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Esporte e mídia: gênero e preconceito presentes no discurso
midiático-esportivo e suas possíveis implicações na escola

Sports and media: gender and prejudice present in media discourse-sports and possible implications in school

 

*Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe

**Mestre em Educação Física, UFSC. Pesquisador Labomídia, UFSC/UFS

Professor Departamento Educação Física, UFS, Aracaju, SE

(Brasil)

Alan Lagoa Santos*

alan.lagoa@hotmail.com

Cristiano Mezzaroba**

cristiano_mezzaroba@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo foi extraído de um trabalho de conclusão de curso, intitulado “Esporte e mídia: um estudo de recepção ao discurso midiático-esportivo e algumas implicações na escola”, onde foram analisados e discutidos também sobre os temas “publicidade e propaganda” e “ídolo/herói esportivo”. Este estudo teve a intenção de analisar como jovens em fase escolar interpretam os problemas de gênero e preconceito que muitas vezes são exibidos pelas mídias, e como isso contribui na construção de realidades, procurando entender sobre as influências deste tema nos processos educacionais, e como refletem essas conseqüências nas aulas de Educação Física. Foram feitas análises a partir de vídeos que retratam a temática. Esta pesquisa se caracterizou como um estudo de recepção dos conteúdos midiáticos, com mais ênfase ao que pode ser interpretado e compreendido pelos sujeitos receptores dos conteúdos midiáticos. A pesquisa de campo foi realizada com alunos de uma escola particular de Aracaju/SE, com a formação de um pequeno grupo para que esses temas fossem debatidos. Foram usados os métodos de gravação de voz e um diário de campo para o registro dos dados, tendo também, o método de análise de conteúdo. Através deste estudo, também tentamos entender como os indivíduos que participaram da pesquisa, relacionam os temas sobre gênero e preconceito, utilizando a mídia com uma ferramenta que nos ajuda a fazer uma análise de atos preconceituosos nos esportes, cometidos por uma sociedade que infelizmente ainda se choca ao se deparar com algumas diferenças. Com isso detectamos algumas influências causadas pela mídia, a eficácia de suas mensagens apelativas, como também, algumas contradições, dúvidas, preconceitos e as representações dos meios de comunicação no cotidiano dos indivíduos e nas aulas de Educação Física.

          Unitermos: Educação Física. Recepção midiática. Conteúdos midiáticos. Preconceito.

 

Abstract

          This article is excerpted from a work completion titled "Sports and Media: a reception study the sports-media discourse and some implications for the school" which were also analyzed and discussed on the topics "publicity and propaganda" and "idol / sports hero." This study intended to examine how young people interpret problems at school age and gender bias that are often displayed by the media and how it contributes to the construction of realities, trying to understand the influences on this subject in the educational process and how these reflect on the consequences of Physical Education classes. Analyzes were made from videos that depict the theme. This research was characterized as a reception study of media content with more emphasis on what can be interpreted and understood by subjects receiving the media content. The field research was conducted with students at a private school in Aracaju / SE with the formation of a small group so that these issues were discussed. Through this study we also try to understand how individuals who participated in the research on gender related issues and prejudice using the media with a tool that helps us do an analysis in sports prejudiced acts committed by a company which unfortunately still shocked when confronted with some differences. Thus we detect some influences caused by the media the effectiveness of their messages appealing as well as some contradictions and prejudices doubt the representations of the media in daily life and in Physical Education classes.

          Keywords: Physical Education. Media reception. Media content. Prejudice.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Na sociedade existem e sempre existirão religiões, sotaques, cores, tipos físicos, opções sexuais e pessoas distintas. Mesmo que as diferenças sejam comuns, nem sempre são aceitas e geram diversas formas de preconceito no ambiente de trabalho, na escola, na faculdade e nos esportes. Esses tipos de preconceitos são retratados, sobretudo, através da mídia, que por meio de seus conteúdos, mostra essa problemática em suas diferentes formas.

    Para continuar com maior entendimento sobre o presente texto, é importante trazer o conceito da palavra “preconceito”, que pode ser uma:

    Opinião ou crença admitida sem ser discutida ou examinada, internalizada pelos indivíduos sem se darem conta disso, e influenciado pelo seu modo de agir e de considerar as coisas. O preconceito é constituído assim por uma visão de mundo ingênua que se transmite culturalmente e reflete crenças, valores e interesses de uma sociedade ou grupo social. O termo possui um sentido eminentemente pejorativo [...]. (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1996, p.218).

    De acordo com isso, nos esportes, alguns preconceitos podem ser percebidos pelos sutis (muitas vezes ainda explícitos e grosseiros) atos preconceituosos, que aparecem em jogos que são transmitidas principalmente pela televisão, onde xingamentos e ofensas são utilizados entre os próprios atletas ou até mesmo através do público que assiste ao jogo nas arquibancadas. Esses esportes transmitidos pelos meios de comunicação são agregados de valores morais e significados sociais, e são transmitidos para todos os indivíduos que têm acesso aos meios de comunicação.

    Sendo assim, valores e significados podem ser incorporados à percepção que os sujeitos já têm sobre os esportes, gerando mudanças de comportamento e dando novos significados às suas ações. Isso acontece por que, conforme Pires (2007, p.5):

    Esta “preciosa colaboração” da mídia à formação de um estatuto ético no e através do esporte, dá a dimensão exata dos limites e, portanto, dos cuidados com que devemos exercitar nossas relações com a mídia esportiva. Antes de tudo, é preciso prestar atenção para a sobreposição, às vezes discreta, outras, ruidosa, das preferências pessoais, doutrinais ou ideológicas dos jornalistas à informação esportiva que veiculam. Neste sentido, para a formação de valores verdadeiramente humanistas e de cidadania, pouco ou nada ajudam as atitudes exageradamente nacionalistas/bairristas de torcedor com as quais alguns comunicadores esportivos envolvem e portanto contaminam, talvez até mesmo de forma inconsciente, o conhecimento que ajudam a produzir sobre o esporte.

    Assim, algumas transformações vão acontecendo através da mídia, que está muito presente na sociedade, criando e modificando valores e significados, designando representações sociais que surgem a partir de suas necessidades específicas e alterando princípios existentes. Ela incorpora fatos sociais e articula novos significados à realidade, designando definições que são eficazes na constituição de uma “versão dominante” na cultura. Cultura que ainda vê as mulheres como fisicamente frágeis e delicadas e os homens fortes e capazes de enfrentar qualquer barreira, em que existem padrões e critérios para se tornar um atleta e praticar esportes, entre outras inúmeras diferenças. Portanto:

    É a sociedade quem cria padrões de feminilidade e masculinidade que são considerados ‘normais’ ou ‘desviantes’. Os conteúdos atribuídos à oposição, masculino/feminino, não são decorrentes da dimensão biológica dos seres humanos, mas variam de cultura para cultura. Desta forma, considera-se que barreiras foram sendo criadas, e a elas associadas uma série de representações sexistas, fundadas na biologia dos corpos através dos argumentos cientificistas e alimentadas pela cultura. (PEREIRA, MOURÃO, 2005, p. 207).

    A mídia, quando relacionada aos valores sociais e analisada através da recepção de seus conteúdos, pode ser entendida como um dos agentes que contribuem na formação de opiniões e de novos conhecimentos sobre a realidade dos indivíduos, pois ela consegue atingir todas as classes sociais, através dos jornais, revistas, rádio, internet e principalmente da televisão, que é a mídia mais consumida pela sociedade brasileira, conseguindo, segundo Fadul (1994, p.58):

    [...] fazer “interpretações da realidade, sendo o meio mais eficaz de divulgar uma mensagem ao maior número possível de pessoas, porque” a televisão brasileira chega a quase todos os lares, sendo poucas as regiões do país sem acesso a ela. Portanto, se a televisão tem essa difusão, percebe-se que é impossível compreender a sociedade brasileira sem compreender este veículo.

    De acordo com o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1 (2005), a televisão e o rádio são os aparelhos mais encontrados nas casas dos brasileiros e, quase 90% das residências têm essas duas utilidades domésticas. Por isso, Gastaldo (2009, p.355), afirma que:

    Os produtos veiculados pela mídia utilizam linguagens e articulam significados e determinados referentes, criando representações que, ao serem veiculadas para a sociedade, tomada como “massa”, ressaltam alguns significados, ocultam outros, incorporam significados correntes em alguns grupos e os ampliam para toda a sociedade, entre outras operações, nas quais se manifesta potencial de veiculação de ideologia através da mídia, “naturalizando” representações sociais e operando no sentido da manutenção de uma dada relação de forças no interior de uma sociedade.

    Dentro dessa lógica, as produções dos meios de comunicação de massa, tornam-se produtos simbólicos e são veiculados e vendidos pela rede midiática, beneficiando o consumo que resulta em lucro às grandes empresas, geralmente transnacionais. Estas produções, como as novelas, filmes, desenhos e programas de entretenimento e transmissões esportivas, desempenham um papel crucial na circulação de ideias, e são ferramentas para a transmissão de publicidades e propagandas com a intenção da venda de seus produtos que resultam na obtenção de lucro.

    Contudo, sabe-se que as mensagens e informações transmitidas pela mídia não chegam às pessoas de maneira única, linear, determinista, como ordens, ou dados inquestionáveis aos quais todos acatam. Os sujeitos receptores destes conteúdos são capazes de fazer interpretações e ressignificações às mensagens midiáticas. Afinal, os sujeitos receptores são integrantes de diferentes instituições sociais (como a família, religião, escola, entre outros) que difundem valores que alteram as suas percepções, instituindo, por assim dizer, filtros subjetivos que permitem às pessoas atribuírem significados diferenciados e diversos a um mesmo conteúdo da mídia. Sendo assim, pode-se perceber que:

    A múltipla interação dos sujeitos sociais com os meios de comunicação e tecnologias de informação, converteu-se em um dos acontecimentos mais distintos e relevantes da vida cotidiana das sociedades e culturas contemporâneas. Sem ser totalizante, essa interação comunicativa constitui atualmente um dos eixos principais para entender-se a ação social em seu conjunto. Tanto que já não é mais possível referir-se à educação, à política, à economia e à cultura sem incorporar a elas os meios e suas mediações (OROZCO apud ANTUNES, 2007, p. 53).

    Então o uso da mídia para a compreensão de aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos, designa pensamentos, ações, interpretações e costumes que renovam valores, e acabam por sustentar as práticas da sociedade consumista. Por esses fatores, devemos, como cidadãos, e na condição de professores de Educação Física, estar mais atentos a estas problemáticas, da recepção dos conteúdos midiáticos pela sociedade, pois, “os estudos de recepção, na sua essência, têm como objeto de estudo as práticas cotidianas dos sujeitos, onde se estabelece uma relação fundamental do contexto destes (família, instituições, situações) com os meios de comunicação.” (MEZZAROBA, 2008, p. 50).

Procedimentos metodológicos

    A pesquisa foi realizada em uma escola da rede particular, localizada no bairro Bugio, na periferia do município de Aracaju/SE. A escola é de pequeno porte e atende do ensino infantil ao fundamental. O processo de estágio extracurricular no curso de Educação Física permitiu uma aproximação com este contexto escolar, o que facilitou a inserção na pesquisa, pois, já se conhecia todos os alunos e havia disponibilidade de horários por parte de um dos pesquisadores, até mesmo horário extracurricular.

    Os sujeitos da pesquisa foram 06 (seis) alunos do ensino fundamental do 8ª e 9ª anos, que foram selecionados através de questionários mistos, em que foram selecionados aqueles que forneceram os dados necessários para a realização do estudo.

    A opção metodológica da pesquisa reside na abordagem qualitativa para analisar as transformações dos sujeitos a partir dos fenômenos esportivos espetacularizados.

    Fez-se a organização de grupos focais, os quais “define como uma técnica de pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico especial sugerido pelo pesquisador” (MORGAN apud GONDIM, 2002, p.3), no intuito de refletir sobre assuntos vistos durante um processo de pesquisa, para avaliar conceitos e identificar problemas, entendendo as reações dos indivíduos em relação ao que está sendo pesquisado.

    Todos os debates e relatos dos alunos foram gravados em um gravador e anotados no diário de campo do pesquisador, para que fossem analisados depois, caso fosse necessário voltar na pesquisa, para entendimento de algum fato que não tivesse ficado tão esclarecido.

    Foi utilizado o método de vídeo-sensibilização, que segundo Caetano (2010), convém refletir que a proposta do uso de um vídeo-sensibilização, incorporado à perspectiva da vivência e reflexão através da televisão ao ensino da Educação Física, permite uma iniciativa diferenciada, não por apenas utilizarmos a mídia como meio para uma proposta educativa, mas também porque através dele podemos motivá-los a um debate e a uma reflexão conjunta.

    A organização e análise de dados ocorreu a partir da análise de conteúdo, que é “uma ferramenta a fim de organizar e interpretar o material produzido no campo pelos sujeitos pesquisados (não se fez análise de conteúdo do material midiático, mas dos dados coletados a respeito da recepção do discurso midiático esportivo por parte dos jovens)” (MEZZAROBA, 2008, p.54). Levando em consideração as condições contextuais de seus produtores e tendo como base a concepção crítica e dinâmica da linguagem, dando importância aos sentidos que os indivíduos atribuem às mensagens.

Resultados e discussão

    Para que fosse realizada uma análise sobre o tema mídia, esporte e preconceito, fizemos um debate a respeito de 5 vídeos baixados do Youtube, que têm a duração total de 16 minutos, e retrataram o episódio do preconceito sofrido pelo jogador do time Vôlei Futuro, Michael, durante uma partida contra o Cruzeiro, no dia 01/04/2011. Nessa partida, não só homens e mulheres, mas também crianças que estavam na torcida do time mineiro, tiveram uma reação homofóbica contra o atleta. Todas as vezes que ele tocava na bola, recebia xingamentos por causa de sua orientação sexual. Durante a semana, Michael deu entrevistas falando sobre o acontecido, e assumiu publicamente a sua orientação sexual. Ele também teve uma surpresa na partida do dia 09/4/2011, pois recebeu apoio da torcida paulista, que o homenageou com cartazes, bandeiras e camisas.

    Após assistirem aos vídeos, os alunos demonstraram estar um pouco chocados com a atitude da torcida ao tratar o atleta com preconceito, e perceber que tinham pessoas de todas as idades, agindo da mesma forma, demonstrando outros valores presentes nos jogos transmitidos pela mídia esportivos, “que se revela nessas novas linguagens esportivas, a partir da criação de uma narrativa textual e imagética que recorta e apresenta essa estética de forma singular dentro de uma lógica midiática” (SILVA; CORREIA, 2008, p.108). A transcrição das falas dos sujeitos, a seguir, mostra a forma que os sujeitos se expressaram sobre a atitude da torcida:

PESQUISADOR: vocês acham que a torcida agiu certo? Como vocês acham que a torcida deveria agir?

SUJEITO A: claro que não, a torcida tem que aplaudir... gritar, isso é ilegal, uma falta de respeito...

SUJEITO B: tem que ter respeito, é diversão! “Caramba”! Até crianças de 5 anos, com certeza elas “tavam” fazendo o que os outros fizeram também.

PESQUISADOR: por que você acha isso?

SUJEITO B: porque as crianças imitam os adultos.

PESQUISADOR: e vocês, imitariam o que os outros estavam fazendo lá no jogo?

SUJEITO C: rapaz não! Eu ia pedir pra parar, ou saía de perto.

SUJEITO D: é sim! Eu não quero que façam comigo, então eu também não faço.

PESQUISADOR: E nas aulas de Educação Física, você já percebeu alguém como o Michael? Vocês já fizeram igual à torcida em algum momento?

SUJEITO C: eu já perturbei já! Uma vez só.

SUJEITO A: eu também! O menino era “meio bicha”, mas eu só “bati” nele por que ele ficava “mexendo” comigo, tirando onda na hora do jogo, eu não “xingava” ele do nada, a gente jogava junto e tudo...

PESQUISADOR: então, você não batia nele por ele ser “meio bicha”?

SUJEITO A: não! Ele também “mexia” comigo, tirava onda.

PESQUISADOR: vocês acham que se não tivesse aparecido na mídia, que o Michael é homossexual, a torcida agiria dessa forma?

SUJEITO E: ninguém ia ficar sabendo se não aparecesse.

SUJEITO B: mas o próprio “cara” assumiu que é gay, por isso todo mundo ficou sabendo, se eu fosse ele eu sairia da quadra... Vergonha da poxa.

SUJEITO A: é mesmo!

PESQUISADOR: então você acha que homossexuais não devem ser atletas, pra não sofrer preconceito?

SUJEITO A: pode sim, mas eu acho que depois disso ter aparecido na televisão, não acontece de novo.

SUJEITO D: É!

PESQUISADOR: por que não?

SUJEITO B: por que todo mundo faz o que aparece na televisão... O cara tá processando o outro time, acho que agora ninguém vai querer ser processado, e passou na televisão que não é certo, ai acho que ninguém vai fazer mais...

    Pode ser percebido nessa transcrição, que os alunos têm noção do poder de manipulação que os meios de comunicação podem exercer sobre os indivíduos, que eles têm a própria opinião sobre os assuntos que são transmitidos pelas mídias e que conseguem fazer uma relação dos conteúdos midiáticos, com o que vivenciam nos cotidianos deles. Porém, também transmitem a ideia que são imunes aos “encantos” da mídia, e que fazem diferente do que veem na televisão. Mas se contradizem, ao descreverem a relação deles com o aluno que supostamente tinha a orientação sexual diferenciada da deles, provam que tiveram ações parecidas com as da torcida. Por isso, Dezan, (2009, s/p) diz que:

    Vários fatores são responsáveis pela veiculação e manutenção desses padrões de comportamentos e caracterizações de gênero, dentre eles tem especial destaque a mídia, quer seja impressa ou televisiva, dado o fato destes possuírem grande entrada e maior aceitação no cotidiano das pessoas, pois se aprende desde cedo o que é ser homem ou mulher, graças ao que se denomina de Teoria do Aprendizado Social, sendo que um indivíduo tende a reproduzir atitudes, atos e emoções exibidas por um modelo observado, podendo ser cognitivamente registrado e usado ou permanecer na memória subconsciente até que uma situação relevante o estimule.

    Os conteúdos midiáticos provocam outras opiniões e também propõem outros pontos de vista em relação ao que é transmitido e ao que é realidade. Isso é percebido durante essa reunião com os sujeitos da pesquisa, por exemplo, em relação à atitude da torcida, os sujeitos não julgaram como certo, e não demonstraram nenhum ato preconceituoso neste momento, afirmando isso através de valores social presentes em suas falas, o que foi ponderado como algo que eles podem não corroborar com as atitudes presentes nos vídeos por parte da torcida, até porque, “em culturas diferenciadas, a homossexualidade assume valores e significados diferentes. Obviamente, a partir disso, as manifestações de preconceito e discriminação também o são. ”(CUNHA JUNIOR; MELO, 1996, p.19)

    É importante afirmar, aqui, que apenas para ilustrar esta discussão sobre a atitude da torcida preconceituosa, e o comportamento dos sujeitos desta pesquisa em relação a isso, estão sendo apresentados alguns fragmentos do grupo de discussão, quando os sujeitos se expressaram a respeito do tema.

    Em resposta a alguns questionamentos feitos aos alunos, foram percebidas algumas contradições presentes em suas falas, no que diz respeito ao comportamento, pois, eles se comportam de forma parecida com o que eles mesmos falam sobre a mídia, e sobre o que fazem em seus cotidianos, mesmo sem perceber isso, por exemplo, nas falas do sujeito A, quando foi perguntado se um jogador homossexual deve jogar em uma partida transmitida pela televisão:

SUJEITO A: “rapá”, acho que não deve não

PESQUISADOR: por que você acha isso? Você acha que ele não tem capacidade que nem os outros, só por que ele é homossexual?

SUJEITO A: é

SUJEITO B: meu amigo! Oxe tem nada a ver não, se o cara “tá” lá, é por que ele joga bem e tem capacidade pra jogar.

SUJEITO A: mas eu falei isso também, por que se ele errar ou acontecer outra coisa, pode ser que aconteça o mesmo que aconteceu com o Michael, a galera começar a vaiar e “xingar”.

PESQUISADOR: e você acha que isso vai acontecer de novo, depois de ter passado na televisão?

SUJEITO D: eu acho que não.

SUJEITO B: eu também não

PESQUISADOR: Você não acha que retirando os atletas com opção sexual diferente dos outros é uma forma de preconceito não? Acha mesmo que não deve ter atletas que nem o Michael em jogos?

SUJEITO A: É mesmo. Não professor, mudei minha opinião.

PESQUISADOR: mas você mudou por que a gente deu nosso ponto de vista, ou por que você se achou errado.

SUJEITO A: por que eu concordo com vocês.

    Fica evidente nestas falas, a contradição dos alunos, em relação ao preconceito. Eles já têm uma opinião formada sobre o que eles acham “certo” ou “errado” nos conteúdos que são transmitidos pelos meios de comunicação, mas mudam de ideia ao perceber que nem todos corroboram com o seu pensamento. Entende-se então, que a mídia e a realidade dos sujeitos são dois contextos distintos que se relacionam, e que podem gerar outros significados a partir de especificidades.

    Pode-se perceber também, que a mídia não é a “única culpada” por mudanças que acontecem na sociedade, pois os conteúdos que são transmitidos por ela, acabam se chocando com distintas opiniões e geram novas interpretações de uma realidade. Alguns exemplos característicos dos dois contextos, no contexto midiático e no cotidiano deles. Podemos presenciar esses significados nestas passagens da entrevista:

PESQUISADOR: em relação ao esporte que vocês assistem na televisão e o esporte que vocês praticam, quais são as diferenças que vocês percebem?

SUJEITO A: ah...tem diferenças nas roupas, nos materiais que eles usam, as chuteiras...

SUJEITO C: é diferente, a gente joga em “campão”, com grama ou na quadra...

PESQUISADOR: e por que vocês acham que existem essas diferenças?

SUJEITO A: é por causa que os esportes deles tem que ter...eles também tem patrocinador.

PESQUISADOR: por isso que eles usam esses materiais?

SUJEITO B: claro! Eles ganham tudo.

PESQUISADOR: vocês acham que eles teriam interesse em filmar vocês jogando futebol, e passar na televisão?

SUJEITO D: Claro que não!

SUJEITO C: Não! Não é bonito a gente jogando, não ia ficar bonito na televisão.

    Nesta relação dos esportes vistos pela televisão e os esportes praticados por eles, os sujeitos perceberam algumas diferenças como: os materiais utilizados pelos atletas, os uniformes com as marcas dos patrocinadores, os estádios com novas tecnologias e o foco em determinados atletas. O que difere do que existe no contexto deles, pois, não usam chuteiras oficiais, jogam em campos de areia ou quadras poliesportivas sem conservação, e materiais adaptados a determinados esportes que praticam. Essas propagandas acontecem porque:

    As empresas colocam seus logotipos nos produtos e anúncios, nos espaços da vida cotidiana e em eventos esportivos importantes, programas de TV, merchandising em filmes e onde quer que consigam atingir os olhares do comprador em potencial. Consequentemente, a publicidade, o marketing, as relações públicas e a promoção são partes essenciais do espetáculo das mercadorias no mercado global. (KELLNER, 2004, p. 6)

    Essas características presentes no contexto deles, que diferem das características dos esportes vistos pela televisão, foram julgadas por eles como “feias” aos “olhos” da câmera, enfatizando que a mídia não teria interesse em filmar seus jogos esportivos, e transmiti-los como forma de espetáculo, pois, não seria esteticamente bonito.

    Podemos entender este fato, através do que Pires (1998) chama de processos de apropriação do esporte. Este processo explica os processos formadores do fenômeno esportivo moderno através de meios sociais e principalmente midiático, e os interesses que os meios de comunicação sentem em vender a “necessidade” de consumo de seus produtos através do esporte transmitido pelos meios de comunicação, que esbanja técnicas audiovisuais, no intuito de atrair consumidores para gerar lucro, envolvendo os esportes em mudanças estruturais para fascinar o mercado consumidor. Neste sentido, os esportes praticados pelos sujeitos estão fora deste contexto, por ser algo que não gera lucros e que não atrai consumidores, logo, não é valorizado pela mídia.

    No que diz respeito às questões sobre orientação sexual, os sujeitos não demonstraram ter preconceitos, mas se contradizem ao falar dos atletas nos esportes, afirmando que a mídia não tem interesse em transmitir esportes que tenham apenas atletas com orientação sexual diferenciada dos outros, pois isso não geraria audiência para os meios de comunicação. Segundo Gastaldo (2009, p.120):

    O termo “audiência” é utilizado pelos produtores da mídia e profissionais relacionados significando o “grupo” de pessoas que recebe um mesmo produto de mídia. Tal “grupo” não é um grupo, no sentido estrito do termo, mas um mero somatório de indivíduos. A noção de “audiência” nada mais é do que uma construção social, uma representação, que a partir de seu emprego permite relacionar produção e consumo dos produtos da mídia.

    Então, na concepção dos sujeitos da pesquisa, a relação da mídia com a orientação sexual dos atletas, não atinge o público-alvo a que os interesses da mídia são voltados, sendo que neste caso o emprego da produção midiática não se relacionaria com o consumo dos produtos, podendo perder interesses por parte dos consumidores (por ser um público considerado “minoritário”).

    Portanto, ao perceberem os valores transmitidos pelos produtos esportivos da mídia, e receberem através das mensagens midiáticas, novos significados de fatores já conhecidos, os sujeitos acabam reorganizando suas ideias e percepções sobre esses assuntos, claro que levando em consideração os “aspectos de ordem interna (valores, cultura) e externa (condições e organização do veículo de comunicação, etc.)” (BORELLI, 2002, p.60).

    Outra contradição presente nas falas dos sujeitos é quando eles afirmam que se esses atletas fizessem propaganda de algum produto, eles comprariam sem nenhum problema, mesmo esse produto aparecendo nos meios de comunicação e sendo vendido por um atleta assumidamente homossexual, porém não usariam um produto em que o nome do atleta homossexual estivesse vinculado, pois se sentiriam envergonhados, em saber que um atleta homossexual anunciou um produto que eles estão usando.

    Por conta disso, podemos perceber outra incoerência, pois, ao serem perguntados se usariam o mesmo produto, com o nome de um atleta homossexual que não aparece na mídia, eles disseram que não se importariam, mas um produto de um atleta presente e polêmico na mídia, eles rejeitam. Portanto, a influência dos conteúdos midiáticos e a generalização das opiniões por achar que serão criticados pela sociedade, demonstra a influência dos meios de comunicação em suas ações, apesar de acharem que ninguém nasce igual e todo mundo tem o direito de escolha. O que podemos com isso perceber que:

    As crianças [e os jovens, neste caso] adquirem seu sistema de valores e seus conhecimentos sobre a sexualidade, observando comportamentos dos/as adultos/as e as relações entre os/as mesmos/as, sendo influenciadas pelos meios de comunicação de massa, observando a divisão de trabalho em função do sexo, entre outros aspectos. Sua mente vai-se impregnando dessas mensagens e imagens e vai configurando suas primeiras atitudes a respeito do afeto e da sexualidade (HOFFMANN; CHAGAS, 1996, p.1).

    Percebe-se então, nesta situação, que devido à mídia, os sujeitos rejeitam o que pode ser diferente do que já está culturalmente construído. A masculinidade hegemônica que sempre esteve presente nos esportes, ainda se mantém firme, e quando associada à mídia, configura um “tipo ideal” de atleta, em que tudo que vier deles, será aceito, colocando o que difere desse estereótipo, sem aceitação. Como neste caso de rejeição de produtos vendidos por atletas homossexuais, citado pelos alunos.

Considerações finais

    A presença da mídia na vida dos sujeitos desta pesquisa, fez com que eles interpretassem novos valores sociais, e dentre eles, um suposto preconceito escondido. Esse preconceito pode estar presente nas falas dos sujeitos, ao se expressarem e se contradizerem sobre orientação sexual e a sua audiência para a mídia, pois segundo eles, a mídia apenas tem interesse em transmitir esportes que se encaixem no perfil de consumidores considerados heterossexuais (visto que é um público “maioria”), sendo relevante e dispensável nos jogos, a sexualidade diferenciada (um público “minoria”).

    Essa pesquisa, embora não tenha pretensão nenhuma de generalizar nada, visto que foi um estudo com um pequeno grupo de jovens de uma determinada região, proporcionou um entendimento de que a cultura esportiva carrega consigo uma série de significados e valores, que vão instigando os sujeitos a serem como dizem que são, e induzindo a fazerem parte de uma cultura específica e padronizada dos esportes, com estereótipos já estabelecidos. Portanto, o que foge do “normal” é tido pela sociedade como um possível problema, como aconteceu com o jogador Michael.

    O mesmo ocorre com as mulheres, que são culturalmente conceituadas como frágeis e sem força física, e acabam sofrendo preconceito por praticarem esportes considerados masculinos (lembremos aqui, a título de exemplificação, os estereótipos das mulheres que jogam futebol de campo e das que jogam basquetebol). Esses rótulos colocados pela sociedade e reforçados pela mídia são impregnados de preconceitos culturais, que não deixam os sujeitos se expressarem de forma livre, a não ser do jeito que se espera dele como homem ou como mulher.

    Portanto, é preciso que se tenha na educação, neste caso em específico, na Educação Física (mas aqui não estamos descartando trabalhos multi ou interdisciplinares), disciplina base para a realização desta pesquisa, uma reorganização didática, que leve em consideração as necessidades dos alunos, para que sejam formados sujeitos com opiniões que contribuam na sua formação, identificando naquilo que já está inserido em sua rotina, ou seja, nos veículos midiáticos, possibilidades de diálogos com saberes e fazeres da Educação Física enquanto prática pedagógica, que tem no esporte, neste caso em específico, seu conteúdo principal.

    Não esqueçamos que os conteúdos midiáticos são integrados a sua realidade, e os valores presentes na mídia são transmitidos através de seus interesses. Estas características fazem da mídia uma ferramenta pedagógica eficaz na construção de valores que podem ser mediados e devem ser compreendidos através da Educação Física, dentro da escola, sendo ela, capaz de participar deste processo de desenvolvimento dos alunos e formar receptores mais críticos.

Notas

1.     Informações obtidas no site http://www.ibge.gov.br/7a12/voce_sabia/curiosidades/curiosidade.php?id_curiosidade=38

Referências

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