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O quadro da Educação Física nas séries finais do ensino fundamental
e a questão da origem da preferência massiva por
o futebol como prática das aulas

El escenario de la Educación Física en los niveles finales de la enseñanza primaria y

la cuestión de la preferencia masiva por el fútbol como práctica de las clases

 

Formando no Curso de Licenciatura em Educação Física

pelo Centro Universitário Metodista, do IPA

(Brasil)

Lucas Medeiros de Almeida

lucasmedeirosdealmeida@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente texto reflete sobre a Educação Física nas séries finais do ensino fundamental nas escolas públicas da esfera estadual e suas características peculiares de aderência e preferência massiva pela prática de futebol por parte dos alunos principalmente do sexo masculino. Levanta ainda a questão se tal fenômeno não teve origem nas aulas de Educação Física vivenciadas por esses mesmos alunos nas séries iniciais e educação infantil.

          Unitermos: Educação Física. Séries finais. Futebol.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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A Educação Física nas séries finais do ensino fundamental

    Ainda que o Ministério da Educação forneça uma proposta pedagógica para a Educação física nas séries iniciais do Ensino Fundamental, é nas séries finais deste nível de ensino que (em nosso tempo, a não ser que isso mude com o passar dos anos) começa a educação física nas escolas públicas do estado. Podemos definir como começo, pois nas séries iniciais e educação infantil não se faz presente a figura do professor especialista nas aulas de educação física (pelo menos na maioria das escolas dessa esfera) ficando essa disciplina sob a responsabilidade do professor generalista promover as “aulas” de atividade física para os alunos. Esta ausência do professor especialista nas séries iniciais, amplamente discutida no meio acadêmico se dá pelo texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) que afirma que a Educação Física é componente curricular obrigatório da educação básica (isso inclui, portanto as séries iniciais do ensino fundamental), porém não providencia a figura do professor de educação física como responsável por ministrar as aulas na educação infantil e séries iniciais. Ao contrário, a resolução do Conselho Nacional de Educação através de sua resolução 07/2010 diz:

    “do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os componentes curriculares Educação Física e Arte poderão estar a cargo do professor de referência da turma, aquele com o qual os alunos permanecem a maior parte do período escolar, ou de professores licenciados nos respectivos componentes” (CNE, 07/2010, art. 31).

    No ano de 2001, este mesmo conselho ainda apelou para a tradição desta prática para reafirmar sua posição frente ao tema (CNE, 16/2001, p.2).

    Observa-se que a resolução abre a possibilidade de um professor licenciado nos componentes curriculares Educação Física e Arte lecionarem nesse nível de ensino. Porém essa proposta foi sufocada pela tradição como já vimos.

    Vários estudos já apontaram algumas deficiências trazidas por esse problema. Darido (2001), ao ler os resultados de Almeida Júnior (2000) ressalta o que muitas vezes é recorrente nas aulas de Educação Física nas séries iniciais:

    Os resultados indicaram que as intervenções destas professoras nas aulas são muito poucas, restringindo-se a entregar a bola, informar os alunos sobre o tempo restante da aula, ou separar alguma discussão dos alunos. Os conteúdos são na maioria das vezes, restritos ao futebol para os meninos e alguns outros jogos para meninas, em outro espaço que não seja a quadra principal (DARIDO, 2001, p. 61).

    Com essa prévia de educação física, o aluno chega às séries finais do Ensino Fundamental.

    No presente ano já não temos mais a 5ª série desse nível de ensino de acordo com a nova seriação. O que temos é o 5º Ano, que é equivalente a antiga 4ª série. Sendo assim, até o presente ano, temos nas séries finais turmas de 6ª à 8ª séries do ensino fundamental.

    Quanto aos blocos de conteúdos da Educação Física a serem desenvolvidos nas séries finais do Ensino Fundamental, os PCNs preconizam os Conhecimentos sobre o corpo, Esportes, Jogos, Lutas e Ginásticas e Atividades Rítmicas e Expressivas (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998). Porém, como uma constante já impregnada nas aulas dessa faixa escolar, predomina o esporte como principal e por vezes único elemento de expressão da cultura corporal nos conteúdos das aulas. E o futebol como agravante, a modalidade mais pedida. E essa preferência pode ter surgido no nível da educação infantil e séries iniciais, pois Darido (2001) na sua fala sobre a perspectiva discente das aulas de Educação Física nesse nível escolar reforça essa massiva aderência ao futebol na manifestação de um aluno que diz “Eu queria ter futebol todos os dias, porque é legal”. Estaria a raiz desse recorrente apelo ao futebol por parte dos alunos das séries finais do Ensino Fundamental nas suas aulas de Educação Física nas séries iniciais?

    Conteúdos como danças, lutas e ginásticas dificilmente são presenciados nas escolas como parte do currículo das instituições. Não poucas vezes essas manifestações se dão em espaços e momentos extracurriculares dentro das próprias escolas, sejam elas particulares ou públicas. Nas instituições de ensino particulares, como critica Sayão (1999) quando fala das escolas de educação infantil, (pensamento aplicável aos demais níveis de ensino) muito mais como uma opção no menu para atrair clientela que queira esse “diferencial” no seu produto final, do que uma preocupação em diversificar as vivências motoras do aluno. E a dança, como critica VERDERI (2009, p.50), “é [...] um conteúdo fantasma [...] com aparições apenas em eventos da escola”.

    Ao analisar os dados de Dias et.al (1999), Schneider e Bueno (2005) sinalizaram o entendimento dos alunos do ensino fundamental de que a função da Educação Física está fortemente ligada ao aprendizado esportivo. Tal interpretação pode estar ligada ao fato de o esporte ter “influenciado a educação física e se transformado no seu principal (ou até o único) conteúdo de seu ensino na escola nos últimos 50 anos” (VAGO, 1996, p.8).

    O futebol como esporte mais popular em nossa nação é amplamente praticado pelos alunos quando estão fora da escola, como pôde verificar Busso e Daolio (2011). Em praças, terrenos baldios, quadras poliesportivas, ruas asfaltadas ou não, clubes e outros locais que mesmo não se assemelhem à estrutura pertinente ao futebol profissional, podem servir como ambiente da prática deste esporte. Verifica-se até que, a ausência de artefatos como chuteiras, bola, luvas, caneleiras, redes e goleiras, não é empecilho para que crianças pratiquem o futebol.

    O respeito aos saberes socialmente construídos pelo aluno na prática comunitária (FREIRE, 1996) é, com certeza, requisito fundamental para a prática docente ao professor que quer favorecer a autonomia do educando. O problema reside no fato que nos traz Busso e Daolio (2011) de os alunos jogarem o futebol sem quererem a orientação docente para a sua prática.

    Freire (1996) diz:

    O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (FREIRE, 1996, p.66).

    Para alguns professores de Educação Física, o trecho acima pode representar um paradoxo entre dar liberdade ao educando e propor limites a essa liberdade, pois incorrem no erro de furtarem-se de ensinar relegando as suas aulas a uma concessão de bola para prática livre, sem sua interferência. Muitas vezes entendemos que se vamos interferir no processo de aprendizagem, nosso dever é dirigir a aula e esperar dos alunos uma reprodução perfeita daquilo que ensinamos. Tal problema se dilui quando compreendemos o que Freire (1996) nos diz que “ensinar não é transferir conhecimento”. Logo, nossa presença no ensino do futebol se faz legítima não como um reprodutor de técnicas em busca da perfeição, o ambiente escolar não tem (ou não deve ter) esse objetivo, pois como critica Vago, (1996) citando Bracht (1992) a escola poderia assim ser um prolongamento da instituição esportiva. Sawitski (2008) diz que o ensino do esporte pode dar ao aluno uma diversidade de habilidades que ele poderá levar para a sua vida extraescolar e que as atividades de elaborações e discussões de regras e outras propostas de trabalho em grupo poderão contribuir para o desenvolvimento moral e social dos indivíduos. Os PCNs propõem objetivos que permeiam a vida social, exercício da cidadania, questões culturais e outros propósitos que não apontam para o desempenho esportivo e conquista de prêmios em competições desse meio. Sawitski (2008) atende isso nas suas propostas para as práticas esportivas escolares enxergando o conteúdo esportivo como mais uma atividade capaz de contribuir para o desenvolvimento individual e social dos alunos, concordando com Scaglia (1999) quando cita a ideia de Montagner (1993) que é preciso fazer dele, o esporte (leia-se ‘futebol’ segundo Scaglia, 1999):

    “[...] um meio educacional, e o esporte só o será quando tiver por finalidade a transferência ao “atleta” (aluno) não só de conhecimento técnico-esportivo como também de valores culturais que possam levá-lo a um verdadeiro crescimento. Entendemos o homem (aluno) como um ser total, portanto, sua educação deve ser global; o ser humano, um ser sujeito, e não objeto [...].” (SCAGLIA, 1999, p.56)

    Quando Scaglia (1999, p.57) fala da iniciação esportiva, (e podemos aqui usar essa fala sobre o ensino do conteúdo esporte nas aulas de educação física nas séries finais do ensino fundamental) ele nos diz que a finalidade seria “enriquecer em muito o vocabulário motor dos alunos” e que essa iniciação se daria nas fases pré-escolar e escolar. Mas, deve ser questionado: como nas séries finais poderíamos enriquecer o acervo motor dos alunos se provavelmente nas séries iniciais a única oferta motora a que ele teve acesso foi o futebol no caso dos meninos, e as meninas quanto à mesma modalidade, foi privada da prática? Traduzindo a intenção com a pergunta, em outras palavras como esperar que um menino de 12 anos venha a ter sucesso ao realizar um saque de vôlei que exige uma coordenação óculo manual se a única proposta de desenvolvimento de sua motricidade que ele experimentou até aqui exigiu apenas que ele usasse o seu pé?

    Gallahue e Ozmun (2005) elencam o adolescente de 11 a 13 anos (faixa etária aproximada dos alunos das séries finais) no que chamam Estágio de Aplicação da Fase de Movimentos Especializados. Nesse estágio, segundo os autores, o “indivíduo começa a tomar decisões conscientes a favor ou contra sua participação em certas atividades”. Como já vimos, até essa faixa etária o aluno possivelmente teve uma esquálida oferta de atividades motoras que lhe dessem a possibilidade de escolher entre uma e outra proposta, ou seja, optará pelo que conhece, pelo que lhe foi oferecido até então: o futebol.

    Ainda Gallahue e Ozmun (2005) ao falarem do estágio imediatamente posterior ao Estágio de Aplicação, o Estágio de Utilização Permanente que inicia por volta dos 14 anos de idade (finalizando as séries finais do ensino fundamental), afirmam que “representa o auge do processo de desenvolvimento motor e é caracterizado pelo uso do repertório de movimentos adquiridos pelo indivíduo por toda a vida”. Ora, se nas séries finais do ensino fundamental o aluno começa a decidir sobre suas preferências de atividades motoras e essas escolhas serão as que ele levará para a sua vida, e ainda considerando que até aqui sua vivência motora (pensando em educação física nas séries iniciais em escola do estado) foi pobre, qual será a preferência de atividade nas aulas de educação física dos alunos das séries finais do ensino fundamental? E relevando todo esse contexto, não podemos deixar de pensar na possibilidade de que “sim”, estaria a raiz desse recorrente apelo ao futebol por parte dos alunos das séries finais do Ensino Fundamental nas suas aulas de Educação Física nas séries iniciais.

Referências

  • BRASIL. Lei LDB: de diretrizes e bases da educação: lei n. 9.394/96. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm

  • BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 7, de 14 de Dezembro de 2010, Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos.

  • BRASIL. Ministério da Educação. Parecer nº 16/2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos

  • BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.

  • BUSSO, Gilberto Leandro; DAOLIO, Jocimar. O jogo de futebol no contexto escolar e extraescolar: encontro, confronto e atualização. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 1, p. 69-86, jan./mar. 2011.

  • DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física de 1ª a 4ª série: Quadro atual e as implicações para formação profissional em educação física. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, supl.4, p.61-72, 2001.

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

  • GALLAHUE, David L.; OZMUN, John C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. 3. Ed. Brasileira. São Paulo: Phorte, 2005.

  • SAWITZKI, Rosalvo Luis. Esporte Escolar: aspectos pedagógicos e de formação humana. Revista Motrivivência, Ano XX, nº 31, p.132-142, Dezembro de 2008.

  • SCAGLIA, Alcides José. Escola de Futebol: uma prática pedagógica. In: PICCOLO, Vilma Lení Nista (Org.). Pedagogia dos Esportes. Campinas: Papirus, 2005. 4. ed., cap. 4, p.55-78.

  • SCHNEIDER, Omar; BUENO, José Geraldo Silveira. A relação dos alunos com os saberes compartilhados nas aulas de educação física. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p.23-46, janeiro/abril de 2005.

  • VAGO, Tarcísio Mauro. O “esporte na escola” e o “esporte da escola”: da negação radical para uma relação de tensão permanente. Revista Movimento, Porto alegre, Ano III, nº 5, p.4-17, 1996.

  • VERDERI, Érica. Dança na escola: uma abordagem pedagógica. São Paulo: Phorte, 2009. 120p.

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