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O Estado, o envelhecimento e as políticas públicas: um 

local sem interseção numa capital do Centro-Oeste brasileiro

El Estado, el envejecimiento y las políticas públicas: un lugar sin interconexión en una capital del Centro-Oeste brasileño

The state, the aging process and public policies: a place without intersection in a capital of the brazilian Centro-Oeste

 

*Professora da Escola Estadual Pedro Mendes Fontoura - Coxim/MS

**Mestrando em Educação Física e Cultura do PPGEF/UGF

***Professora Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

***Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

****Professor Doutor da Universidade Gama Filho

(Brasil)

Mayara Fernanda Vendruscolo*

mfvendruscolo@hotmail.com

Rômulo Meira Reis**

romulomreis@bol.com.br

Ângela Celeste Barreto de Azevedo***

angelaestagio@yahoo.com.br

André Malina***

andremalina@yahoo.com.br

Silvio Telles****

silviotelles@terra.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O trabalho teve como problematização, identificar quais as razões de idosos aposentados da classe trabalhadora não praticarem atividades físicas, analisando as questões sociais que envolvem o cotidiano desses idosos. Tivemos como objetivo desvelar os valores e conceitos presentes na relação entre atividade física e saúde. A população investigada consistiu em dois idosos aposentados da classe trabalhadora, avós de escolares, com renda mensal de até dois salários mínimos, residentes no bairro Jardim Campo Belo, Campo Grande/MS. Para coleta de dados, utilizamos entrevistas não estruturadas do tipo guiadas (GAY, 1976). Por meio do estudo pudemos concluir que os idosos sujeitos da pesquisa, pertencentes à classe trabalhadora, passaram grande parte da vida vendendo sua força de trabalho, sem tempo disponível, saúde e condições econômicas para usufruir praticas prazerosas de atividades físicas, que não fossem vinculadas ao trabalho. Por outro lado, também verificamos que o conceito de saúde corrente em parte da literatura pesquisada, parece uma espécie de discurso ao qual chamamos de neo-higienista, centralizado na “saúde física”, em contraste a um discurso que entende a saúde de forma multifatorial.

          Unitermos: Idosos. Trabalho. Saúde. Atividade física.

 

Abstract

          The work’s purpose was to identify what are the reasons to retired elderlies from working class do not perform physical activities, analyzing the social issues that involve the routine of these seniors. Our aim was to uncover the values ​​and concepts present in the relationship that involves physical activity and health. The investigated population consisted of two working-class retirees, grandparents of students, with monthly income of up to two minimum wages, residents of the neighborhood, Jardim Campo Belo, Campo Grande/MS. For data collection, we used the process of not structured interview (GAY, 1976). Through the study we can conclude that these elderly people as belonging to the working class have spent their lives, selling their labor power, not having time, health, or economic conditions to enjoy some physical practice, which was not the work. It also found that the concept of health is far from being compared to neo-hygienist discourse that has been used. Health goes beyond practice a physical activity, if practiced correctly, can contribute to health, however, is only one factor involved in this biological-social phenomenon.

          Keywords: Elderlies. Work. Physical activity. Health.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com

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1.     Introdução

    O atual momento nos reflete uma sociedade que luta para reverberar o arquétipo do homem moderno. A vida organizada ao redor do consumo é orientada pela sedução, por desejos que se configuram muitas vezes como efêmeros. O hedonismo humano nunca foi tão explorado. A sociedade do consumo coloca seus seguidores dentro de uma norma ou padrão de saúde que constrói um ideal de aptidão afeto às possibilidades que o sistema oferece.

    Observa-se no campo da Educação Física um grande número de publicações científicas apontando os possíveis benefícios da atividade física para a saúde da população idosa, porém os estudos que são apresentados abordam em grande maioria perspectivas prescritivas, voltadas para a prevenção de doenças. Portanto, ampliar os conhecimentos na área de Educação Física relacionada às questões sociais, a partir das condições de vida da população idosa na contemporaneidade, por meio de referências ainda pouco exploradas, é necessário para melhor compreensão da sociedade em que vivemos.

    Muitos idosos, contudo, não desenvolveram ao longo da vida o hábito ou na pior das hipóteses não conseguem realizar atividades por impedimentos físicos ou por falta de condições sócio-econômicas, e assim não seguem os preceitos pregados por uma pastoral do envelhecimento. Ao caracterizar o que leva esses idosos aposentados a não praticarem atividade física, será possível verificar, aspectos que os influenciam nesse comportamento. Isto posto, buscamos identificar o porquê dos sujeitos da pesquisa, idosos da classe trabalhadora, tenderam a não aderir às práticas regulares de atividade física?

2.     Procedimentos metodológicos

    A pesquisa apresentada caracteriza-se como uma investigação do tipo exploratória, que envolve levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram ou ainda têm experiências práticas com o problema pesquisado, e análise de exemplos que estimulem a compreensão. Dessa forma, visa proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo (GIL, 1999).

    A escolha dos sujeitos da pesquisa foi dada após a escolha do local em que seria realizado o estudo. Os entrevistados foram trabalhadores aposentados, com renda familiar mensal de até um salário mínimo per capta, combinado com até dois salários mínimos no total da renda familiar. Para tanto, optamos pelo bairro do Jardim Campo Belo em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Essa escolha ocorreu por ser um bairro com estrato de renda familiar propício ao estudo, ou seja, pobre e sem o acolhimento necessário do poder público. Abordamos dois idosos, que depois de explicarmos a pesquisa e seus objetivos, aceitaram participar.

    Para a coleta de dados, utilizamos a entrevista não estruturada do tipo guiada que segundo Gay (1976) corresponde a uma ferramenta que permite ao entrevistador ajustar a sequencia e o vocabulário das questões em função do respondente, por meio de um roteiro/script. Com este roteiro, que cobre áreas de interesse da entrevista, proporciona-se ao entrevistador a liberdade de explorar, aprofundar e elucidar o assunto, que é objeto do estudo. Com isso, o entrevistador tem liberdade de orientar a entrevista, como se fosse uma conversação normal, de forma espontânea, mas dentro do assunto pré-determinado, até cobrir todos os tópicos de interesse do roteiro, permitindo que os mesmos temas sejam abordados por diferentes pessoas de forma sistemática e compreensiva.

    Visando o desenvolvimento do roteiro para as entrevistas, realizamos uma a análise de variáveis partiu da decomposição de cinco aspectos básicos: 1) Perfil dos aposentados; 2) Condições sociais; 3) Condições de trabalho; 4) Condições de saúde; e 5) Prática de atividade física. Cada um desses aspectos foi decomposto em subunidades, que atendessem à necessidade de resposta ao problema de pesquisa. Após serem definidas as variáveis, iniciou-se o processo de construção das perguntas que fizeram parte do roteiro de entrevista, que objetivou os seguintes objetivos específicos:

  1. Caracterizar o perfil dos aposentados: idade, estado civil, naturalidade, escolaridade e nível socioeconômico;

  2. Conhecer também as condições sociais como: condições de moradia, saneamento básico, transporte, alimentação, relacionamento familiar, condições ambientais.

  3. Conhecer as condições de trabalho: verificar se esses idosos realizam algum trabalho remunerado, nível salarial, horas de trabalho diário, dias de descanso, exigências, tempo de serviço, relacionamento interpessoal, entre outros;

  4. Conhecer as condições de saúde dos aposentados, por meio de dados como; existência de doenças, plano de saúde, assistência médica.

  5. Verificar se: (1) eles praticam algum tipo de atividade física; (2) eles, quando eram jovens praticaram algum tipo de atividade física; (3) há lugar(es) específico(s) para prática de atividades físicas no bairro onde moram, (4) gostam de atividades físicas, (5) o entendimento que têm sobre o assunto e (6) eles acham importante a prática de atividades físicas.

    Dentro do roteiro das entrevistas inserimos e algumas questões do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, IBGE, 2003), somadas a outras que foram elaboradas especialmente para a realização do estudo. Os dados do IBGE selecionados serviram para parametrizar os sujeitos da pesquisa em relação ao nível de desenvolvimento do Brasil referentes ao analfabetismo.

    Após as entrevistas, seguindo os preceitos legais e orientações das Normas e Diretrizes Regulamentadoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos – Res. CNS 196/96, concluímos o procedimento com a obtenção das autorizações dos atores sociais participantes através do Termo Consentimento Livre e Esclarecido que foi lido aos entrevistados.

3.     Referencial teórico

    Buscando levantar e aprofundar o problema proposto, segmentamos o referencial teórico nas seguintes categorias:

    I.     Trabalho - Para dirimir questões relativas a essa categoria, elencamos autores e categorias marxistas, como Mészáros (2007, 2006, 2005), auxiliado por Antunes e Alves (2004 e 1999). Para referenciar a compreensão dos conceitos marxistas, trabalhamos com Marx (1998) e utilizamos os preceitos destacados em Navarro (2006). Nossa análise em relação a esta categoria traz uma divisão conceitual para melhor estruturação dos resultados a serem apresentados. Desse modo, inicialmente apresentamos as discussões por entrevistado (entrevistado A e entrevistado B). Em seguida, mostramos aproximações e distanciamentos entre ambos.

    II.     Atividade física e saúde - Na junção desse binômio apresentamos discussões relativas à articulação entre a teoria adotada referente à atividade física e saúde, e as informações obtida através das entrevistas e das observações do cotidiano desses idosos. Assim, através de uma análise do sistema capitalista, procuramos desvendar o problema proposto e a sua relação com a saúde. Neste sentido, para compreensão do conceito de atividade física e saúde presente atualmente, utilizamos os autores Bagrichevsky e Palma (2004), Palma (2000), Soares (1994), Mira (2000), Carvalho Filho e Netto (1994) e Gonçalves (1997).

4.     Resultados apurados

Perfil do entrevistado A

    Aqui o chamaremos de Sebastião, permaneceu no último emprego antes de se aposentar, há pouco mais de dois anos. Trabalhou para uma empreiteira que prestava serviços à prefeitura, atuando na manutenção e limpeza um cemitério que se localiza no bairro Coronel Antonino, região central de Campo Grande e por vezes era deslocado para trabalhar em outros locais. Sebastião relatou que ia para o serviço com transporte coletivo, outras vezes a pé por não ter dinheiro para pagar o passe de ônibus. Trabalhava cinco dias por semana, cerca de 10 horas por dia, das 07hs às 17hs, sem intervalo, somente com uma pausa para almoçar, invariavelmente embaixo de alguma árvore do local.

    Como não era ofertada pela empreiteira a refeição para o almoço, levava consigo o almoço feito em casa. Seu trabalho consistia em realizar serviços gerais, especialmente a atribuição de limpar o cemitério, atividade braçal que inclui capinar, rastelar e carregar peso, por exemplo.

    Analisando essa entrevista, podemos identificar o que Marx (1998) relata sobre a exploração da força de trabalho, ainda que atipicamente, pois o entrevistado não é um proletário clássico. Vemos que todo o tempo do trabalhador é voltado, mesmo que de forma indireta, para a produtividade característica do modo de produção capitalista. Isso significa ter um tempo de não trabalho extremamente curto, somente voltado à sua recomposição orgânica, pois logo após, é o início de uma nova jornada de trabalho.

    [...] Chegava do serviço, fazia a janta e ia lavá roupa de baixo do pé de goiaba, ia durmir já era tarde, e cinco hora da manha tinha que levantar pra ir pro serviço. Mas tinha dia que eu chegava tão cansado que ia durmir primeiro, depois levantava de madrugada pra lavar. [...] (SEBASTIÃO)

    Neste contexto, o capital se apropria do tempo do trabalhador, inclusive do seu tempo livre de trabalho. Ao chegar a casa depois de um árduo dia de trabalho, ainda realizava os trabalhos domésticos e cuidava das filhas pequenas, não tendo tempo sequer para descansar o corpo e recuperar-se para trabalhar no outro dia.

    Tal contexto é comum nos dias de hoje e sabemos que muitos brasileiros são obrigados a conviver com os excessos de trabalho todos os dias. Navarro (2006) corrobora com o problema da longa jornada de trabalho, e acrescenta a essa discussão a questão do desemprego. Para a autora a classe trabalhadora enfrenta um antagonismo: de um lado luta-se contra o desemprego, do outro, àqueles que estão empregados, sofrem com as longas jornadas de trabalho que lhes são impostas.

    Analisando o que foi descrito acima é possível verificar que apesar de ser um emprego formal, às condições de trabalho apresentadas eram precárias. Por trabalhar 10 horas diárias realizando uma atividade que é extremamente desgastante e cansativa como é o serviço braçal, Sebastião não recebia nenhum benefício, somente o salário no fim do mês. Restava para esse trabalhador outra jornada de trabalho ao chegar em casa, com as atividades domésticas, exercendo uma dupla jornada de trabalho, provocando sobrecarga.

Perfil do entrevistado B

    O chamaremos de João, relatou ter permanecido no último emprego por 10 anos. Trabalhava como porteiro em um consultório dentário particular, localizado no centro da cidade. Ficava na guarita da frente do prédio, seu trabalho consistia em identificar o paciente e então abrir o portão. Trabalhava cinco dias por semana, das 14hs às 20hs. Chegava ao emprego utilizando transporte coletivo, e levava em média de 45 a 50 minutos para chegar ao local. Relatou que o trabalho não era pesado, mas sim cansativo.

    [...] ficava a maior parte do tempo sentado né, as veiz, ia fazer alguma coisinha, ai dava uma andada, mas mesmo assim cansava. [...] (JOÃO)

    Trabalhava com carteira assinada recebendo como único benefício o vale transporte. No período da manhã, como ele permanecia em casa, ajudava a esposa a realizar alguns trabalhos domésticos e outros eventuais serviços que aparecessem como varrer o quintal, por exemplo, uma tarefa diária. Almoçava em casa, e logo em seguida ia para o trabalho, retornando por volta das 21:30hs. Ao aposentar-se, saiu do emprego, mas continuou trabalhando informalmente vendendo títulos de capitalização em frente a sua casa, para melhorar o orçamento.

    Muitos idosos aposentados possuem também rendimentos provenientes do trabalho informal. Com este dinheiro, auxiliam na manutenção da família, ajudam os filhos, quando eles se encontram em situação de desemprego, colaboram nas despesas dos netos e outros.

    A esposa não é aposentada, apesar de estar com 69 anos de idade, não consegue aposentar-se, pois trabalhou pouco tempo fora de casa e na informalidade. Observa-se a partir da fala do entrevistado, que o responsável econômico do domicílio é João. Vivendo um contexto de pobreza, essas pessoas tornam-se muitas vezes os únicos colaboradores do orçamento doméstico da família. Neste caso, o idoso é o proprietário da residência em que vive e ainda cede moradia aos filhos e netos.

5.     Análises, aproximações e distanciamentos entre os entrevistados

    Os entrevistados pertenceram, respectivamente, a uma área periférica da cidade de Campo Grande, com um nível socioeconômico baixo. Ambos do sexo masculino, sendo um com idade de 71 anos (Sebastião) e 73 anos (João). Vieram de cidades do interior de Mato Grosso do Sul, e residem no bairro há mais de 15 anos. Possuem casa própria construída de alvenaria, porém o padrão de moradia entre eles era bem diferente.

    Começaram a trabalhar desde crianças nas fazendas onde moravam no interior do estado, e de lá para cá não pararam mais até conseguirem se aposentar, pois eram de famílias pobres da zona rural e tinham que trabalhar para ajudar nas despesas de casa. Contam que a maioria dos trabalhos que realizaram durante a vida foram serviços braçais.

    [...] eu comecei trabalhar com 12 ano, assim pra fora né, pros outros, em casa desde 7 anos já era na enxada, dia inteiro na roça eu, mamãe e papai [...]. (SEBASTIÃO)

    Outro fato ressaltado é que ambos eram analfabetos. Sebastião, até chegou a frequentar a escola próxima à fazenda onde morava, mas foi por menos de um ano. João, nunca frequentou escola e relata que o pouco que sabe aprendeu com as filhas, conforme relatam nas entrevistas.

    [...] Oia eu frequentei poco tempo, poquinhu, eu fui assim, mas muito poquinhu mesmo, agora é fácil né, estudei na fazenda aquele poquinhu, só pra aprender um poquinhu. Antigamente era difícil, agora não, agora que ta fácil a gurizada não qué sabe de estuda [...]. (JOÃO)

    [...] eu sei lê, mas não sei escreve, até eu não sei como que eu sei lê, eu nunca estudei nem meia hora, pra falar a verdade eu nunca nem vi criança sentada estudando [...]. (SEBASTIÃO)

    Com estas afirmações podemos explicar possíveis razões dos entrevistados terem trabalhado sempre no serviço braçal. Navarro (2006) declara que com as modificações que ocorreram na estrutura produtiva dos países capitalistas, muitas pessoas acabaram perdendo seus empregos, pois não tinham qualificação suficiente para dominarem as novas tecnologias que surgiram.

    Observando o problema social vivenciado por nossos entrevistados percebe-se que o analfabetismo tem sido combatido no Brasil ao longo do tempo. Em 1967, há uma tentativa inicial de atenuá-lo através do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) que no ano de 1978 o programa em suas diversas ramificações atendia 2 milhões de pessoas em 2.251 municípios. Mostrando que a preocupação com a educação era uma realidade tendo como objetivo os jovens e adultos do país (TELLES, 2008).

    Na atualidade podemos ter uma dimensão do quadro decrescente do índice de analfabetismo brasileiro por meio das pesquisas do IBGE (2001 e 2010) entre o marco temporal dos anos de 1940 a 2010, conforme o quadro 1:

Quadro 1. Analfabetismo no Brasil

    O quadro 1 mostra o movimento de queda progressiva o índice de analfabetismo brasileiro considerando o crescimento populacional ao longo dos anos. Porém, apesar de ostentar o percentual de 9,7% ao traduzi-lo em números chegamos a 14.065.000 de analfabetos no país, revelando que ainda há espaço para desenvolvimento de novos projetos para “erradicar” este problema social. No caso, os sujeitos da pesquisa fazem parte desse segmento da população, revelando um Brasil bastante diverso com uma massa populacional esquecida, a margem do desenvolvimento e carente de vivências relacionadas ao esporte e lazer. Proporcionadas geralmente por meio de políticas de públicas em espaços bastante comuns como praças, jardins, quadras e campos.

    Outra experiência vivida por nossos entrevistados foi à mudança do campo para cidade, acompanhando o movimento de êxodo rural:

    [...] Meu serviço era roça pasto, fazer cerca de arame nas fazenda, trabalha com gado, a cavalo com o gado, ai eu sô professor. Aqui na cidade eu não entendo de nada, capina bera de rua, barre rua, o que for preciso. Mas lá na fazenda eu sô professor [...]. (SEBASTIÃO).

    No Brasil o êxodo rural mostra-se uma realidade na busca por uma vida mais promissora as pessoas migram para as áreas urbanas. No quadro 2 observamos a população brasileira e sua distribuição por sexo e domicílio.

Quadro 2. População residente, por situação do domicílio e por sexo - 1940-2010

    Ao analisarmos o quadro 2 identificamos uma gradativa redução no número de homens e mulheres que residem no campo, ou seja, a migração permanece progredindo pelo país como uma tendência da modernidade. Contudo, aliado ao crescimento populacional, o processo migratório tende a fomentar o aumento do número de idosos nos grandes centros urbanos. Idosos que estão diante de um panorama de maior assistência, de acesso a direitos antes ignorados no campo e com uma jornada de trabalho mais definida deparam-se na velhice com uma situação diferente daquela que vivenciavam quando estavam na zona rural (TELLES, 2008). Por outro lado, contraditoriamente, na zona rural, por conta do tipo de trabalho, em via de regra braçal, o indivíduo é submetido a exercícios físicos intensos, e condições precárias de segurança ao realizar esses exercícios. Em relação aos sujeitos pesquisados, verificamos neles um retrato da tabela acima, pois participaram do movimento migratório, incrementando as estatísticas do êxodo rural demonstrado. Nesse sentido, ficaram marcados pelo excessivo grau de prática de atividades físicas, desprazerosas, inseguras e laborais, diametralmente opostas às atividades físicas as quais todos deveriam ter acesso.

    Mészáros (2006) aponta que na visão de Marx, o homem torna-se, por sua própria atividade, aquilo que está sendo em um determinado momento. Nesse contexto, o modo de produção vigente ao qual vivemos, acaba interferindo até mesmo na concepção da natureza humana, transformando os homens. Desta forma, é possível compreender como ocorre a inter-relação trabalho, educação e educação física por entre as classes, ou seja, os que detêm um nível educacional elevado, em sua maioria, são os que fazem parte da classe social mais abastada, e realizam trabalhos exclusivamente intelectuais, contudo representam de forma geral, somente parte da população. Àquele autor afirma ser necessário que os indivíduos tenham tempo-livre (verdadeiramente livre), libertos do tempo do capital, e possam, neste tempo, realizar atividades de forma independente, livre, de acordo com suas vontades. Isto é compatível com as necessidades expressa dos sujeitos pesquisados em suas respostas.

    Mészáros (2006) baseado em Marx explica que o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Por isso, chega-se à conclusão de que o homem só se sente livremente ativo nas suas funções quando esta fora do trabalho. Indica-nos ainda que o lazer e o trabalho entram em contradição, e podem mesmo ser antagônicos no sistema capitalista, pois o capital, em uma análise dialética, tornou o lazer uma mercadoria, que por um lado pode produzir alienação, e por outro pode possibilitar uma boa forma de fuga do trabalho alienado.

    Considerando a trajetória de vida desses idosos, verificamos que durante toda sua vida, mesmo quando crianças, já trabalhavam para ajudar no sustento da família e não pararam mais, até se aposentarem. Eram tratados, ainda crianças, como adultos, privando-os muitas vezes de brincarem como crianças. Nesse processo, os bens materiais, frutos do trabalho dos homens, foram privados de suas vidas. O motivo para isso não é religioso ou valorativo, porque eles não mereciam ou algo semelhante, mas em razão de pertencerem a uma classe social desfavorecida e encontrarem obstáculos que lhes impediram de vivenciar atividades prazerosas, relacionadas ao lazer, por exemplo.

    Para vivenciar atividades de lazer, necessitariam de tempo, de liberdade e de busca de prazer, e esses idosos nunca tiveram esse tempo, verdadeiramente livre.

    [...] Mas eu sofria, nossa..., eu só tinha folga no sábado, domingo e feriado, ai arrumava tudo, e dexava tudo no jeito pra semana [...]. (SEBASTIÃO)

    Ao observarmos esses idosos, nota-se que mesmo durante sua juventude, eles não realizaram atividade física sistematizada, com intuito de lazer, para sua fruição, exceto a atividade física como trabalho. Pois, estavam diante de uma situação que não revelava possibilidades de escolhas: tratava-se de trabalhar ou trabalhar. João revela que chegou a jogar um “futebolzinhu” no final de semana quando era jovem, mas somente por um curto período de tempo. Já o entrevistado Sebastião, nunca praticou e revelou não gostar de praticar atividade física.

    [...] Não, eu não gosto nem de assistir futebol, porque a gente foi criado na roça né, não tem intendimento disso ai, fui criado na roça carpindo, prantando umas coisas, arroz, feijão, milho, (...) meu esporte era esse [...]. (SEBASTIÃO)

    Compreender as razões do porquê desses idosos não praticarem atividade física só foi possível analisando o seu passado, ao contrário do que é preconizado. É relevante salientar que apesar de os idosos entrevistados só praticaram atividades físicas como meio laboral, e não terem conhecimento sobre Educação Física, Esporte, e Lazer, em suas palavras consideram-nas importantes. Entretanto, não sabem explicar e expressar exatamente o quanto o acesso à prática de atividades físicas é importante.

    Atualmente, há muitos alertas sobre os sedentários, mas, mais difícil do que apontar números e estatísticas é desvelar a razão do comportamento social, ou seja, não se pode atribuir à falta de prática de atividade física a um descaso individual. Sabemos que tal prática é sim relevante, contudo o problema real concreto não pode ser encoberto por políticas que tentam desviar a atenção das causas que originam as questões.

    De fato, nossos entrevistados antes de se aposentarem não praticavam atividades físicas, pois o tempo livre de não trabalho que tinham, mal dava para recuperarem suas forças físicas (em um viés marxista, tempo de recomposição orgânica para o capital), quiçá praticarem atividades físicas. Hoje, aposentados, teoricamente com tempo disponível, também não as praticam, seja pela falta de hábito, estímulo, ausência de locais para prática ou de políticas públicas de Educação Física, Esporte e Lazer como no bairro onde os sujeitos da pesquisa residem. Observamos que no bairro não há lugar especifico nem programas de atividade física para os jovens, tampouco para a terceira idade. O entrevistado João, nos respondeu que não pratica nenhum tipo de atividade física, no entanto se mostrou disposto a praticar, conforme pontuado nas anotações posteriores às entrevistas.

    Indagamos, portanto, quais são as políticas públicas de esporte e lazer destinadas a esse público? O Esporte e Lazer fazem parte das políticas públicas, sendo considerados legalmente direitos sociais, garantidos pela Constituição Federal de 1998. Desta forma apresentados como direitos Sociais, o Estado tem o dever de disponibilizar as condições para o acesso a eles, independente de religião, etnia ou condição econômica, ou seja, ofertá-los “a todos” os brasileiros. Também se pode verificar que o Estatuto Nacional do Idoso garante o direito à cultura, ao esporte e ao lazer, de maneira que, do alto de sua idade, seja respeitado.

    Com base nas entrevistas, podemos afirmar que esses direitos, naquela região da cidade de Campo Grande, não estão sendo respeitados, pois não existe nenhum programa que incentive a prática do esporte e lazer enquanto cultura corporal do movimento ligado às políticas públicas/sociais voltadas a terceira idade ou outros cidadãos. Soares (1994) mostra que a Educação Física foi utilizada pela classe dominante como forma de manipular a classe trabalhadora e em cada época ganhou interesses distintos, visando o lado biológico dos indivíduos e tentando conservar a saúde da classe trabalhadora. Os interesses reais, todavia, não estavam na saúde dos trabalhadores, mas para a expansão e a eficiência do capital, com o desenvolvimento de corpos saudáveis, aptos ao trabalho e à produtividade desejada.

    Episódios como o citado acima, acontecem até hoje, porque o sistema capitalista tornou a atividade física, o exercício físico, o lazer, e as mais diversas formas de manifestação corporal em bens de comércio e mercadorias, e como qualquer outra mercadoria, só são obtidas por quem pode pagar.

    Assim, em nossa análise concordamos com Mira (2000) e Palma (2000) ao considerarem que os praticantes de atividades físicas não são os trabalhadores pobres. São essencialmente aqueles com boas condições financeiras e que também possuem tempo disponível para praticá-las, ou seja, são pessoas de outra camada social.

    A saúde é colocada como resultado de uma prática física, tornando-a como uma mercadoria que consumida, trará ao usuário a obtenção de saúde. Afinal, se a atividade física torna-se mercadoria, sua razão de ser está em si, e não no sujeito que a realiza e nas suas relações com outros sujeitos e com a sua história. O cidadão, que poderia ser uma categoria política, transforma-se, nesse sentido, em consumidor e reprodutor das ideias dominantes.

    Esse processo não significa que a atividade física não possa trazer benefícios aos seus praticantes. Bagrichevsky e Palma (2004) explicitam que pela atividade física podem ocorrer benefícios à saúde do indivíduo. É preciso, no entanto, que ele esteja em harmonia com os demais aspectos que envolvem o cotidiano. Como discutido anteriormente, entendemos a saúde como resultante de aspectos multifatoriais que envolvem o indivíduo. Vale lembrar: saúde, segundo Fleury (1992) é resultado das condições de alimentação, habitação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, assistência médica, dentre outros. Desta forma, entendemos que saúde vai além de, apenas, aspectos biológicos, mas também é resultado de aspectos sociais.

    Aos nossos entrevistados, quando perguntados sobre saúde, imediatamente fizeram associação com alguma doença. Mas, quando perguntados sobre o que era ter saúde, apresentaram respostas diferentes. Para João, saúde é não estar doente e, já para Sebastião, que inicialmente respondeu não saber, acrescenta criticamente:

    [...] Saúde, eu não sei, nessa parte ai, eu to por fora, mas eu acho que hoje em dia a saúde não tá muito boa pra ninguém não, tá muito poça [...]. (SEBASTIÃO)

    Percebemos nas falas de Sebastião sua indignação e insatisfação diante da situação que passou e ainda vem passando. Nesse contexto, observa-se claramente o reflexo das transformações do processo de trabalho, tendo ele sentido na sua pele de trabalhador, as consequências dessa transformação, quando teve que se mudar do campo para a cidade. O desenvolvimento econômico era exclusivamente na criação de gado, mas começou a ser implantada uma nova fonte econômica na região voltada para as carvoarias. Exigiu-se uma nova mão de obra, refletindo em muitas pessoas que acabaram ficando sem emprego.

    Na conversa com Sebastião observamos que apesar das dificuldades do campo, aquele era um trabalho do qual gostava de fazer e o fazia com prazer. Quando relata sobre o trabalho na cidade, há diferenças marcantes. Trata-o como uma mera necessidade de sobrevivência de sua família, e não uma satisfação individual. Mészáros (2006 e 2007) explica que o capitalismo mudou a relação homem e natureza, o trabalhador perdeu o controle, perdeu o lugar de protagonista no processo de trabalho, ou seja, o trabalho que o homem realiza não faz mais parte de sua natureza, passou a ser apenas o meio para satisfazer outras necessidades.

    É possível perceber as significativas pioras nas condições de vida depois que Sebastião se mudou da zona rural para a zona urbana. Relacionada à alimentação a diferença é grande, pois, por mais difícil que fosse sua situação na fazenda, ao menos ele podia produzir produtos para seu próprio sustento. Morando na cidade, a única opção é comprar, porém se lamenta por não ter dinheiro para comer o que gosta.

    [...] Por exemplo a carne, pra ocê vê, o preço que ta a carne hoje, pra mim, mistura é carne, pode ser de peixe, pode de porco, pode ser da vaca, ou de frango, não importa é a carne, mas eu não posso come porque o dinheiro não dá, o quilo de carne ai, mais barato é 6, 8 reais, não tem condições de você comer uma carne, já na fazenda eu era acostumado, a gente matava vaca gorda [...]. (SEBASTIÃO)

    João nos disse que gasta grande parte de sua aposentaria com as compras de alimentos para a família. No fundo de casa há uma horta onde ele planta algumas verduras que também vão para a mesa da família.

    No quesito sócio-estrutural, o bairro onde estes idosos residem tem alto índice de criminalidade, eles reclamaram que o bairro não é muito seguro, à noite as ruas são escuras, e ao sofrer uma chuva forte ficam sem luz e a água também acaba demorando até dois dias para retornar. Nossos entrevistados moram em ruas asfaltadas, mas contam que isso é recente, observamos que nas ruas de entorno de suas casas não há asfalto. Quanto às condições de saneamento básico o bairro não possui rede de esgoto e todo o esgoto das casas é coletado em fossas feitas no fundo das casas. A coleta de lixo é feita três vezes por semana, segundas, quartas e sextas.

    Em relação à assistência médica ambos não possuem planos de saúde e no bairro não há posto de saúde. Quando precisam de atendimento são obrigados a dirigir-se para o bairro mais próximo onde tenha atendimento médico.

    João, por exemplo, relatou ter apenas um problema de visão, em seu caso não adianta o uso de óculos porque teria que realizar uma cirurgia para solucionar o problema e não faz uso de nenhum medicamento. Sebastião apresenta muitos problemas de saúde devido à ocorrência de um acidente enquanto trabalhava no cemitério que o impossibilitou de continuar trabalhando. Mesmo assim, tentou continuar, descobriu que não tinha condições, principalmente força física para realizar as atividades do serviço.

    Milhões de brasileiros enfrentam estas situações e dependem da saúde pública que quase sempre deixa a desejar. No entanto, como não possuem condições econômicas favoráveis que os possibilitem serem tratados com dignidade são obrigados a enfrentar longas filas de espera, às vezes até de meses para serem atendidos.

    A empresa para qual Sebastião trabalhava desapareceu, deixando-o desempregado e doente, sem possibilidades de arranjar outro emprego para trabalhar. Com ajuda de alguns conhecidos, conseguiu se aposentar por invalidez. Seu Sebastião nos conta ainda que fez seus documentos pessoais com trinta anos. Quando foi fazer os documentos, não sabia exatamente o ano no qual tinha nascido. A funcionária do cartório lançou uma data, e ele aceitou, porque ele também desconhecia, daí colocaram 1948. Tempos depois em uma conversa com um parente chegaram à conclusão que ele havia nascido em 1938. Desta forma já teria idade para se aposentar, mas seus documentos ainda não permitiam.

    Após conhecermos a história de vida desses idosos é possível identificar como o capital apropriou-se da saúde desses trabalhadores. Mészáros (2002 e 2007), diz que Marx falava que o tempo do capital degrada o tempo de vida tanto dos indivíduos, como da humanidade, através da exploração do tempo de trabalho.

    Torna-se pertinente observar que ao compreender a atividade física enquanto sinônimo de saúde não levamos em consideração os seguintes apontamentos:

  • Esses idosos trabalharam sua vida inteira em condições desumanas?

  • Eles se alimentaram de maneira adequada para suprir suas necessidades nutricionais?

  • Eles viviam em ambiente digno que lhe garantissem saúde?

  • Eles tinham tempo para realizar atividades prazerosas ou o “tempo livre” que possuíam era utilizado exclusivamente para recompor o seu corpo do desgaste físico, consumido pelo capitalismo?

    Convergimos com os apontamentos de Gonçalves (1997) ao dizer que o modelo socioeconômico causou alterações na saúde das pessoas, e a relação do individuo com os outros e com o meio ambiente, é o que determinará sua saúde.

    Em síntese, verificou-se que nossos entrevistados correspondem a uma camada da classe trabalhadora, que migrou da zona rural para as cidades em busca de melhores condições de vida. No entanto, as transformações ocorridas no mundo do trabalho fizeram com que esses trabalhadores vivessem à margem da sociedade e trabalhassem em serviços braçais até não terem mais condições físicas para continuar. São pessoas que não tiveram oportunidades para estudar, residiam em bairros periféricos, com condições precárias de subsistência, passando por dificuldades alimentares, materiais e médicas. Gente que nunca teve tempo para praticar uma atividade física prazerosa em seu tempo livre, inclusive porque o pouco tempo livre que tinham era utilizado para descansar, pois as jornadas de trabalho eram longas e árduas.

    A ideia predominante de atribuir responsabilidade somente aos indivíduos, ou afirmar que estes não têm (ou terão) saúde porque não praticam atividades físicas regularmente é inconsistente. Sabe-se que muitas enfermidades que acometem com o organismo humano, advêm da própria herança genética e não podem ser evitadas, em muitas situações sequer controladas. Por isso, não ignoramos os aspectos biológicos do indivíduo, quando estamos nos referindo à saúde, mesmo que o conceito adotado vá além da ausência de doenças, no entanto não nos apegamos somente a eles, mas aos multifatores que envolvem saúde.

6.     Considerações finais

    O prolongamento da vida com o consequente aumento da idade média da população contribuiu para o aparecimento de outros eventos e doenças de natureza crônico-degenerativa próprias do processo natural de envelhecimento biológico. Ampliaram-se, desta forma, os estudos de autores que buscam encontrar uma maneira de minimizar os efeitos do envelhecimento sobre o organismo. Criaram-se estratégias diretamente ligadas ao comportamento das pessoas como o incentivo à adoção de hábitos saudáveis, exercícios físicos regulares, regimes alimentares e sentimentos positivos, voltados para evitar os riscos e combater os efeitos deletérios à saúde, enfim uma pastoral do envelhecimento. Nesse quadro, a relação estabelecida entre o exercício físico e a vida saudável é praticamente linear, transmitindo a ideia de que a prática atividade física regular leva necessariamente à saúde. Assim, lançaram-se responsabilidades na esfera individual, ou seja, a escolha de ter uma vida saudável resume-se as práticas de atividades físicas que só dependeria do individuo praticá-las ou não. Já pessoas que não as praticam, ganharam, ainda, um estereótipo de descompromissados e preguiçosos.

    Verificamos que o trabalhador se torna alienado dentro deste sistema, pois o modo de produção vigente apropriou-se até mesmo do tempo livre, sem deixar opção de realizar suas próprias escolhas e desejos. O tempo verdadeiramente livre, como aponta Mészáros (2007) é uma das maiores conquistas que se espera alcançar.

    O grande de pessoas que vivem excluídos da sociedade são frutos das condições impostas pelo sistema capitalista que em busca de um lucro desenfreado apropria-se de tudo e de todos. O homem perdeu sua liberdade, seu tempo, sua saúde, passou a ser visto como coisa, e não mais como homem. Deixou de ser cidadão, para ser consumidor. Deixou de ser produtor, para ser mercadoria, até mesmo, para diante das questões mais simples, como é o caso da realização de práticas de atividades que possa lhe proporcionar prazer e alegria, através da cultura corporal do movimento.

    Apesar da pequena amostragem, extrapolar em muitas generalizações é um exercício seguro, visto que as condições as quais os entrevistados estão submetidos representam um percentual significativo da população brasileira. Milhares ou milhões de idosos em um número cada vez maior apoiados no processo de transição demográfica, irão reproduzir as situações relatadas nas entrevistas, devendo o Estado levar em consideração a vida pregressa do indivíduo com todas as suas limitações adquiridas ao longo de sua vida e de posse deste conhecimento não culpabilizar aqueles que sem forças ou discernimento para praticar qualquer atividade física sejam excluídos do processo. Minimizar a incidência do trabalho alienante ao longo da vida dos trabalhadores desenvolvendo políticas públicas voltadas para esse fenômeno deve ser o norte a ser seguido.

    O trabalhador de hoje vê sua vida útil declinar muito mais rapidamente do que nas sociedades pré-industriais, visto que seu ofício é o mesmo por toda a vida, não sendo possível adaptar o seu trabalho a todas as idades por qual passará durante sua existência. Com isso, a sensação de inutilidade, descrédito e abandono insurgem como maior força nas sociedades industriais. Agora, o que fazer com o tempo ao final da vida útil do trabalhador?

    Segundo Telles (2008) o processo de envelhecimento nos países desenvolvidos que atualmente encontra-se em um estágio significativamente adiantado, transcorreu de forma gradual durante um período em que coincidiu com grandes transformações de cunho socioeconômico, responsáveis também por avanços importantes no que diz respeito às condições de vida e bem-estar da população em geral. Em alguns países como a França, o incentivo a prática das mais diversas atividades sejam elas relacionadas com o campo das práticas físicas ou esportivas, intelectuais ou sociais vem sendo há muitas décadas apontado como uma saída para manter os idosos e aposentados participativos na sociedade.

    Não podemos deixar de ratificar que as atividades físicas para idosos foram incorporadas predominantemente pela classe média e alta que detém condições de na fase final da vida reconhecer no exercício físico uma forma de potencializar suas chances na busca por uma melhor qualidade de vida. Esperar que indivíduos massacrados por uma vida de privações, exaustos por longas jornadas de trabalho que descompassaram sua idade biológica e cronológica desenvolvam tais atitudes é eximir o sistema da culpa e abandoná-los a própria sorte. Aliás, é o que vem acontecendo (TELLES, 2008).

    A velhice é o “somatório” de todas as idades. Se as mesmas representaram momentos de extrema dificuldade, ao final da jornada as mazelas adquiridas ao longo da vida insurgem com mais força. A luta por uma vida com qualidade mostra-se fundamental para que os efeitos das atividades físicas sejam potencializados na velhice.

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