O esporte escolar como conteúdo resiliente El deporte escolar como contenido de resiliencia |
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Centro Universitário Barriga Verde, UNIBAVE (Brasil) |
João Fabrício Guimara Somariva Diego Itibere Cunha Vasconcellos |
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Resumo O presente artigo trata-se de uma produção do Núcleo de Pesquisa e Extensão de Práticas Educacionais e Culturais Criativas, Inclusivas e Transdisciplinares – NUPCI e tece reflexões sobre a possibilidade de transformações no ensino do Esporte Escolar em função da necessidade de redimensionar a prática esportiva centrada na competição e no individualismo. O texto tem por objetivo, partindo de uma revisão bibliográfica, refletir sobre o desenvolvimento da resiliência através do conteúdo esporte nas aulas de Educação Física. As alternativas apontadas ao longo do estudo foram sistematizadas com a pretensão de auxiliar o docente na luta para se libertar da consciência alienante e linear que o esporte/rendimento proporciona. Chegando ao final do estudo, percebe-se a necessidade de contar com professores de Educação Física que alcancem níveis de competência transformadores, pois somente com profissionais criativos, conscientes e, principalmente, determinados, poderemos mudar o delineamento do esporte na escola. Unitermos: Educação Física. Esporte. Prática pedagógica. Resiliência.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Muitas visões da Educação Física, juntamente com o Esporte foram utilizadas no Brasil, a maioria delas com objetivos biológicos, sobrepujantes e reprodutivistas. Esses objetivos fortalecem uma sociedade excludente e desatenta às potencialidades individuais.
Entendemos que o esporte se faz necessário na escola, pois, o mesmo é historicamente construído pelo homem e, consequentemente está ligado à sociedade que o cria. As dificuldades encontradas em praticá-lo de forma valorativa, tornando-o um estimulador da resiliência é que nos motivam para a realização deste trabalho.
A contextualização do Esporte Escolar
A grande influência da instituição militar até meados da década de 40, fez do método ginástico o conteúdo inicial para a criação das primeiras escolas de Educação Física, assumindo todos os códigos nele existentes. Perduraram até o final da II Guerra Mundial, onde o esporte começa a ganhar espaço e força, mas muitos destes códigos estão presentes até hoje em nossas aulas (GUIRALDELLI JR, 1989).
Com o fim da ditadura do Estado Novo, novos métodos surgem nas escolas como, por exemplo, a Educação Física Desportiva Generalizada, divulgada por Auguste Listello, onde predomina o esporte como conteúdo (SOARES et al, 1992). O incentivo a produção de atletas passa a ser prioridade, transformando a escola num verdadeiro “seleiro de atletas” que possam representar o Brasil em competições. A proposta do “Brasil Grande”, mostrando sua força através de conquistas internacionais, funcionava como um analgésico no movimento social (GUIRALDELLI JR., 1989).
A subordinação da escola às instituições esportivas é evidente no período pós-guerra como cita Bracht:
“Mais uma vez a Educação Física assume os códigos de uma outra instituição, e de tal forma que temos então, não o esporte da escola e sim o esporte na escola, o que indica sua subordinação aos códigos/sentidos da instituição esportiva” (1992, p. 33).
As escolas passam a ser a base da “Pirâmide Esportiva” (BRACHT 1992), com o professor assumindo um papel de treinador. A escola ovaciona o esporte de alto nível, olímpico, influenciando em parceria com a mídia, nossa “cultura do movimento” e conseqüentemente o conteúdo das aulas de Educação Física (KUNZ, 1998), trazendo consigo um mundo de normas e regras pré-estabelecidas imprimindo o comportamento idealizado pela sociedade burguesa. Os comportamentos como o respeito incondicional às regras e regulamentos, limitam a ação do aluno, transformando-o como diz Bracht (1992) num “conformista feliz e eficiente” comportamento convincente com o sistema, pois desse modo, a escola continua “produzindo” cidadãos seguidores da ideologia dominante.
A Educação Física é a prática pedagógica que tem como tema o movimento corporal/humano (BRACHT, 1992), a qual possui um sentido/significado, característico do contexto histórico-cultural em que se encontra. Assim, podemos citar a dança, o jogo, a ginástica e o esporte como manifestações culturais da sociedade atual, sendo que o esporte é a que está mais presente nas aulas de Educação física como afirma Sousa:
“Hoje se observarmos as aulas de Educação Física em qualquer região do nosso país, poderemos contatar que existe um predomínio do esporte sobre os demais conteúdos dessa disciplina” (1994, p. 79).
O esporte é um fenômeno Histórico-cultural, fenômeno este que é inerente ao homem e é um dos mais ricos patrimônios da humanidade e, sendo uma produção humana é o reflexo da estrutura social em que vivemos.
“O esporte, como prática social que institucionaliza temas lúdicos da cultura corporal, se projeta numa dimensão complexa de fenômeno que envolve códigos, sentidos e significados da sociedade que o cria e o pratica” (Soares et al, 1992, p. 70).
Portanto, é certo afirmarmos que o esporte é o conteúdo hegemônico da Educação Física, mas o esporte propagado na escola é o do rendimento/espetáculo como cita KUNZ:
“O conceito de esporte que se vincula à Educação Física é um conceito restrito, pois se refere apenas ao esporte que tem como o conteúdo o treino, a competição, o atleta e o rendimento esportivo, este, aliás, é o conceito estrito “do esporte que aqui considero” “(1998, p. 63).
Sabemos que o esporte submete-se à sociedade capitalista, com isso, destaca-se os valores característicos desta sociedade como a competição exacerbada, a exclusão e tantos outros que contribuem para a criação de um espaço de desigualdades, transformado-se como diz Santin (1987), num “campo de batalha” onde os companheiros não são apenas adversários, mas são visualizados como inimigos a serem destruídos.
Princípios e conseqüências que regem do Esporte Escolar
Como foi dito até então, desde os anos 40 o Esporte Escolar no Brasil segue os parâmetros fornecidos pela instituição esportiva, ou seja, a partir de suas normas e regulamentos. A Proposta Curricular de Santa Catarina cita que:
“O esporte institucionalizado está apoiado na competição e concorrência, sendo orientados pelos princípios da sobrepujança e os das comparações objetivas, que padronizam o movimento humano e o limitam a locais e meios para sua prática” (1998 p. 227).
Kunz (2006) diz que o princípio da sobrepujança parte da idéia que se deve vencer a qualquer custo, e que através das vitórias o aluno aprende que precisa se esforçar muito para “vencer na vida”. O bom competidor é o que triunfa, o que se impõe sobre o outro.
O princípio das comparações objetivas garante aos competidores chances iguais nas disputas esportivas, através da padronização dos espaços e das regras. Assim o aluno fica condicionado a preocupar-se com a melhoria da técnica e da aprendizagem de regras internacionais (KUNZ 2006).
Os princípios da sobrepujança e das comparações objetivas descritos no item anterior trazem como conseqüência os processos de selecionamento, especialização e a instrumentalização do esporte cujas definições ajudam a entender melhor as posições sustentadas neste capítulo.
Selecionamento
A Proposta Curricular de santa Catarina (1998), diz que as crianças são influenciadas para a atividade em que seu biotipo mais se adapte à modalidade desportiva, classificando os “melhores” e rejeitando os “piores”.
Especialização
Segundo Gonçalves (1997, p.36), a valorização do rendimento absorve o Professor com medidas e avaliações e privilegia aqueles alunos que possuem melhores aptidões desportivas, incentivando a competição e a formação de elites.
Instrumentalização
A padronização limita a ação do aluno e a possibilidade de explorar novas formas de movimentos, e, como afirma Gonçalves (1997, p. 36) “A Educação Física torna-se um veículo de transmissão ideológica dominante”.
Uma proposta transformadora do esporte escolar
Mudar nunca é fácil, principalmente quando não parece necessário. A comodidade do ensino do esporte escolar atual se resume as regras pré-fixadas e ao ensino das técnicas desportivas, as quais diminuem a ação mediadora do professor. É a maneira tradicional da escola “manter a ordem”.
Existe muita pressão para que se ensine desse modo tradicional. Em primeiro lugar porque é familiar e já está funcionando, mesmo que não dê certo em classe. Em segundo lugar porque ao afastar-se do programa-padrão você pode ser tachado de rebelde ou descontente, e estar sujeito a alguma coisa que pode vir dos pequenos aborrecimentos até a demissão. (FREIRE E SHOR, 1987, p.17).
A partir dos anos 80, surgem as primeiras manifestações de possíveis mudanças e transformações do ensino da Educação Física e do esporte escolar, por meio de alguns professores e estudiosos.
Reportamo-nos ao raciocínio de Santim (1987), em que o homem tem a liberdade de assumir diferentes posições, que podem se dirigir para o caminho do estudo, do debate e da análise ou o da imposição autoritária e arbitrária, Escolhendo os o primeiro caminho, o qual possui características transformadoras, é necessário algumas providências iniciais quanto a sua utilização no esporte escolar. Como Bracht (1992) esclarece nossa visão positivista do movimento humano, nossa visão inatista da aprendizagem, nossa diretividade associada com a idéia de que o aluno nas aulas de Educação Física não pode falar, são as posturas fundamentais que o professor deve suprimir para que venha a ter êxito na utilização desta proposta.
Sobretudo, o que deve estar presente no ensino do esporte escolar é a “consciência crítica” (GONÇALVES,1997). Não falamos no sentido destrutivo, mas no sentido de dialogar, argumentar, dar autonomia ao aluno de expor suas idéias.
“A consciência crítica é que nos permite romper com as condições petrificadas ideologicamente, e seu sentido encontra-se na busca da emancipação” (GONÇALVES 1997, p. 127).
É necessário também o entendimento de que o movimento humano não é algo abstrato, mas sim carregado de expressividade e espontaneidade (SANTIM, 1987). A dualidade mente/corpo também deve dar lugar ao corpo uno, como cita J. B. Freire:
Corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender a outra (o corpo) para transportar, mas ambos para se emancipar. Por causa dessa concepção de que a escola só deve mobilizar a mente, o corpo fica reduzido a um estorvo que, quanto mais quieto estiver, menos atrapalhará. (2009, p. 13).
O conceito de resiliência
O termo resiliência vem sendo esse estudado por diversas áreas. Estudos nas áreas da psiquiatria, da psicologia e da sociologia utilizam o termo para descrever situações em que pessoas ao superar experiências negativas se fortalecem durante este processo (HENDERSON; MILSTEIN, 2008).
Com Base em diferentes autores (FERREIRA, 1999; GALIETA, 2004; HENDERSON; MILSTEIN, 2008; YUNES E SZYMIANSKI, 2001; PLAZE, 2006), Zwierewicz (2009, p. 45) define resiliência “[...] como a capacidade individual ou coletiva para enfrentar, sobrepor e se transformar diante das adversidades”.
O esporte como conteúdo resiliente
É fato que em toda a tragetória da vida humana, o período da adolescência é o que apresenta maior instabilidade e tensão, devido a mudanças morfológicas, novos ambientes sociais e a abertura para novos relacionamentos. E é nessa conjuntura que a escola surge com o papel fundamental de produtor de emoções positivas e negativas. Espaço oportuno para a compreenção da resiliência. Vargas (2009).
Quando o educador confere ao esporte um trato pedagógico e lhe despe de todas suas características sobrepujantes, alienantes e reprodutivistas, pode então perceber que o mesmo passa a auxiliá-lo na consolidação de atitudes e valores positivos. “O educador, na sua prática quer queira quer não, é um veiculador de valores. É nesse sentido que reside à ligação da forma de seu ensino com seu conteúdo”. (BRACHT, 1992, p.74).
Desenvolver valores como a resiliência passa então a ser uma meta alcançável, pois, o esporte proporciona situações adversas e, se essas forem positivas, irão auxiliar para a formação de uma personalidade equilibrada e resiliente.
Considerações finais
Chegando ao final deste trabalho, acreditamos que é de suma importância uma reflexão sobre as questões abordadas nesta revisão bibliográfica que fortaleceram nosso desejo de contribuir para a transformação pedagógica do esporte escolar e, em consequência, a da Educação Física.
Vê-se que a ideia aqui apresentada procura desenvolver indivíduos emancipados, autônomos e resilientes, preparando-os com maior consciência, para as dificuldades que surgirão ao longo de suas vidas.
Contudo, aprendemos que para chegar a essa concepção de ensino do esporte, necessita-se contar com professores de Educação Física que alcancem níveis de competência transformadores, pois somente com profissionais criativos, conscientes e, principalmente, determinados, poderemos mudar o delineamento do esporte na escola.
Referências
BRACHT, Valter. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
DARIDO, Suraya Cristina; MOREIRA DE SOUZA JÚNIOR, Osmar. Para ensinar educação física: Possibilidades de intervenção na escola. Campinas, SP: Papirus, 2007.
FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 2009.
FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: O cotidiano do Professor. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987.
GONÇALVES, Elisiane Cristina de Freitas; SANTOS, Aline Elias de Oliveira dos. JÚNIOR, José Antonio Martins. Prática docente: dificuldades encontradas pelos professores de Educação Física nos cinco primeiros anos de atuação profissional. O mundo da Saúde, São Paulo, 31, n. 4, out./ dez., p. 494-499, 2007.
GONÇALVES, Maria Augusta Salim. Sentir, pensar, agir: Corporeidade e Educação. São Paulo: Papirus, 1997.
GUIRALDELLI JÚNIOR, PAULO. Educação Física progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física brasileira. São Paulo: Loyola, 1989
KUNZ, Elenor. Educação Física: Ensino & Mudanças. Ijuí: Unijuí, 2006.
KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1998.
SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta curricular de Santa Catarina: Educação infantil, ensino fundamental e médio: Disciplinas curriculares. Florianópolis: Cogen, 1998.
SANTIM, Silvino. Educação Física: Uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí: Unijuí, 1987.
SOUZA, Solimar Siveira de. Educação Física: ensino e realidade/ Amarílio Ferreira neto (org.). Vitória: UFES / Centro de Educação Física e Desportos, 1994.
VARGAS, Cláudio Pellini. O desenvolvimento da resiliência pelas adversidades da escola. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 101, p.109-115, 2009.
ZWIEREWICZ, Marlene; TORRE, Saturnino de la. Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009.
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