Estilos de apego como possíveis
preditores de Los estilos de apego como posibles predictores de estados motivacionales en actividades deportivas Attachment styles as possible predictors of motivational states in sport activities |
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Departamento de Psicologia Cognitiva Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE (Brasil) |
Marcílio Ângelo e Silva |
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Resumo O artigo tem caráter crítico-teórico exploratório sobre o domínio da psicologia esportiva, no que diz respeito a uma possível nova abordagem de predição de estados emocionais a partir da perspectiva da Teoria do Apego. Primeiramente, oferece uma revisão sobre a teoria do apego, desde o esboço inicial do precursor da área, o inglês John Bowlby (1907-1990), até as pesquisas mais recentes realizadas em diversos países e sob óticas diferentes. Versa também brevemente sobre aspectos da psicologia, no que concerne à motivação e outros elementos que a influenciam como a emoção e a personalidade. Terce considerações finais apontando um possível caminho promissor para predição de estados motivacionais de atletas muito antes da participação dos mesmos em competições, como, por exemplo, a motivação para o êxito ou fracasso. Finalmente apresenta a identificação dos estilos de apego de atletas como forma de predizer as tendências de seus comportamentos nos períodos pré, durante e pós competição. Unitermos: Estados motivacionais. Teoria do apego. Esportes. Psicologia esportiva.
Abstract This theoretical article is an exploration of the sports psychology’s domain regarding, more specifically, a possible new approach to the prediction of motivational states from an attachment theory’s viewpoint. It offers a wide review upon the attachment theory, from its pioneer’s contribution (John Bowlby 1907-1990) to today’s initiatives and their different perspectives. Also it briefly covers aspects related to psychology, especially those which can influence motivation such as emotion and personality. Then it highlights final considerations pointing to a possible promising way of anticipating athletes’ motivational states even before their participation in competitions, like the motivation to failure or success. Finally, it presents the identification of attachment styles as the promising path to identifying and predicting athletes’ behavior before, during and after a competition. Keywords: Motivational states. Attachment theory. Sports. Sports psychology.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A psicologia esportiva é um campo de atuação profissional e de investigação científica bastante jovem. Estima-se que em todo mundo haja em torno de cinco mil profissionais atuando na área (Samulski, 2009).
Apesar do crescimento incontestável vivido pela área [no Brasil] principalmente na última década, muito ainda está para ser feito tanto no que se refere à formação específica do psicólogo do esporte, como em relação ao reconhecimento da importância e necessidade desse profissional nas diversas frentes em que ele pode atuar (Rubio, 2007, p. 10).
É comum se encontrar na literatura livros com capítulos específicos dedicados à apresentação de teorias da motivação, assim como artigos que versam sobre o tema. Embora apenas a partir da década de 80 pôde-se verificar um crescimento maior de iniciativas de pesquisas no Brasil e uma menor dependência da produção acadêmica vinda de outros países da Europa e dos Estados Unidos (Rubio, 2007).
Numa breve revisão sobre os aspectos mais pesquisados na psicologia esportiva no Brasil é possível identificar estudos sobre níveis de ansiedade em jogadores de futebol (Román & Savoia, 2003), análise do comportamento aplicada ao esporte e atividade física (Cillo, 2002), a psicologia do esporte como campo de trabalho para os psicólogos (Epiphanio, 1999), histórico e áreas de atuação e pesquisa da psicologia do esporte (Rubio, 1999), treinamento desportivo e psicologia do esporte (2000), aspectos atuais e futuros da psicologia do esporte (Rubio, 2007), o que é a psicologia do esporte (Sousa Filho, 2000), a influência dos pais na carreira esportiva de crianças e adolescentes (Vilani & Samulski, 2002), espírito esportivo entre universitários de educação física e psicologia (Santos, 2001), espírito esportivo, fair play e a prática de esportes (Santos, 2005), motivação para a prática esportiva (Samulski & Noci, 2002), teorias da motivação aplicada ao esporte (Samulski, 2009) e a prática esportiva como promotora de resiliência psicológica (Sanches, 2007).
Diante de tal panorama é plausível afirmar que são raríssimas as iniciativas de pesquisas, as quais tenham abordado, de alguma forma, a teoria do apego na área esportiva. Da produção científica anteriormente citada, nenhuma delas faz uso da teoria do apego como possível caminho para se compreender o comportamento de atletas, seus estados motivacionais ou qualquer outro aspecto psicológico de desportistas. Apenas o trabalho de Sanches (2007) faz uma breve menção à teoria do apego na sua fundamentação teórica. No campo internacional a dificuldade de se encontrar estudos que englobem os aspectos do apego e da prática esportiva tende a reproduzir a realidade brasileira, com exceção do estudo como de Carr (2009) sobre as implicações da teoria do apego para o esporte e a prática esportiva.
Destarte, a presente iniciativa vem ao encontro de uma demanda decorrente de um “gap” teórico existente na psicologia do esporte e visa contribuir para um robustecimento dessa área, baseando-se na premissa de que a teoria do apego pode oferecer insights valiosos para a compreensão do comportamento de atletas e de aspectos referentes a seus estados ou atitudes motivacionais diante de situações estressantes como as competições esportivas, como também abrir espaço para novos caminhos de intervenção.
Principais aspectos da Teoria do Apego e sua evolução
A Teoria do Apego começou a ser formulada e divulgada na segunda metade do século passado pelo psicanalista e psiquiatra inglês John Bowlby. A partir de 1969, quando Bowlby teve seu primeiro livro “Attachment and Loss” publicado, este seria apenas o início daquilo que viria a ser conhecido no mundo todo como uma maneira diferente e abrangente de se explicar o desenvolvimento sócio-afetivo-emocional do ser humano. Posteriormente Bowlby publicou outros dois livros em 1973 e 1980, completando assim a trilogia “Attachment and Loss”, a qual continha todo arcabouço teórico necessário para o desenvolvimento de sua teoria.
A partir de várias perspectivas teóricas, especialmente da biologia evolucionária, da etologia e psicanálise, e de observações sistemáticas das relações primárias da díade mãe-filho(a), Bowlby começou a elaborar certos postulados, os quais se propunham a explicar como se dá o desenvolvimento humano no campo sócio-afetivo-emocional. Para Bowlby o ser humano nasce com um sistema comportamental filogeneticamente herdado e que serve de estratégia de preservação da sua raça. Enquanto outros animais logo ao nascerem conseguem de imediato efetuar certas ações como caminhar e pressentir o perigo buscando abrigo para se proteger, o ser humano dispõe apenas de elementos comportamentais que se apresentam mais como sinais ou alertas de uma necessidade eminente, do que como uma ação independente na busca da solução de um problema. Em outras palavras, o ser humano depende da ação concreta de outros seres humanos para que o mesmo possa sobreviver. A este sistema de sinais ou alertas Bowlby denominou de “Comportamento de Apego”. O comportamento de apego, portanto, é um mecanismo inato que tem como objetivo aproximar o bebê, apenas nascido, de sua mãe, a qual servirá inicialmente como agente protetor, no sentido mais amplo, do mesmo. Com o passar do tempo a relação mãe-bebê se torna um vínculo afetivo e mãe passa a representar a figura de apego inicial do infante. Deste vínculo afetivo, desta relação inicial mãe-bebê, por sua vez, emergirá no indivíduo um modelo representacional de si mesmo, dos outros e do mundo que o cerca, modelo este denominado Internal Working Model (IWM) ou Modelo Interno de Funcionamento. Tal modelo se delineará de várias maneiras, dependendo da qualidade dos primeiros contatos e relações de cuidados do bebê com sua mãe ou cuidador (Bradford & Lyddon, 1994). Assim como o sistema de comportamento de apego permanecerá ativo durante toda a vida do indivíduo, o IWM permanecerá bastante estável, embora não imutável (Bowlby, 1969, 1973, 1980).
Depois de estabelecidos os pressupostos iniciais de sua teoria, muitas pesquisas foram se desenvolvendo no mundo, mas foi a de Mary Ainsworth e colaboradores que trouxe uma contribuição significativa para o robustecimento da teoria do apego. Ao investigar na Uganda relações primárias de muitas mães e seus filhos (as), Ainsworth et al. (1978), utilizando-se de um método experimental novo criado por eles e conhecido mundialmente como “strange situation”, identificou estratégias diferentes de comportamento de apego das crianças em relação a suas figuras de apego. Tais estratégias de apego foram classificadas segundo Ainsworth et al. (1978) como sendo: estilo de apego “seguro” e “inseguro”; este último tendo ainda uma subdivisão, qual seja “ansioso” e “evitante”. Main & Hesse (1990) apontam ainda um quarto estilo de apego, o qual foi chamado de “desorganizado”.
O apego seguro se desenvolve quando a mãe ou cuidador (a) se torna uma base segura, a partir da qual a criança possa explorar o ambiente que a rodeia sem temer a ausência de um apoio seguro ou proteção por parte de quem cuida da mesma, caso algo venha ameaçar a integridade da criança. O apego inseguro do tipo ansioso se desenvolve quando na relação mãe-criança ou cuidador (a)-criança, ora corresponde às demandas da criança de forma consistente, ora não o faz; o que, por sua vez, gera um nível de ansiedade na criança que passa a não ter a certeza de que quando precisar de apoio seguro, a mãe ou cuidador (a) estará presente para protegê-la ou ajudá-la em algo. O apego inseguro do tipo evitante se desenvolve quando a relação mãe-criança ou cuidador (a)-criança se dá de forma distanciada, ou seja, a mãe raramente ou nunca se mostra presente diante das necessidades de proteção da criança. O estilo de apego desorganizado se desenvolve quando aquele (a) que deveria servir como base segura para a criança se torna uma fonte de ameaça à integridade física e emocional da mesma; geralmente em ambientes onde a criança sofre abusos por parte dos próprios pais ou cuidadores. De maneira geral, pessoas com estilo de apego inseguro do tipo ansioso hiperativam o mecanismo de estratégias de regulação do afeto, enquanto que as que desenvolvem o do tipo evitante desativam tal mecanismo (Ein-Dor, Mikulincer, Doron & Shaver, 2010). Segundo Ainsworth (1989), é o padrão de aproximação mãe-filho (a), não a frequência, que vai predizer que tipo de vínculo afetivo ou apego se estabelecerá com o tempo. Portanto, o fator principal no estabelecimento de um ou de outro estilo de apego é a qualidade da relação mãe-filho (a) ou cuidador (a)-filho (a).
De fato, Shomaker & Furman (2009), apontam que a segurança nas primeiras relações de apego entre filhos e pais está associada a uma maior competência social, amizades qualitativamente positivas e popularidade na infância e também adolescência. Atilli, Vermigli & Roazzi (2011) desenvolveram um estudo na Itália onde analisaram a influência dos estilos de apego de genitores no status social e comportamento de crianças de sete a nove anos, o qual aponta para o fato de que crianças, que tinham pais que apresentavam comportamento positivo como o de encorajar e ajudar seus filhos (as), apresentaram uma maior habilidade para começar e manter bons relacionamentos com seus pares.
Dalbem & Dell'Aglio (2006, p. 8) afirmam que "Apesar de existirem controvérsias sobre o aspecto da generalização dos padrões de interação primários para relações futuras, durante o ciclo vital, estudos longitudinais diversos (Fonagy, 1999) têm demonstrado a estabilidade do apego, tanto na adolescência como na vida adulta".
Dalbem & Dell’Aglio (2006, p. 8) afirmam que
Apesar de existirem controvérsias sobre o aspecto da generalização dos padrões de interação primários para relações futuras, durante o ciclo vital, estudos longitudinais diversos (Fonagy, 1999) têm demonstrado a estabilidade do apego, tanto na adolescência como na vida adulta.
Muitos dos aspectos abordados anteriormente tem implicações diretas para o domínio da motivação, como é o caso do estudo de Dalbem & Dell’Aglio (2008), o qual aponta os estilos de apego como elementos influenciadores de vários aspectos psicológicos como a autoconfiança, a autoestima, níveis de ansiedade, entre outros. Estes por sua vez são variáveis que tem um impacto direto em aspectos comportamentais como a motivação.
Motivação e desporto
De um modo geral, as teorias motivacionais mais conhecidas no campo do desporto estão umas mais outras menos focadas em aspectos comportamentais resultantes de fatores internos ao indivíduo como, por exemplo, a maneira pela qual se interpreta um resultado, a percepção subjetiva das próprias capacidades, o nível de controle pessoal e o comportamento de procura por êxito ou evitamento do fracasso. Todos esses aspectos, no entanto, são uma consequência de fatores antecedentes relacionados a um modus operandi do indivíduo, o qual, para alguns autores, está condicionado por um modelo de funcionamento interno específico. Por exemplo, baseando-se na descrição de Dalbem & Dell'Aglio (2008), no padrão seguro/autônomo, adolescentes apresentam facilidade de comunicação, de exprimir seus sentimentos com clareza, baixos sinais de ansiedade e depressão, autoconfiança, facilidade de interagir socialmente, percepção positiva dos outros e do mundo. No padrão evitante/desapegado, adolescentes tendem a idealizar suas experiências de infância ao mesmo tempo em que tem dificuldades de lembrar certas experiências daquele período, apresentam severidade na autocrítica, distanciamento emocional, hostilidade nos relacionamentos, desconfiança dos outros, percepção negativa dos outro e positiva de si mesmo, entre outros. No padrão preocupado/ansioso, os adolescentes apresentam relatos vagos e inconsistentes de experiências da infância, baixa autoestima, percepção positiva dos outros, sinais de depressão, relacionamentos afetivos conflituosos, tendência à introversão, entre outros. No padrão desorganizado/desorientado, os adolescentes apresentam sinais de desorganização, relatos de vivências negativas em predominância, apontam seus cuidadores como fonte de ameaça e/ou medo, incongruência afetiva. Tais expressões dos estilos de apego, por sua vez, podem exercer uma influência determinante na maneira de interpretar resultados de uma competição, na percepção subjetiva das próprias capacidades e no comportamento de procura pelo êxito e evitamento do fracasso.
Considerações finais
Aparentemente há uma tendência no campo desportivo de estudar a motivação a partir de relatos dos próprios atletas ou do que os mesmos apresentam como comportamento nos períodos antes, durante e depois de competições. No entanto, o argumento aqui defendido aponta para o fato de que o comportamento, como também os relatos de experiências por parte dos próprios atletas, são resultado de aspectos psicológicos antecedentes, os quais estão inextricavelmente relacionados às e condicionados pelas primeiras experiências de relacionamentos de cuidados e afeto durante os primeiros anos de vida, como demonstra a teoria do apego. Portanto, entender o porquê do comportamento de atletas se apresentarem de uma maneira ou de outra é de fundamental importância para a predição do comportamento do atleta antes mesmo de uma competição e para o desenvolvimento de estratégias de abordagens psicológicas que venham tratar/treinar cada indivíduo de acordo com sua necessidade específica, a qual é subjacente aos e condicionadas pelos estilos de apego de cada atleta.
Levando em consideração, por exemplo, o estilo de apego preocupado/ansioso, é plausível afirmar que a maneira como um atleta interpreta o resultado de uma competição pode estar diretamente relacionada ao fato de que as pessoas que apresentam este estilo de apego tendem a ter baixa autoestima e a se autopunir pelos seus fracassos ou simplesmente se autoboicotar diante de situações desafiadoras (Dalbem & Dell’Aglio, 2008). Este tipo de atitude está estreitamente relacionado ao que Heckhausen classifica como comportamento voltado para evitar o fracasso (Samulski, 2009). A diferença entre os dois argumentos está no fato de que Heckhausen classifica o comportamento apresentado (como produto final) pelo atleta, e a teoria do apego pode oferecer um insight sobre a origem do problema/evento antes mesmo do produto final. Em outras palavras pode ajudar a prevenir tal comportamento a partir da antevisão da origem do comportamento em si, a partir da identificação prévia do Modelo Interno de Funcionamento do atleta. Destarte, identificar o estilo de apego de um atleta pode potencialmente servir como uma maneira de antecipar o comportamento daquele não só diante de situações estressantes e desafiadoras como uma competição de alto nível, mas também durante treinamentos de rotina. Isso, por sua vez, pode dar ao psicólogo do esporte a vantagem de poder moldar sua atuação nos procedimentos de treinamento psicológico e de atuar de forma mais personalizada com seus atletas.
Finalmente, o campo da Teoria do Apego ainda se encontra no estágio inicial de exploração, principalmente no Brasil, assim como a Psicologia Esportiva. Novos caminhos que venham explorar possíveis inter-relações entre esses dois campos de investigação podem trazer benesses para a comunidade científica e leiga, assim como contribuições promissoras para uma melhor atuação tanto de acadêmicos e profissionais da psicologia esportiva. Espera-se, portanto, que esta iniciativa teórica inspire também outros pesquisadores a contribuírem com futuras investigações e produções nesse domínio.
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