompson (1995, p. 176) caracteriza como: “padrões de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças” .

    Levando adiante tal entendimento, Thompson (1995, p.1981), propõe uma concepção estrutural da cultura, que “dá ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos culturais como ao fato de tais fenômenos estarem sempre inseridos em contextos sociais estruturados”, e a por “análise cultural” entende o “estudo das formas simbólicas”, que dizer “ações, objetos e expressões significativas de vários tipos - em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro do quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas”.

    Destaca-se, nessa concepção, a dimensão semiótica e comunicativa da cultura (cultura e comunicação são como duas faces da mesma moeda), e por outro lado, a crescente midiatização da cultura contemporânea, já que as mídias são atualmente as principais fontes de produção e transmissão de formas simbólicas e construção de sentidos no mundo de hoje. Santaella (1996) refere-se mesmo ao surgimento de uma nova cultura, que redefine a cultura de massa e a cultura erudita: é a cultura das mídias, que cria sua própria linguagem.

    Então, quando a matéria televisiva fala em “esporte” na Mongólia, refere-se a uma forma simbólica que possui significados diferentes para os mongóis e para nós, e que se situa em um contexto histórico e social específico.

    Somos seres cuja relação original com o mundo e com os outros é corporal-motora (MERLEAU-PONTY, 1999). Possuímos uma infinita capacidade de “movimento para...”, quer dizer, nossa motricidade é regida por intencionalidades. Santin (1987) destaca que os elementos fundantes da Educação Física são: o ser humano (uma totalidade indivisível) e o movimento, o qual possui componentes/elementos intencionais internos e externos. Dentre outros, são componentes intencionais internos do movimento humano: o prazer intrínseco à execução dos próprios movimentos, a superação de si próprio e a fruição estética; elementos externos seriam aqueles que provém de fora do campo do próprio movimento, como troféus, recompensas financeiras, bem como a busca de valores extrínsecos ao movimento em si, como a saúde. E tais componentes intencionais internos e externos podem ser articulados de diferentes modos, a partir de diferentes valores - entendendo valor como uma possibilidade de escolha (ABBAGNANO, 2000). Por exemplo, a saúde pode ser promovida ou prejudicada, dependendo da articulação que se faz entre os componentes intencionais do movimento, já que ela não é, em si, um componente intencional interno do movimento humano.

    É a exercitação intencionada, e em geral sistemática, da motricidade humana (que dizer, nossa capacidade de movimento para...) que foi construindo, ao longo da história, as formas culturalmente codificadas que hoje conhecemos como esporte, ginásticas, dança etc., as quais constituem os meios e conteúdos que a Educação Física (que não surgiu previamente a estas formas) articula a partir de diferentes intencionalidades pedagógicas. É a este processo e produto que denominamos “cultura corporal de movimento” (BETTI, 2003), já que não existe movimento sem um corpo que se movimente (DARTIGUES, 1973). São estas também as formas culturais que interessam às mídias, aos empresários, aos políticos, cada qual buscando extrair delas diferentes valores, de acordo com suas intencionalidades. Contudo, é importante explicar que o termo “intencionalidade” não é usado aqui apenas com um conotação utilitarista no sentido de obter, de modo consciente e previamente planejado, alguma vantagem de ordem “prática” com alguma ação.

    Vamos a um exemplo. Didi, um dos maiores jogadores de futebol que o Brasil já conheceu, atuante até início da década de 1960, descreveu, em entrevista à televisão, a que eu tive a oportunidade de assistir, como inventou a “folha seca”, um chute de longa distância no qual a bola se elevava muito e, já próxima à meta adversária, descia rapidamente, enganando o goleiro. Pois bem, tal modo de chutar a bola não foi fruto de um processo de “treino”, de experimentação controlada com o propósito de criar um novo tipo de chute mais eficiente para atingir o objetivo do futebol (“fazer gols”), mas decorreu do fato de estar com o calcanhar machucado, o que o obrigou a chutar apoiado na ponta dos pés, criando involuntariamente uma nova mecânica do chute. Quer dizer, ele não “pensou”, não refletiu antecipadamente sobre como chutar a bola nessa nova situação corporal que a contusão lhe impôs, mas o corpo organizou a ação motora espontaneamente, intuitivamente – isto é exatamente o que se chama intencionalidade operante (MERLEAU-PONTY, 1999), conceito que também Sérgio (2003) emprestou à fenomenologia merleau-pontyana, para definir a motricidade humana como “intencionalidade operante”. É claro que a biomecânica poderá explicar a “folha seca” nos termos da Física, assim como professores de Educação Física e treinadores esportivos poderão apropriar-se desse movimento e inseri-lo em uma pedagogia de ensino/treinamento do futebol – estaríamos aí, então, no âmbito da cultura. Mas tais procedimentos são posteriores, assim como, a posteriori, o próprio Didi pode compreender racionalmente o que fez, e pode explicá-lo em palavras.

    O depoimento de Didi, então, além de nos servir para exemplificar o conceito de “intencionalidade operante”, também serve para nos mostrar de onde vem o novo, onde está a fonte na qual a cultura corporal de movimento “bebe” a matéria prima do seu dinamismo, pois, afinal, a cultura não é estática, ela não apenas reproduz os jogos, os esportes, as danças, mas os produz, os transforma, os cria e re-cria. Observemos as crianças em suas brincadeiras; os jovens empobrecidos nas periferias e favelas improvisando jogos e danças; famílias nos parques públicos rebatendo uma bola por sobre uma corda amarrada entre duas árvores; nas praias, meninos e meninas fazendo malabarismos com uma bola nos pés, ou deslizando por dunas de areia com pedaços de tábua encerada. Aí encontraremos a exercitação mais original da motricidade humana, e original em dois sentidos: como origem das formas que adquirirão posteriormente codificação cultural, e original porque inovadoras, não-codificadas, transgressoras em certa medida. “Brincar” de rebater uma bola de plástico por sobre uma corda amarrada entre duas árvores é, nesse sentido, mais original que o voleibol regulamentado como esporte formal-federativo.

    Nessa mesma direção, Baitello Júnior (1999) evidenciou como, para os teóricos da semiótica da cultura, o jogo/brinquedo, na qualidade de atividade não direcionada a um fim utilitário, é um dos nascedouros da cultura humana.

As mídias, a televisão e a cultura corporal de movimento

    Mas desde a década de 1960 entrou em cena uma novo elemento dinamizador da cultura corporal de movimento: a televisão. Dotada de enorme capacidade técnica para produzir discursos audiovisuais, cuja principal característica é a espetacularização das imagens, a televisão, aliada a interesses comerciais, encontrou no esporte a matéria-prima ideal, criando o esporte telespetáculo, o qual pode ser definido, conforme Betti (1998) como uma realidade textual relativamente autônoma (face à prática “real” do esporte) que é construída pela codificação e mediação dos eventos esportivos efetuadas pelo enquadramento das câmaras televisivas, edição das imagens e comentários, sons e efeitos gráfico-computacionais que se acrescentam a elas. É regido pela lógica da espetacularização, por sua vez ligada aos interesses econômicos das grandes empresas midiáticas e às possibilidades tecnológicas de produção e emissão de imagens.

    É tal “texto” audiovisual (predominantemente imagético) que se tornou produto vendido pela televisão e por outras mídias (jornais, revistas, sites da internet etc.) – o espetáculo esportivo em si e a “falação” (ECO, 1984) sobre ele. Além disso, a possibilidade da associação do esporte a uma infinidade de produtos, do açúcar (“energia”) aos serviços bancários (“velocidade”), passando pelos materiais esportivos propriamente ditos (bolas, vestimentas etc.) é amplamente explorada pela publicidade.

    Contudo, tal lógica da espetacularização -ao transformar o esporte em texto predominantemente imagético e relativamente autônomo face à prática “real” do esporte- traz uma importante conseqüência: a fragmentação/descontextualização do fenômeno esportivo. As mídias fragmentam e descontextualizam a experiência global de praticar esporte. Os eventos e fatos são retirados do seu contexto histórico, sociológico, antropológico; a experiência global do ser-atleta é fragmentada. Como tal descontextualização é sutil e compensada com informações suplementares (closes, câmaras dispostas em diversos ângulos, microfones captando sons no campo e na torcida, etc.), o telespectador tem a falsa sensação de estar olhando por uma “janela de vidro”, quando na verdade aprecia uma interpretação da realidade, mediada pelas câmaras televisivas (BETTI, 1998). De fato, há diferenças profundas na experiência de assistir ao esporte como testemunha corporalmente presente nos estádios e ginásios e na sala de estar, pela televisão. Por outro lado valorizam os aspectos parciais que mais lhes interessam para efeito de espetacularização, e acabam por veicular uma concepção hegemônica do que é esporte: vitória a qualquer custo, esforço máximo, disciplina, recompensa financeira etc. Aspectos como o prazer, a sociabilidade e o conhecimento de si no confronto com outrem, por exemplo, são neglicenciados.

    É então importante compreender que o interesse das mídias no esporte não se fundamenta no interesse de estimular a prática esportiva, mas de vender a si próprias, e, por sua vez, o esporte profissional torna-se cada vez mais dependente das mídias, em especial da televisão. Atualmente, nenhum grande evento esportivo é possível sem o envolvimento das empresas televisivas, que divulgam os produtos e as marcas dos patrocinadores, por intermédio da publicidade.

    O esporte telespetáculo ensaiou seus primeiros passos na Copa do Mundo de 1966 -o primeiro evento esportivo internacional integralmente explorado pela televisão- e firmou-se nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, também os primeiros Jogos Olímpicos que auferiram lucros financeiros. O esporte nunca mais seria o mesmo após o surgimento da televisão ao vivo, o video tape, o close, os sistemas de satélite que fazem as imagens e sons do espetáculo esportivo trafegar por todo o planeta.

    Já há alguns anos, pode-se constatar que as mídias passaram a investir também em outras manifestações da cultura corporal de movimento, em especial as ginásticas (aeróbica, localizada, com pesos etc.), associando-as a um modelo de beleza corporal de magreza, para cujo alcance concorrem também as dietas alimentares e intervenções cirúrgicas (prótese, lipoaspiração etc.). Dessa associação resulta a possibilidade de vender inúmeros produtos: esteiras-rolantes, equipamentos domésticos de ginástica, remédios “emagrecedores”, além, é claro, de um sem número de publicações (em especial revistas de “banca”) dirigidas prioritariamente ao público feminino, em cujas capas, observem, sempre aparecem “chamadas” para programas de exercício e ginástica que visam emagrecimento e/ou obtenção de fortalecimento muscular em determinadas regiões do corpo (por exemplo, “levantar o bumbum”). É oportuno lembrar que as academias, destacado espaço de atuação dos profissionais da Educação Física, toma parte nesse mercado do corpo que, se não é novo, foi expandido e tomou novos rumos sob o patrocínio das mídias.

    Já havíamos apontado (Betti, 2001, 2004) a decisiva influência das mídias (em especial a televisão), no direcionamento de tendências da cultura corporal de movimento, com importantes repercussões para a Educação Física, entendida esta tanto como área de conhecimento como de intervenção profissional. São essas tendências:

A atualização cultural da Educação Física

    Se as mídias exercem papel cada vez mais importante na construção de novos significados e modalidades de entretenimento e consumo no âmbito da cultura corporal, também constituem hoje a mais importante fonte de informações sobre a cultura corporal de movimento para o grande público não especializado. Jornais, revistas, sites da internet, vídeo games, rádio e televisão difundem idéias sobre a cultura corporal de movimento. Há muitas produções dirigidas ao público adolescente e infantil. Pela televisão, as crianças tomam contato precocemente com as manifestações corporais e esportivas do mundo adulto. Hoje, somos todos consumidores potenciais do esporte-espetáculo, senão como torcedores nos estádios e quadras, ao menos como espectadores pela televisão. Há aulas de ginástica aeróbica pela TV; médicos e profissionais da Educação Física concedem entrevistas expondo os benefícios e riscos do exercício físico, comentaristas nos informam sobre táticas e regras nas partidas de futebol, voleibol ou basquete, revistas femininas e para adolescentes sugerem exercícios para emagrecer. Informações nem sempre corretas, nem sempre confiáveis, mas que se sobrepõem pela baixa capacidade crítica da maioria dos telespectadores e leitores. Tudo isso elevou o nível de informação publicamente partilhada na área de Educação Física a um patamar nunca antes atingido na História. Com isso, corremos o risco de, em algum momento, nos depararmos, nas escolas ou nas academias, com alunos ou clientes que detém mais informações sobre um dado aspecto da cultura corporal de movimento do que seus professores/profissionais de Educação Física.

    Contudo, isso não é ruim, o que devemos fazer é examinar as possibilidades de usar as mídias a nosso favor, pela sua capacidade de sintetizar informações, de atrair a atenção, de seduzir pelas imagens, e, ao mesmo tempo, investir na formação do leitor/telespectador crítico, que compreenda os mecanismos de funcionamento e a linguagem das mídias, dotando-o de ferramentas para a interpretação mais aprofundada e contextualizada do que vê, ouve e lê nas mídias. Na Educação Física escolar, por exemplo, já há suficiente fundamentação teórica e experiências concretas de uso de matérias televisivas como ferramenta metodológica no contexto de programas de Educação Física (BETTI, 2006, 2009b).

    Inspirando-nos nas metáforas de Babin e Kouloumdjian (1989) já propusemos (BETTI, 1998) um trabalho com “mixagem”, num primeiro momento, e depois, em “estéreo”. Trabalhar com mixagem é associar as produções da mídia às aulas “tradicionais”, fazendo referências às imagens e eventos esportivos transmitidos pela TV, utilizando programas e trechos previamente gravados na TV convencional, vídeos produzidos para finalidades educacionais, matérias sobre a cultura corporal de movimento publicadas em jornais e revistas. Trata-se aí do que Ferrés (1996) denomina educação com o meio. Conteúdos ligados a técnicas, táticas, história, dimensões políticas e econômicas do esporte, bem como relacionados a aspectos fisiológicos, psicológicos e sociológicos das atividades corporais em geral seriam enriquecidos com o audiovisual, associados a textos jornalísticos.

    Trabalhar em estéreo consiste em compreender a linguagem específica da televisão, aprender a interpretar criticamente o discurso da televisão sobre a cultura corporal em busca de sentidos. Implica também em aprender a identificar os diversos modelos de práticas corporais e esportivas a partir do próprio discurso televisivo. É o que Ferrés (1996) denomina educação no meio.

    Mais recentemente, a popularização do computador pessoal, das câmaras digitais portáteis e dos programas de edição de vídeo tornaram possível a produção de materiais audiovisuais para muitas pessoas, mesmo que não "experts". A possibilidade de postar tais produtos audiovisuais, digitais, na internet (no Youtube, por exemplo), torna todos nós, além de receptores, potenciais produtores de mensagens midiáticas. Com isso, constitui-se as três frentes do campo que tem sido chamado "mídia-educação" (FANTIN, 2012): estudos e intervenções pedagógicas sobre as mídias (análise dos conteúdos), com as mídias (apoio aos processos de ensino e aprendizagem) e através das mídias (produção de conteúdos).

    Se as mídias, em especial a televisão, faz crianças tomarem contato precoce com as formas codificadas do esporte, se para uma garota jogar voleibol é sacar “viagem” e “cortar” contra um bloqueio triplo, e se no imaginário de um garoto ele é o Neymar quando chuta uma bola, mesmo que velha e esgarçada num chão de terra, o professor/profissional de Educação Física que os recebe deve considerar isso, e trabalhar a partir disso. Mas não pode confundir este ponto de partida com o ponto de chegada, assim como deve saber que este simbolismo presente na atividade esportiva de uma criança, para cuja constituição as mídias são decisivas, não pode confundir-se com a forma desta atividade; quer dizer, o professor/profissional deve adaptar a forma de jogar futebol e voleibol para que não haja discrepância entre o que a criança/aluno espera e o que lhes é oferecido.

    Como? Por exemplo, resgatando o que é originalmente o voleibol: um jogo de rebater a bola por sobre um obstáculo (que pode ser uma rede oficial ou uma corda), cuja dinâmica deve ser preservada. Ora, se não é possível a uma criança realizar o saque “por cima” com uma bola e altura da rede oficiais, talvez ela poderá fazê-lo com a rede mais baixa, com uma bola maior e mais leve. Nada há de errado em que um garoto vista a camisa 9 da seleção brasileira e “sinta-se” o Neymar (de fato, ele o “é” nesse momento), o que importa é que lhe seja dada a oportunidade de participar plena e ativamente do jogo de futebol, chutando, passando e fazendo gols, e não apenas fique correndo de um lado para outro, sem receber a bola, monopolizada pelos mais hábeis, como sempre se vê nas “escolinhas” de futebol por aí. Para isso, é necessário à Educação Física investir em uma pedagogia do esporte na qual o esporte não seja um fim em si mesmo, e que, sem ignorar suas influências, não se submeta contudo aos interesses das mídias e das grandes corporações econômicas.

    Da mesma forma, o profissional da Educação Física que atua nas academias deve considerar a busca pela beleza corporal como uma motivação aparente, por trás da qual se escondem desejos mais profundos desse ser (humano) tão e complexo e contraditório. Mas deve, sem dúvida, partir desta motivação aparente (afinal, não há nada de errado com ela, pois não se trata de fazer um juízo de valor) para revelar ao cliente/aluno como o exercício físico (assim como o jogo, o esporte, a dança...) pelas suas propriedades intrínsecas, pode propiciar uma experiência gratificante do ponto de vista psico-social, porque não há como exercitar apenas o físico. Lembremo-nos aqui de Santin (1987): os componentes intencionais externos do movimento (no caso, obter emagrecimento, definição muscular etc.) não podem ser desarticulados dos componentes intencionais internos (por exemplo, o prazer inerente ao próprio fato de movimentar-se).

    Só assim a Educação Física poderá atualizar sua tarefa educativa. Só assim a Educação Física tornar-se-á elemento dinâmico da cultura (CARMO JÚNIOR, 1998) e não mera técnica de intervenção sobre o físico. Só assim ela será tanto educação como física.

Referências

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