Maus-tratos na infância:
identificação El maltrato en la infancia: la identificación y el papel de profesional de la salud |
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*Graduado em Enfermagem pela Universidade Estadual de Montes Claros, MG Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior **Graduada em Enfermagem pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas, MG Especialista em Saúde da Família ***Acadêmico do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros, MG (Brasil) |
Antônio Lincoln de Freitas Rocha* Marcela Guimarães Fonseca** Fernando Fábio Borges Ferreira* Victor de Freitas Rocha*** |
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Resumo O presente estudo aborda a questão dos maus-tratos na infância. Trata-se de um estudo bibliográfico, no qual os autores procederam uma ampla revisão bibliográfica sobre o tema e consolidaram os principais aspectos abordados pela literatura. Entre eles, foram destacados: tipos de maus-tratos e como identificá-los (sinais físicos, psicológicos, etc.) e notificação dos maus-tratos. Em cada um dos subtemas supracitados, reuniram-se as opiniões mais relevantes dos autores de artigos publicados no período de 1994 a 2008 na base de dados da Scielo e obras literárias. Dessa forma, alcançou-se uma produção condizente com as necessidades científicas dos profissionais e acadêmicos da área da saúde, em que fica patente a necessidade de notificar a simples suspeita de agressões contra crianças. Unitermos: Criança e saúde. Maus-tratos na infância. Violência contra a criança.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O emprego dos maus-tratos se faz das mais diversas formas: agressões verbais, físicas, emocionais, sexuais ou comportamentos negligentes. Todas acarretam distúrbios, muitas vezes graves ou gravíssimos, para o desenvolvimento da criança. Essas conseqüências não ficam restritas à fase do desenvolvimento na qual a criança se encontra, mas transcende esta e pode perpetuar-se ao longo de toda sua vida. Diante dessa situação, a conduta profissional deve ser invariável: respeitar os direitos da criança e notificar o caso às instituições de referência. A indiferença frente a um caso pode implicar em sérios danos à criança e mesmo ao profissional, cabendo-lhe até mesmo uma punição (BRASIL, 2002).
A justificativa do trabalho reside na importância de se conhecer as diversas questões que gravitam em torno do tema, sobretudo por parte daqueles profissionais ligados à assistência direta às crianças. O entendimento de todos esses aspectos contribui para a melhoria das condições de saúde infantil e demonstra respeito aos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Metodologia
Este estudo é uma revisão bibliográfica que inclui artigos de periódicos eletrônicos (publicados nos anos de 1994, 1998, 1999, 2000, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2007) e obras literárias (publicadas nos anos de 1994, 1998, 1999 e 2002). A pesquisa dos artigos foi feita na base de dados da Scielo, durante o período de 21/12/2011 a 09/01/2012. A análise dos artigos foi realizada no período de 10/01/2012 a 28/01/2012. Foram utilizados como unitermos de busca “maus-tratos na infância”, “violência infantil”, “maus-tratos infantis”, “violência e infância” e “violência na infância”. Foram analisados 19 artigos científicos e 5 obras literárias pertinentes ao tema. O critério de seleção foi a abordagem dos subtemas nos quais se dividem este estudo: tipos de maus-tratos, perspectivas para a questão e notificação dos maus-tratos. Foi realizado um levantamento e comparação entre opiniões de diversos autores, fazendo com que a vasta análise documental a respeito do assunto permita delinear um quadro generalista e com riqueza de informações a respeito de cada subtema.
Revisão da literatura
Tipos de Maus-Tratos e sua Identificação (sinais físicos, psicológicos, etc.)
Há várias formas de violências praticadas contra as crianças e adolescentes e estes podem estar associados entre si ou não, sendo mais comuns a violência física, emocional, sexual e negligência (DAVIOLI, 1994).
A violência física se caracteriza por diversos tipos de maus tratos, os quais apresentam-se como atos violentos que podem ou não deixar seqüelas, praticados por diversas pessoas, sendo comumente praticados por aquelas mais próximas a elas (MUSCARI, 1998).
Dentre os maus-tratos físicos as lesões cutâneas, dentre elas petéquias e hematomas, são as mais comumente observadas. As equimoses são as mais evidentes. Outros maus-tratos também relatados são as cicatrizes, lesão de órgãos internos, fraturas em diversos estágios de consolidação e queimaduras geralmente em locais de distribuição incomum provocados por objetos diversos que não são explicados de forma coerente pelo pai ou responsável (NELSON, 2002; SOUZA, KANTORSKI, 2002).
Nelson (2002) destaca que entre as causas de morte decorrentes de maus-tratos físicos o traumatismo craniano é a mais comum e as lesões intra-abdominais são a segunda causa devido serem regiões bastante visadas no ato da violência pelos agressores.
Sobre a síndrome da criança espancada, Marcondes (1994, p. 830) enfatiza:
O conjunto de dados de exame clínico mostra escoriações generalizadas, hematomas, equimoses, limitações dos movimentos dos membros superiores ou inferiores, lesões ulceradas de várias partes do corpo, lesões cicatriciais, lesões perineais em volta dos grandes lábios (lembrando queimadura de cigarro), prostação, torpor, convulsão, mordedura de rato, insuficiência respiratória, coma, desnutrição, desidratação, edema dos membros inferiores, apatia, movimentos incoordenados, sonolência, abaulamento da região frontal e occipital, sinais de queimaduras, inchaço nos ombros, inchaço na região coxofemoral, lesões ulceradas no pavilhão auricular esquerdo, lesão na região dorsal direita, semelhante à mordida etc.
Outro tipo de maus-tratos é a síndrome de Munchausen, definida como uma doença que é induzida em uma pessoa por outra (geralmente a mãe por filho), em que são induzidos diversos sintomas e sinais pela pessoa acompanhante (agressor) com o objetivo de adquirir a atenção dos profissionais de saúde e que muitas vezes esse agressor provoca danos físicos e emocionais na vítima (NELSON, 2002).
Dentre os sinais e sintomas mais utilizados por mães e responsáveis na síndrome de Munchausen pode-se citar: a mãe adicionar sangue à urina das crianças, inventar um história médica fictícia, envenenamento crônico da criança, ou sufocação da criança para provocar convulsões e apnéia. Para Wong as crianças submetidas a esse tipo de abuso são potenciais adultos a cometerem os mesmos tipos de maus-tratos em seus filhos podendo acreditar também que estão cronicamente doentes ao aceitarem a história da doença (WONG, 1999).
Pfeifer e Salvagni (2005) apontam também que em casos mais graves a criança poderá apresentar-se extremamente fragilizada, apresentando sinais de destrutividade e autodestrutividade decorrentes das seqüelas emocionais.
As conseqüências da punição física na saúde mental da criança estão relacionadas ao seu nível de desenvolvimento, à extensão da gravidade e à freqüência das agressões físicas. Soma-se a isso o acesso a serviços de saúde mental que possam prestar assistência às vitimas e aos seus familiares (VITOLO, 2005).
As conseqüências emocionais são de identificação difícil e ocorrem geralmente a médio e longo prazo podendo assim ter conseqüências não no momento do abuso físico mais futuramente no desenvolvimento físico e mental dessa criança ou adolescente (REICHENHEIM; HASSELAMANN; MORAES, 1999).
A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes inclui todos os tipos de relações sexuais dentre elas contato oral-genital, genital-genital, genital-retal, mão-genital, mão-retal ou mão-seio e todo tipo de exposição e exibição de pornografia ou utilização de crianças ou adolescentes nessas práticas (NELSON, 2002).
Os possíveis indicadores físicos de abuso sexual incluem dificuldade de andar ou sentar, evidência visível de traumatismo genital, oral e anal, dor, prurido, corrimento, gravidez e presença de doenças sexualmente transmissíveis. Também pode haver comportamentos sexuais não usuais para a idade de desenvolvimento (RIBEIRO; FERRIANI; REIS, 2004).
As conseqüências dos abusos sexuais não se dão apenas no campo físico, mas também interferem no desenvolvimento psíquico e emocional do agredido, que muitas vezes podem apresentar como conseqüência desses abusos comportamentos como padrão e sono alterado, ansiedade, terrores noturnos, comportamento sedutivo, baixa auto-estima, depressão, mau humor e distúrbios de estresse pós-traumático. Como conseqüências tardias podem apresentar comportamento suicida, abuso do uso de drogas, prostituição e problemas escolares (PFEIFFER; SALVAGNI, 2005).
A criança do sexo feminino se mostra como vítima preferencial dos abusos sexuais e que há vasta gama de fatores que contribuem para esse quadro como submissão do gênero, relações de autoridade que o agressor expressa sobre a vítima, como capacidade física, mental e social superiores à do agredido, aproveitando-se de temores da vítima, incluindo o medo de punição pelo agressor e medo de repercussões se a criança contar o que está se passando com ela (RIBEIRO; FERRIANI; REIS, 2004).
A negligência é definida como a omissão ou privação das necessidades das crianças ou adolescentes pelos seus pais ou outros responsáveis. A negligência pode se dar de várias formas podendo ser classificados como maus tratos físicos ou emocionais. Na física envolve a privação das necessidades básicas e há atraso no desenvolvimento e crescimento, fome constante, higiene precária, roupas inapropriadas, calvície no lactente e privação da educação e lazer. Já a negligência emocional refere-se ao não atendimento das necessidades da criança de afeto e atenção e apoio emocional, o lactente pode apresentar-se apático ou inativo. Na criança, observam-se comportamentos como pedir ou roubar comida, problemas de freqüência escolar (chegar cedo, sair tarde) e relato de não ter responsáveis (BRASIL, 2002; MUSCARI, 1998; WONG, 1998).
A negligência atinge mais a faixa etária até seis anos de idade, e predomina em classes sociais mais baixas, sendo preciso diferenciar a falta de condições de prover as necessidades das crianças e adolescentes da negligência propriamente dita. Um momento em que é possível fazer essa diferença é a chegada da criança à creche ou pré-escola em que é possível observar as relações estabelecidas entre pais e crianças, observando se há afetividade ou até atitudes de indiferença (SANTOS; FERRIANI, 2007).
A negligência é a forma de maus-tratos em que o índice é mais prevalente entre meninos do que em meninas. Coloca também que esta se dá mais associada à mãe em relação aos filhos homens, divergindo da violência sexual que é mais cometida pelo pai em relação às filhas (BRITO et al., 2005)
Notificação dos Maus Tratos
As violências e abusos cometidos contra crianças e adolescentes adquiriram um caráter amplo de como lidar com essa situação e enfrentar o desafio de diminuir ou mesmo cessar com esse tipo de prática. O enfrentamento da violência e de suas possíveis conseqüências é considerado como um grande desafio para os profissionais de saúde, haja vista que as crianças são mais vulneráveis aos eventos violentos que ocorrem muitas vezes no ambiente familiar caracterizando-se como um problema de grande relevância social e científica (CUNHA; ASSIS; PACHECO, 2005).
Os profissionais de saúde, ao atuarem frente a casos de violências e abusos cometidos contra crianças e adolescentes, se envolvem em implicações morais da sua intervenção frente a esses casos. Apesar de notar-se que a intervenção dos profissionais na dinâmica familiar é fundamental na assistência às vítimas e aos agressores, essa interferência não é bem vista pela família. Pois reconhecem que mesmo que a criança esteja passando por situações que não são boas para elas, preferem que não haja interferência no contexto familiar (FERREIRA; SCHRAM, 2000).
A partir do momento em que houve o reconhecimento da ocorrência de maus-tratos contra crianças, existe a necessidade de protegê-las. A proteção inicia-se oficialmente com a notificação da violência às autoridades (GONÇALVES; FERREIRA, 2002).
Essa proteção, por meio da notificação realizada pelos profissionais da saúde, não é um ato de caridade para com as vítimas de maus-tratos, mas sim um direito que possuem. E para os profissionais envolvidos, a prática da notificação e assistência são deveres obrigatórios por lei federal que abrange todo o território nacional (BRASIL, 2002).
A notificação pode ser feita por qualquer pessoa que tenha conhecimento de alguma criança que sofra de maus-tratos, podendo ser feita mesmo que de forma anônima aos serviços de proteção da infância e juventude (BRASIL, 2002).
A legislação a respeito de maus-tratos no Brasil adotou um modelo parecido com Americano em que o profissional é obrigado a notificar, cabendo punição ao profissional que não notifica (GONÇALVES; FERREIRA, 2002).
O dever de notificar é muitas vezes descumprido por vários fatores como o desconhecimento por parte dos profissionais em relação a legislação vigente, por julgarem a situação alheia aos cuidados tipicamente médicos ou mesmo serem dotados de uma mentalidade tradicional em que julgam que esses problemas são menores e devem ser resolvidos no contexto familiar. Um outro problema bastante comum é a falta de retorno aos profissionais de saúde, que adquiriram para eles um caráter de justiça (BRASIL, 2002).
O incremento de projetos de educação continuada, a ampliação de redes de suporte profissional e o aperfeiçoamento das instituições de proteção à criança podem reduzir o nível de insegurança profissional e, conseqüentemente, aumentar o número de notificações de casos de maus-tratos (PIRES et al., 2005).
Por fim, de acordo com estatuto da criança e do adolescente, em relação aos casos nos quais há suspeita ou mesmo confirmação dos maus-tratos que deve-se encaminhá-los ao conselho tutelar da localidade, que começará o processo de investigação das denúncias para restabelecer o estado de direito dessa criança e também uma atuação preventiva com vistas a não deixar que ocorra o ato de transgressão novamente (BRASIL, 2002).
Considerações finais
Diante desse amplo leque de idéias acerca dos maus-tratos na infância, fica patente a importância de uma abordagem holística sobre o tema para que o exercício profissional se faça de forma adequada.
Ressalta-se a necessidade de mais estudos sobre essa problemática, para que consolide-se o conjunto de conhecimentos científicos na área e seu progresso persevere.
Referências
BRASIL, Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: um passo a mais na cidadania em saúde. Série A. Normas e Manuais Técnicos; n. 167. Brasília: Editora MS, 2002. 49p.
BRITO, Ana Maria M et al. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: estudo de um programa de intervenção. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p. 143-149, 2005.
CUNHA, Janice Machado da. ASSIS, Simone Gonçalves de. PACHECO, Sandra Teixeira de Araújo. A enfermagem e a atenção à criança vítima de violência familiar. Rev Bras Enferm, v. 58, n. 4, p. 462-465. 2005.
DAVOLI, Adriana et al. Prevalência de violência física relatada contra crianças em uma população de ambulatório pediátrico. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p. 92-98, 1994.
FERREIRA, Ana L. SCHRAMM, Fermin R. Implicações éticas da violência doméstica contra a criança para profissionais de saúde. Rev Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 6, p. 659-665, 2000.
GONÇALVES, Hebe Signorini; FERREIRA, Ana Lúcia. A notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 315-319, 2002.
MARCONDES, Eduardo (Coord. Geral). Pediatria Básica. 8° ed. São Paulo: Sarvier, 1994. 1 vol.
MUSCARI, Mary E. Série de Estudos em Enfermagem: Enfermagem Pediátrica. 2° ed. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro: 1998. 304 p.
NELSON, W. E.; Tratado de Pediatria. 16° ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2002.
PFEIFFER, Luci. SALVAGNI, Edila Pizzato. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n.5 (supl.), 2005.
PIRES, Joelza M et al. Saúde Matern. Infant., Recife, v. 5, n. 1, p. 103-108, jan./mar. 2005.
REICHENHEIM, Michael E.; HASSELMANN, Maria Helena e MORAES, Claudia Leite. Conseqüências da violência familiar na saúde da criança e do adolescente: contribuições para a elaboração de propostas de ação. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.4, n.1, p. 109-121, 1999.
RIBEIRO, Márcia Aparecida; FERRIANI, Maria das Graças Carvalho e REIS, Jair Naves dos. Violência sexual contra crianças e adolescentes: características relativas à vitimização nas relações familiares. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 456-464, 2004.
SANTOS, Lana Ermelina da Silva dos. FERRIANI, Maria das Graças Carvalho. A violência familiar no mundo da criança de creche e pré-escola. Rev Bras Enfermagem, Brasília, v. 60, n. 5, p. 524-529. 2007.
SOUZA, G. L. de; KANTORSKI, L. P. Maus tratos na infância. Fam. Saúde Desenv., Curitiba, v.5, n.3, p.213-222, set./dez. 2003.
VITOLO, Ymara Lúcia Camargo et al. Crenças e atitudes educativas dos pais e problemas de saúde mental em escolares. Rev. Saúde Pública, v. 39, n. 5, p.716-724. 2005.
WONG, L. Donna. Enfermagem Pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva. 5° ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. 1118p.
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