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Dialética, subversividade e questionamento na capoeira

Dialéctica, subversvidad y cuestionamiento en la capoeira

Dialectic, subversiveness and questioning in capoeira

 

*Professor Assistente na Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

campus de Parintins. Mestre em Educação Física/UFSC

**Licenciatura Plena em Educação Física pela Faculdade Alvorada

de Educação Física e Desporto. Especialização em esporte escolar (CEAD/UnB)

Mestrando do Curso de Pós Graduação em Educação Física

da Universidade Católica de Brasília (UCB)

Professor/coordenador do Centro Internacional de Treinamento em Hemofilia

Marcelo Rocha Radicchi*

marcelo.radicchi@gmail.com

Luís Gustavo Normanton Beltrame**

andrelbeltrame@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O trabalho propõe uma reflexão sobre uma aparente influência da dialética no meio capoeirano, observada tanto nos referenciais acadêmicos analisados, como na prática cotidiana da capoeira na atualidade. Concordando com a concepção dialética de oposição e debate, a capoeira parece “jogar” com a subversividade contida na dialética, ora dela se utilizando, ora dela se esquivando, afirmando ora valores de questionamento, ora valores de manutenção da ordem. Em sua dinamicidade e complexidade, a capoeira parece “encantar” seus praticantes justamente em seu princípio vivenciado e sentido de contestação do estabelecido, mesmo que pelo breve instante de uma roda de capoeira.

          Unitermos: Capoeira. Dialética. Subversão.

 

Abstract

          This paper provides a reflection on the influence that seems to exist in a certain dialectic conception in Capoeira field, whether in academic references reviewed here, or in the everyday practice of Capoeira in the nowadays. Agreeing with the dialectic view of opposition and debate, the Capoeira seems to "play" with the subversiveness contained in the dialectic, whether using it, or dodging from her, saying questioning values at one time, and appealing to maintain order at another time. In its dynamics and complexity, the capoeira seems to "delight" its practitioners by its principles in living by and experiencing the sense of challenge to the established, even if it takes part on the brief instant of a capoeira “roda”.

          Keywords: Capoeira. Dialectics. Subversion.

 

          Este trabalho contou com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM/RH-Interiorização).

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O presente trabalho pretende analisar as aproximações e distanciamentos existentes entre a prática social cotidiana da capoeira e uma visão dialética que parece permear o entendimento desta em seus praticantes, presente também em algumas ideias relacionadas a seus fundamentos e significados. A análise aqui empreendida possui como delimitação a experiência pessoal, profissional e acadêmica do autor com a capoeira,1 sendo, portanto, condicionada à capacidade de reflexão a partir desta experiência, sobre o que os “outros não veem ou que ignoram” e propondo uma reflexão sobre “aquilo que parece óbvio ou sem transcendência para os demais, mas que pode ser importante para a análise dos fenômenos” (SORIANO, 1993, p. 99). Busco com isso, captar alguns aspectos subentendidos na realidade que possibilitem uma aproximação para um entendimento sobre a essência2 do fenômeno da capoeira; essência, entretanto, que não se dá a compreender de maneira simples ou imediata, daí a necessidade de reflexão para o entendimento que transcenda o superficial e aparente, como lembra Kosik (1976, p. 13):

    Como a essência – ao contrário dos fenômenos – não se manifesta diretamente, e desde que o fundamento oculto das coisas deve ser descoberto mediante uma atividade peculiar, tem de existir a ciência e a filosofia. Se a aparência fenomênica e a essência das coisas coincidissem diretamente, a ciência e a filosofia seriam inúteis.

Breve resgate dos caminhos históricos da dialética até a atualidade

    A dialética entendida em seus primórdios (remetendo-nos à Grécia da Antiguidade) como a arte de, “no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão” (KONDER, 1985, p. 7), encontrava-se representada no pensamento de Heráclito de Éfeso (viveu aproximadamente entre 540 e 480 a.C.) no célebre fragmento nº 91, a ele atribuído, onde afirma não ser possível um homem tomar banho duas vezes no mesmo rio.3 Tal pensamento, na Grécia Antiga rivaliza-se com uma concepção de realidade defendida por Parmênides de Eléia (viveu aproximadamente entre 530 e 460 a.C.) onde as essências mantinham-se intactas, sendo toda mudança, uma alteração apenas na forma (ou aparência) do ser, sem contudo, afetar sua essência, o que, posteriormente, identificou-se com o veio a ser chamado de metafísica.4 Apesar das críticas relativas à dificuldade de compreensão da tese de instabilidade da essência contida nas ideias de Heráclito, outros filósofos utilizaram esta ideia essencial de movimento e transformação presentes na dialética. Platão e Aristóteles também desenvolveram, de certa forma, suas ideias com base em alguns princípios desta forma de se pensar a realidade. Para Platão, por meio da dialética – estabelecida pelo diálogo e debate entre opiniões contrárias –seria possível ultrapassar a contradição entre aparência e essência, chegando-se a uma identidade (dialogando desta forma também com a ideia de essência “estática” de Parmênides) no entendimento sobre o assunto; já Aristóteles, reconhecendo a validade da dialética para assuntos políticos ou que se aproximassem da “retórica”, estabelece, no entanto, para a Filosofia e para a ciência5 o pensamento pela lógica, que ele chamava de analítica, fornecendo assim, os princípios que norteariam o ato de pensar por meio de regras gerais e leis (lógica analítica como um instrumento para o conhecer). Ambos os filósofos, no entanto, concordavam que a dialética comportava o movimento de contraditórios distintos, onde a negação deixaria de existir quando fosse alcançado o princípio de identidade, já que um princípio básico da filosofia6 entende que algo não pode ser e não-ser ao mesmo tempo e na mesma relação (CHAUÍ, 1995).

    Lógica e dialética serão reunidas no séc. XIX no pensamento de Hegel (1770-1831). Para este filósofo, a dialética seria entendida como uma contradição fundamental para o entendimento da identidade atual do ser: “Em lugar de a contradição ser o que destrói o sujeito (como julgavam todos os filósofos), ela é o que movimenta e transforma o sujeito, fazendo-o síntese ativa de todos os predicados postos e negados por ele” (CHAUÍ, 1995, p. 203). Observa-se então, o princípio da realidade entendida enquanto fluxo e devir em Hegel; o contraditório é essencial, então, para o entendimento da realidade. No entanto, sua filosofia possuía um caráter idealista, atribuindo a criação da realidade a um “espírito absoluto”, atrelando a História a uma visão teleológica (com um fim previsto) de seu desenrolar (ANDERY et al., 2006). Buscando esclarecer, no pensamento Hegeliano, a relação entre a realidade existente (Natureza e Cultura) e o “espírito” como causa motriz da História, Chauí (1995, p. 202) comenta:

    O movimento pelo qual o Espírito se exterioriza como Natureza e Cultura e pelo qual retorna a si mesmo como interioridade de ambas é a História, não como consequência temporal de acontecimentos e de causas e efeitos, mas como vida do Espírito.

    A contribuição do pensamento de Hegel ao desenvolvimento da dialética foi reconhecida por outro importante pensador, fundamental para os avanços no entendimento da dialética; Karl Marx (1818-1883), no posfácio da segunda edição de sua obra O Capital afirma (MARX, 2008, p. 28) “Confessei-me, então, abertamente discípulo daquele grande pensador [referindo-se a Hegel], e, no capítulo sobre a teoria do valor, joguei, várias vezes, com seus modos de expressão peculiares”. No entanto, Marx em seu desenvolvimento teórico supera o chamado idealismo da dialética em Hegel (que atribuía na História, uma finalidade ligada ao Espírito), adotando bases materialistas, considerando essencial o entendimento de que a História é realizada pelos homens conforme as condições (contextuais, concretas) em que se encontram.7 Ainda em seu posfácio da segunda edição de O Capital (MARX, 2008, p. 29), tece considerações sobre o idealismo na dialética em Hegel:

    A mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impediu de ser o primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico.

    Atribuindo então um caráter materialista, sendo de fundamental importância o conceito de História8 para o entendimento da realidade, a dialética, compreendida agora enquanto materialismo histórico-dialético admite contribuições de outras disciplinas na observação da realidade, tais como das ciências econômicas e sociais, da política e da história. Tal complexidade na articulação de diferentes perspectivas atreladas sempre a uma base materialista, visam desvendar o movimento contraditório presente na realidade,9 buscando fornecer uma visão de totalidade no fenômeno que permita compreendê-lo pelo exercício teórico e prático de movimento constante (de diálogo, comunicação, movimento) entre parte e todo (reflexão e ação continuamente, remetendo à noção de práxis), conectadas e entendidas em sua conjuntura:

    A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever, adequadamente, o movimento do real. (MARX, 2008, p. 28).

    Reforçando o caráter materialista da dialética e divergindo de Hegel, temos ainda no posfácio da segunda edição de O Capital (MARX, 2008, p. 28) nas próprias palavras de seu autor:

    Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento – que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia – é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado.

    Marx entendia o papel da dialética na transformação da realidade, realidade esta, considerada injusta e opressora para o homem e que gerava, paradoxalmente, por meio do trabalho, tanto o potencial para a transformação da Natureza (interna e externa), como também gerador de sua própria dominação via exploração e alienação. A mudança era então o objetivo de Marx, e o processo seria desenvolvido no entendimento e exacerbação das contradições; era necessário entendê-las em sua complexidade para superá-las. A ideia sobre dialética em Marx concordava então com o desenvolvimento das ideias por meio do debate; o desenvolvimento de uma sociedade mais justa seria alcançado pela síntese resultante entre o embate entre tese e antítese, a luta dos contrários.10 O desenvolvimento do debate e da construção de ideias (e da prática) nesta perspectiva obedecia a um movimento espiralado ascendente resultante da relação tese-antítese e síntese, em constante transformação.

    Embora não tenha se preocupado em escrever uma obra que tratasse especificamente de uma “teoria” ou de uma concepção própria sobre a dialética, Marx em seus últimos anos de vida, enquanto terminava de redigir O Capital, auxiliou seu amigo Engels nas observações sobre o entendimento materialista que julgavam necessário preservar na dialética. Neste sentido, Engels (1820-1895), apoiando-se em Hegel, concluiu então, que as leis gerais da dialética (comuns tanto à natureza humana quanto à natureza), poderiam ser reduzidas essencialmente em três:

    As leis da dialética são, por conseguinte, extraídas da natureza, assim como da história da sociedade humana. Não são elas outras senão as leis mais gerais de ambas as fases do desenvolvimento histórico, bem como do pensamento humano. Reduzem-se elas, principalmente a três: 1) Lei da transformação da quantidade à qualidade e vice-versa; 2) a Lei da interpenetração dos contrários (lei da Unidade e “Luta” dos contrários); 3) a Lei da negação da negação. (TRIVIÑOS, 1994, p. 65).

    Tais leis diriam respeito ao funcionamento da realidade (natureza e História) e, resumidamente, poderiam ser descritas da seguinte maneira: a Lei da transformação da quantidade à qualidade (e vice-versa) trata da mudança da qualidade estando ligada à mudança quantitativa necessária, ocorrendo quando “se rompem os limites da medida” (TRIVIÑOS, 1994, p. 67), realizada por meio de saltos, entendidos conceitualmente como evolução ou revolução, a depender da maneira como é realizado o salto; a Lei da interpenetração dos contrários (lei da Unidade e “Luta” dos contrários) estabelece o entrelaçamento dos diversos aspectos da realidade em diferentes níveis, dependendo uns dos outros, de forma que não podem ser compreendidos isoladamente de seu contexto (“tudo tem a ver com tudo”). Conforme o contexto e as relações estabelecidas, prevalece um lado ou outro da realidade; os dois lados se opõem e, no entanto, constituem uma unidade. A Lei da negação da negação estabelece o princípio contraditório entre tese e antítese, gerando a síntese, sem contudo negar totalmente o antigo; possuindo o novo, elementos também deste que o constituiu.

    A elaboração das leis por Engels, no entanto, foi entendida com certas ressalvas, recebendo críticas quanto à dificuldade de adequação dos princípios da dialética (relacionados a movimento e transformação) ao próprio caráter de rigidez e constância associado a leis e normas. Outra crítica refere-se à limitação dos exemplos citados por Engels para esclarecer o funcionamento das leis da dialética11; além de ser considerada uma iniciativa idealista o estabelecimento de leis do pensamento que condicionem tanto a Natureza quanto a História aos seus postulados.

    Após as contribuições de Marx e Engels para a dialética, outros trabalhos e entendimentos foram desenvolvidos. Alguns teóricos revisionistas, como Bernstein chegaram a negar o caráter dialético da teoria de Marx,12 outros parecem terem se equivocado na interpretação da dialética em Marx, tais como Karl Kautsky (1854-1938) e Paul Lafargue (1842-1911), outros reagiram contra a deformação da concepção marxista da história, tal como Rosa Luxemburgo (1871-1919) e Lênin (1870-1924) e propuseram uma revalorização da dialética. Importantes reflexões sobre a teoria de Marx foram realizadas, destacando-se neste sentido, o italiano Antonio Gramsci (1891-1937), o húngaro Georg Lukács (1885-1917) e mesmo, com as devidas críticas, as contribuições do francês Louis Althusser (1918-1990). As reformulações posteriores à Marx e Engels da concepção dialética em Marx, encontram sua maior desvirtuação (talvez entendida desta forma, por ultrapassar a realização teórica, efetivando-se na política do Estado Russo pós-revolucionário, na ocasião que se seguiu à morte de Lênin em 1924) com a ascensão ao poder de Josef Stálin (1878-1953) na então U.R.S.S. A dialética neste caso deixou de existir e em seu lugar, a teoria serviu para justificar as ações do estado russo à época, através de atitudes antidialéticas13, ao não aceitar a crítica e o debate sobre o entendimento da realidade proposto pelo partido comunista russo na época.

    Descrito em linhas gerais sua evolução, compreendemos a dialética atualmente como uma forma de ser encarada a realidade, em que esta é compreendida em seu movimento interno de contradição. O questionamento, o debate e a contradição são os elementos que possibilitam a realidade ser entendida como movimento (como fluxo, lembrando da analogia anteriormente citada por Heráclito de Éfeso), um vir-a-ser, ou devir. Konder (1985, p. 83) esclarece:

    Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico. Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam, os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar.

    O questionamento constante como eixo principal de uma concepção dialética torna o entendimento da realidade (da História), como uma possibilidade a ser concretizada pelas ações do presente (relacionada também à teoria, segundo uma ideia de práxis), levando o indivíduo sob este ponto de vista, a adquirir uma postura de questionamento da realidade, para seu entendimento mais aprofundado, visando à possibilidade de mudança desta. Tida como subversiva e inconsistente14, a dialética, em sua atitude questionadora e renovadora, em sua “essência, crítica e revolucionária” (MARX, 2008, p. 29) incomoda os interessados na manutenção, e é constantemente identificada e evocada pelos interessados pelos saltos qualitativos característicos de uma revolução15 (que subverta a ordem atual em favor de uma nova conformação). Konder (1985, p. 87) cita sobre esta característica da dialética:

    A dialética – observa o filósofo brasileiro Gerd Bornheim – ‘é fundamentalmente contestadora’. Ninguém conseguirá jamais domesticá-la. Em sua inspiração mais profunda, ela existe tanto para fustigar o conservadorismo dos conservadores como para sacudir o conservadorismo dos próprios revolucionários. O método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados. Ele é, como disse o argentino Carlos Astrada, ‘semente de dragões’.

    Cabe elucidar agora, como o entendimento da realidade de maneira dialética parece, a nosso ver, apresentar-se contraditoriamente no meio capoeirano na atualidade. Para tal tarefa, como dito, levo em conta minha experiência pessoal no meio capoeirano sendo, não obstante, necessária uma contextualização sobre a constituição dos fatos analisados. Mais uma vez, o entendimento da História – influenciando e sendo influenciada pelos processos e práticas sociais e culturais próprias da capoeira – concordando com a dialética de bases materialistas em Marx, será necessário.

Dialética e subversividade da/na capoeira: reflexões pertinentes

    Utilizo como base para as análises, a referência do trabalho de Reis (1997) para o entendimento dialético da capoeira. A partir do desenvolvimento de uma contextualização relativa à constituição da capoeira, desvelando suas contradições subjacentes e seus discursos competentes16 que legitimaram determinada forma de pensá-la e praticá-la, Letícia Vidor Reis (1997) propõe uma análise mais profunda sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, utilizando como pares dialéticos em suas análises, alguns aspectos das diferenças na participação do negro na sociedade “branca”, bem como a própria diferenciação existente dentro do meio capoeirano entre as vertentes de capoeira Angola e Regional.

    A análise realizada está centrada em um discurso presente no meio capoeirano17, que remete à subversividade e caráter de resistência da capoeira, elementos relacionados ao contexto originário da capoeira (tempos do Brasil colônia e da utilização de mão de obra escravizada negra), sendo então entendida enquanto “luta de emancipação do negro oprimido frente ao opressor”, este segundo, representado inicialmente pelos “atores sociais” diversos (feitor, capitão-do-mato, sinhô, polícia etc.) associados ao sistema escravagista na época do Brasil colonial, ganhando novas feições de opressão aos desfavorecidos no Brasil com o passar do tempo (cujo auge pode ser entendido como a perseguição policial aos capoeiras no final século XIX). Esta inquietação questionadora, entendida como “subversiva” está aparentemente associada a um princípio dialético fundamental na concepção construída social, histórica e culturalmente sobre o que seja capoeira. O ideário subversivo, princípio dialético, está relacionado a uma essência questionadora, inconformista e contraditória a uma lógica de opressão, conforme podemos verificar em Abib (2006, p. 61):

    Tendo sua gênese no período da escravidão, num contexto extremamente violento, onde a luta pela liberdade e pela vida se fazia necessária, a capoeira traz na sua essência esse caráter de revolta contra todo um sistema desumano e opressor. É a autêntica manifestação de um grito por libertação que vem da alma de um povo subjugado, que se apega às suas raízes – e ao seu passado – para encontrar forças e continuar resistindo contra uma situação tão adversa. A rebeldia da capoeira reside no fato de que ela sempre foi uma contestação ao estabelecido. Ao inverter a lógica das coisas, quando fica de ‘pernas para o ar’ subvertendo assim esse ‘olhar’ para o mundo, o capoeirista exprime o sentido maior da dialética humana.

    A inversão e adoção de uma lógica distinta da ocidental18 se fazem presentes na capoeira durante seu jogo em diversos momentos, constituindo-se uma das poucas lutas em que se admite “lutar” de “cabeça para baixo”, onde, por exemplo, um dos golpes mais característicos, presente tanto na capoeira Angola, quanto na Regional19 chamado de “meia-lua-de-compasso” ou sua variante, “rabo-de-arraia”, consiste em girar sobre o eixo de uma perna, ao mesmo tempo em que a cabeça vai em direção ao solo, deixando a outra pena livre para acertar a cabeça do oponente. Neste caso, o ataque é realizado de cabeça-para-baixo, algo impensável em lutas mais racionalizadas e que visam a eficiência tais como o boxe, de origem inglesa20. Momentos em que se “entra” na roda de “cabeça-para-baixo”, no movimento de “aú” (equivalente ao movimento de roda, na ginástica artística, popularmente também conhecido como “estrelinha”) em uma análise de Reis (1997) – associando simbolicamente a roda de capoeira ao mundo – demonstrariam, através deste movimento, a representação de uma forma diferenciada de ser e de estar no mundo (entra-se no mundo pela cabeça, ou seja, a cabeça é a primeira parte do corpo do bebê a “entrar” no mundo), onde a ambiguidade entre sagrado e profano coexistem e materializam-se por meio do diálogo estabelecido entre os sujeitos em seus movimentos e trejeitos corporais no desenrolar do jogo. Relata Reis (1997, p. 208):

    Estamos diante de uma visão de mundo distinta da ocidental, no sentido de que há aqui uma indistinção entre a matéria e o espírito. Mais ainda (...), antes de entrar na roda o capoeirista se benze tocando o chão. Portanto, o sagrado está no chão. Nascida com a escravidão negra, a capoeira está impregnada de uma visão africana de mundo. E o sagrado, para a cultura religiosa africana, localiza-se primordialmente na terra, no baixo (em oposição ao legado judaico-cristão que situa o sagrado no céu, no alto).

    Esta lógica distinta, enquanto antítese da lógica formal, racional e tradicional no ocidente elabora sínteses que muitas vezes, pelo menos no desenrolar do jogo, chegam a abalar a lógica racional em que o mais forte e mais bem preparado tecnicamente logicamente prevalecerá em uma luta contra um oponente mais fraco. Casos relatados como o do capoeira Cyríaco21, que no ano de 190922, em um combate com um renomado campeão de jiu-jitsu, chamado Sada Miako23, venceu a contenda utilizando-se de recursos subversivos e não tradicionais para encerrar a luta em poucos segundos, demonstrando (isentando-me de defender ou reprovar tal atitude) a possibilidade de questionamento das regras e subversão da ordem estabelecida, onde as probabilidades de sucesso a seu favor encontravam-se reduzidas. Conta-se que Mestre Bimba, em certa ocasião de jogo, participando de um desafio com outro contendor praticante da capoeira - Mestre Bimba representava sua vertente de capoeira Regional – em certo momento, sentindo-se em dificuldade, desfere uma poderosa “bênção”24 no oponente, que, atordoado, pergunta: “-O que é isso?”, seguida pela resposta de Bimba: “-É pé, meu filho!”25 demonstra (sem mais uma vez tomar partido se a atitude é correta ou não) o estabelecimento de uma lógica não esperada (antítese), mesmo tratando-se de um confronto, que gerou uma nova síntese no jogo da capoeira. Se esta lógica (nova síntese), que passa a se tornar nova tese, foi questionada por outra antítese, não teria como afirmar, mas em certo sentido, as condições desfavoráveis foram questionadas e ameaçadas pelo surgimento de um elemento inesperado que subverteu a ordem das coisas, neste caso.

    Tal ética (ou falta de) Talvez possa estar condizendo com uma necessidade de sobrevivência presente na percepção dos oprimidos relacionada às injustiças e limitadas possibilidades de mudança na ordem opressora que vivenciam cotidianamente em suas vidas. Não considero que Mestre Bimba29 ou o capoeira “Cyríaco” tenham intencionalmente pensado ou estudado a dialética, mas terminaram por aplicar alguns de seus princípios.

    Retornando à hipótese da dialética como princípio fundamental na capoeira e remetendo-nos aos casos citados, entendemos que este elemento manifesta-se na capoeira na forma de subversão da situação opressora (sendo esquecido este princípio, também, quando convém, como veremos adiante). Talvez a capoeira conserve este entendimento dialético de existência por ainda precisar de lutar por sua sobrevivência, não vivendo ainda na abundância,26 situação esta em que, ocorrendo, possivelmente decretará a perda de boa parte de sua inventividade e criatividade, e provavelmente, também, boa parte de seus praticantes (obviamente que outros aderirão a esta nova lógica, mais racionalizada), aos que agradem justamente a “não-ordem” subversiva presente na capoeira, tal como a entendem e a praticam. A dialética, relembrando de um trecho citado de Konder (1985), comparando-a a “semente de dragões”, não agrada à situação, estabelece a crítica e a autocrítica como uma constante, “sacudindo o conservadorismo tanto dos conservadores”, quanto dos “revolucionários”.

    Mestre Pastinha27 considerando a situação dos negros escravizados e sua influência na criação da capoeira afirma: “(...) capoeirista é mesmo muito disfarçado, ladino e malicioso. Contra a força, só isso mesmo. Está certo” (REALIDADE apud REIS, 1997, p. 142). Tal fala expressa o reconhecimento das desigualdades, das injustiças e da situação de opressão vivenciada pelo negro escravizado. No entanto, compreendendo a disparidade de forças ao comparar-se com aquela que dispunha o sistema escravagista e seus representantes (o senhor de engenho, o capitão-do-mato ou o exército e as bandeiras, no caso dos quilombolas), o negro lança mão da dissimulação, ou como é chamado na capoeira, da “mandinga”,28 um elemento de subversão da ordem esperada (subverte a lógica assumida para o sujeito pelo seu oponente, negando-a de maneira dissimulada, enganando o mesmo), onde torna-se possível o mais fraco derrotar o potencialmente mais forte por meio da surpresa, ocasião em que estará com as defesas abertas à investida do mais fraco.

    A derrota “moral” é também um recurso utilizado na capoeira: o ato de mostrar superioridade em relação a um oponente, mostrando que poderia finalizar um golpe desequilibrante ou traumatizante, por exemplo, a jocosidade na realização de um jogo onde ludibria-se a pessoa com quem se joga, fazendo-o “jogar o seu jogo achando que está jogando o jogo dele”, demonstrando domínio da situação, está presente no desenrolar das rodas e é um elemento lúdico perseguido pelos jogadores na roda de capoeira. Tal forma de lutar de maneira que não pareça estar lutando diretamente, evitando-se o confronto aberto é relatada por Abreu (2004), em um interessante estudo em que contesta a construção da identidade de “Pai João” como símbolo da resignação e do aparente conformismo do negro escravizado, em contraposição à imagem de Zumbi, representante negro da resistência ativa. Contrária a esta identidade, a autora tece considerações sobre as estratégias de resistência subentendidas nas cantigas populares sobre a figura do Pai João. Relata a autora:

    De fato, as canções e os contos protagonizados por este personagem podem ser entendidos como formas de valorização dos escravos frente ao poder dos senhores, de liberdade máxima, até para desejarem a sinhá! Foram caminhos de irreverência e crítica – mesmo em histórias feitas para rir e ridicularizar o protagonista – às desigualdades sociais e raciais, que se perpetuaram após o fim da escravidão. (...) Muito ao contrário da resignação, percebe-se o uso do riso e da astúcia como armas de luta. Além do quilombo, da fuga e da revolta, os escravos e seus descendentes no Brasil encontraram muitas outras formas de expressão da rebeldia e da insubordinação. (ABREU, 2004, p. 276).

    Reis (1997) analisando as estratégias pelas quais as diferentes formas da capoeira, Angola e Regional, buscaram sua legitimação na sociedade brasileira, promovendo um diálogo entre cultura negra tradicional e os interesses dominantes pela criação de uma identidade nacional que compreendesse a lógica da mestiçagem e que fortalecesse o ideal de um país onde impera a “democracia racial” tece uma consideração sobre as estratégias negras de embate ou diálogo com o poder estabelecido: “Aliás, a ambiguidade é recorrente na forma de confrontação dos negros em sua luta pela ampliação de seu espaço político na sociedade brasileira, imperando sempre uma tensão entre uma rebeldia ativa e outra passiva” (REIS, 1997, p. 125). Mestre Bimba, neste sentido dá provas de uma rebeldia ao mesmo tempo ativa e passiva, questionadora, mas ao mesmo tempo, ciente de que era necessário o diálogo com o poder estabelecido; a alternativa já conhecida de sincretismo realizado como forma de manutenção das tradições negras em certa medida frente ao domínio de outras culturas era então revisitada por Bimba. Relata Reis (1997) sobre seu método a fim de legitimar sua Capoeira Regional, método este, condizente com o contexto social, cultural e político do Brasil na época:

    Como vemos, mestre Bimba, para legitimar socialmente a capoeira, transpõe práticas e rituais acadêmicos (formatura, paraninfo), religiosos (batizado, padrinhos e madrinhas) e militares (as medalhas) para o mundo da capoeira. Todavia, esses sinais de ‘passividade’, ‘cooptação’, opõe-se a outro representado simbolicamente pelo ‘esguião de seda’, que se transforma num símbolo da ‘capoeira-luta’ do passado, adquirindo então um significado de confrontação, ironicamente relacionado às navalhas dos capoeiras cariocas, cuja lembrança teimosa a ‘invenção da tradição’ da capoeira baiana operava por esmaecer. (REIS, 1997, p. 137).

    No entanto, cabe ressaltar que a subversidade da capoeira, assim como a do carnaval30, tem duração determinada: acaba ao final da roda, não concretizando realmente uma mudança efetiva do sistema ou da situação do sujeito que anseia por libertar-se da condição de ter que produzir e competir no mundo “fora da roda de capoeira”. Sua subversividade é potencialmente produzida e consumida durante a realização de uma roda31. Cabe lembrar aqui, a concepção da capoeira como vadiação, explicada por Reis (1997, p. 140):

    Este termo era usado pelos antigos capoeiras baianos para designar o que hoje chamamos de ‘jogo de capoeira’. Há aqui uma inversão dos valores hegemônicos já que, através da positivação dos termos vadiação e vagabundo (pastinha dirá num tom elogioso que a capoeira ‘é uma coisa vagabunda’), valoriza-se o ócio em detrimento do trabalho regular. Ao estudar os malandros do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX, Salvadori (1990) também nota esta positivação da ‘vadiagem’, o que a autora interpreta como resquícios da luta por autonomia e liberdade travada pelos negros da cidade do Rio de Janeiro em finais do século passado [referindo-se ao séc. XIX] contra sua incorporação arbitrária ao mundo do trabalho disciplinado.

    Desmitificando o conceito de que a capoeira seja entendida essencialmente como uma forma inata de resistência, Paula Montero, na apresentação do trabalho de Reis (1997), sugere uma análise mais detalhada sobre a veracidade desta afirmação. Suas considerações levam em conta a contextualização e o entendimento da construção histórica dos discursos identitários sobre capoeira, suas articulações (seja de resistência ou de conformismo) com os dominantes:

    (...) o trabalho de Letícia [referindo-se ao livro da autora] mostra muito bem por que, para compreender as relações raciais neste país, não se pode reduzir as manifestações da cultura negra a uma ‘forma histórica de luta contra a opressão’, como se sempre, e em qualquer lugar, ser capoeira tivesse significado uma ‘revolta dos oprimidos contra os poderosos’. E no entanto, os capoeiras são recorrentemente assim representados. (REIS, 1997).

    O confronto e questionamento da realidade opressora não é levada adiante direta e sistematicamente, na maioria dos casos. A própria estratégia de embate do negro incorporada na capoeira não privilegia o confronto direto com o oponente.32 Sobre este aspecto do jogo da capoeira, relata Reis (1997, p. 199):

    O jogo de capoeira caracteriza-se por ser uma negociação constante dos contendores pela ampliação de espaço para sua movimentação corporal na roda pois, uma vez que não há confronto direto entre eles, buscarão sempre aproveitar o ‘vacilo’ do outro (ou a ‘aberta’ do outro) para atacá-lo. Isto é, trata-se de atentar para o lugar exato da vulnerabilidade do adversário. O olhar que ‘devassa e surpreende’, o golpe desferido com ‘impulso pasmoso’ bem como o riso que ‘achincalha’, são recursos estratégicos dos quais os capoeiristas lançam mão nessa arena onde o que mais importa na verdade é saber, por intermédio da ginga, simular e dissimular a intenção do ataque inesperado no momento preciso.

Concluindo... aproximações e distanciamentos de uma visão dialética na capoeira

    Pelo exposto até o momento, e retornando ao questionamento inicialmente proposto de verificação da identidade assumida pela capoeira associada a um princípio dialético, penso que caberia entender inicialmente, em que medida a capoeira mantém este princípio de questionamento e até que ponto é interessante a ela mantê-lo. Talvez a delimitação exista e esteja relacionada àquilo que garanta seu reconhecimento social e que possibilite a manutenção de um espaço (mesmo que limitado à roda) para a expressão de uma outra lógica menos formal e racionalizada, mais ligada ao já citado conceito de vadiação.

    Não cabe, concordando com a crítica de Almeida et al. (2009), a defesa de um discurso “chauvinista, heroico e mágico”, romantizado, atribuindo à capoeira, aspectos que ela não possui. Neste sentido, a partir de algumas experiências vivenciadas no meio capoeirano por um dos autores, evocamos situações em que atitudes antidialéticas se fazem presentes na capoeira33. Tal preocupação vem do entendimento de que em muitos momentos, por ser a capoeira uma manifestação cultural em contato com outras manifestações e instituições sociais, transforma-se e é produzida diariamente pelas pessoas que a praticam, produzem e consomem. A dialética, enquanto princípio fundamental na capoeira poderia estar sendo, ao mesmo tempo, negada na inquestionabilidade das afirmações dos mestres de cada grupo; no distanciamento entre os diferentes grupos de capoeira e diferentes vertentes (Angola e regional), não ocorrendo o diálogo entre suas ideias, jogos e concepções; na assunção de uma capoeira original, possuidora de uma essência imutável, remetida automaticamente aos tempos da escravidão, desconsiderando toda a contextualização e o entendimento necessários para a compreensão de sua constituição social, cultural e histórica até ser entendida e praticada como se apresenta nos dias de hoje.

    Acredito na existência, entretanto, de um caráter dialético, questionador e subversivo na capoeira. Somos do entendimento que constitua um dos principais fatores de fascinação para seus praticantes. A possibilidade de subversão da ordem, de fuga de uma realidade massificante de produção e de constituição de uma finalidade artificial e externa para todos os atos humanos, talvez seja subjetivamente compreendida pelos que gostam e que praticam a capoeira e que veem nela uma possibilidade de resistência.

    À semelhança do carnaval, onde a subversão é restrita e contida em quatro dias onde “tudo é permitido”, depois retornando à normalidade, à rotina e à “chatice” do cotidiano, talvez a capoeira, para alguns, possa significar um contato com sonhos e sentimentos de liberdade adormecidos ou esfriados pela competição inumana a que nos submetemos no dia-dia, onde somos o que produzimos. Talvez possa ser estabelecida, no jogo de capoeira, a concretização de uma liberação psíquica do compromisso com a produtividade, estabelecendo um momento lúdico-espiritual, que se consome ao ser realizado.

Notas

  1. O autor iniciou a capoeira como praticante no ano de 1995, em Brasília/DF, tendo viajado e conhecido outros grupos de capoeira dentro e fora do Brasil. Realizou trabalhos em Brasília/DF (2005) junto ao Programa Segundo Tempo (Ministério dos Esportes) e em Parintins/AM (2008), enquanto coordenador de atividades de extensão junto à Universidade Federal do Amazonas. No âmbito da pesquisa, tem buscado sistematizar as reflexões advindas deste interesse na problemática capoeirana e expô-las cientificamente desde o ano de 2006.

  2. O próprio entendimento de uma dificuldade em aceitar a idéia de uma essência estática e imutável ao observarmos algum fato cotidiano sob um enfoque dialético nos obriga a buscar uma análise desta “essência” (caso exista) em seu movimento e dinamicidade.

  3. Em sua concepção, ambos, o homem e o rio, terão mudado na segunda vez que este banho ocorra. Há aí uma idéia de mudança, seja na forma ou na essência do homem (biologicamente falando, o tempo terá passado e transformado a estrutura física do indivíduo, além do que, novas experiências que tenha vivido podem modificar sua forma de pensar) e mesmo do rio (as águas renovam-se a cada instante, dado o seguimento do curso natural do rio).

  4. Segundo Chauí (1995, p. 209), a palavra metafísica foi empregada pela primeira vez por Andrônico de Rodes, por volta do ano 50 a.C., quando “recolheu e classificou as obras de Aristóteles que (...) haviam ficado dispersas e perdidas. (...) o organizador dos textos aristotélicos indicava um conjunto de escritos que, em sua classificação, localizavam-se após os tratados sobre a física ou sobre a Natureza, pois a palavra grega meta quer dizer: depois de, após, acima de.” Ainda segundo a autora, existência e essência da realidade são seus temas principais, indagando-se sobre as coisas, o por quê de sua existência e de sua constituição atual.

  5. Constituindo-se em instâncias onde se deseja provar uma verdade, já que a dialética era entendida como importante para assuntos onde coubessem a persuasão, tais como a política e a retórica.

  6. Princípio revisitado em tempos das descobertas da ciência moderna na área da física quântica, transcendendo a área da ciência básica em que foi descoberta e afetando diversos paradigmas teóricos e científicos na atualidade.

  7. Haja vista a célebre frase em seu O 18 Brumário de Luís Bonaparte: “Os homens fazem sua própria história. Mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” (MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. 2ª Ed. Trad. Leandro Konder. São Paulo: Martin Claret, 2008).

  8. História em Marx seria, basicamente, entendida como o desenvolvimento da cultura – trabalho – como produto e ao mesmo tempo, produtora da humanidade no decorrer do tempo, a partir de seu contexto e de suas necessidades e condições materiais presentes.

  9. Para Marx, a realidade é um movimento contínuo permeado por contradições que a constituem e a formam tal como se apresenta, sendo necessário o entendimento desta em sua complexidade e articulação entre o particular e o geral. O real entendido como movimento, é manifestação da contradição e necessita que esta seja desvendada para que se possa compreender o fenômeno, ou seja, seu movimento.

  10. Marx considerava a base do movimento contraditório da história a Luta de Classes, transformada nas diferentes épocas, mas sempre presente nos diferentes períodos da História da humanidade (desde o sistema escravagista na Antiguidade relacionado às guerras até as formas de relação de exploração na relação de trabalho entre capitalista-proletário, evidente na conjuntura do séc. XIX).

  11. Os exemplos que Engels utilizava eram extraídos todos das ciências da natureza. A quantificação e observação precisa que pode ser conduzida nos fenômenos da natureza (como a temperatura de fervura da água, utilizada por Engels para exemplificar a primeira lei, de transformação da quantidade à qualidade) não corresponde, em muitos aspectos, aos movimentos constantes e complexos da história humana e da transformação da sociedade.

  12. Bernstein considerava a dialética como o “elemento pérfido na doutrina marxista, o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas” (Konder, O que é Dialética? p. 63). Pregava o abandono da dialética no marxismo e uma aproximação ao pensamento de Kant.

  13. Cabe lembrar que Stálin, sem a capacidade didática de simplificação de Engels e de seu brilhantismo teórico, propõe em seu trabalho Sobre o materialismo dialético e o materialismo Histórico (1938) uma revisão das três leis da dialética de Engels, propondo em seu lugar quatro “traços fundamentais”, claramente com uma conotação de promoção do Estado e do regime à URSS na época.

  14. Por acreditar em uma essência que se transforma, o contrário da visão idealista que acredita toda transformação ocorrer apenas na aparência, permanecendo a essência “intacta”, no caso específico do idealismo platônico.

  15. Estes interessados também, muitas vezes, tornam-se inimigos da dialética ao efetuarem a revolução desejada, haja vista o citado caso de Josef Stálin, após a tomada do poder na URSS.

  16. Utilizo aqui uma expressão de Marilena Chauí, em seu trabalho Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 2ª Ed. São Paulo: Moderna, 1981. Chauí analisa o processo de legitimação de uma visão hegemônica segundo interesses dominantes, os mecanismos ideológicos para tal, que legitimam um discurso, negando e criminalizando (muitas vezes) aqueles discursos contrários.

  17. Utilizo aqui o sufixo –ano, juntamente (e após) com o termo “capoeira”, sugerindo uma idéia de origem do termo, indicando uma procedência de idéia ou estilo, equivalendo à tudo aquilo que é originado no meio da capoeira. Esclareço que tal termo já é correntemente utilizado no meio acadêmico, nas discussões relacionadas à capoeira.

  18. Considero aqui o legado africano nas origens da capoeira, de certa forma ainda mantido e celebrado em sua prática atual. Tal legado refere-se a uma forma particular de ver e se relacionar com o mundo, que diferia, em princípio da visão do europeu colonizador à época da escravidão (formas diferenciadas de racionalidade e visões distintas sobre eficiência, ciência e técnica, por exemplo).

  19. Ambas, variações da capoeira, tendo por principais defensores os mestres Pastinha e Bimba, na capoeira Angola e na Regional, respectivamente.

  20. Embora possa ser pensada sua origem nas competições de pugilato da Grécia Antiga.

  21. Francisco da Silva “Cyríaco”, capoeirista carioca conhecido por “Macaco Velho” derrotou o campeão de jiu-jitsu com um único “rabo-de-arraia” em poucos segundos de luta. Utilizou-se, no entanto, de meios questionáveis (não muito louvados no meio capoeirano). Consta na ata do combate da Confederação Brasileira de Pugilismo, que enquanto o japonês se dirigia aos quatro lados, fazendo a costumeira saudação oriental, Cyríaco foi mastigando a língua para melhor salivar e quando o juiz deu o sinal de combate, o capoeira saltou volumosa cusparada, que mais parecia um jato, no rosto do japonês, cegando-o momentaneamente e, de imediato, aplicou-lhe um violentíssimo “rabo de arraia”, derrubando-o desacordado no solo.

  22. Lembrando que a capoeira ainda era considerada crime pelo Código Penal Brasileiro através do Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890 (Capítulo XII, art. 402 – “Dos Vadios e Capoeiras”).

  23. Contratado pela Marinha de Guerra brasileira para treinar seu efetivo.

  24. Golpe aplicado com a planta dos pés na altura do peito do oponente, que geralmente o desequilibra. Contrário ao nome, o oponente não deseja, neste caso, receber a bênção, o que demonstra mais uma vez a ambigüidade e jocosidade com que são atribuídos nomes invertidos aos golpes da capoeira.

  25. Maiores informações ver: ALMEIDA, Raimundo Cesar Alves. A saga do mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de Capoeira, 1994.

  26. Talvez esta transformação esteja sendo gradativamente efetivada numa crescente esportivização da capoeira. Ao aproximar-se da instituição esportiva, racionalizada e marcializada, como o são a maioria das lutas orientais, com sua padronização de regras e princípios de objetividade e competitividade (ver KUNZ, Elenor. Tranformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí:Unijuí, 1994), a capoeira vai perdendo parte de sua subversividade, do não-dito, da dialética questionadora.

  27. Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981), baiano, também conhecido por Mestre Pastinha, grande organizador, teórico e difusor da chamada Capoeira Angola, defendeu um maior compromisso da capoeira com suas raízes africanas.

  28. Este conceito é de fundamental importância no entendimento dos capoeiras mais antigos, atribuindo à capoeira “mandingada”, em determinados casos, um valor místico e transcendental. No entanto, a origem da palavra remete-nos à uma etnia de negros escravizados de origem muçulmana do Norte da África, chamados mandingas, que, conta-se, eram conhecidos por seus sortilégios e feitiçarias.

  29. Manoel dos Reis Machado (1899-1974), baiano, criador da chamada “Capoeira Regional”, semiletrado e figura importantíssima no meio da capoeira, sistematizou uma forma de se ensinar a capoeira, trazendo-a para as academias.

  30. Ver o estudo de DaMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

  31. O que não retira a possibilidade de criação de vínculos comunitários de identidade entre os praticantes, onde outros valores e formas de ação na sociedade possam ser construídos e reforçados, muitas vezes, prolongando esta sensação de bem-estar pelas amizades concretizadas e ajudas mesmo financeiras que os membros dos grupos se prestam.

  32. Mesmo porque, estrategicamente, a fuga após um ataque desequilibrante ou que atordoasse o oponente, por exemplo, era mais interessante que o confronto com o intuito de eliminar o oponente para o negro que desejasse fugir do controle do feitor, nos tempos das fazendas do Brasil colônia.

  33. A própria tentativa de definição de uma essência imutável, a ser resgatada, é descartada pela dialética, entendendo a essência enquanto movimento incessante.

Referências

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  • ALMEIDA, J. A.; SOARES, A. J. G.; ALMEIDA, M. N. Narrativas identitárias da capoeira na Revista Brasileira de Ciências do Esporte – RBCE. In: XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 20 a 25 de setembro de 2009, Salvador, BA. Anais do CBCE. Salvador, Bahia, 2009.

  • ANDERY, M. A. P. E. et al. Para entender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

  • CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 2ª Ed. São Paulo: Moderna, 1981

  • ________. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995.

  • KONDER, L. O que é dialética? 12ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

  • KOSIK, K. Dialética do concreto. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

  • KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.

  • MARX, K. O capital: crítica da economia política: Livro I. Tradução Reginaldo Sant’Anna. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

  • REIS, L. V. S. O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 1997.

  • SORIANO, R. R. Formación de investigadores educativos: una propuesta de investigación. 2ª ed. México: Plaza y Valdez, 1993.

  • TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1994.

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