O currículo da Educação Física: uma leitura das culturas infantis El currículo de Educación Física: una lectura de las culturas infantiles |
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Licenciada em Educação Física pela UNEP, Rio Claro Mestranda em Educação, UNINOVE 2012 Professora da Prefeitura Municipal de São Paulo |
Cintia Cristina de Castro Mello (Brasil) |
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Resumo Na Educação Infantil o cuidar e o educar são processos indissociáveis organizados em práticas educacionais expressas no currículo. Este artigo procura discutir as propostas pedagógicas da Educação Física, voltadas para este nível de ensino, refletindo sobre a articulação entre os modos de subjetivação dos infantis presentes em diversos currículos e a possibilidade de novas práticas na Educação Infantil. Unitermos: Infância. Educação Física Infantil. Currículo.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
A Educação Infantil, nas últimas décadas, vem ganhando espaço para discussão e expansão. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre outras leis e decretos estabelecem e garantem a toda criança de zero a seis anos de idade o direito á educação em creches e pré-escolas, como complemento da educação familiar.
A partir disso, inúmeros estudos a respeito da aprendizagem, desenvolvimento, cultura infantil, práticas pedagógicas, técnicas de planejamento, avaliação entre outros temas tem sido voltados para este nível de ensino.
Este artigo tem como objeto de estudo os currículos da Educação Física na Educação Infantil, refletindo sobre os elementos que são considerados no processo de construção das propostas pedagógicas para a área, bem como sobre os conceitos de educação, sociedade, criança, infância e cultura infantil, expressos nas mesmas. Este debate pretende contribuir para a reflexão dos profissionais da área a respeito da formação oferecida nas creches e pré-escolas, considerando a sociedade contemporânea e suas configurações, uma vez que é por meio do currículo e suas propostas que projetamos um determinado tipo de sujeito e sociedade.
Um olhar sobre a infância
A Educação Infantil teve sua afirmação através das lutas dos movimentos feministas na busca por acesso ao trabalho. Assim as creches tinham um papel de assistência e controle das crianças, filhos de trabalhadoras, o que posteriormente se estendeu às demais famílias, ainda que de forma precária e parcial, com caráter estritamente assistencialista ou sanitário, desconsiderando sua dimensão educativa, social e cultural.
Segundo Macedo (2010), apoiada pelas teorias da psicologia do desenvolvimento, nos anos 60, a preocupação da Educação Infantil era oferecer na pré-escola conhecimentos que compensariam a defasagem cultural das crianças pobres, em relação ás crianças da classe média. Assim, a sua função era treiná-los para a educação escolar. A partir da década de 80, os movimentos sociais urbanos, passaram a focar o direito da criança à educação de qualidade, delegando à sociedade esta função. Muitos estudiosos colocaram em discussão o fato dessa concepção de educação considerar como legítima apenas uma forma de cultura (da classe média branca), desconsiderando os outros sujeitos e seus produtos culturais. Além disso, questionavam também a necessidade de considerar outros marcadores sociais no ambiente escolar: as relações de gênero, classes sociais, etnia, religião etc.
Neste sentido, a partir da década de 90, a criança deixa de ser objeto de análise somente da medicina, da psicologia ou da pedagogia e passa a ser considerada como uma categoria social, e a infância, como um fenômeno analisável nas suas relações com a estrutura social e cultural (MORUZZI, 2008).
Portanto, a partir dessas considerações discutiremos de que forma o currículo da Educação Infantil, a partir do recorte da Educação Física, pode subjetivar a criança e sua infância, concordando com Bujes (2000, pp. 3-4) que as crianças “[...] tornam-se objeto de operações políticas, de intervenções econômicas, de campanhas ideológicas de moralização e de escolarização, de uma intervenção calculada”.
No contexto social atual a escola é, muitas vezes, o único espaço de socialização entre as crianças, onde podem conviver com seus pares, com diferentes experiências, estabelecer seus vínculos afetivos e brincar. Além disso, em muitas dessas escolas de Educação Infantil, as crianças permanecem por um longo período de tempo, responsabilizando-se também pela alimentação, higiene, sono e demais cuidados. Mas, quais são os saberes que devem ser socializados na Educação Infantil? Como pensar um currículo para esse nível de ensino que atenda as atuais configurações da sociedade e as necessidades das crianças? Quem são essas crianças que freqüentam as escolas?
Dornelles (2005) apresenta discussões importantes sobre as diferentes culturas infantis e questiona os mecanismos da modernidade que subjetivam as crianças e traçam um modelo idealizado de infância, um modelo universal. Para a autora, a modernidade a partir de discursos científicos, pedagógicos, escolares, familiares etc. criou tecnologias de controle para a vigilância, treinamento e disciplinamento das crianças, padronizando seus comportamentos e desconsiderando as diferentes infâncias.
Portanto, é preciso compreender que as crianças e os modelos de infância são produções sociais e históricas, e todas elas se encontram no ambiente escolar: crianças sem pai, sem mãe, com dois pais ou duas mães, com pais presidiários, crianças bandidas, crianças hiperativas, crianças consumidoras, crianças do funk, das favelas, do hip-hop, das músicas infantis, dos carrinhos automatizados, dos tablets, crianças descendentes de bolivianos, de brancos, índios e negros, enfim crianças diferentes. Mais do que isso, precisamos refletir sobre o processo educativo desses sujeitos.
Os currículos da Educação Infantil
Considerando a diversidade presente na escola é inviável planejar a educação baseada em uma infância idealizada, que considera apenas os aspectos biológicos e universalizam a infância. A escola, seu currículo e suas práticas são parte do complexo campo da cultura, onde os significados e as representações são negociados constantemente. Assim, as diferentes infâncias e culturas devem ser reconhecidas e consideradas nas atividades de ensino, possibilitando o diálogo e a reflexão. É aqui que inicio a discussão sobre o currículo da Educação Infantil, pois de acordo com Silva (1999, p. 148) “a formação da consciência – dominante ou dominada é determinada pela gramática social do currículo”.
Pensar no currículo está sempre vinculado a uma estratégia de política cultural, a um projeto de ser humano, já que interfere na produção de representações e identidades e determina a formação de um tipo de sujeito. Considerando a diversidade presente na escola é inviável planejar a educação baseada em uma infância idealizada, que considera apenas os aspectos biológicos e universalizam a infância.
Em seu livro Infância e Maquinarias, Bujes (2001) apresenta como os estudos na área da Psicologia (Infantil, Genética, do desenvolvimento etc.) influenciam e determinam os currículos da Educação Infantil institucionalizada. Para a autora “[...] abre perspectivas novas para o discurso pedagógico e constitui uma poderosa estratégia para o governo das populações, em especial, pelos efeitos de normalização que os saberes que aí se ‘inventam’ possibilitam” (BUJES, 2001, p. 64).
A compreensão do desenvolvimento da criança como algo “natural” (evolução e progresso), resultante da maturação e de sua interação com o meio, presente nas teorias pedagógicas na perspectiva moderna, influenciaram fortemente as propostas pedagógicas da Educação Infantil, inclusive a Educação Física com os currículos globalizantes pautados na psicomotricidade. Para Bujes (2001) os diferentes discursos sobre a criança e sua infância atendem a interesses particulares de cada campo do saber e tornam dominante um modo de concebê-las, construindo a idéia de um sujeito ideal. Tais concepções influenciam e justificam o surgimento de teorias e práticas que devem ser dominadas para a educação e controle sobre os sujeitos infantis e ao serem tomadas como universais mascaram a existência de marcadores sociais no processo educativo. Ressalta que as verdades construídas sobre a infância são reforçadas pelos dispositivos pedagógicos que operam na constituição destes sujeitos.
A respeito das práticas educacionais voltadas para a infância Moruzzi (2008) afirma que a partir do momento em que se elaboram atividades de acordo com as “fases de desenvolvimento” das crianças, na Educação Física através dos currículos apoiados no desenvolvimento motor, reforça-se a visão da criança como um vir a ser, de acordo com o que ela pode se tornar, e não se reconhece o que ela é, aí se inicia o processo de pedagogização da infância. A autora ainda ressalta que apesar da importância atribuída às crianças nas últimas décadas, elas são cada vez mais submetidas ao controle e supervisão dos adultos, que decidem o que é importante para a sua infância, e a escola enquanto instituição voltada para os infantis é regida pelo controle e disciplina, desconsiderando os conceitos de democracia e liberdade.
Assim, cada vez mais a cultura da infância tem sido “pedagogizada”, ou seja, sua linguagem, seus textos e produções foram transformados em dispositivos didáticos instrumental, como sugere Lemos (2007). A autora enfatiza que as práticas infantis (a música, as cantigas de roda, os desenhos, os contos, o folclore, os brinquedos de montar, os jogos de regras etc.) foram transformados em instrumentos de promoção do desenvolvimento integral das crianças, desconsiderando-as como produções culturais que expressam sentidos e significados próprios e que não acontecem no vazio, são permeadas por inúmeras relações, intervindo nos diversos modos de subjetivação. Assim, como citado por Moruzzi (2008, p.46) “os saberes da infância, as produções infantis, a movimentação que a criança faz na cultura e na produção de conhecimento, são padronizados pela escola, pouco estimulados e pouco reconhecidos nestas dinâmicas institucionais”.
Portanto, cabe refletirmos sobre um currículo de Educação Física que possibilite a crítica e transformação social, promova uma análise mais complexa da sociedade e que se preocupe com a formação democrática dos alunos, desde a educação infantil.
Como ponto de partida destaco três elementos sugeridos por Macedo (2010) a serem considerados na construção de um currículo para a educação infantil: distanciamento do adultocentrismo, ou seja, pensar em propostas que considerem a “voz” das crianças, seus saberes, desejos e necessidades atuais, contrariando a idéia de “adulto em miniatura”; possibilitar tempo e espaço para a brincadeira, reconhecendo-a como forma de linguagem e expressão, rica em sentidos e significados culturalmente construídos; e entender o conhecimento de forma integrada e não fragmentada. Acrescento aqui outros pontos fundamentais a serem considerados na elaboração das propostas para a educação infantil, sugeridos por Moruzzi (2008), são eles: entender a criança como parte de uma dinâmica social e cultural, como sujeito que atua, modifica interage e é permeado por inúmeras experiências; compreender a criança e sua infância como construções sociais, portanto existem diferentes crianças, diferentes infâncias e diferentes culturas infantis; e por fim valorizar as produções infantis como meios de interação e interpretação do mundo, intervindo nos modos de subjetivação dos sujeitos.
Assim, as propostas curriculares da Educação Física para este nível de ensino devem entender as produções corporais dos alunos como expressão de suas culturas, com seus significados e sentidos próprios. Além disso, um currículo pautado no multiculturalismo1 deve considerar as relações de poder que permeiam as práticas corporais manifestadas pelas questões de gênero, raça, etnia, sexualidade etc., possibilitando a reflexão a respeito das diferenças como construções culturais.
Considerações finais
Se desejamos uma escola para a cidadania e democracia é preciso que o currículo da Educação Física atenda a estes conceitos por meio de propostas que incluam os variados elementos da cultura infantil, e das diferentes culturas infantis, levando em consideração a voz das crianças e sua importância como ator social e, principalmente, coloque no centro do trabalho pedagógico a sua infância.
Nota
1. De acordo com Silva (1999) o multiculturalismo é um movimento de reinvindicação dos grupos culturais dominados para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas.
Referências Bibliográficas
BUJES, Maria Isabel E. O fio e a trama: as crianças nas malhas do poder. Educação e Realidade. Porto Alegre, jan-jul. 2000, n. 1, v. 25, pp. 25-44.
BUJES, Maria Isabel E. Infância e maquinarias. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tese de Doutorado, 2001.
DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da criança de rua à criança cyber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
LEMOS, Flávia Cristina S. A apropriação do brincar como instrumento de disciplina e controle das crianças. Estudos e pesquisas em Psicologia. UERJ, RJ, abr. 2007, n.1, v.7, pp.81-91.
MACEDO, Elina. Educação Física na perspectiva cultural: análise de uma experiência na Creche. São Paulo: Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2010.
MORUZZI, Andrea Braga. Cultura da infância: entre textos, desenhos e outras linguagens- intervenções infantis nas formas de subjetividade. In: IV Seminário sobre linguagens- Políticas de subjetivação- Educação. Rio Claro, nov. 2008, pp. 41-52.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
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