Perspectivas do trabalho em
saúde. Uma visão Perspectivas del trabajo en salud. Una visión del modelo biomédico y el trabajo interdisciplinario |
|||
*Graduada em Enfermagem pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas, MG Especialista em Saúde da Família **Graduado em Enfermagem pela Universidade Estadual de Montes Claros, MG Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior (Brasil) |
Marcela Guimarães Fonseca* Antônio Lincoln de Freitas Rocha** |
|
|
Resumo Introdução: A ênfase nos aspectos biológicos para interpretação dos fenômenos vitais, nos procedimentos, no saber médico e nas especialidades denotam a influência que sofrem os processos de trabalho. Esse modelo é organizado a partir de uma divisão de tarefas entre seus agentes, sendo o médico o centro dessa assistência. A perspectiva de trabalho pautado na interdisciplinaridade aparece como alternativa inovadora num contexto de crítica e oposição aos caminhos de uma cultura decorrente da formação, consolidação e expansão da ciência moderna. Metodologia: Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica no qual foram incluídos artigos indexados na base de dados da Scielo e Produções Bibliográficas (Livros) que abordam o tema e atendiam ao objetivo do estudo. Foram selecionados 7 artigos científicos e 5 bibliografias. Realizou-se uma articulação das propostas dos autores, chegando-se a uma ideia-síntese final. Resultados e discussão: A origem do hospital medicalizado aconteceu em decorrência do processo de deslocamento da intervenção médica, antes esporádica, para uma presença constante, em associação com a disciplinarização do espaço hospitalar. O enfoque orientado com base nos determinantes biológicos, na doença e no trabalho hospitalar associou-se à excessiva especialização e ao distanciamento dos conteúdos curriculares necessários à formação de um profissional de saúde com perfil capaz de responder às necessidades da população. A interdisciplinaridade busca a superação da visão parcelar de mundo e facilitar a compreensão da complexidade da realidade, resgatando a centralidade do homem, compreendendo-o como ser determinante e determinado. Considerações finais: O trabalho em saúde é complexo, assim como o próprio ser humano. E como tal, necessita abranger não só o aspecto biológico, mas também o social, o psicológico, o ambiental, o espiritual, as perspectivas do autocuidado, entre outras necessidades humanas. Isso só poderá ocorrer mediante uma quebra do paradigma biomédico cartesiano, que ainda se faz presente no atual modelo de assistência à saúde. Unitermos: Equipe Multidisciplinar. Interdisciplinaridade no trabalho em saúde. Assistência à saúde.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
Os médicos julgam deter um grande poder por ser parte inerente de sua prática “o internar” e o “dar alta”, assim como o diagnosticar e o prescrever o tratamento medicamentoso-cirúrgico. Essa crença também impregna culturalmente os usuários que julgam ser prática médica centralizadora e organizadora de todas as demais práticas na área da saúde, estando, supostamente, na mais alta hierarquia dos saberes em saúde (BELLATO; PEREIRA, 2006).
Habitualmente todo o processo de trabalho em saúde organiza-se com base na consulta médica. Por sua vez o médico, através do exercício do poder que lhe é atribuído, estabelece de forma bastante sólida os limites da autonomia dos demais profissionais. Nesse contexto, a ênfase nos aspectos biológicos para interpretação dos fenômenos vitais, nos procedimentos, no saber médico e nas especialidades denotam a influência que sofrem os processos de trabalho. Esse modelo é organizado a partir de uma divisão de tarefas entre seus agentes, sendo o médico o centro dessa assistência. O usuário insere-se nesse sistema a partir do diagnóstico médico. Os agentes atuam conforme uma determinação do médico, com ações complementares (MARQUES; LIMA; 2008).
A perspectiva de trabalho pautado na interdisciplinaridade aparece como alternativa inovadora num contexto de crítica e oposição aos caminhos de uma cultura decorrente da formação, consolidação e expansão da ciência moderna. A partir do século XX identifica-se o surgimento dessa expressão e seus correlatos em registros históricos (MANGINI; MIOTO; 2009).
O objetivo do presente estudo foi contrastar as diferentes ideias acerca do trabalho interdisciplinar em saúde com o processo de medicalização hospitalar e o modelo biomédico de saúde.
Metodologia
Este estudo é uma revisão bibliográfica, cujo objetivo foi contrastar as diferentes ideias acerca do trabalho interdisciplinar em saúde com o processo de medicalização hospitalar e o modelo biomédico de saúde. Foram incluídos artigos indexados na base de dados da Scielo e Produções Bibliográficas (Livros) que abordavam o tema e atendiam ao objetivo do estudo. Foram selecionados 7 artigos científicos e 5 bibliografias. Realizou-se uma articulação das propostas dos autores, chegando-se a uma ideia-síntese acerca do tema.
Resultados e discussão
O hospital caracterizou-se como instrumento da caridade religiosa durante muito tempo. Tratava-se de uma instituição capaz de garantir aos pobres um lugar para morrer (com salvação de suas almas e a dos caridosos que deles cuidavam) além de promover a exclusão daqueles do meio social, onde representavam um risco em potencial, protegendo assim a sociedade (REGO, 2008).
A origem do hospital medicalizado aconteceu em decorrência do processo de deslocamento da intervenção médica, antes esporádica, para uma presença constante, em associação com a disciplinarização do espaço hospitalar. Nessa nova concepção os doentes são colocados em um espaço onde possam ser vigiados e onde seja registrado tudo o que acontece (FOULCAULT, 2001).
As mudanças nas funções sociais nos hospitais, associada à sua medicalização, fez com que o controle das ações de saúde passassem a ser exercidas pelo médico. Assim, a relação de subordinação de outras profissões da área da saúde – a exemplo da enfermagem - à medicina viu-se forçada no princípio da organização dos hospitais como instituições custodiais e não mais exclusionais, ao constituir-se como força de trabalho auxiliar e subalterna, objetivando cumprir uma assistência ininterrupta e a integralidade das determinações e prescrições médicas (FILHO, 2004).
A aquisição desse poder pelos médicos se deve a uma transformação no seu saber. O surgimento de uma medicina hospitalar deve-se à disciplinarização do espaço hospitalar e à transformação do saber e da prática médicas. Portanto, o deslocamento da intervenção médica e a disciplinarização do espaço hospitalar são os mecanismos que estão na origem do hospital médico. Essa disciplina tem por função assegurar a vigilância do mundo transtornado do doente e da doença e também transformar as condições do meio em que os doentes são colocados. Esses, então, são distribuídos e individualizados em um espaço onde tudo o que acontece pode ser registrado (FOUCAULT, 2001). É inegável que, com a medicalização do hospital, desencadeou-se um processo de mobilização da categoria médica, ampliando seu espaço de influência e atuação social, impondo-se como serviço essencial e garantindo uma posição privilegiada no mercado de trabalho (FILHO; 2004).
A medicina como técnica geral de saúde, mais do que como serviço das doenças e arte das curas, assume um lugar cada vez mais importante nas estruturas administrativas e nesta maquinaria de poder que, durante o século XVIII, não cessa de se estender e de se afirmar. O médico penetra em diferentes instâncias de poder. A administração serve de ponto de apoio e, por vezes, de ponto de partida aos grandes inquéritos médicos sobre a saúde das populações; por outro lado, os médicos consagram uma parte cada vez maior de suas atividades a tarefas tanto gerais quanto administrativas que lhes foram fixadas pelo poder. Acera da sociedade, de sua saúde e de suas doenças, de sua condição de vida, de sua habitação e de seus hábitos, começa a se formar um saber médico-administrativo que serviu de núcleo originário à “economia social” e à sociologia do século XIX. E consistiu-se, igualmente, uma ascendência político-médica sobre uma população que se enquadra com uma série de prescrições que dizem respeito não só à doença mas às formas gerais da existência e do comportamento (a alimentação, a bebida, a sexualidade e a fecundidade, a maneira de se vestir, a disposição ideal do habitat) (FOUCAULT, 2001, p. 202).
Antes refúgio dos desamparados, o hospital torna-se agora um local de tratamento do corpo, configurando-se principalmente como um lugar de exploração e de tratamento de patologias. Nesse espaço medicalizado, consolida-se o papel do médico como mediador entre a saúde e a doença.
Nesse modelo biomédico o foco do trabalhador é no procedimento, o corpo é identificado numa queixa, na tentativa de transformá-la em um possível diagnóstico. Com isso, a queixa deixa de fazer parte da pessoa e se transforma em um sintoma, uma doença (MARQUES; LIMA, 2008).
Assim, tanto a enfermagem como as demais profissões têm trabalhado com autonomia relativa, sendo orientadas pelo trabalho médico. Por desenvolver um trabalho muito próximo ao trabalho do médico, dando ênfase aos procedimentos, a enfermagem tende a obedecer às demandas desse profissional, em detrimento daquelas apresentadas pelo usuário. Isso acaba se transformando num processo manual e repetitivo, o qual se constitui num trabalho sem conteúdo científico e que, como consequência, tende a alienar o trabalhador. Embora sendo, a medicina e a enfermagem, hierarquicamente simétricas, a prática médica tende a ordenar o ritmo do trabalho no hospital, pois são esses profissionais que internam, que solicitam toda a propedêutica, que dão alta aos que estão internados. A enfermagem, por sua vez, vem provocando algumas fissuras nessa hierarquia culturalmente firmada entre essas duas práticas (BELLATO; PEREIRA, 2008).
O enfoque orientado com base nos determinantes biológicos, na doença e no trabalho hospitalar associou-se à excessiva especialização e ao distanciamento dos conteúdos curriculares necessários à formação de um profissional de saúde com perfil capaz de responder às necessidades da população (FEUERWERKER, 2003).
Segundo Albuquerque et al. (2009) a organização disciplinar na formação em saúde apresenta os conhecimentos fragmentados e fora de contexto, viabilizando uma formação reducionista, recortada e procedimento-centrada dos profissionais de saúde, além de favorecer o pensamento unidimensional.
Ao fim da década de 60 observa-se que a interdisciplinaridade constitui-se objeto de pesquisa, fomentando o trabalho de diversos grupos intelectuais e empresários, tendo em vista o contexto de mudanças nos modelos do mundo capitalista. Assim, assiste-se a uma aproximação cada vez maior entre conhecimento e produção, situação em que a interdisciplinaridade, no seu status de categoria do conhecimento, torna-se fundamental por configurar um discurso generalizante, que respalda conjuntos de valores e de práticas em desenvolvimento no mundo do trabalho. Conceitos como pluridisciplinaridade, transdisciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade são alicerces para a discussão das relações entre as disciplinas. Desdobramentos destes conceitos (pluridisciplinaridade auxiliar, metadisciplinaridade, interdisciplinaridade estrutural), tanto para compreensão de novas formas de relacionamento entre as disciplinas, quanto para aproximação de uma determinada realidade, são muito comuns na literatura especializada (MANGINI; MIOTO, 2009)
O foco no trabalho pautado na interdisciplinaridade auxilia a sensibilizar os profissionais do fato de que sem cooperação e compromisso é inviável o incremento na produtividade. O trabalhador precisa desenvolver uma visão do conjunto do processo produtivo para se adaptar às oscilações da produção com flexibilidade, agilidade e eficiência. A interdisciplinaridade seria uma forma de estimular a criatividade do trabalhador, sendo necessária também para conferir personificação aos produtos que, no toyotismo, devem ser fabricados de acordo com as preferências do cliente (ANTUNES, 2005).
No âmbito acadêmico, as disciplinas que lidam com os aspectos biológicos e com as intervenções no corpo, mediadas por procedimentos, são aquelas que recebem maior interesse por parte da comunidade acadêmica. Pouca atenção está voltada àquelas que propõem reflexões e ações no campo da ética, das humanidades, do ambiente, das relações interpessoais, intrapsíquicas e interações sociais. Nessa perspectiva, cada disciplina isola seus saberes e compartimentaliza os conteúdos, inviabilizando o exercício da conexão entre os conhecimentos por parte do profissional de saúde em formação, o que reflete no perfil desse profissional, o qual se constrói naturalmente a partir de um paradigma reducionista e fragmentado (ALBUQUERQUE et al., 2009).
A construção interdisciplinar demanda o envolvimento de educadores na busca de soluções para os problemas relacionados ao ensino e à pesquisa. A interdisciplinaridade busca a superação da visão parcelar de mundo e facilitar a compreensão da complexidade da realidade, resgatando a centralidade do homem, compreendendo-o como ser determinante e determinado. A universidade, por sua vez, deve estar preparada para a interdisciplinaridade. É necessário promover essa experiência, facilitando as novas configurações, criando as circunstâncias que favoreçam a compreensão dos fenômenos que nela ocorrem. Essa mudança poderá repercutir em formas de articulações diferentes das convencionais: divisões em faculdades, departamentos e disciplinas. Futuramente, talvez venham a se concretizar em cursos interdisciplinares, em que os alunos poderão construir seu caminho nas carreiras que lhes são oferecidas (GATTÁS; FUREGATO, 2006).
Apesar da atual discussão acerca da necessidade de mudança do paradigma de assistência à saúde Pai et al. (2006) afirmam ser o modelo biomédico um fator prevalente nos serviços de saúde, na assistência e no próprio senso comum, sendo isso por causa do curativismo como foco principal, senão único, na promoção da saúde. Nessa concepção, o todo o trabalho em saúde acha-se sustentado à prática médica e é reconhecido dessa forma pela sociedade.
O poder médico é inegável, mas o domínio profissional pode ser rompido visto que a autonomia desse trabalhador também é relativa, sendo definida por limites de competência e por saberes impostos por outros agentes e pelas relações sociais mais amplas. No trabalho coletivo sempre há espaço para o diálogo e tomada de decisão conjunta, pois têm-se um objetivo comum que é a qualidade do cuidado prestado. A comunicação deve ser um potente instrumento, através do qual o profissional provoca mudanças nas relações de poder existentes, tanto no sentido profissional-profissional quanto no sentido profissional usuário (MARQUES; LIMA, 2008).
O alcance da interdisciplinaridade, na prática acadêmica, alicerçado nas potencialidades do trabalho em grupo, em objetivos pedagógicos unificadores ou linhas de pesquisa, precisa agregar elementos integradores de várias disciplinas da área de conhecimento comum. Com isso, obtém-se a troca de informações e de críticas entre os parceiros, amplia-se a formação geral para aprender-a-aprender no interesse de todos. No que tange ao plano assistencial, viabiliza o engajamento das equipes de trabalho, nos grupos de pesquisa, assegurando a racionalidade da ação totalizada em serviços prestados à sociedade, além de ser uma atualização contínua e um verdadeiro processo de educação permanente (CARVALHO; 2007).
Considerações finais
O trabalho em saúde é complexo, assim como o próprio ser humano. E como tal, necessita abranger não só o aspecto biológico, mas também o social, o psicológico, o ambiental, o espiritual, as perspectivas do autocuidado, entre outras necessidades humanas. Isso só poderá ocorrer mediante uma quebra do paradigma biomédico cartesiano, que ainda se faz presente no atual modelo de assistência à saúde.
A perspectiva da interdisciplinaridade em saúde suscita mudanças capazes de atender às demandas da assistência biopsicossocial na área de saúde. Para que ela seja concretizada, faz-se necessária também uma mudança nas instituições de formação, de maneira que possam incorporar um currículo flexível, compatível com a formação integral, não departamentalizada ou fragmentada.
Dessa maneira, a interdisciplinaridade constitui uma proposta inovadora que pode associar-se a um conjunto de práticas e discursos em desenvolvimento na assistência à saúde, viabilizando o cuidado integral do ser humano.
Referências
ALBUQUERQUE, Verônica Santos; BATISTA, Rodrigo Siqueira; TANJI, Suzelaine; MOÇO, Edneia Tayt-Sohn Martuchelli. Currículos disciplinares na área de saúde: ensaio sobre saber e poder. Interface Comunicação Saúde Educação v.13, n.31, p.261-72, out./dez. 2009.
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.
BELLATO, Roseney; PEREIRA, Wilza Rocha. Enfermagem: da cultura da subalternidade à cultura da solidariedade. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2006; 15(1): 17-25.
CARVALHO, Vilma de. Acerca da interdisciplinaridade: aspectos epistemológicos e implicações para a enfermagem. Rev Esc Enferm USP 2007; 41(3):500-7.
FEUERWERKER, Laura C. Macruz. Reflexões sobre as experiências de mudança na formação de profissionais de saúde. Olho Magico, v.10, n.3, p.21-6, 2003.
FILHO, Wilson Danilo Lunardi. O mito da subalternidade do trabalho da enfermagem à medicina. 2 ed. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária, 2004. 206 p.
FOULCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 16 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001. 295 p.
GATTÁS, Maria Lúcia Borges; FUREGATO, Antonia Regina Ferreira. Interdisciplinaridade: uma contextualização. Acta Paul Enferm 2006;19(3):323-7.
MANGINI, Fernanda Nunes da Rosa; MIOTO, Regina Célia Tamaso. A interdisciplinaridade na sua interface com o mundo do trabalho. Rev. Katál. Florianópolis v. 12 n. 2 p. 207-215 jul./dez. 2009.
MARQUES, Giselda Quintana; LIMA, Maria Alice Dias da Silva. Organização tecnológica do trabalho em um pronto atendimento e a autonomia do trabalhador de enfermagem. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, v. 42, n.1, p. 41-47, 2008.
PAI, Daiane Dal; SCHRANK, Guisela; PEDRO, Eva Neri Rubim. O Enfermeiro como Ser Sócio-Político: refletindo a visibilidade da profissão do cuidado. Acta Paul Enferm,v.19, n.1, p.82-87, 2006.
REGO, Sérgio de Almeida. A medicalização do hospital no Brasil: notas de estudo. Cadernos ABEM, Volume 4, Outubro 2008.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 17 · N° 173 | Buenos Aires,
Octubre de 2012 |