O jogo de regras e suas representações sociais: um estudo El juego de reglas y sus representaciones sociales: un estudio en profesores de Educación Física de la red pública estatal de Bahía |
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Universidade do Sudoeste da Bahia, UESB (Brasil) |
Alan de Aquino Rocha |
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Resumo Este estudo buscou identificar as representações sociais de professores de Educação Física da rede pública estadual baiana sobre o jogo de regras, e os possíveis elementos centrais e periféricos. A coleta dos dados aconteceu durante o XVI CONBRACE [1] /III CONICE [2]. Utilizando a associação livre de palavras, 90 professores indicaram cinco palavras relacionadas ao estímulo “jogo de regras”.Os resultados, analisados pelo software EVOC 2003, foram apresentados e discutidos através de um grupo focal, do qual participaram nove professores, representantes das DIREC [3], presentes também na primeira coleta. Tais resultados apontaram que o núcleo central das representações foi constituído por “disciplina”,“organização” e “respeito”, reforçando a histórica influência das instituições militar e esportiva. Unitermos: Representações sociais. Educação Física Escolar. Jogo de regra.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
A Educação Física vem, paulatinamente, percorrendo caminhos em busca da sua legitimidade e identidade, ao passo em que amplia seu campo de conhecimentos e abordagens teóricas, diversificando métodos e formas de intervenção.
O estudo da história da Educação Física nos mostra o nível de influência política e ideológica que tiveram as instituições militar, médica e esportiva na construção da concepção e da função social da Educação Física. Neste cenário histórico, a partir do início na década de 1960, consolida-se a hegemonia esportiva na Educação Física, a partir da supervalorização do esporte como fator inerente à formação humana e instrumento de manutenção da unidade social, em detrimento de outras temáticas relevantes (TAFFAREL, et al, 2009).
A crise de paradigmas, instaurada no final da década de 1970 e início da década de 1980 (DAÓLIO, 1993), evidenciou uma proliferação de discursos em torno do objeto de estudo da Educação Física e sua inserção escolar.
No âmbito da escola, este cenário se consubstancia ao notarmos que a Educação Física não conseguiu se desvincular de suas raízes institucionais. Em face da sua obrigatoriedade e não legitimidade, a Educação Física, ainda que presente como componente curricular da educação básica, não logrou o mesmo status das demais disciplinas. Tal contexto nos leva a constatar o esforço de estudiosos em construir e concretizar novas propostas, no claro intuito de tornar legítimo o valor da Educação Física, enquanto componente curricular, no processo educativo escolar.
Do ponto de vista da prática pedagógica da Educação Física escolar, identificamos lacunas históricas existentes entre o avanço das discussões, que culminaram em considerável número de produções científicas, e a realidade objetiva enfrentada cotidianamente no “chão da escola”.
Dentro destas lacunas, destacamos a dificuldade em selecionar os conteúdos que devem fazer parte dos currículos escolares da Educação Física na educação básica e a necessidade de abordá-los metodologicamente.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), documento que serve como referência para organização dos currículos escolares na educação básica, os conteúdos da Educação Física são: os esportes, os jogos, as lutas, as ginásticas, atividades rítmicas e expressivas e conhecimentos sobre o corpo.
Partindo desta referência, optamos, em nosso estudo, destacar o jogo de regra por entendermos ser ele um dos conteúdos mais presentes nas aulas de Educação Física na escola e o que mais se aproxima do interesse dos alunos, nos diversos ciclos de escolarização.
Entendemos, à luz de significativos estudos, como Dell’Agli (2002), Souza (2002), Kishimoto (2006), Monteiro (2006) e André (2007), que, guardadas as devidas especificidades, o jogo de regra agrega valor no contexto educacional, de forma geral, e da Educação Física mais especificamente.
A partir da realidade apresentada, e cientes da complexidade desta temática, decidimos analisar a utilização do jogo de regras nas aulas de Educação Física através da ótica do professor de Educação Física, buscando identificar as intenções que motivam o professor a selecionar o jogo de regra como conteúdo das aulas, quais os critérios que utiliza para tal intento e em que bases teóricas fundamenta a sua ação pedagógica.
2. Procedimentos metodológicos
4, e o planejamento das ações desenvolvidas pela Secretaria de Educação para fomento e fortalecimento da Educação Física na educação básica baiana.2.1. Contornos da pesquisa
Sempre considerando as diversas facetas que permeiam a escola, buscamos neste estudo, focar o nosso olhar a partir da ótica de professores e professoras de Educação Física, em relação a um dos conteúdos mais desenvolvidos nas aulas – o jogo de regra, que, mesmo estando tão presente, não tem sido aproveitado em todo o seu potencial formativo, sendo, muitas vezes, “transmitidos” aos alunos, excluindo-os da possibilidade de (re) construção das regras.
E os professores de Educação Física, que intervenções têm feito diante desta realidade? Como têm desenvolvido o jogo de regra em suas aulas? Que sentidos/significados atribuem ao jogo de regra?
Para Barcelos (2001), a Teoria das Representações Sociais é uma possibilidade metodológica de diálogo com o mundo e não como um “decifrador de realidades”. Ou seja, a compreensão dessa teoria permite entendê-la como uma possibilidade de aproximação com aquilo que os sujeitos são capazes de elaborar através de suas relações cotidianas. Com essa perspectiva, sua abrangência não se limita apenas a aspectos cognitivos, lógicos e racionais, mas também a elementos simbólicos, míticos, afetivos, religiosos e culturais, ligados a status, poder, prestígio, etc.
As Representações Sociais são teorias coletivas sobre o real que regem as condutas (MOSCOVICI, 2003). Está centrada na investigação do conhecimento do senso comum que se tem sobre um determinado tema, incluindo também os preconceitos, ideologias e características específicas das atividades cotidianas das pessoas e que estão constantemente desenvolvendo-se, da infância à maturidade.
A representação pode informar à própria Educação Física – seus professores e professoras – sobre os seus papéis assumidos, os não-assumidos, os praticados, os não-praticados e os idealizados perante a especificidade de sua intervenção pedagógica no ambiente escolar.
2.2. Um percurso em jogo
A coleta dos dados foi realizada em dois momentos: o primeiro se deu durante a realização do XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE) e III Congresso Internacional de Ciências do Esporte (CONICE), que ocorreram entre os dias 20 e 25 de setembro de 2009, no Centro de Convenções da Bahia em Salvador.
Dentro deste evento, foi realizada uma reunião que congregou cerca de 300 professores de Educação Física da rede pública do Estado da Bahia, oriundos de 31 das 33 Diretorias Regionais de Educação do Estado. O objetivo da mesma foi apresentar um panorama atual da Educação Física na rede pública do Estado da Bahia e as ações implementadas pela Secretaria de Educação para o enfrentamento das dificuldades identificadas através de instrumentos de levantamento de dados, utilizados em encontros com professores da rede.
O segundo momento de coleta aconteceu no mês de março de 2010, durante um encontro dos professores de Educação Física que atuam como representantes de suas Diretorias Regionais de Educação (Direc) com a Coordenação de Educação Física e Esporte da Secretaria Estadual de Educação, também na cidade do Salvador.
Este encontro teve como foco principal, a partir de uma discussão de currículo, promover a construção do referencial curricular da Educação Física na rede estadual da Bahia. Para tanto, o encontro desenvolveu duas frentes de trabalho: a formação dos professores de Educação Física, denominados professores representantes da Educação Física nas Direc
2.3. Jogando com técnica
A opção escolhida foi utilizar uma amostra intencional, na qual todos os participantes fossem professores licenciados em Educação Física, atuando efetivamente na rede pública estadual baiana, que estivessem ministrando aulas de Educação Física na educação básica há pelo menos dois anos.
O caráter efetivo, na presente investigação, caracteriza-se pela entrada no quadro de professores da rede pública estadual baiana, mediante realização de concurso público.
No primeiro momento da coleta de dados participaram noventa professores oriundos das diversas cidades circunscritas nas Direc de: Salvador, Feira de Santana, Itabuna, Macaúbas, Teixeira de Freitas, Jequié, Barreiras, Alagoinhas, Ilhéus, Jacobina, Vitória da Conquista, Seabra, Juazeiro, Serrinha, Paulo Afonso, Guanambi e Cruz das Almas.
Para a realização do segundo momento de coleta, contamos com a participação de nove professores representantes da Educação Física nas Direc de: Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna, Serrinha, Seabra, Vitória da Conquista, Salvador, Barreiras e Jequié.
Os instrumentos foram aplicados primeiro individualmente e depois coletivamente, na seguinte ordem: associação livre de palavras (MOLINER, 1994), utilização do o software EVOC 2003 – Ensemble de programmes permettant l’analyse des evocations – Vergès (2005) e a realização de um grupo focal (MACEDO, 2000).
3. Resultados e discussão
Tomando-se a distribuição dos termos pelos quadrantes, pôde-se descrever a organização do conteúdo da representação social do jogo de regras entre os professores de Educação Física, ou seja, o seu provável núcleo central e os elementos periféricos. No quadro 1, a seguir, apresentam-se os termos evocados pelos professores.
Quadro 1. Provável organização estrutural do núcleo central da representação social do jogo de
regras pelos professores de Educação Física da Rede Estadual da Bahia. N=90. Salvador, 2009
A análise das palavras associadas ao jogo de regra, sugere que disciplina, organização e respeito constituam o núcleo central (NC) das representações dos professores de Educação Física da Rede Estadual da Bahia, e que companheirismo, criatividade, equipe, estratégia, exclusão, integração, objetivo e socialização façam parte do sistema periférico (SP).
A influência histórica das instituições militar e esportiva na formação dos professores de Educação Física, já identificada por outros autores (MARINHO, 1952), (COSTA, 1971), (FARIA JR, 1987), (CASTELLANI FILHO, 1988), (MELO, 1996) e (SOARES, 2004), tende a ser o principal fator contribuinte para os professores relacionarem o jogo de regra com a disciplina, a organização e o respeito.
O trabalho com a Teoria das Representações Sociais não tem a pretensão de ser um “decifrador de realidades” (BARCELOS 2001), mas sim, de se constituir enquanto uma possibilidade metodológica que dialogue com o mundo tentando entender como os sujeitos são capazes de elaborar suas práticas através das relações cotidianas.
Os professores Carlos e Lúcia
5 ao analisarem o NC das representações dos professores, corroboram com o resultado estabelecendo uma relação direta entre a formação do professor de Educação Física influenciado pelo militarismo e pela instituição esportiva e a sua atuação docente advinda da formação destacando:[...] ainda falta uma formação, um entendimento maior de que projeto de sociedade nós queremos. [...] a gente ainda reproduz uma ideologia burguesa, dominante, muitas vezes não percebemos isso, e de como essa ideologia está presente nas nossas atividades (Carlos).
[...] nós somos frutos dessas faculdades né, com essas concepções arcaicas, entendeu? Da competição, da disciplina, do respeito, onde o professor de Educação Física era o ‘militarista’, então a gente tem essa formação (Lúcia).
4. Considerações finais
A representação social do jogo de regras consolidada nas palavras “disciplina”, “organização” e “respeito”, constitui-se em uma forma de conhecimento socialmente elaborada pelos professores, com base em uma formação fortemente influenciada pelas raízes históricas da Educação Física que, conforme se discutiu anteriormente trouxeram para o bojo da Educação Física escolar, fortes tendências das instituições militar, médica e esportiva. Este cenário, se configura ainda como hegemônico nas aulas de Educação Física.
Se o objetivo do jogo é “disciplinar” os alunos, pouca ou nenhuma importância será dada às suas condições objetivas de aprendizado. A idéia é “homogeneizar” os corpos e, por conseguinte, as idéias.
A Educação Física, que num certo momento da sua história, distanciou-se dos demais componentes curriculares, alijando-se das discussões de cunho político e pedagógico, ainda se “arrasta” num grande esforço para legitimar sua inserção na escola.
Para Abric (1998), as transformações em uma representação social são iniciadas pelo sistema periférico. Portanto, com base nos achados deste estudo, a configuração do sistema periférico das representações dos professores já aponta elementos que podem vir a contribuir para a modificação destas representações, na medida em que apresenta termos que, nessa análise, melhor expressam o sentido do jogo de regras que defendemos para as aulas de Educação Física.
Nesse sentido, conclui-se, ainda que momentaneamente, as considerações oriundas deste estudo. No intuito de não apenas diagnosticar uma realidade, mas estabelecer importantes reflexões e apontar possíveis caminhos de superação.
O interesse pelo estudo das Representações Sociais dos professores de Educação Física sobre o jogo de regras residiu no fato de considerar o potencial educacional existente no mesmo, no quanto tem sido negligenciado e na possibilidade que o professor, enquanto agente transformador tem de exercer uma prática pedagógica comprometida e bem alicerçada teoricamente, contribuindo sobremaneira para a legitimação da Educação Física no âmbito da escola.
Notas
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte – Realizado em Setembro de 2009, na cidade do Salvador/BA.
Congresso Internacional de Ciências do Esporte.
Diretoria Regional de Educação.
Estes professores apóiam as ações da Coordenação de Educação Física da Secretaria Estadual de Educação da Bahia, organizando eventos em suas regiões, articulando a participação dos professores de Educação Física nos projetos de formação continuada.
Os nomes dos professores aqui divulgados são fictícios, com fins de preservação da identidade dos mesmos.
Referências
ABRIC, J. C. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, A. S. P; OLIVEIRA, D. C. (Orgs.). Estudos interdisciplinares de representações sociais. Goiânia: AB Editora, 1998. p. 27-38.
BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. MEC/SEF, 1998.
CASTELLANI FILHO, L. Política educacional e Educação Física. Campinas: Autores Associados, 1988.
DELL’AGLI, B. A. V. O jogo de regras como um recurso diagnóstico psicopedagógico. 199f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2002.
KISHIMOTO, T.M. O jogo, a criança e a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
MACEDO, R .S. A Etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador:EDUFBA, 2000.
MARINHO, I. P. História da Educação Física e dos Desportos no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1952/1953.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.
SÁ, C. P. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis: Vozes, 2002.
SANTOS, A. Representação social de esportes sob a ótica de pessoas cegas. 304f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, UFBA, 2004.
SOARES, C. L. Educação Física: raízes européias e Brasil. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004 (Coleção educação contemporânea).
VERGÈS, P. A evocação do dinheiro: um método para definição do núcleo central de uma representação. In: MOREIRA, A.S.P.; CAMARGO, B.V.; JESUÍNO, J.C.; NÓBREGA, S.M. (Orgs.). Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. (p. 471-487). João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2005.
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