Marcadores fisiológicos de overtraining (parte 2): análise de um protocolo para ratos ‘wistar’ submetidos a treinamento de corrida intermitente Physiological markers of overtraining (part 2): analysis of a protocol for rats ‘wistar’ submitted to intermittent exhaustive training Marcadores fisiológicos de sobreentrenamiento (parte 2): análisis de un protocolo para ratas ‘wistar’ sometidas a entrenamiento de carrera intermitente |
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*Doutor em Biologia Funcional e Molecular (UNICAMP). Docente do curso de graduação em Fisioterapia do Instituto de Ensino Superior de Itapira, IESI **Mestranda em Ciências Médicas (UNICAMP). Coordenadora do curso de graduação em Fisioterapia do Instituto de Ensino Superior de Itapira, IESI ***Graduado em Educação Física Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas - METROCAMP ****Professora Livre Docente do Instituto de Biologia, Departamento de Bioquímica Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP |
Joaquim Maria Ferreira Antunes Neto* Bruna Bergo Nader** Rodrigo José Battibugli Rivera*** Caio César Donadon*** Denise Vaz de Macedo**** (Brasil) |
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Resumo A síndrome de overtraining pode ser caracterizada pela análise de multifatores, que incluem parâmetros bioquímicos, fisiológicos, dietários, psico-comportamentais e de rendimento atlético. Por ser um evento complexo, a determinação de instalação de overtraining requer a utilização de marcadores fidedignos e de estabelecimento de valores de referência. Contribuindo para a temática iniciada no artigo anterior (Parte 1), que analisava um protocolo de corrida contínuo, temos como objetivo a caracterização dos valores plasmáticos de ácido úrico, creatinina e uréia (mg/dL) em ratos Wistar submetidos ao treinamento intermitente de indução de overtraining. Apesar da característica distinta deste protocolo, que se baseia na relação entre requerimento anaeróbio e pausas curtas – o que favorece um processo de isquemia-reperfusão muscular -, os dados obtidos mostraram grande dispersão e pouca significância, o que sugere que o evento inicial para instalação de overtraining pode ter origem de caráter mais molecular do que em âmbito fisiológico. Unitermos: Supertreinamento. Ácido úrico. Creatinina. Uréia. Treinamento intermitente. Experimentação animal.
Abstract The overtraining syndrome can be characterized by multi-factor analysis, including biochemical, physiological, dietary, psychological, behavioral and athletic performance. Because it is a complex event, the determination of overtraining installation requires the use of markers and the establishment of reliable reference values. Contributing to the theme begun in the previous article (Part 1), which analyzed a protocol of continuous running, we aim to characterize the plasma levels of uric acid, creatinine and urea (mg / dL) in rats subjected to intermittent training induction overtraining. Despite the distinctive feature of this protocol, which is based on the relationship between anaerobic and short breaks application - which favors a process of muscle ischemia-reperfusion injury - the data showed large scatter and little significance, suggesting that the initial event for installation overtraining may originate from a more molecular than in physiological context. Keywords: Overtraining. Uric acid. Creatinine. Urea. Intermittent training. Animal experimentation.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
O processo de treinamento divide-se em períodos chamados ciclos, que podem ter uma predominância de atividades aeróbias, que podem ser realizadas por longos períodos de tempo (maior volume) em intensidades que variam de submáximas a máximas (determinadas pelo VO2max ou limiar anaeróbio), características dos treinamentos do tipo continuo ou de endurance; ou conter atividades de menor duração, realizadas em intensidades supramáximas, com predomínio do metabolismo anaeróbio como gerador de ATP (treinamento intermitente, de resistência anaeróbia). Devido à alta intensidade de esforço empregada, o treinamento do tipo intermitente requer que os exercícios sejam sempre intercalados por pausas curtas, quando predomina o metabolismo aeróbio, importante para facilitar a recuperação, principalmente de fosfocreatina nas células musculares.
O início do overtraining é conhecido na literatura como overreaching e se instala quando o repouso entre o próximo treinamento ou competição é insuficiente (Bruin et al., 1994, Tiidus, 1998; Lehmann et al., 1998). Embora esta condição também induza fadiga prematura, pois a recuperação é incompleta, pode ser facilmente revertida com um ou dois dias de pouco ou nenhum treino. Entretanto, como pouco é conhecido em relação à quantidade ótima de treinamento e os fatores que influenciam a recuperação e supercompensação (Figura 1), ainda hoje existe um componente muito grande de empirismo na aplicação dos métodos de treinamento, que são na sua grande maioria empregados sem muita base científica. Ou seja, os atletas normalmente são submetidos a cargas de esforço muito altas, com pouco tempo de recuperação, para não se pecar pela falta de estímulo, sendo impossível prever se a carga de esforço exigida da equipe está excedendo o limite individual de estresse que o organismo pode suportar. Tudo isso torna o limiar entre um treinamento ideal e o overtraining muito tênue. O maior problema é que ainda não existem descritos na literatura marcadores completamente confiáveis, nem de adaptação, nem de overreaching, que ajudem a diagnosticar esse limite individual de estresse que impeça a instalação do overtraining. Além disso, a literatura é carente de protocolos de exercícios que se preocupem em estabelecer esse quadro de desbalanço entre exercício/repouso em animais de laboratório, o que também dificulta o estudo da sensibilidade de biomarcadores nessa situação.
Figura 1. A influência do estímulo estressor do exercício físico nas regulações positivas (supercompensação)
e na instalação de estresse metabólico (overreaching) e estresse generalizado (overtraining).
A tentativa de compreender melhor a modulação de parâmetros fisiológicos, tais como os níveis plasmáticos de ácido úrico, creatinina e uréia, por intermédio de experimentação animal é valida, pois há a possibilidade de elaboração de protocolos que não seriam possíveis de controle através da participação de seres humanos. No caso de protocolos com característica intermitente, há poucos estudos que descrevem tal estratégia (Antunes Neto et al., 2006; Antunes Neto et al., 2008 a,b). Assim, visamos contribuir no aprofundamento sobre determinação de indicadores satisfatórios de diagnóstico do quadro de overtraining.
Materiais e métodos
Animais. Utilizamos ratos machos Wistar, obtidos do Centro de Bioterismo da UNICAMP, com 2 meses de idade no início dos protocolos de exercícios. Durante toda a execução dos protocolos, os ratos foram mantidos em ambiente controlado, com temperatura de 18 - 22°C e fotoperíodo invertido de 12 horas, estando providos de ração de laboratório e água ad libitum.
Proposta de Protocolo Intermitente de Corrida para Indução de Overtraining. Os ratos foram submetidos a sessões de corrida em esteira rolante automatizada com inclinação de -3°. Porém, antes da realização do respectivo protocolo, realizamos um período de adaptação (1 semana) do animal com o equipamento, onde eles chegaram a correr por 5 minutos numa velocidade de 10m/min. Esta semana inicial teve como finalidade separar os animais que corriam voluntariamente daqueles que se recusavam a correr. O protocolo de exercício intermitente (intervalado) teve onze semanas de duração, dividido da seguinte forma:
primeiras quatro semanas (adaptação): aumento na carga de esforço;
4a. a 8a. semana (manutenção): exercícios diários com a mesma carga de esforço alcançada ao final da 4a semana;
semana 2x/dia (9ª. Semana – incremento 1): uma semana de exercícios com a mesma carga das semanas anteriores, 2 vezes ao dia, com intervalo de 4 horas entre eles.
semana 3x/dia (10a. semana – incremento 2): uma semana com 3 sessões de treino ao dia, com intervalo de 3 horas entre eles;
semana 4x/dia (11a. semana – incremento 3): uma semana com 4 sessões de treino ao dia, com intervalo de 2 horas entre eles.
Tabela 1. Protocolo de treinamento intermitente para indução de overtraining
Preparo da Amostra. O plasma foi obtido após centrifugação, por 10 min a 3000 rpm, do sangue restante. O plasma foi separado e armazenado a -80°C após tratado com butilhidroxitolueno (BHT) 90mM, este que atua como um seqüestrador específico de espécies reativas de oxigênio.
Dosagens de Parâmetros Metabólicos.
Apresentação Gráfica e Análises Estatísticas.
Resultados
Figura 2. Concentração plasmática de ácido úrico (mg/dL) em ratos submetidos a protocolo de treinamento
intermitente por 8 semanas e ao aumento na freqüência diária de corrida (n = 8 para cada semana)
Os dados das concentrações plasmáticas de ácido úrico (mg/dL) mostraram uma grande variabilidade em relação a esse tipo de treinamento. O aumento na concentração de ácido úrico na Semana 4 pode indicar que houve elevação nos níveis de estresse oxidativo neste estágio do treinamento. As diferenças estatísticas significativas obtidas foram: p<0.05 controle em relação a Semana 4; p<0.05 Semana 4 em relação a Semana 8; p<0.01 Semana 4 em relação a 2x/dia; p<0.05 2x/dia em relação a 4x/dia.
Figura 3. Concentração plasmática de uréia (mg/dL) em ratos submetidos a protocolo de treinamento
intermitente por 8 semanas e ao aumento na freqüência diária de corrida (n = 8 para cada semana)
Os valores da mediana da concentração plasmática de uréia (mg/dL) aumentaram a partir da análise da Semana 8, sugerindo um efeito mais tardio na taxa catabólica protéica. O aumento mediano na Semana 8, em comparação a Semana 4, chegou a exatos 100%. Após a análise da Semana 8, a concentração de uréia no plasma não se alterou de forma tão acentuada, mesmo com o aumento na freqüência diária dos exercícios de corrida. Os valores obtidos de significância estatística foram: p<0.01 Semana 4 em relação a Semana 8; p<0.05 Semana 4 em relação a 4x/dia.
Figura 4. Concentração plasmática de creatinina (mg/dL) em ratos submetidos a protocolo de treinamento
intermitente por 8 semanas e ao aumento na freqüência diária de corrida (n = 8 para cada semana)
Da mesma forma que o observado para o treinamento contínuo (parte 1), a concentração de creatinina (mg/dL) diminuiu drasticamente somente após as primeiras quatro semanas (Semana 4) de exercício intermitente, voltando a valores próximos do grupo controle na oitava semana (Semana 8). Tal diminuição na Semana 4, em relação a mediana do grupo controle, chegou a 35.5.%. Na fase onde houve a tentativa de indução de overtraining (análises 2x/dia, 3x/dia e 4x/dia), obtivemos uma grande dispersão dos resultados, tal como ocorrido na Semana 4, porém com os valores de mediana flutuando numa mesma faixa. Esses dados sugerem que o estresse dessas últimas três semanas de treinamento também não foi predominantemente metabólico. Os valores de significância estatística foram: p>0.001 controle em relação a Semana 4; p<0.001 Semana 4 em relação a Semana 8; p<0.05 Semana 4 em relação a 2x/dia; p<0.01 Semana 4 em relação a 3x/dia; p<0.05 controle em relação a 4x/dia; p<0.05 Semana 8 em relação a 4x/dia.
Discussão
Tal como no treinamento contínuo (artigo Parte 1), utilizamos as análises de concentração plasmática de ácido úrico como um indicador da condição antioxidante plasmática. Vimos que a hipoxantina é convertida a ácido úrico via ativação da enzima xantina oxidase durante exercícios de alta intensidade (Hellsten et al., 1988), condição que caracteriza o nosso protocolo de treinamento intermitente (Figura 5).
Figura 5. Mecanismo de produção de espécies reativas de oxigênio através do processo isquemia-reperfusão. Adaptado de Adkison et al. (1986) e Granger et al. (1986)
Os resultados mostraram que o treinamento intermitente induziu aumento considerável na concentração plasmática de ácido úrico no momento de implementação da maior sobrecarga de corrida (análises da Semana 4 e 4x/dia). Considerando as características metabólicas dos dois tipos de protocolos, o treinamento intermitente possui uma tendência maior de gerar um quadro de isquemia-reperfusão, pelo fato dos exercícios de corrida de alta intensidade (condição de anóxia) serem intercalados com períodos recuperativos de pausa passiva (condição de oxigenação). A literatura aponta que a ativação da enzima xantina oxidase ocorre principalmente em eventos onde há isquemia-reperfusão da célula (Adkison et al., 1986; Granger et al., 1986).
Os marcadores de alterações metabólicas - uréia e creatinina – tiveram um comportamento muito próximo ao obtido pelo treinamento contínuo (artigo Parte 1), mostrando grande dispersão dos resultados. Bruin e colaboradores (1994), apesar de terem observado várias alterações metabólicas em cavalos de corrida submetidos a exaustivos treinamentos de endurance e intervalado, que os permitiram classificá-las como overtraining, não obtiveram modificações significativas na concentração plasmática de uréia, por exemplo. Não encontramos trabalhos na literatura relacionando alterações de concentração plasmática de creatinina e protocolos de treinamento intermitente. Por isso que se faz importante a utilização de vários marcadores de estresse, sejam de ordem fisiológica ou bioquímica, pois o heterocronismo das respostas orgânicas aos agentes estressores torna-se um fator a mais de dificuldade de detecção da síndrome do supertreinamento.
Utilizando-se dos mesmos protocolos para estudos do comportamento de geração de espécies reativas de oxigênio (EROs), pudemos observar que marcadores como as enzimas antioxidantes (catalase e glutationa redutase) e produtos de oxidações celulares de lipídios (substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico – TBARS) e proteínas (proteínas carboniladas) são extremamente mais sensíveis a modulações decorrentes dos estímulos específicos dos procedimentos de treinamento (Antunes Neto et al., 2008 a,b).
As EROs, também conhecidas como radicais livres, são formadas, principalmente, pela redução incompleta do oxigênio nos processos de geração de energia (Figura 6). O oxigênio consumido tem como principal via de metabolismo o sistema aeróbio, ou seja, a mitocôndria (Antunes Neto et al., 2006). Esse sistema é responsável pela utilização de 85 a 90% de todo o oxigênio consumido, com os outros 10 a 15% sendo utilizados por enzimas oxidases e oxigenases e por reações químicas de oxidação direta. Dos 85 a 90% de oxigênio que chega a cadeia de transporte de elétrons, 2 a 5% são reduzidos unilateralmente em metabólitos, tal como as EROs (Schneider, Oliveira, 2004). Durante a atividade física o consumo de oxigênio pode aumentar em até 20 vezes e a captação do mesmo pelos músculos ativos pode aumentar em até 100 vezes, favorecendo, dessa maneira a formação de EROs (Antunes Neto et al., 2005).
Figura 6. Mecanismos de formação de espécies reativas de oxigênio e as estratégias enzimáticas antioxidantes. Nota-se que o aumento de consumo de oxigênio possibilita vazamento
de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial, o que potencializa a geração das espécies reativas. Enzimas como xantina oxidase, NADPH oxidase, bem como os eventos
decorrentes de processos inflamatórios (ativação leucocitária), contribuem para geração elevada dos radicais livres. Uma das vias musculares mais
potentes de geração de peróxinitrito é a degradação do aminoácido arginina, circunstância vista em condição de exercício exaustivo
O estresse oxidativo ocorre em circunstancias nas quais há desequilíbrio entre os sistemas prooxidantes e antioxidantes, de maneira que os primeiros sejam predominantes (Scheneider, Oliveira, 2004). Dentro de uma estratégia de manutenção do estado redox contra condições oxidantes, o sangue exerce um papel fundamental, fazendo o transporte e redistribuição dos antioxidantes para todo o corpo; dessa maneira, a capacidade antioxidante no sangue pode nos dar estimativas dos níveis de estresse oxidativo, permitindo um modo de mensuração menos invasivo que por outras vias, como pela biopsia (Antunes Neto et al., 2006). Para livrar o organismo dos efeitos deletérios das EROs, há sistemas antioxidantes divididos em duas classes: o sistema não enzimático, composto principalmente por β-caroteno (pro vitamina A), ácido ascórbico (vitamina C), α-tocoferol (vitamina E) e grupamentos sulfidrila (SH), e o sistema enzimático, com a catalase (CAT), glutationa peroxidase (GPX), glutationa redutase (GR) e superóxido desmutase (SOD) como as principais enzimas (Powers et al., 1994).
Do ponto de vista metodológico, podemos pontuar a dificuldade em se obter adaptações positivas através de um protocolo intermitente de corrida utilizando-se animais. Um fator chave ao longo do processo de treinamento é manter efetivamente os animais correndo na esteira. Como o tempo de corrida de cada exercício é curto, qualquer descuido do animal pode interferir no resultado das análises. Muitas vezes, o animal consegue permanecer sem correr por ficar encostado na parte posterior da esteira, mesmo esta estando em rotação. Essa posição pode causar lesões em articulações e músculos, sendo um outro fator que pode contribuir com interpretações indevidas dos resultados.
Concluindo, tal como relatado para o protocolo de treinamento de corrida contínua, evidenciamos que o protocolo intermitente não possibilita uma clara tendência de modificações fisiológicas (ácido úrico, creatinina, uréia), o que nos leva a ressaltar a importância de eventos moleculares, sobretudo a geração de EROs e suas reações conseqüentes, para a instalação de um quadro de overtraining.
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