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O MMA e o impacto na sociedade brasileira

Las artes marciales mixtas y su impacto en la sociedad brasileña

The MMA and the impact on Brazilian society

 

*Grupo de Pesquisa de Direito Desportivo. Faculdade Nacional de Direito, FRJ

**Docente do Curso de Educação Física da Universidade Iguaçu, UNIG

***Docente da Faculdade Nacional de Direito, UFRJ

(Brasil)

Natalie Lassance Britto Longo*

Orestes Manoel da Silva*

Rafael Terreiro Fachada*

Victor Hugo Nunes Bezerra*

Vitor Nascimento Ferreira*

Tibério Machado**

Angelo Vargas***

desportivofnd@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo propõe o estudo acerca dos principais impactos que os eventos de luta conhecidos por MMA (Mixed Martial Arts) estão ocasionando nas gerações atuais da sociedade brasileira. Além do debate sobre o reconhecimento ou não desta modalidade de luta como um esporte, o artigo conta também com a apresentação de um projeto de lei que propõe vetar as transmissões de lutas não olímpicas e entra na discussão sobre a intervenção midiática. As pesquisas de campo e as opiniões de pesquisadores e estudiosos demonstraram que, no âmbito escolar, esse tipo de manifestação desportiva pode estar influenciando os jovens a se comportarem de maneira reprovável. Entretanto, sob um olhar mais liberal, uma quantidade significativa de adeptos do MMA faz prevalecer a opinião de que é apenas uma prática desportiva que não deve ser julgada como uma “luta medieval” ou que somente incentiva “golpes brutais”. De acordo com as inferências preliminares obtidas com a pesquisa, podem ser percebidas as intensas mudanças ocorridas durante a história dos eventos de MMA e, cada vez mais, torna-se notória essa necessidade de alteração nas regras. Os principais objetivos dessa “evolução” do regramento das lutas foram: uma maior proteção da saúde dos lutadores, a vontade da modalidade ser reconhecida como um esporte e o desejo de acabar com a imagem de uma luta bárbara e primitiva.

          Unitermos: Desportos com luta. MMA. Sociedade brasileira. Violência.

 

Abstract

          This article proposes a study of the main impacts created by fighting events known as MMA (Mixed Martial Arts) on the current generations of Brazilian society. Besides the debate about whether this modality of fighting should be recognized as a sport or not, this article also counts with the presentation of a bill that aims to interrupt the transmission of non-Olympic fights and takes a step closer into the discussion of media intervention. The fieldwork allied to the opinion of researchers and experts has shown that, in the school environment, this kind of fight might be influencing the youths to adopt a reprehensible behavior. However, from a more liberal point of view, a significant number of MMA adepts help to sustain the opinion that the combat is just a sport and must not be judged as a “medieval fight” or a competition that only encourages “brutal blows”. According to preliminary analysis, some intense changes in the combat rules can be observed along the history of MMA events. The main objectives of this “evolution” of the rules were: a better protection to the fighter’s health, the recognition of this modality as a sport and the end of the image of a barbaric and primitive fight.

          Keywords: Sports with struggle. MMA. Brazilian society. Violence.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O Mixes Martial Arts (MMA), na sociedade contemporânea emergiu como um dos fenômenos esportivos que mais cresce no mundo. Considerando-se que os eventos tiveram origem no final dos anos 90 e início dos anos 2000, é absolutamente peculiar a forma meteórica através da qual se deu o crescimento dessa prática esportiva. É importante ressaltar que o MMA é uma atividade que envolve contato corporal, permitindo a utilização de uma ampla variedade de técnicas de combate a partir de uma mistura de diferentes artes marciais e técnicas de ataque e de defesa pessoal.

    Há uma substancial corrente que entende o MMA como esporte, porém, ainda é possível perceber nas tramas sociais o entendimento de que o MMA constitui apenas um conjunto de lutas e não deve ser considerado esporte, mas uma prática de atividades físicas.

    O praticante e professor de jiu-jitsu Rafael Lang manifestou sua opinião sobre o tema:

    Na realidade, o MMA é um mix de esportes, ou seja, ‘Mixed Marcial Arts’. É um conjunto que agrega várias modalidades de artes marciais e possui regra, possui limites de ações dentro do octógono, portanto, eu o considero como um esporte sim.

    Inicialmente, seu objetivo era, através da disputa, apresentar a arte marcial com maior efetividade em diferentes situações de combate desarmado, desse modo, lutadores de vários estilos lutavam uns contra os outros com o mínimo de regras ou preocupação com a segurança. Destarte, nos anos seguintes, o MMA recebeu o implemento de regras adicionais que visavam aumentar a segurança dos lutadores e promover a aceitação popular dos eventos. Não obstante, ainda são inúmeras as barreiras que essa modalidade de espetáculo deve ultrapassar para adquirir total adesão e aceitação na sociedade contemporânea.

O crescimento do MMA e suas conseqüências

    Considerando o crescimento espetacular dos eventos de MMA, um projeto de lei com suas respectivas justificativas foi elaborado no ano de 2009 para proibir a transmissão de lutas de tal porte, seja em canais “abertos” ou canais “fechados”. Em seu primeiro artigo o projeto propunha ser “vedada pelas emissoras de televisão, em todo o território nacional, a transmissão de lutas marciais não olímpicas”.

    De acordo com o referido projeto de lei supramencionado, alguns programas de TV transmitem lutas que podem causar lesões permanentes ou até mesmo levar à morte em determinados campeonatos que podem ser nacionais ou internacionais. Portanto, segundo seus idealizadores, o projeto teria por “finalidade resguardar que crianças, adolescentes, jovens e até mesmo adultos, assistam a cenas violentas explícitas e voluntárias, com o fito de saciar a sana de alguns, quase sempre em busca de fama com dinheiro fácil”.

    Tavares (2012) expôs sua opinião sobre o tema:

    Até que ponto as lutas incitam a violência e podem influenciar comportamentos agressivos em crianças e adolescentes? Reconheço que não podemos culpar a mídia por todas as questões positivas e negativas que acontecem no dia a dia, mas concordo que as cenas de lutas na TV, associadas ao glamour midiático das transmissões e sem nenhuma contextualização, ratificam a banalização da violência. A resolução de conflitos passa pela violência, esse talvez seja o principal recado que chega às crianças. Quem vence é o mais forte. É o que tem mais força física. É o campeão.

    Em contrapartida, o Senador da República Magno Malta criticou publicamente o projeto de lei de autoria do deputado José Mentor afirmando que, embora existam muitos programas que ofendem a família brasileira, ninguém tem coragem de apresentar um projeto de proibição, e ainda explicita sua opinião dizendo que essas lutas têm tirado centenas de homens das ruas e das drogas servindo de instrumento de ascensão social. Tal fato fica evidente no documentário brasileiro Dias de Luta, produzido por Eduardo Brand no ano de 2006, onde diversos lutadores afirmam, através de depoimentos, que possuem poucas alternativas de vida além da prática das artes marciais e as disputas de MMA, que para alguns emergiu como uma fonte de renda familiar.

    Inobstante o requerimento idealizado ainda no ano de 2012 para discutir o referido projeto de lei, parte para uma justificativa mais coerente que envolve elementos históricos e se faz presente a comparação das lutas marciais não olímpicas com o Coliseu Romano, a mais famosa das arenas de combate da Roma Helênica, onde ocorriam lutas entre gladiadores e de gladiadores com animais:

    Sob um sentido muito amplo, continua de pé a idéia de que precisamos educar contra a barbárie, para que não repitamos holocaustos de toda natureza, para que não estimulemos a humanidade a repetir violências. Sem a pretensão de quaisquer remissões históricas amplas, ao pensar no projeto apresentado, vem-me à memória, quem sabe como recuperação de ancestralidades perdidas ou de imagens cinematográficas, a imagem dos gladiadores romanos.”

    No que concerne aos aspectos que envolvem essa similitude histórica, o advogado e professor de Educação Física Angelo Vargas, consultor do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), explicita no jornal “O Estado de S. Paulo”:

    “Os lutadores são verdadeiros gladiadores da modernidade e o público que assiste e pratica quer fazer parte desse cenário, vibrar e brigar junto.”

O MMA no âmbito educacional

    Na esteira dos argumentos apresentados, questiona-se também, a influência dos eventos de MMA nas escolas e o aumento significativo da violência entre os jovens e as crianças presentes neste contexto social. Segundo Cabral e Lucas (2010), na atualidade, o tema “violência nas escolas” é apontado em relatos constantes nos noticiários, debatidos em programas de TV e nos jornais de ampla circulação, tanto no Estado do Rio de Janeiro como de todo o Brasil e do mundo, além de ser tema constante de debates acadêmicos.

    Goergen (2005) inferiu um significativo argumento no que tange ao processo de educação:

    “...a educação é um processo sociocultural de individualização/socialização das gerações que são familiarizadas com um conjunto de tradições, normas e valores veiculados pela cultura” (Pós-modernidade Ética e Educação, p. 80).

    Em análise acadêmica, fundamentada em pesquisa científica, de acordo com a teoria de aprendizagem social, Bandura (1963) reforça o conceito de agressão imitativa por meio do qual, crianças expostas a uma atividade agressiva de adultos, imitam esse comportamento, especialmente quando o modelo adulto é observado sendo bem sucedido e recompensado. Os postulado filosóficos de Marx e Engels (1848) asseveram que o ser humano é produto do meio social onde se encontra inserido, sofrendo todas as interveniências presentes, fato que pode explicar o comportamento agressivo das crianças em alusão ao comportamento apresentado pelos adultos. Segundo Elias e Dunning (1986), os benefícios econômicos e o prestígio fazem com que se deixe de lado a rivalidade amistosa convertendo-a em rivalidade hostil, revelando assim a máxima preconizada por Maquiavel, onde “os fins justificam os meios”.

    Uma corrente significativa de pensadores defende a prática e a popularização das lutas no ambiente escolar, devendo ser ensinada pelo professor de Educação Física. Entretanto, existem alguns argumentos que impedem que isso ocorra. O primeiro deles é a falta de vivência da maioria dos professores com as lutas e o segundo é a preocupação com a violência que se imagina que as lutas possam gerar. Assim como o futebol, o vôlei e a ginástica, as artes marciais têm muito a ensinar: despertam a consciência sobre o próprio corpo; aprimoram as habilidades; melhoram a postura e o equilíbrio; aumentam a força, a agilidade, o reflexo e a capacidade de concentração. 

    Para Kanashiro (2002) "toda luta está fundamentada em princípios filosóficos e espirituais muito fortes, que buscam o desenvolvimento do intelecto e do caráter”. Além disso, é preciso lembrar que se tratam de práticas milenares, que trazem consigo elementos importantes sobre algumas culturas, em especial as do Oriente, assim assinalado pelo educador Vago (2002) quando afirma que as lutas “são uma parte importante da história cultural da humanidade". Para o pensador, os estudantes atacam, defendem-se, caem e, no final, voltam à condição de colegas, sem se sentir desrespeitados, e afirma que, na maioria das artes marciais, os embates começam e terminam com um cumprimento.

Considerações finais

    Os argumentos apresentados ao longo do estudo permitiram a compreensão de que resta incontestável a necessidade de mudanças dos regramentos nos eventos de luta. É possível inferir que tais mudanças passaram a ocorrer à medida que o conhecimento sobre as técnicas se propagava entre os lutadores e espectadores e tornou-se claro que as regras minimalistas originais necessitavam de alteração, mormente em preservação da integridade física dos lutadores e apresentação de um espetáculo de acordo com as regras e padrões vigentes na sociedade contemporânea, alterando desta forma a imagem deturpada existente de luta até a morte, que já ocorreu em outros momentos históricos.

    Sendo assim, devido ao crescimento substancial da popularidade do MMA, muitas pessoas estão se mobilizando a favor da legitimação e integração dessa modalidade ao cotidiano da sociedade como uma simples prática desportiva que deve ser assegurada e fomentada como um direito fundamental.

    O Promotor de Justiça Mauro da Fonseca Ellovitch comenta sobre a incoerência da proibição da transmissão do MMA:

    Vejo como um despropósito o projeto de lei para proibir a exibição do MMA em televisão no Brasil. Incoerente tanto pelas justificativas de fato quanto pela base jurídica. A superficial fundamentação de que o MMA estimula a violência e de que seria uma ‘rinha de galos humana’ não resiste a uma análise aprofundada por quem realmente conhece o esporte. Juridicamente também não deve obter sucesso.

    O mesmo promotor ainda se mostra indignado ao declinar que em um país com uma vasta produção de leis e pouca efetivação de políticas públicas relacionadas à segurança, educação, saúde, cultura e fomento ao esporte o Poder Legislativo deveria concentrar-se no que, ao que ele considera, realmente atenda às necessidades da sociedade. Ainda ressalva a necessidade de um estatuto de regras e estruturas de segurança obrigatórias a serem impostas no Brasil para evitar eventos inseguros e a ocorrência de desastres que prejudicam a imagem do esporte. (ELLOVITCH, 2012)

    O jornalista especializado em MMA, Mario Filho, manifesta sua opinião sobre a ascensão vertiginosa do fenômeno no Brasil, a atração do público brasileiro pela modalidade e defende que o argumento da "violência em estado bruto" não se confirma:

    A aceitação do MMA pelo público brasileiro era inevitável. Por mais que houvesse resistências e opositores, é muito difícil negligenciar um esporte em que temos os melhores representantes do mundo [...]. E o brasileiro é um lutador por natureza, nasce na batalha, nasce guerreiro pelas adversidades que enfrentamos no país. [...] A agressividade ou, por exemplo, o gosto pela alta velocidade são características inerentes ao ser humano. Uma vez canalizando essa energia da maneira certa, com regras que preservem a integridade física do atleta [...] em nome da moralização do MMA, a luta se torna um esporte apaixonante, ‘quase’ irresistível.

    Resta incontestável a valorização midiática dos eventos de luta. Neste diapasão, não só os estilos de vida são disseminados e assimilados pelos consumidores, mas também, no que concerne à saúde e ao comportamento social em geral, o referido processo de assimilação pode ocorrer com valores contrários aos preceitos de ordem ética, moral e educação. Torna-se mister, portanto, a criação de mecanismos de controle no sentido de que crianças e adolescentes possam ter garantido o direito à educação por meio das práticas desportivas, nomeadamente no que concerne aos esportes de combate e as lutas.

Referências

  • AGÊNCIA SENADO. Magno Malta critica projeto que proíbe lutas de MMA na televisão. Senado Federal: Brasília. 2012.

  • BANDURA, A. The role of imitation in personality development. The Journal of Nursery Education, 1963.

  • BORGES, O. MMA: Esporte ou apologia à violência? São Paulo: Jornal Correio Popular, 2012.

  • BRASIL. Artigo 217 da Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Casa Civil, 1988.

  • BRASIL. Projeto de Lei 5534/2009: Proibição da transmissão de lutas marciais pelas emissoras de televisão na forma que especifica e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009.

  • BRASIL. Requerimento para a realização de Audiência Pública para discutir o PL Nº 5534/09. Câmara dos Deputados: Brasília, 2012.

  • BRAND, E; VAL, G. Documentário Dias de Luta. Duração: 50 minutos. Rio de Janeiro: Local B Filmes. 2006.

  • CABRAL, S.R.; LUCAS, S. Violências nas escolas: desafio para a prática docente? Rio de Janeiro: Gramma Editora, 2010, p.75.

  • ELIAS, N.; DUNNING, E. Quest for Excitement: Sport and Leisure in the Civilizing Process. Oxford: Basil Blackwell, 1986.

  • ELLOVITCH, M. A incoerência da proibição ao MMA. Disponível em: www.tatame.com.br/. Acessado em: 20 de jul. 2012.

  • GOERGEN, P. L. Pós-modernidade Ética e Educação. Campinas: Autores Associados, 2005, p.80.

  • MARX, K. & ENGELS, F. Manifesto Comunista, 1848.

  • MAQUIAVEL, N. O Príncipe, 1532.

  • NEKO, F.; A história do MMA. Disponível em: http://www.mmabyneko.com.br/a-historia-do-mma-mixed-martial-arts/. Acessado em: 15 de ago. 2012.

  • RAMALHO, P. Luta: sinônimo de paz. São Paulo: Revista Nova Escola. 2002.

  • SARDAS, G; FORTI, P: "MMA não estimula violência, assim como F-1 não estimula o racha". Portal Imprensa – Jornalismo e Comunicação. 14 mar. 2012.

  • TAVARES, M. Por dentro do octógono. São Paulo: Observatório da Imprensa, 2012. Disponível em: < http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed692_por_dentro_do_octogono. Acessado em: 12 de out. 2012.

  • VARGAS, A. “Lutador é gladiador da modernidade”. SP: O Estado de S. Paulo. 22 abr. 12.

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