Corpos modelados, corpos esculpidos: a busca pela perfeição Cuerpos en forma, cuerpos esculpidos: en busca de la perfección |
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Universidade Feevale Novo Hamburgo, RS (Brasil) |
Denise Castilhos de Araújo Claudia Schemes |
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Resumo Este artigo analisa a influência da mídia, em especial das revistas voltadas à saúde e beleza, na elaboração/manutenção de padrões estéticos femininos na atualidade. Hoje, o corpo se apresenta na sociedade recoberto de elementos significativos, tornando-se texto carregado de sentidos, reflexo das características sociais atuais, prezando os ideais, a cultura e os valores da sociedade. A roupa de ginástica, a fitness wear, objeto de análise deste artigo, é um dos instrumentos utilizados pelos anúncios publicitários para essa elaboração corporal. Unitermos: Mídia. Corpo feminino. Padrões estéticos.
Abstract This study analyzed the effect of mass media, particularly health and beauty magazines, on the construction and maintenance of current female aesthetic standards. The body is covered with meaningful elements in current society, and is read as a discourse full of intensions that reflect current social characteristic, social ideals, culture and values. Fitness wear, the object of analysis of this study, is one of the tools used by ads in the construction of such body. Keywords: Mass media. Female body. Aesthetic standards.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 172, Septiembre de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Atualmente, uma mulher só é considerada de “boa aparência” se for jovem, já que a publicidade, a indústria da moda, dos cosméticos e os consultórios médicos oferecem produtos e intervenções que estariam ao alcance de todas. Dessa forma, sentimo-nos culpadas e deslocadas se não nos enquadramos nesses modelos de juventude e beleza, sendo que nosso corpo é considerado uma massa amorfa que pode ser moldado por profissionais das áreas da saúde e da estética.
Podemos até envelhecer, mas não podemos deixar que os outros percebam. Temos que preencher os sulcos da face, tirar as rugas que aparecem ao redor dos olhos, malhar para enrijecer os músculos, manter (ou tornar) os seios fartos e firmes.
Em matéria recente publicada na mídia, as mulheres foram informadas que, agora que já estão com seus rostos “plastificados” e padronizados, devem se preocupar com as mãos, pois elas não escondem o envelhecimento. A matéria inclusive informa que, provavelmente, a pop star Madona usou luvas em seu último show para esconder as marcas do tempo que teimam em aparecer e fazem os fãs lembrarem que ela já não é tão jovem. Mas não desanimemos, pois os profissionais explicam que já existe uma técnica de “preenchimento de mãos” pela qual poderemos esconder nossa idade por mais algum tempo.
Cabeda (2004, p.171) em seu artigo “A ilusão do corpo perfeito: o discurso médico na mídia” que diz que “em um futuro próximo as mulheres que não se submeterem ao padrão [estético] cirúrgico poderão ser estigmatizadas, vistas como desviantes e consideradas, no mínimo, negligentes com seu bem-estar. É espantosa a variedade e a quantidade de formas de exclusão que o homo sapiens é capaz de inventar.”
A mídia e a mulher
A mídia, nesse contexto, apresenta a beleza como qualidade fundamental para as mulheres. Textos de jornais, de revistas e da televisão têm corroborado com esta exigência. Tais produções vendem e faturam através da exploração do corpo feminino, produzindo um corpo específico, mesmo que este não seja nem o ideal para muitas mulheres; nem algo possível de ser alcançado por grande parte do público feminino.
Segundo Del Priore (2000), “a identidade do corpo feminino corresponde ao equilíbrio entre a tríade beleza-saúde-juventude [...] essas são basicamente as três condições culturais da fecundidade, portanto, da perpetuação da linhagem. Em todas as culturas a mulher é o objeto de desejo”. Viu-se no decorrer do tempo que a mulher tomou para si o controle de seu corpo, principalmente na década de 60, a chamada época da Revolução Sexual; por outro lado, há resquícios de submissão às exigências da sociedade e à busca de uma imagem corporal específica. E o mercado oferece, cada vez mais, às mulheres recursos como: medicamentos, aparelhos de ginástica, cremes; bem como imagens corporais para guiar os padrões estéticos atuais.
Nas análises de Lipovetsky apud Couto (2001), grande parte das mulheres é influenciada pelo ideal de beleza criado e enfatizado pela mídia. A busca pela autoestima, assim como o medo de parecer diferente, a identificação de características similares aos outros indivíduos de um grupo social, ou com um determinado estilo de vida, podem ser variantes que motivam os seres humanos a modificarem seus corpos, independente dos sacrifícios que deverão ser realizados.
O corpo atual - o qual deve ser bem cuidado e exibido com intensidade – surge na sociedade recoberto de elementos significativos, tornando-se texto carregado de significações, reflexo das características sociais atuais, prezando os ideais, a cultura, e os valores da sociedade. Esse corpo, sendo bem cuidado, deverá ser exibido.
Entende-se que o ideal de corpo presente na sociedade, e veiculado pela mídia, pode conduzir as mulheres à insatisfação com seus corpos, exigindo de si mesmas mudanças, valendo-se de quaisquer recursos disponíveis.
A mídia tem construído imagens de beleza, através do uso de dublês de corpos, de ferramentas, como o photoshop, que altera o formato físico, disfarça imperfeições, criando uma nova mulher, diferente da original, com características desejadas, mas quase inalcançáveis. Grande parte da população feminina, além de desejar um corpo parecido com aqueles alterados com o uso de ferramentas técnicas, deseja, também, alcançar o padrão estético ditado pelas passarelas de moda, as top models.
Couto (2001) explana que, incentivado pela mídia, cada um deve se empenhar na luta contra o tempo, na batalha contra a degeneração e obsolescência funcional do corpo. A esse respeito, Kehl (2004) diz que para milhares de brasileiros que são influenciados pela publicidade “o sentido da vida reduziu-se à produção de um corpo” e completa dizendo que “a possibilidade de ‘inventar’ um corpo ideal, com a ajuda de técnicos e químicos do ramo, confunde-se com a construção de um destino, de um ramo, de uma obra” (KEHL, 2004, p.176).
Então, a possibilidade desse corpo ideal é a meta da maior parte da população, entretanto é sobre a população feminina que as exigências recaem com maior força. São as mulheres as consumidoras mais desejadas e seduzidas pela indústria da estética e beleza. Ou seja, a mulher de hoje, para manter-se dentro dos padrões estéticos, sofre mais que as mulheres que usavam os rígidos e apertados espartilhos até o início do século XX. E essa busca perpassa pela freqüência de alguma espécie de academia, devidamente trajada para a prática da atividade física.
Essa preocupação pode ser acompanhada através da grande incidência de matérias e reportagens nos veículos de comunicação. Em abril de 2006, a revista Marie Claire publicou o texto: “Por que o mundo odeia as mulheres gordas?” - o qual foi construído a partir de entrevista realizada com 9405 leitoras do veículo. O surpreendente desta entrevista é que, de acordo com a revista, mais da metade das pesquisadas (52%) afirmaram que engordar seria pior que perder o emprego. Esse resultado reflete o imaginário que já se estabeleceu na nossa sociedade, e que remete não só à discriminação, mas também à ditadura em relação ao formato que o corpo feminino deva ter para ser considerado belo. A manutenção do peso pelas mulheres é mais importante que, por exemplo, perder o emprego, ou seja, o corpo ideal é perseguido pelas mulheres de maneira obstinada.
A revista aponta, por outro lado, algo que vem sendo discutido há pouco tempo: a necessidade de rever os padrões estéticos até então “sugeridos” às mulheres1. O veículo apresenta um questionamento interessante, porque reproduz a angústia da maioria das mulheres, uma vez que esses padrões exigidos pela mídia são praticamente impossíveis de serem alcançados, porque beiram a doença, ou exigem intervenções cirúrgicas, com o propósito de reestruturar o corpo da mulher, prejudicando, muitas vezes, a saúde dos indivíduos.
Segundo Barros (1998), a juventude é sinônimo de saúde e sua recuperação significa a restauração da saúde plena e exuberante. A saúde, como vida, está sujeita à multiplicidade de fatores ambientais, instintivos, psíquicos e de hábitos voluntários, cujo comportamento orgânico é expresso pelas motivações e pulsões exteriores.
Para Andrade (2003), a imagem do que é saúde e do que é beleza, no decorrer do século XX, sofreu um deslocamento em relação aos conceitos apregoados nos períodos anteriores. Conquistar um corpo saudável e belo passa a ser um objetivo individual a ser atingido. Para tanto, é preciso um exercício intencional de autocontrole, o qual envolve força de vontade, restrição e vigilância constantes.
Diante dessa realidade, muitos anúncios de produtos são veiculados pela televisão. São produtos que prometem a perda de quilos, a não aquisição de calorias extras, a transformação corporal e, conseqüentemente, a maior aceitação social; como se tudo isto pudesse acontecer num passe de mágica.
A padronização estética e a publicidade
A estética, segundo Coelho Filho (2003), pode trazer benefícios quando vista como aperfeiçoamento pessoal e quando ajuda cada pessoa a aceitar-se como sendo única no universo. Ao contrário disso, muitas pessoas consideram a estética como a busca insensata da beleza ou de um ideal quase sempre fora do alcance.
Para Queiroz (2000), várias das características femininas e masculinas relacionadas à atratividade sexual, vêm sendo acentuadas pela moda, bem como pela cirurgia plástica – implantes de silicone, lipoaspiração, etc. Não importa como, o importante é estar bem esteticamente. Aliás, quem é gordo acaba sendo discriminado pela sociedade, porque a obesidade é considerada o mal do século, por estar diretamente associada à saúde. Esta pode desencadear uma série de doenças como hipertensão, diabete, desgaste articular, e, para a sociedade, a impressão que se tem é a de que pessoas gordas são desleixadas.
As pessoas obesas, com a moda do culto ao corpo, sentem-se rejeitadas e muitas vezes deprimidas. Para Ullmann (2004), a beleza tornou-se uma obsessão da humanidade, ela tem um alto valor no jogo da sedução, na aceitação social, no processo de auto-estima e até em uma seleção de emprego. Então, os gordinhos estariam condenados a viverem deprimidos, doentes e solitários, ou dariam a volta por cima correndo atrás do prejuízo?
Segundo a autora, nesse tempo de idolatria do corpo, é preciso esculpir cada músculo e eliminar cada grama de adiposidade extra, custe o que custar. A beleza não é mais parâmetro. O que se quer é a perfeição. Em nome dela, litros de suor e montanhas de dinheiro são gastos nas academias. A indústria cosmética se prolifera e há filas de espera nas clínicas de emagrecimento e cirurgia plástica, bem como “consórcios”, nos quais as cirurgias são parceladas em várias vezes. Anabolizantes também são usados para definir e aumentar a musculatura, na tentativa de acelerar o processo de embelezamento corporal.
O curioso é perceber que a maioria das pessoas insatisfeitas com o seu peso não são obesas. Algumas têm sobrepeso, geralmente em indivíduos de meia idade onde a produção de hormônios já não é mais tão eficiente quanto na juventude, ou simplesmente tem uma estatura mais graúda, os quais, ainda assim, buscam o corpo da moda.
Revista Corpo a Corpo e Boa Forma
A fim de verificar a forma como a mídia tem apresentado os corpos, optou-se por observar anúncios publicitários de roupas específicas para a prática de atividade física, veiculados em revistas voltadas para a saúde e beleza: Corpo a Corpo e Boa Forma.
Nestas revistas, onde optamos por analisar um exemplar de cada, observa-se a presença de vários textos publicitários vendendo não só “a moda da academia”, mas também a forma física desejada e almejada nesses locais.
As modelos presentes nos anúncios são mulheres jovens, com cabelos longos, bronzeadas, cuidadosamente maquiadas, algumas usando jóias e relógios como adorno de seus figurinos. Das peças observadas, somente duas representam mulheres na prática de algum exercício físico, as demais foram fotografadas em poses estáticas, enfatizando muito mais a roupa e o próprio corpo da modelo, do que a prática esportiva.
O curioso desses anúncios é a ênfase na forma física, a qual segue um padrão facilmente definível: a mulher deve ser muito magra, o corpo deve ser firme, mas não há necessidade de que a musculatura evidencie-se, os seios devem ser fartos, mesmo que a mulher seja magra, a barriga deve ser “lisinha”, as unhas e os cabelos bem cuidados.
As roupas apresentadas pelas modelos deixam à vista boa parte dos corpos das modelos, talvez remetendo ao resultado que o uso do material e a prática esportiva podem resultar na mulher; por outro lado, pode-se afirmar, também, que há a recorrência de padrões estéticos caros à sociedade, independente do lugar em que o indivíduo se encontre.
Estes textos passam a significar um espelho para as leitoras, as quais têm diante de si um manual de “bem vestir” para freqüentar academias de ginástica ou outros lugares próprios para a prática esportiva. Algumas vezes, pode-se até mesmo pensar que essas roupas necessariamente não precisam ficar restritas ao ambiente da academia, podendo ser utilizadas em outros ambientes informais.
Considerações finais
Vive-se numa sociedade cuja construção da imagem do corpo saudável (independente de ser ou não realmente saudável) preconiza como fato o indivíduo se parecer belo e saudável. Isto é decorrente de um processo de estetização da vida cotidiana e das influências da cultura de consumo, na qual realidade e imagem são consideradas sem distinção. Neste processo, a mídia cria ícones de beleza e saúde, produz modelos a serem seguidos e que, muitas vezes, são tipos distorcidos de beleza e até de saúde.
No que se refere à estética do corpo, o que se pode ver, hoje, é que as mulheres estão deixando de visar à sua saúde em função da aparência de seus corpos. Elas estão mais preocupadas com sua aparência física, com sua beleza, e não se importam com o fato de que isso possa interferir em sua saúde, como se esta fosse uma questão fundamental para serem vistas com bons olhos nos diferentes grupos sociais em que vivem.
As mulheres estetizavam o próprio corpo mais que os homens, pela roupa, pela maquiagem, adereços, esculpindo-o por exercícios físicos e pela dieta. Pela atividade física e o controle do corpo, as mulheres constroem sua imagem, definindo cada uma a sua maneira, a própria leitura de sua identidade feminina.
Nota
Essa nova perspectiva já vem sendo discutida pelos autores em outros artigos que analisam a campanha pela Real Beleza, proposta pela empresa de cosméticos Dove.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Sandra dos Santos. Saúde e beleza do corpo feminino. Algumas representações no Brasil do século XX – Revista Movimento, Porto Alegre, v.9, n.1, p. 119 – 143, janeiro/abril de 2003.
ARAUJO, Denise Castilhos & SCHEMES, Claudia. O corpo e a mídia: análise de uma campanha publicitária. Lecturas: Educacion Física y Deportes. Revista Digital. Buenos Aires, Ano 12, n.118, mar. 2008. http://www.efdeportes.com/efd118/o-corpo-e-a-midia.htm
BARROS, Darcymires do Rego. et al. O corpo relacional. In: VARGAS, Ângelo. Reflexões sobre o corpo. Rio de Janeiro. Ed. Sprint, 1998.
BUCCI, Eugênio. KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios dobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004.
CABEDA, Sônia L. A ilusão do corpo perfeito: o discurso médico na mídia. In:STREY, Marlena; CABEDA, Sônia; PREHN, Denise (orgs.) Gênero e Cultura: questões contemporâneas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
COELHO FILHO, Carlos Alberto de Andrade. Atividade Física e corpo padrão: Reflexões sobre estética e identidade pessoal. Núcleo de Mídia Esportiva, Belo Horizonte, MG, 2003.
COUTO, Edvaldo Souza. et al. Gilles Lipovetsky: Estética corporal e protecionismo técnico higienista e desportista. In: GRANDO, José Carlos. A (des)construção do corpo. Blumenau. Ed. Edifurb, 2001.
PRIORE, Mary Del. Corpo a corpo com a mulher: pequena história da transformação do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Senac, 2000.
QUEIROZ, Renato da Silva (org.). O corpo do brasileiro: estudos de estética e beleza. São Paulo: Editora Senac, 2000.
ULLMANN, Dora. O peso da felicidade. Porto Alegre: RBS Publicações, 2004.
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