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Reflexões e problematizações sobre a obsessão das
mulheres na apropriação dos padrões de beleza corporal

Reflexiones y preocupaciones acerca de la obsesión de las mujeres por adecuarse a los modelos de belleza corporal

 

*Graduando de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe. UFS. Membro do grupo

de Pesquisa CEMEFEL Centro de Memória da Educação Física, Esporte e Lazer de Sergipe

na Linha de pesquisa “Corpo, Cultura e Educação Física”

**Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe, UFS. Membro

do grupo de Pesquisa CEMEFEL Centro de Memória da Educação Física, Esporte e Lazer de Sergipe

na Linha de pesquisa “Corpo, Cultura e Educação Física”

***Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia, UFBA

Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, UFS

(Brasil)

Tiago de Brito Ferreira Santos*

tiagopaulista10@gmail.com

Marcele Carozo**

marcele.carozo@hotmail.com

Elder Silva Correia*

elder.correia17@gmail.com

Fabio Zoboli***

zobolito@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo é fruto de uma pesquisa de revisão bibliográfica realizada no grupo de pesquisa “Corpo, Cultura e Educação Física” da Universidade Federal de Sergipe (Brasil). O trabalho desenvolvido abordou a temática da construção social do corpo feminino no que tange o comportamento obsessivo na busca pela beleza. O texto objetiva explicitar como os padrões de beleza corporal são culturalmente construídos e analisar suas implicações sócio-culturais no que tange as chamadas patologias-culturais, que a torna uma temática emergente dentro grande área das ciências da saúde. A pesquisa buscou apresentar e compreender os fenômenos da anorexia, bulimia, tanorexia, vigorexia, ortorexia, pregorexia e drunkorexia como transtornos permeados por inúmeros fatores que se conectam entre si na busca exacerbada pela estética corporal feminina. Concluiu-se que os padrões de beleza corporal são, na atualidade, inerentes a condição feminina de ser corpo devido à exposição e assimilação de subjetividades, que são construídas e lançadas por toda uma lógica de mercado, através de mecanismos que induzem a essa conduta. Na tentativa de um possível cenário de discussão indicamos o contexto das aulas de Educação Física como lócus onde algumas questões podem ser levadas a debate a fim de desvelarmos os mecanismos de subjetivação/objetivação dos padrões de beleza.

          Unitermos: Padrão de beleza corporal feminina. Obsessão. Patologias.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Padrões de beleza corporal: um olhar a partir da cultura

    A maneira com que realizamos alguns atos como comer, beber, andar, se vestir, se arrumar e se relacionar com as pessoas e com o mundo como um todo é moldada/mediada pela cultura. Segundo Daolio (1995, p.25), “não podemos imaginar um ser humano que não seja fruto da cultura”. O mesmo autor ainda ressalta que, o corpo é fruto de uma dinâmica cultural, a qual o homem só se estabelece como homem (e não puramente como ser biológico), através da apropriação de comportamentos e atitudes que, inclusive, dão forma ao seu componente biológico. “O que o diferencia de outros animais, principalmente, é a sua capacidade de produzir cultura” (DAOLIO, 1995, p. 25).

    Então, de forma sintética podemos afirmar que a maneira com que cuidamos do nosso próprio corpo é fortemente influenciada pela cultura:

    O homem, através do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de incorporação [...], o individuo adquire um conteúdo cultural, que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expressões. (DAOLIO, p. 25, 1995)

    O conceito de cultura do qual queremos nos ancorar neste escrito esta pautado em Thompson (1999, p.176) que a define como:

    O padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças. A análise cultural é, em primeiro lugar e principalmente, a elucidação desses padrões de significado, a explicação interpretativa dos significados incorporados às formas simbólicas.

    Podemos resumir então que a cultura pode ser entendida como toda produção humana. Ela pode ser manifestada/ expressada, através dos hábitos, comportamentos, danças, culinárias, músicas, maneira de se vestir e se adornar, entre outras produções de cada grupo.

    Porém é importante entendermos que não somos passivos a cultura de forma hegemônica, ou seja, cada um “consome e digere” o que da cultura lhe traz de forma individual, a partir de suas experiências particulares. Quanto a isto Goellner (2010) afirma que o corpo não é produto somente da coletividade, mas sim do particular de cada um também. Ela ainda relata que:

    Nem a cultura é um ente abstrato a nos governar nem somos meros receptáculos a sucumbir às diferentes ações que sobre nós se operam. Reagimos a elas, aceitamos, resistimos, negociamos, transgredimos tanto porque a cultura é um campo político como o corpo, ele próprio é uma unidade biopolítica. [...] Um corpo que, ao mesmo tempo que é único e revelador de um eu próprio, é também um corpo partilhado porque é semelhante e similar a uma infinidade de outros produzidos neste tempo e nesta cultura. (GOELLNER, 2010, p. 39-40)

    Esta idéia de interação entre cultura x indivíduo – mediada pelos complexos intercâmbios das experiências corporais vividas pelo sujeito enquanto ator e produtor de cultura – são também ressaltados por Zoboli e Fiamoncini (2005, p. 31-32) quando citam que:

    A interação entre indivíduos produz a sociedade, que aprecia o aparecimento da cultura e esta por sua vez retroage sobre os indivíduos. As regras e leis que regem as sociedades humanas não são naturais, elas são criadas e construídas dentro de suas realidades, pelas pessoas que participam de suas práticas no decorrer da história. A cultura é destinada a dar sentido à vida do grupo, a criar valores comuns e harmonizar. A cultura é o modo de ser do próprio homem, é aquilo que o distingue do animal. De certo modo pode-se dizer de que um grupo humano, como também o ser enquanto indivíduo é ao mesmo tempo pai e filho de sua própria cultura.

    O modo com que interagimos com o mundo, assim como a nossa conduta e a nossa atribuição de valores a determinados objetos, pessoas ou comportamentos estão diretamente relacionados com o contexto social o qual estamos inseridos. Então não podemos negar que não somos construídos seres humanos por conta própria e nem que sofremos fortes influências do meio que nos cerca com relação ao nosso processo de desenvolvimento de um modo geral. O corpo, como lugar onde nos experimentamos enquanto seres no mundo – como meio de interação com o outro e com o mundo – é o local onde serão inscritos os signos da cultura.

    Frente ao acima exposto fica-nos claro as interfaces entre a cultura e os padrões de beleza socialmente construídos. O padrão de beleza é algo construído culturalmente, a cada época, a cada local o corpo é visto e reconstruído das mais variadas formas. Neste inicio de século XXI a beleza do corpo é encarada como algo supremo. O contexto sociocultural está diretamente relacionado com essa rotulação, isto é, a beleza corporal está sempre associada aos valores e ao contexto histórico da sociedade a qual o sujeito está inserido.

    Tendo em vista então a cultura vigente frente aos cuidados com nosso próprio corpo, percebemos que estamos numa sociedade que cultua um corpo belo que é magro, com a musculatura visível, jovem e saudável e este padrão é almejado tanto por homens como por mulheres, tornando esta busca um ideal de vida. Stenzel (2003) afirma que um fator que pode ter colaborado para o desenvolvimento do padrão estético de corpo magro, foi a repercussão da área de nutrição. Stenzel (2003, p. 34) ainda cita que “O interesse na perda de peso foi crescendo gradualmente, e foi cada vez mais sendo representado como modelo a ser seguido”.

    Assistimos neste inicio de século XXI, em quase todos os cantos do planeta, a uma crescente exaltação das aparências corporais, onde os indivíduos fazem quase tudo – ou às vezes tudo – para manter seu corpo dentro dos modelos construídos e dominantes. Não são poupados esforços para se ter um corpo magro, musculoso, jovem, lipoaspirado, siliconado, implantado, anabolizado, bronzeado, ou seja, o corpo que é propagado como perfeito e sem defeitos, isto é, um corpo que pode ser exibido sem constrangimentos, já que está dentro do padrão.

    A mulher contemporânea busca salientar através do seu corpo valores relativos a beleza, saúde, higiene, lazer, alimentação e atividades físicas que orientam um apanhado de comportamentos que explora um estilo de vida. A obsessão com a magreza, a multiplicação dos regimes, a disseminação da lipoaspiração, dos implantes de próteses de silicone, a aplicação de botox para esconder as rugas se tornam um modelo cada vez mais acentuado na atualidade. Por exemplo, aparentar ser velha é motivo de vergonha e exclusão para muitas pessoas. Del Priore (2000) cita que, nos dias atuais, o corpo feminino cria sua identidade à partir da “tríade beleza-saúde-juventude” (p. 14). Ela ainda afirma que as mulheres são levadas, cada vez mais a associar a beleza de seus corpos com a juventude, e a juventude com a saúde. Neste sentido Del Priore (2000, p. 11) menciona que:

    Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossos corpos da desgraça da rejeição social. Nosso tormento não é o fogo do inferno, mas a balança e o espelho. Libertar-se, contrariamente ao que queriam as feministas, tornou-se sinônimo de lutar centímetro por centímetro, contra decrepitude fatal. Decrepitude, agora, culpada, pois o prestígio exagerado da juventude tornou a velhice vergonhosa.

    Tendemos a buscar aquele corpo que já está definido e divulgado através das mais variadas formas de aculturação como sendo o corpo mais apreciado e mais potente. Dificilmente observamos no meio publicitário como, capa de revistas, novelas e outdoors, algum corpo que fuja das formas de um corpo magro, branco, jovem e ocidentalizado, ao menos que este esteja associado ao ridículo ou ao excluído.

    Na atualidade assistimos a uma infinidade de intervenções em modificação corporal tais como: implante de próteses de silicone em várias partes do corpo, modificação do tipo do fio do cabelo por diversos processos químicos, lipoaspirações, lipoesculturas, entre outras. Tudo isso aproxima a população feminina da apropriação deste corpo padrão que é divulgado a todo tempo pelos veículos midiáticos, seja através das telenovelas, das revistas, das propagandas nos outdoors, nos folders distribuídos em lojas de roupas, entre outros. Somos bombardeados o tempo inteiro com essas imagens que fazem com que desejemos alcançar este corpo padrão. Quanto a isto Del Priore (2000, p. 15) cita que:

    Mais do que nunca, a mulher sofre prescrições. Agora, não mais do marido, do padre ou do médico, mas do discurso jornalístico e publicitário que a cerca. No inicio do século XXI, somos todas obrigadas a nos colocar a serviço de nossos próprios corpos. Isso é, sem dúvida, uma outra forma de subordinação. Subordinação, diga-se, pior do que a que sofria antes, pois diferentemente do passado, quando quem mandava era o marido, hoje o algoz não tem rosto. É a mídia. São os cartazes da rua. O bombardeio de imagens na televisão.

    Neste sentido, para Ortega (2005, p. 167) na busca pela apropriação dos padrões de beleza, muitas vezes “[...] o eu existe só para cuidar do corpo, estando ao seu serviço.” Assim, em tom de alerta temos que ter em vista que os excessos podem acarretar diversos distúrbios de comportamentos, os quais serão abordados no tópico a seguir.

Quando a obsessão vira doença

    Como vimos, a mulher é permeada pelos signos de beleza – os padrões de beleza são mediados por meio da cultura, os quais a mulher os incorporam literalmente em seus corpos. O culto exagerado ao corpo, e a cultura de corpo belo, fazem cada vez mais mulheres buscarem de maneira desenfreada esse corpo ditado socialmente e culturalmente, pois como menciona Del Priore apud Lamar, Zoboli e Bordas (2009 p. 12) “Estar fora dos padrões da estética é uma realidade muito árdua, uma vez que a ditadura da beleza humilha a quem não se dobra a seus padrões.” Dentro desse contexto, podemos perceber a força que a cultura tem para desencadear esse processo, pois há certa rejeição presente nos olhares críticos e excludentes da sociedade, isto é, os olhares se manifestam acolhedores para aqueles que participam ativamente do lado da ponte onde está presente o corpo sarado, belo e jovem, e em paralelo rejeitam aqueles do outro lado, que estão fora do padrão, o gordo, o velho e o flácido.

    A pesquisa abaixo foi realizada com amostra de 631 mulheres brasileiras na faixa etária entre 20 e 60 anos. A mesma materializa a insatisfação da mulher com o corpo.

Figura 1: Pesquisa sobre satisfação com o corpo; adaptada do site: http://www.sophiamind.com/pesquisas/beleza/cuidados-com-o-corpo-fazem-parte-da-rotina-das-mulheres/

Acesso em Novembro de 2011

    Analisando tal pesquisa, percebemos que as participantes dão uma grande importância para a aparência. Já que a estética esta supervalorizada e é uma idéia impregnada em nosso cotidiano. Assim Ortega (in RAGO, ORLANDI, e VEIGA-NETO 2005, p.163) menciona que as práticas bio-ascéticas compõem “o melhor exemplo da enorme disciplina e mortificações exigidas para construir o corpo perfeito.” Tais práticas assemelham-se aos sacrifícios e milagres, presentes nos ritos religiosos, e que envolvem reclusão, penitencias e fé (SANTOS 2010).

    Deste modo devido a algumas manifestações resultantes dessa obsessão pela beleza, afirmamos que o corpo é envenenado pela cultura e seus signos. Ao enunciar isso, queremos dizer que o corpo não é só envenenado quando a estrutura biológica do mesmo cria mecanismos de repulsa e luta contra um alimento estragado ou contaminado. O corpo enquanto sede de signos é também envenenado por um sem fim de subjetivações.

    Podemos então afirmar que a busca desenfreada pelo corpo que é pregado como perfeito e belo pode ocasionar vários distúrbios de comportamento, distúrbios estes que podem gerar algum tipo de patologia em quem se acultura através do discurso da beleza. Em uma cultura onde a aparência é o primeiro elemento a ser julgado pela sociedade, é de se pensar que conseqüências acabam surgindo, diante desta visão adotada.

    Visto que o corpo pode ser envenenado culturalmente, a partir de agora vamos descrever algumas manifestações resultantes dessa intoxicação cultural, onde podemos visualizar o exagero e a exacerbação do corpo feminino na apropriação do belo. As manifestações enumeradas aqui serão tratadas como distúrbio de comportamento dentro de um contexto social amplo no que tange ao cuidado para com o próprio corpo na busca dos padrões de beleza.

Anorexia

    Anorexia é um distúrbio de comportamento que perpassa pela insatisfação da pessoa em relação a sua imagem corporal, muito em detrimento do bombardeio subjetivo ao qual somos expostos, pois o corpo também é utilizado para nos relacionarmos e estabelecermos socialmente enquanto ser social.

    A anorexia hoje atinge 18,5 a cada 100.000 mulheres da população em geral, segundo Hay (2002 apud GIORDANI, 2006, p.81), e representa muito bem a questão do aculturamento sofrido pelas pessoas que fazem de tudo para atingir o tão desejado corpo padrão, que como falado no item anterior, um dos modelos é o corpo com baixo percentual de gordura. A anoréxica apresenta sintomas como um peso corporal abaixo dos níveis considerados normais para um bom funcionamento do organismo e uma visão distorcida do seu próprio corpo, ou seja, ela sempre se sentirá gorda, mesmo estando extremamente magra.

    A anorexia aparece como uma das conseqüências de toda esta assimilação conceitual pela qual estamos expostos, digo conceitual a partir da idéia de midiatização e aceitação dos interesses industriais. Além de poder ser explicada como oriunda de um caráter psicológico ou social, ela também pode ser genética; pode ser devido a super valorização do corpo magro como símbolo de beleza; a pressão da família ou do grupo social em que o sujeito está inserido, ou seja, seu meio cultural.

    A jovem que vai a óbito por anorexia morreu de objetivação da mesma cultura: “sentiu na carne”. Neste sentido Lamar, Zoboli e Bordas (2009) comentam que:

    A anoréxica está envenenada de padrões que ela consome para ser bela, ela traz tatuada na carne a intoxicação de um corpo que se alimenta de sua própria fome de ser belo e definha como que por um processo de auto-fagia, porque a beleza é verbo – “e o verbo se fez carne (pág.12).

Bulimia

    Há também outros distúrbios que surgem a partir dessa cultura do corpo belo tais como a bulimia que é conhecida como um transtorno alimentar caracterizado por uma ingestão de alimentos calóricos seguido de métodos compensatórios tais como, indução de vômito, prática exagerada de exercícios físicos, entre outros. Ou seja, é a preocupação excessiva com o peso e a imagem corporal levam o paciente a métodos compensatórios inadequados para o controle de peso como vômitos auto-induzidos, uso de medicamentos (diuréticos, inibidores de apetite, laxantes), dietas e exercícios físicos (CORDÁS, 2004, p.155).

    Em suma, é o pavor de engordar muito em resultado da pressão social, que está intimamente ligado à cultura do corpo belo/magro. O sujeito se sente culpado por não estar no limiar do corpo dito perfeito, nutrindo assim um sentimento de culpa.

Ortorexia

    A ortorexia é mais um distúrbio que pode ser resultado do envenenamento cultural e, portanto, podemos dizer que se trata de mais uma “patologia cultural”. Segundo Bratman (1997), os ortoréxicos buscam a pureza, sentirem-se saudáveis e naturais. Para isso, o ortoréxico nervoso possui obsessão por comidas naturais, ou seja, ele dedica grande parte de sua vida para aprontar e ingerir esses tipos de refeições.

    Uma típica preocupação a primeira vista, saudável para a sociedade, pode culminar em um problema, devido a todas as mensagens subjetivas pela qual somos expostos, principalmente por intermédio dos signos culturais beleza, os quais trazem consigo uma exaltação da aparência, onde não é apenas preciso ser saudável, mas sim mostrar ser saudável.

Mommyrexia ou pregorexia

    Durante a gravidez, o corpo da mulher passa por inúmeras transformações que vão desde aspectos físicos, a psicológicos e hormonais. A briga de algumas mulheres contra a balança em seu período gestacional é uma freqüência durante esse período.

    O corpo magro mediado pelos signos culturais como sinônimo de beleza pode contribuir para mais uma “patologia cultural”, a pregorexia. Trata-se da insatisfação da imagem corporal da mulher durante a gravidez, fazendo com que as gestantes tentem controlar o peso durante o período de gestação. O que segundo a Dra. Roberta Escolástico em depoimento ao Jornal Brasil on-line em 2012 indica que o estado nutricional da gestante comprometido pode gerar uma gravidez de risco, gerar um parto prematuro ou ser prejudicial ao bebê.

Tanorexia

    Antigamente uma pele mais bronzeada, dentro das teias de signos da sociedade, remetia a uma idéia de pessoas trabalhadoras, típicas de zonas rurais ou mesmo do contexto da escravidão. No entanto, como vivemos em uma cultura mutável, que vive em constante transformação, eis que o bronzeamento passou a ser sinônimo de sensualidade, basta olharmos revistas sensuais, que constataremos a famosa “marca de biquíni”, como se fosse um adorno obrigatório do corpo feminino.

    A obsessão por um corpo bronzeado é chamado de tanorexia que afeta principalmente mulheres de 20 a 30. Elas nunca se sentem satisfeitas com seu bronzeado, e na ânsia de atingir sua inatingível tonalidade de pele, já que ela nunca se satisfará, acaba se expondo ao sol sem a devida proteção, de forma muito além do que se recomenda, fazendo uso até produtos auto bronzeadores. Segundo o site Desporto e saúde, por ano cerca de 100 pessoas morrem no Reino Unido em decorrência de bronzeamentos artificiais.

    Porém essa tendência parece estar em transformação, segundo matéria/pesquisa veiculada no site UOL em agosto de 2011 Vincent Grégoire, diretor de estilo de vida na consultoria Nelly Rodi, responsável pela pesquisa, afirma que: "O bronzeamento exagerado virou sinônimo de vulgaridade, até porque a ida às praias se popularizou e hoje não é mais sinal de superioridade econômica".

    Ainda segundo esta matéria, Bernard Andrieu, filósofo do corpo e das práticas corporais da Universidade de Nancy, na França dá a entender que o culto da juventude e o medo do envelhecimento dão a tônica desta nova tendência de comportamento. Será que estamos presenciando o nascimento de um novo distúrbio? O de evitar ao máximo a exposição ao sol.

Vigorexia ou Síndrome de Adônis

    Toda essa preocupação com o corpo a ser atingido pode causar distorções com a imagem corporal do sujeito, resultado um problema com a imagem corporal chamada “dismorfia muscular”. Ela é caracterizada como um antônimo à anorexia nervosa (quando geralmente a mulher, já muito magra, vê projetada sua imagem no espelho como alguém gorda, “cheia”), então poderia ser falada coloquialmente de “anorexia reversa”, isso por que os sujeitos com “dismorfia muscular”/vigorexia:

    (...) persistem em exercitar-se compulsivamente apesar das dores ou das lesões ou continuam em dietas ultra isentas de gordura e com alto teor de proteína mesmo quando se sentem desesperadamente famintos. Muitos tomam esteróides anabolizantes potencialmente perigosos e outras drogas para aumentar a musculatura, porque pensam que seus músculos não parecem bastante fortes (POPE, PHILLIPS, OLIVARDIA, 2000, p.29).

    Apesar de haver um grande número de pessoas preocupadas com a aparência, as vezes até rotuladas de metrossexuais, para se chegar a um diagnóstico que se enquadre como um distúrbio é preciso se configurar uma obsessão e sofrimento da pessoa para melhorar determinada parte do corpo, atrapalhando e modificando seu cotidiano. No caso da Vigorexia, será algo voltado para a questão muscular, configurando assim o Transtorno Dismórfico Muscular.

    Deve-se ressaltar que apesar da predominância deste distúrbio em um publico masculino, existem também casos em indivíduos do sexo feminino, onde algumas pesquisas apontam ser em decorrência da característica praiana de algumas cidades. Como maior exemplo o Rio de Janeiro, cidade que possui um alto índice de garotas freqüentadoras de academia que buscam deixar seu corpo tonificado, sendo alguns desses corpos exagerados.

    Para explicar isso podemos pensar em fatores como a mídia propagando o sucesso de “mulheres frutas” que quase sempre possuem um padrão de exagero em suas curvas, ou até mesmo as rainhas de bateria, que em sua maioria possuem um corpo muito tonificado, regado a dietas que podemos considerar radicais. Para exemplificar podemos citar a artista Adriana Bombom que em relato a Revista Época em 2009, afirmou que durante os três meses que antecedem o carnaval ela come apenas batata cozida e clara de ovo. A cada duas horas em porções de 25 gramas. Ainda segundo ela no começo da um tremendo mal humor.

    Pope, Phillips, Olivardia (2000) deram às diversas obsessões em busca do corpo forte, o nome de “Complexo de Adônis”, analogia feita a Adônis que na mitologia grega era meio homem e meio deus, símbolo máximo de beleza.

Drunkorexia

    Se trata de uma combinação entre a anorexia e o consumo de álcool, que estão relacionados com a inibição do apetite, por meio da ingestão do álcool.

    A ordem inversa também pode dar origem à patologia, ou seja, o abuso do álcool gera distúrbios alimentares.

    Estudos do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) indicam que os anoréxicos estariam mais propensos à dependência de álcool, principalmente as mulheres.

    Nota-se que no anseio de buscar um alivio das pressões sociais, as pessoas, neste caso principalmente as mulheres acabam achando no álcool uma solução temporária, porém no receio lipofóbico, pós-embriaguez, acabam por tentar contornar um ganho de peso através da restrição alimentar exagerada, ou até mesmo indução de vômitos.

Narcisismo: reflexos do culto ao corpo

    Santos (2010) relata que, o mito grego possui grande importância para entendermos o inconsciente humano. Este mesmo autor ainda ressalta que os mitos são como se fossem o sonho de uma civilização, onde carregam os mais variados símbolos e significados, e que eles refletem a cultura de uma determinada população.

    Todas essas patologias advêm dos excessos na busca do corpo prefeito. Essa questão nos reporta ao mito grego de Narciso. Conta o mito que no dia de seu nascimento o adivinho Tirésias professou que Narciso teria vida longa desde que jamais contemplasse sua própria figura. Narciso se achava tão belo que desdenhava suas pretendentes. Uma ninfa graciosa chamada Eco se apaixonou em vão por Narciso, pois ele rejeitou sua afeição e então Eco desesperada definhou e morreu de melancolia.

    Os deuses comovidos por Eco condenaram Narciso a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo. Então um dia, enquanto caminhava pelos jardins, Narciso viu sua imagem no lago e então se apaixonou profundamente por si próprio, inclinou-se cada vez mais para o seu reflexo na água, acabou por cair na lagoa e se afogar.

    Narciso tem seu nome derivado da palavra grega narc que significa “entorpecido”. O mito de Narciso surge de uma superstição grega segundo a qual contemplar a própria imagem prenunciava má sorte, o mito possui um simbolismo que fez dela uma das mais duradouras da mitologia grega.

    Temos então, na atualidade, uma forte tendência ao narcisismo, onde os exageros dos cuidados com o corpo se esbarram no mito de Narciso, o qual reflete de acordo com as idéias de Rago (2007) uma tendência dos sujeitos se voltarem somente para sua aparência física. Segundo ele:

    [...] a preocupação consigo mesmo reforça o narcisismo, na medida em que incita o indivíduo a se voltar para ‘o seu próprio umbigo’, a ter olhos exclusivos para si mesmo, ao mesmo tempo em que essa imersão na própria interioridade é especialmente reforçada pela estetização da aparência pessoal e pelo embelezamento do próprio corpo [...] (RAGO, 2007, p.53).

Considerações finais

    A rejeição social da mulher criada a partir dos estigmas corporais está cada vez mais evidente. Quem foge do padrão de beleza corporal estabelecido é vitima de uma infinidade de violências simbólicas. Os casos de bullying relacionados a aparência física também são manifestações que tem sua origem na desenfreada valoração do aspecto corporal. E isso não se dá somente através de índices corporais como obesidade, velhice, raça, mas também pelas formas de adornar e vestir o corpo – a roupa de marca, o sapato importado, tudo isso é atributo de valoração corporal na mulher moderna.

    As mulheres na tentativa de se livrarem da rejeição social travam uma luta contra a balança e o espelho. Porem, o travar desta batalha necessita de um estado de cautela, pois a linha do que é coerente e saudável fica estreitamente confundida com o desvio obsessivo e pulsional que facilmente pode virar patologia. Está cada vez mais tênue esta linha divisória, porém por ora, não parece perceptível uma mobilização dos veículos de massa, como os midiáticos, em um sentido de alerta e conscientização desta população. Estas temáticas raras vezes são levantadas e discutidas de forma aberta para conscientização da sociedade.

    Neste sentido, precisamos ser críticos com relação à cultura que vivemos atualmente, somos absorvidos pela cultura da aparência, essa nos joga para um mercado desenfreado de consumo e grande parte da população se perde em meio a toda essa maquinaria política que gira em torno do corpo feminino.

    O professor de Educação Física tem nestes aspectos um cabedal muito grande de conteúdos para ser discutido no seu campo de atuação. Ele pode e deve contribuir para a discussão, esclarecimento e orientação no que tange as questões relacionadas aos modos de tratamento do corpo, dos limites da saúde e doença frente a estes tratamentos.

    Compreender a lógica da cultura na fabricação de padrões de beleza, a nosso ver é essencial para se discutir o corpo da mulher no campo educacional. E desta forma, ao menos deixar os sujeitos mais esclarecidos sobre os processos que os constroem enquanto corpo.

    A nosso ver, o professor de Educação Física precisa se capacitar para lidar com os temas emergentes da atualidade que envolve o corpo para além da esfera da prática motora. Transcender o olhar do simplesmente “fazer físico” para uma análise da conjuntura desse corpo enquanto alvo de investimento político e econômico se faz necessário para que as patologias/culturais possam ser desveladas e combatidas.

Referências

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