Consumo de recursos ergogênicos
entre El consumo de sustancias ergogénicas entre practicantes de musculación en un gimnasio no habilitado Ergogenic aids use among strength training practitioners from not official fitness academy |
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*Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde (PPgMS). Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) Salvador, Bahia **Departamento de Nutrição. Universidade de Pernambuco (UPE) Petrolina, Pernambuco |
Ms. Paulo Adriano Schwingel* ** Dra. Helma Pinchemel Cotrim* (Brasil) |
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Resumo Introdução: O uso de fármacos com objetivos estéticos ou de melhora no desempenho físico tem crescido nos últimos anos. Objetivo: Analisar o uso de substâncias que melhoram o desempenho físico entre praticantes de musculação de academia clandestina. Métodos: Estudo descritivo que analisou quanti-qualitativa 19 praticantes de musculação através de entrevista semiestruturada. Resultados: 18 entrevistados (94,7%) usam ou utilizaram substâncias ergogênicas em algum momento de suas vidas, e 14 (73,7%) utilizavam substâncias ilícitas (anabolizantes). Estes eram utilizados principalmente no período pré-carnaval e indicados predominantemente por amigos. Durateston® foi o fármaco mais reportado. A percepção do risco associado ao uso destas drogas é insuficiente, e normalmente está relacionado à experiência pessoal. Conclusões: O uso de recursos ergogênicos e anabolizantes foi elevado entre estes praticantes de musculação, e em virtude do reduzido conhecimento em relação aos efeitos adversos destas drogas, ações voltadas para a redução de danos são necessárias. Unitermos: Exercício. Treinamento de resistência. Anabolizantes. Grupos de risco.
Abstract Background: The use of the performance-enhancing drugs for aesthetic purposes or to achieve higher levels of physical performance has grown in recent years. Objective: Analyse the use of ergogenic aids to improve the workout results into strength-training practitioners from not official fitness academy. Methods: A quali-quantitative research conducted with help of semi-structured interview among 19 bodybuilders. Results: 18 subjects (94.7%) reported ergogenic aids use at least one time during the life and 14 (73.7%) reported use of illicit substances (anabolic-androgenic steroids). These resources were mainly used in pre-carnival period and provided predominantly by friends. The drug most commonly reported was Durateston®. The risk perception of health problems associated with anabolic steroids is inadequate and related to personal experience. Conclusions: Ergogenic aids and anabolic steroids use was higher among these bodybuilders, and harm reduction programs are recommended due to their limited knowledge about the harmful side effects of these drugs. Keywords: Exercise. Resistance training. Anabolic agents. Risk groups.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Desde a Grécia antiga, os homens esculpiam seus corpos através do treinamento e do exercício físico1. A disputa por território e as constantes batalhas influenciaram a sociedade grega, principalmente os espartanos, a valorizar o corpo2. Acredita-se que Milo de Cróton (século 6 a.C.) por utilizar em seu treinamento o princípio da sobrecarga tenha sido o pioneiro do treinamento resistido. Este grego carregou um pequeno bezerro em seus ombros até o mesmo se tornar adulto. Os relatos históricos referem ainda que este heptacampeão de luta livre dos Jogos Olímpicos da Antiguidade consumia cerca de nove quilogramas de carne bovina por dia3. Além dele, outros atletas olímpicos da antiguidade ingeriam testículos de touro tentando melhorar marcas pessoais.
Essas práticas representam o que podemos chamar de possível auxílio ergogênico4. A título de esclarecimento, conceituamos substâncias ergogênicas como qualquer substância que melhore o desempenho físico de atletas ou praticantes de exercícios físicos5. Neste sentido, os esteróides anabólicos androgênicos (EAA) têm sido utilizados para fins competitivos por atletas, e para fins estéticos, como o aumento da massa muscular corporal, por distintas populações6. Porém, a comercialização destes compostos sem receita médica é considerada ilícita, e pode acarretar em diversos danos a saúde de seus usuários5,7,8.
Apesar da testosterona (principal hormônio anabolizante) ser prescrita de forma clínica para o tratamento de disfunções hormonais9, no mundo esportivo registra-se o seu uso como substância ergogênica por atletas de levantamento de peso da equipe soviética há mais de 50 anos. Em 1958 foi lançada a testosterona sintética (Metandrosterona), e graças aos relatos sobre seus efeitos ergogênicos, difundiu-se pela comunidade de levantadores de peso, virando febre entre os adeptos deste desporto2,10. Em 1964 os EAA estavam sendo usados por quase todos os atletas dos esportes de força já que os danos potenciais à saúde não eram graves o suficiente pra desencorajar seu uso por distintos atletas11.
Em 1987, o Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) concluiu que o uso da testosterona (ou equivalente) associado à dieta alimentar adequada aumenta a massa corporal total e a massa corporal isenta de gordura do usuário12. Além disso, outros estudos conduzidos nas últimas duas décadas apresentam conclusões semelhantes6,7,13,14.
A testosterona é normalmente injetada por via intramuscular e metabolizada no fígado. Neste local ocorre a transformação de grande parte dela em metabólitos biologicamente inativos, para posterior excreção pelos rins e vias biliares15. Devido a isso, frequentemente a utilização de EAA, pode acarretar no surgimento de lesões hepáticas, contribuindo ainda para o acúmulo excessivo de hormônios nos líquidos corporais e causando hiperatividade dos sistemas hormonais16.
Iriart e Andrade17 encontraram alto consumo de testosterona (EAA) entre fisiculturistas de uma academia não registrada de Salvador. Fato comprovado pelo grande número de seringas usadas pelos voluntários da pesquisa que eram trocadas por novas, junto aos agentes comunitários de saúde do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas da Universidade Federal da Bahia (CETAD). Além disso, dados de pesquisa domiciliar brasileira, realizada com pessoas entre 12 e 65 anos, mostraram aumento no uso de anabolizantes. Aumentando de 0,3% o uso na vida em 200118 para 0,9% em 200519. Além disso, as regiões nordeste e centro-oeste mostraram maior prevalência do que a população nacional, apresentando 1,5% e 1,2% respectivamente.
Sendo assim, pretendemos com este estudo analisar quanti-qualitativamente o uso de substâncias ergogênicas entre praticantes de musculação de uma academia não registrada de Salvador (Bahia), verificando os motivos e também a percepção sobre os riscos associados a esta utilização.
Metodologia
Este estudo tem características descritivas, tratando-se de pesquisa com abordagem exploratória e perspectiva sócio-antropológica, utilizando-se de métodos quali-quantitativos.
A pesquisa foi conduzida em uma academia não registrada no 13º Conselho Regional de Educação Física (CREF-13), localizada em bairro da região litorânea de Salvador. Trata-se de uma academia popular, frequentada regularmente por cerca de 70 praticantes de musculação, e construída no quintal da casa de um dos proprietários, em espaço de aproximadamente 30 metros quadrados (m²). Esta é equipada de forma precária, com maquinário extremamente usado (mais de 10 anos de utilização regular). Neste sentido, os proprietários não sabiam informar a data da última manutenção e/ou reforma dos mesmos. Além disso, organização, administração e higiene ficam a cargo dos proprietários, que se revezam nestes papéis.
Os usuários da academia são, em sua maioria, jovens das classes populares, do sexo masculino, com idades que variam entre 16 e 50 anos. A academia não possui profissional de educação física. Os instrutores da academia são os dois proprietários (praticantes de musculação há mais de 15 anos) e outros dois alunos considerados experientes. Estes últimos, responsáveis pelo auxílio aos alunos com dificuldades na execução técnica dos exercícios.
Dezenove indivíduos do sexo masculino aceitaram voluntariamente participar do estudo. Estes são praticantes regulares de musculação, e perfazem aproximadamente 27% do total de inscritos. A grande maioria, não pode ser considerada iniciante na prática de exercícios físicos com pesos, pois são oriundos de outras academias e praticavam musculação com objetivo de aumento da massa muscular há pelo menos um ano. A maioria trabalha no mercado informal como vendedor, vigilante e segurança, e os demais são estudantes e ainda não estão no mercado de trabalho. Para se exercitar na academia, cada praticante pagava mensalidade de R$ 27,00.
As informações foram coletadas através de entrevista semiestruturada, composta de 12 perguntas norteadoras. Cada indivíduo tinha total liberdade de extrapolar em sua resposta os limites da pergunta, fornecendo subsídios importantes e que permitiam novos questionamentos inerentes a este trabalho. Antes da realização da entrevista, o pesquisador informou aos voluntários o conceito de substância ergogênica. Sendo utilizada a definição explicitada anteriormente neste texto, e previamente descrita por Wilmore e Costill5.
A coleta de dados respeitou os princípios éticos delineados na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Maternidade Climério de Oliveira (MCO) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). De forma primária os indivíduos foram informados que seus dados pessoais seriam preservados, e que as informações prestadas não seriam utilizadas para identificá-los. Além disso, em nenhum momento os participantes foram coagidos ou incitados a responderem perguntas que não estivessem de acordo.
Todos os entrevistados estavam cientes que suas entrevistas seriam registradas, através de gravador digital, para posterior análise. Para auxiliar a transcrição dos dados foi utilizado o programa InqScribe (Inquirium, Chicago, IL, EUA, Release 1.0.2). Para auxiliar o ordenamento e a codificação dos dados foi utilizado o programa NVivo (QRS International Pty, Doncaster, Austrália). Este programa permite a codificação dos dados das entrevistas e observações em categorias, além de facilitar o acesso aos dados para a criação de subcategorias.
Apresentação e discussão dos resultados
Aproximadamente 94% dos entrevistados usam ou utilizaram substâncias ergogênicas em algum momento de suas vidas (18 entrevistados). O motivo pelo qual estes indivíduos aderiram a estes recursos foi praticamente o mesmo: ganhar massa muscular e “ficar forte”. Sendo que para os entrevistados este termo não significa melhora na quantidade máxima de força que o músculo pode gerar em um padrão específico de movimento10, e sim ganhar massa isenta de gordura ou massa corporal total. Este termo remete a Sabino21 e o seu conceito de “ficar sarado”, denotando que nossos sujeitos de pesquisa buscavam com este uso um caráter predominantemente estético.
Mesmo não sendo um dos objetivos específicos, achamos importante analisar a indicação das substâncias ergogénicas (Tabela 1). Na maioria dos casos a indicação primária foi realizada por um amigo. Os instrutores de academia foram apenas a terceira indicação mais citada, fazendo com que estes resultados não corroborem com pesquisa anterior que diz ser este o principal incentivador ao uso de recursos ergogênicos22. Um fato a ser destacado, que pode ser entendido como uma limitação da pesquisa, é que no momento da realização das entrevistas, pelo menos um instrutor da academia pesquisada encontrava-se próximo ao local destinado à realização das mesmas, o que pode ter gerado constrangimento ao avaliado. Por fim, entre os entrevistados que citaram os instrutores de academia, estes afirmavam que não eram os atuais, mas sim instrutores que haviam trabalhado com eles anteriormente em outras academias.
Tabela 1. Indicação para uso de substâncias ergogênicas em uma academia não registrada de Salvador (BA) (n=18)
Aproximadamente 75% do total de participantes deste estudo (14 pessoas) assumiram ter utilizado esteróides anabolizantes em algum momento de sua vida, enquanto 25% (5 pessoas) negaram ter utilizado qualquer tipo de hormônio ou derivado de testosterona. Este percentual de uso de anabolizantes foi superior aos verificados em estudos conduzidos com frequentadores de múltiplas academias de outras regiões do país. Araújo et al.23 estimaram em 21% a prevalência de uso de anabolizantes entre frequentadores de academias da cidade de Goiânia. Frizon et al.24 estabeleceram em aproximadamente 7% a prevalência deste uso entre frequentadores de academias da região do Alto Uruguai do Rio Grande do Sul.
O esteróide anabolizante utilizado mais citado foi o Durateston® (fenilpropionato, isocaproato, propionato e decanoato de testosterona), seguido de Deca-durabolin® (decanoato de nandrolona) e de Deposteron ® (cipionato de testosterona). Todos os 14 usuários de EAA, afirmaram usar Durateston® (100%), sendo que destes, oito ainda referiram utilizar Deca-durabolin® (44%) e três Deposteron® (17%). Estes resultados são semelhantes aos verificados em estudos previamente conduzidos em Salvador, que verificaram entre fisiculturistas e praticantes de musculação, respectivamente Durateston® e Deca-durabolin® como os EAA mais utilizados17,25. Por outro lado, ocorreu inversão na ordem de escolha quando comparamos aos resultados do sul do país, onde Deca-durabolin® aparece como sendo o fármaco mais utilizado, seguido por Durateston®, Winstrol® e Dianabol® com frequências semelhantes24.
Segundo Guimarães Neto8, o cipionato de testosterona (Deposteron®) é uma droga altamente androgênica, considerada por especialistas como a maior responsável pela ocorrência de ginecomastia (aumento das mamas no homem). É muito utilizada por praticantes de musculação por promover rápido ganho de força e de volume muscular. Por sua vez, o mesmo autor relata que o Durateston® (composto de quatro derivados de testosterona: fenilpropionato, isocaproato, propionato e decanoato) é uma substância moderadamente androgênica com boas propriedades anabólicas. Por isso, é considerado por fisiculturistas um fármaco de excelente “custo-benefício”.
Em relação ao uso de recursos ergogênicos no momento da entrevista, foram reportadas 15 substâncias. Destas, oito são considerados fármacos ou drogas anabolizantes (seis de uso humano e duas de uso veterinário) e sete são suplementos alimentares. Entre os suplementos, verificou-se também que um dos aminoácidos utilizado por um dos voluntários é de uso veterinário.
Este é outro ponto interessante, pois o consumo de suplementos vitamínicos de uso veterinário também foi grande entre os entrevistados. O uso do complexo polivitamínico ADE, utilizado na engorda de animais de grande porte, foi reportado por nove usuários (64,3% dos usuários de anabolizantes). Apesar de não ser considerado um EAA, este fármaco tem sido usado por leigos como se fosse. Porém, necrose e graves sequelas musculares têm sido relatadas decorrentes da má aplicação desta substância17,26. Além disso, reações a óleos injetados podem surgir após muitos anos de latência26.
Quando se trata de satisfação em relação ao uso de substâncias ergogênicas, uma maioria esmagadora se diz satisfeita com o uso destes recursos (14 pessoas), três indivíduos são indiferentes e um se diz insatisfeito (não utilizou hormônios anabólicos). Curiosamente a única pessoa que afirma nunca ter usado nenhum tipo de substância ou suplemento alimentar é filho de nutricionista, sendo o que apresenta o menor tempo de prática de musculação (cerca de um ano e meio).
Em relação à época do ano em que ocorreu o uso de EAA, o verão foi o que mais se destacou (predominantemente período pré-carnaval), sendo reportado por oito entrevistados (57,1% do total de usuários). Em seguida, reportado por quatro usuários (28,5%) aparecem os meses que antecedem as festas juninas, e por fim dois entrevistados (14,2%) não recordavam o período em que consumiram ou consumiam esporadicamente.
Mesmo com alguns praticantes de treinamento resistido afirmando conhecer os riscos associados ao uso abusivo de EAA, de maneira geral o grau de percepção de risco destes indivíduos pode ser considerado baixo. Apenas os usuários mais antigos possuíam conhecimento adequado, demonstrado conformidade com as informações presentes na literatura científica5,12. De acordo com as entrevistas, normalmente as informações sobre os efeitos colaterais são oriundas da experiência pessoal, da observação de colegas e dos relatos de casos vivenciados por outros usuários que apresentaram sintomas graves.
Ainda em relação à percepção dos riscos associados, os usuários entrevistados reportaram não acreditar que estes problemas crônicos de saúde iriam acontece com eles. Iriart & Andrade17 chamam a atenção que os usuários de anabolizantes normalmente acreditam que os riscos são agudos, e podem ser resolvidos por internações hospitalares de emergência, sem nenhum efeito crônico.
No que diz respeito à forma de uso, uma grande maioria dos entrevistados (71%) afirmaram ser adeptos do microciclo (aproximadamente dois meses de uso contínuo, seguido de uma parada de tempo semelhante), enquanto apenas quatro pessoas utilizaram EAA de forma contínua.
Do total de usuários de substâncias ergogênicas (dezoito indivíduos), destacamos que onze não foram submetidos a nenhum tipo de avaliação nutricional e/ou médica (61% do total). Apenas quatro voluntários (22%) realizaram algum tipo de avaliação médica, e três (17%) submeteram-se a avaliação nutricional.
Alguns depoimentos merecem atenção especial, já que ocorreram de maneira informal. A partir deste ponto, buscamos além da análise quantitativa, descrever qualitativamente os achados.
Em certa ocasião, um dos praticantes, com maior experiência, resolveu falar sobre o uso de drogas pelo período de oito anos. Em seu relato dizia saber dos riscos à saúde (citou: calvície, diabetes, impotência sexual e esterilidade, hipertensão e doença cardiovascular, problemas renais e hepáticos) e que mesmo assim utilizou anabolizantes, alguns de uso veterinário, com o objetivo de “ficar grande”.
“(...) fiz uso de todos esses anabolizantes na vontade de ficar grande, e fiquei para chamar atenção das mulheres e ser destaque entre os homens. Ganhei vários apelidos como: bomba, bombeiro e malhado (...)” (VOLUNTÁRIO, 14 anos de prática de musculação).
Hoje, este mesmo indivíduo, se diz arrependido de toda essa ilusão, e acredita que além de não ser possível conseguir sustentabilidade financeira como fisiculturista, a pessoa não deveria correr os riscos físicos inerentes ao uso dos anabolizantes. Infelizmente, para ele essa consciência chegou um pouco tarde, pois o mesmo desenvolveu Diabetes Mellitus tipo I. Segundo sua entrevista, este fato ocorreu pelo uso abusivo de anabolizantes, que geraram uma disfunção hormonal. Atualmente, ele treina livre dessas substâncias e se dedica a uma alimentação saudável.
“(...) sempre que posso conto a minha história para os novatos, mas poucas vezes eles são convencidos do perigo que correm quando entram no mundo obscuro do culto ao corpo e do fisiculturismo.” (VOLUNTÁRIO, 14 anos de prática de musculação).
Um ex-aluno que ainda frequenta a academia para rever colegas de treino e “colocar a conversa em dia”, assim que soube que estávamos realizando este estudo, se prontificou a falar sobre o seu histórico relacionado ao uso de EAA. Este foi informado, que não poderíamos utilizar seus dados na análise quantitativa por não estar mais praticando musculação. Porém, mesmo sabendo que não seria incluso, ele queria contar sua experiência, e por isto estamos utilizando sua narrativa. Ex-fisiculturista (mais de 15 anos de musculação e há dois anos sem praticar), contou que já havia tomado mais de oito caixas de oximetolona (droga de uso oral altamente tóxica ao fígado, vendida sob o nome de Hemogenin®), quando resolveu fazer um cocktail de vários anabolizantes. Segundo o mesmo, este resultou em diminuição da produção de testosterona endógena após o fim dos ciclos (feedback negativo), e que até aquele momento os valores hormonais não haviam sido normalizados.
Outro veterano contou a relação de dependência que tinha com os EAA, segundo o próprio chegou há acordar, um dia às seis horas da manhã, e aguardou ansioso na frente da farmácia o momento para se drogar.
“(...) juntava o troco do pão pra comprar bomba, eu dormia pensando nisso.” (VOLUNTÁRIO, 15 anos de prática de musculação).
Este mesmo indivíduo reportou até mesmo utilização de anticoncepcional feminino para aumentar o seu peso. Ele, que atualmente se considera um ex-viciado, destaca também a agressividade ocasionada pelo uso abusivo de EAA como um dos efeitos adversos verificados.
“(...) no meio do ciclo já tava bastante nervoso e decidi tomar uma cerveja pra relaxar, ao tomar o primeiro gole percebi que ela estava quente e enfiei a mão no garçom. Só depois vi a maluquice que fiz.” (VOLUNTÁRIO, 15 anos de prática de musculação).
Conclusões
A respeito do uso de substâncias ergogênicas verificou-se que aproximadamente 94% dos entrevistados, em algum momento de suas vidas consumiram estes recursos. Destes 75% fizeram uso de anabolizantes, sendo Durateston® o fármaco mais citado pelos usuários.
Sobre as motivações para o consumo, todos os entrevistados alegaram ser para aquisição de massa muscular. Acerca da percepção dos riscos associados ao uso de esteróides anabolizantes, verificou-se que a resposta imediata, assegurando a consciência de tais riscos, quando aprofundadas revelavam superficialidade e imprecisão de conhecimento sobre os efeitos adversos. Principalmente entre os usuários com menor tempo de aplicação.
Portanto, em virtude do risco associado ao uso de anabolizantes e do reduzido conhecimento dos voluntários em relação aos mesmos, ações voltadas para a redução de danos são necessárias neste público.
Agradecimentos
Agradecemos a todos os voluntários pela participação na pesquisa, aos proprietários da academia pelo auxílio logístico, e aos graduandos em educação física Amaro José dos Reis Neto (FSBA) e Tomás Leonelli Mascarenhas (FSBA) pelo auxílio na coleta de dados. Gostaria de agradecer também ao professor Dr. Tarcisio Matos de Andrade (UFBA) pela revisão do artigo.
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