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Evolução da legislação federal e estadual em relação ao desporto
e lazer municipais: estudo do cenário no Vale do Taquari, RS, Brasil

Evolución de la legislación federal y estatal en relación al deporte y la recreación
municipales: estudio del escenario en Vale do Taquari, RS, Brasil

Federal and state regulations regarding sports and leisure in towns: study of the scenarios in Taquari Valley, RS, Brazil

 

*Mestre em Direito, professora do Curso de Direito

do Centro Universitário Univates, Lajeado, RS

**Doutor em Gestão do Desporto, professor

do Curso de Educação Física do Centro Universitário Univates

***Mestre em Ciência do Movimento Humano, coordenador do Curso de Educação Física

Licenciatura, do Centro Universitário Univates
(Brasil)

Beatris Francisca Chemin*

bchemin@univates.br

Lauro Inacio Ely**

lauroely@brturbo.com.br

Derli Juliano Neuenfeldt***

derlijul@univates.br

 

 

 

 

Resumo

          O esporte e o lazer têm participação nas sociedades desde a Antiguidade. Este artigo faz parte da pesquisa “Estudo do cenário de desporto e lazer no Vale do Taquari, RS, Brasil”, investigação ligada à Rede Cedes, do Ministério do Esporte, e ao Centro Universitário Univates, e tem como objetivo identificar a legislação federal e estadual do Rio Grande do Sul, com repercussão municipal referente aos direitos sociais constitucionais do desporto e do lazer. A área de análise foi referente ao desporto e lazer como bens públicos, administrados pelas prefeituras do Vale do Taquari, RS, e apresenta-se síntese de oito categorias investigadas: estrutura física, recursos materiais, recursos humanos, recursos financeiros, políticas públicas de esporte e lazer, política de parcerias, programas e projetos e política de avaliação. Utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica e documental, com textos do ordenamento jurídico da esfera federal e estadual, além de levantamento de dados nos municípios da região pesquisada, constatando-se que esses direitos estão expressos em disposições gerais, mas ainda sem políticas públicas concretas marcantes, o que se dilui mais quando se trata de legislação e implementação de ações municipais.

          Unitermos: Desporto. Lazer. Legislação. Municípios.

 

Abstract

          Sports and leisure are part of society since distant past. The present essay is part of the research: “Study of the scenarios of sports and leisure in the Taquari Valley – RS- Brazil” which is connected to the CEDES network of Sports Ministry and to Centro Universitario Univates. It aims at identifying the Federal and Rio Grande do Sul state regulations followed by towns regarding social and constitutional rights related to sports and leisure. The analysis refers to sport and leisure as public property which is administered by the towns of the Taquari Valley - RS and presents the synthesis of eight categories investigated such as physical structure, material resources, human resources, financial resources, public policies on sport and leisure, partnership policies, programs and projects, and evaluation policies. A documental and bibliographical analysis was carried out based on texts of state and federal legislation. It was found that these rights are only referred to general clauses with no real public policies, and these rights are even more poorly defined when it comes to regulations and implementation of actions at the town scope.

          Keywords: Sports. Leisure. Legislation. Towns.

 

          A pesquisa contou também com os bolsistas do Curso de Educação Física do Centro Universitário Univates, financiados pelo Ministério do Esporte: Carina Almeida Miguel, Diones Andréia Friedrich, Eliana Seibel Weizenmann, Leandro Ferri, Sabrina Bruxel e Samanta Carini Giovanella.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com

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1.     Introdução

    Desde a Antiguidade, o esporte e o lazer tiveram participação marcante nas sociedades. De lá para os tempos atuais, muitos aspectos relativos a cada um deles foram aperfeiçoados, também por meio de legislação estatal, trazendo novos conceitos e disseminação para mais segmentos da população, inclusive com o Brasil tendo a previsão de realizar megaeventos1 nesta década.

    Assim, este artigo, faz parte da pesquisa “Estudo do cenário de desporto e lazer no Vale do Taquari, RS, Brasil”, investigação ligada à Rede Cedes, do Ministério do Esporte, e ao Centro Universitário Univates, e objetiva inicialmente identificar a legislação federal e estadual do Rio Grande do Sul com repercussão municipal referente aos direitos sociais constitucionais do desporto e do lazer, para, posteriormente, trazer alguns resultados do levantamento de dados, relativos ao período de maio/2009 a abril/2010.

    Os procedimentos metodológicos deste texto são baseados em pesquisa qualitativa, a partir de Mezzaroba e Monteiro (2008), utilizando-se técnica documental e bibliográfica. Os dados do levantamento foram conseguidos por meio de entrevista com roteiro semiestruturado, em que foram integrantes da amostra os gestores desportivos dos 36 municípios da região do Vale do Taquari/Rio Grande do Sul, Brasil (LAKATOS; MARCONI, 2002; NEGRINE, 1999). Esclarece-se que, para fins deste artigo, os termos ‘desporto’ e ‘esporte’ serão usados como sinônimos.

    Portanto, este texto tratará, no primeiro momento, da evolução do desporto e do lazer, seguida da sua constitucionalização pela Carta Magna de 1988 e da legislação infraconstitucional com repercussão municipal, para, ao final, trazer alguns dados de duas categorias pesquisadas: políticas públicas municipais para o esporte e o lazer e a existência de programas e projetos públicos na área estudada.

2.     Evolução histórica do desporto e do lazer

    As práticas esportivas, desde a Antiguidade, exercem papel significativo na vida de pessoas, pelo status de heróis ou ídolos aos quais elas eram alçadas, como no Egito, Roma e Grécia antiga, com seus gladiadores, os jogos olímpicos e outros esportes (CABEZÓN, 2006; CARDOSO FILHO, 2007).

    Na Grécia antiga, o desporto era praticado como forma de cultivo ao corpo, à beleza, no sentido de honra e glória, além de servir de agrado e cultivo à adoração aos deuses. Foi nessa época e local que surgiram os jogos olímpicos, que reuniam vários atletas para demonstrar destreza e superar seus limites. Já na Roma antiga, o desporto tinha um caráter mais competitivo e de demonstração de força, com a prática de lutas cruéis entre gladiadores.

    Na Idade Média, o desporto tinha caráter religioso, demonstrado por meio das Cruzadas e suas cavalarias; os desportos praticados eram os de utilidade imediata, como preparação para a guerra, sendo que a partir da Idade Moderna “o desporto adquiriu aspectos próprios, envolvendo tanto interesses políticos e sociais como econômicos” (BASTOS; MARTINS, 1998, p. 737). Some-se a essa importância social que as atividades esportivas assumem na atualidade, “bem como da empatia que os atletas têm com o público, que as empresas vêem no esporte um mecanismo de potencializar a venda de seus produtos, daí por que investem com vigor em patrocínio” (CARDOSO FILHO, 2007, p. 161).

    O vocábulo desporto é antigo e clássico, tendo o sentido de divertimento e recreação. Sobre seu conceito:

    O conjunto de exercícios praticados individualmente ou em equipes, que segue determinado método, ou ainda como sendo a prática metódica de exercícios físicos com o intuito de aumentar e desenvolver a força, a destreza e a superação dos limites do corpo humano e também a educação do espírito, através do desenvolvimento das qualidades de perseverança e decisão (BASTOS; MARTINS, 1998, p. 735).

    Especificamente no Brasil, no período da Colônia, não há instrumento legal de normatização do esporte, apenas práticas utilitárias dos índios e colonizadores, como arco e flecha, natação, canoagem, corridas, caminhadas, equitação, caça e pesca. No Império, houve a criação de decretos para as escolas militares, nas quais foi estabelecida a obrigatoriedade de algumas práticas esportivas relacionadas à esgrima, natação, ginástica, equitação, tiro ao alvo, remo, o que influenciou também os colégios civis oficiais: “Naquela época, o esporte e a Educação Física eram considerados concomitantemente, não ocorrendo uma distinção teórica. Apesar disso, as competições esportivas já aconteciam isoladamente, começando a receber uma interpretação independente das sessões de Educação Física” (TUBINO, 2002, p. 20).

    No período da Republica até o Estado Novo, surgiram e/ou se difundiram as principais modalidades esportivas no país, como remo, natação competitiva, basquetebol, tênis, futebol e esgrima, especialmente ligados às escolas militares. Desde 1920, para o estudioso, o Brasil iniciou a participar regularmente de competições internacionais, e o futebol começou a se tornar o primeiro esporte em preferência popular, levando o Estado a preparar a regulamentação do esporte nacional. Assim, a primeira legislação esportiva oficial foi o Decreto-lei 3.199/1941, cujo autor intelectual foi João Lyra Filho, que estabeleceu as bases de organização e de burocratização ou cartorialização do esporte nacional, criando, inclusive, os Conselhos Nacional e Regionais de Desportos e reconhecendo a existência de prática esportiva profissional, bem como tratando das confederações desportivas, as federações, as ligas e associações, as competições desportivas, as medidas de proteção aos desportos, as regras, os símbolos e expressões desportivas.

    De 1941 a 1945, foram editados atos que complementaram a intenção do Estado Novo de Getúlio Vargas de controlar e estabelecer a tutela do esporte nacional, que, segundo Tubino (2002), durou até 1985. Destaque nesse período, além do Decreto-lei 3.199/1941, para o Decreto 9.627/1942, que aprovou o Regimento do Conselho Nacional de Desportos (CND).

    Na década de 1970, surgiram várias manifestações internacionais e nacionais que mexeram com o que havia na área esportiva no país:

    A concepção mundial do movimento ‘Esporte para todos’ e a sua chegada ao Brasil, os manifestos dos organismos internacionais ligados à Educação Física e ao Esporte, o Diagnóstico de Educação Física/Desportos do Brasil em 1971, a criação da Comissão de Esporte e Turismo no Congresso Nacional e a respectiva promoção do ciclo de debates ‘Panorama do Esporte Brasileiro’, a reestruturação do Ministério da Educação e Cultura quanto ao setor responsável pela Educação Física/Esportes, foram os registros de, por que não dizer, verdadeiras reações ao status quo (TUBINO, 2002, p. 39).

    Tudo isso deixou claro que o esporte nacional precisava de modernização, o que viria a ocorrer com a Lei 6.251/1975, que instituiu normas gerais sobre desportos, sendo regulamentada pelo Decreto 80.228/1977, que tratava da Política Nacional de Educação Física e Desportos, do Plano Nacional de Educação Física e Desportos, dos recursos para a Educação Física e os desportos, do Sistema Desportivo Nacional, do Desporto Comunitário, do Desporto Estudantil, do Desporto Militar, do Desporto Classista, do CND, dentre outros aspectos.

    Portanto, de 1941 a 1985, houve vários instrumentos legais que contribuíram para a organização e o desenvolvimento do esporte no Brasil, quando foram oferecidas condições para as práticas esportivas dos estudantes universitários, para a implantação da loteria esportiva, para o esporte militar e para o amparo do atleta profissional, no entendimento de Tubino (2002).

    Já quanto ao lazer, na época clássica, Aristóteles observava que o skolé (escola, ócio) constituía um ideal de vida espiritual (ORTEGA, 2000). Na Idade Média, as interpretações cristãs de Aristóteles atribuíram uma índole sagrada à contemplação, à sabedoria e à beleza a serem cultivadas pelos monges nos mosteiros. Neste ambiente, a prioridade era a contemplação da divindade, a atividade intelectual, depois o trabalho manual; os nobres desfrutavam do ócio, enquanto seus servos trabalhavam no campo ou, em épocas de guerra, incorporados às tropas de seus senhores feudais.

    Na Idade Moderna, o movimento trabalhista modificou a atitude dos homens diante do tempo livre, com ações no sentido de limitar as horas diárias de trabalho dos operários e, posteriormente, com um começo de participação dessa classe trabalhadora em algumas atividades culturais e esportivas em países mais desenvolvidos (NASCIMENTO, 2004).

    No século XX, as ciências sociais passaram a analisar mais sistematicamente o tempo livre, tentando explicar até onde vai e como são as suas relações com o trabalho e o lazer. Entretanto, já a partir da sociedade industrial, e com força extraordinária na pós-industrial, o tempo livre – outrora conhecido como ócio, tempo de contemplação, de criação, de prazer – teve modificada sua abordagem, aparecendo sob a forma de lazer, de acordo com Chemin (2007). No Brasil, especialmente com a CF/1988, é que o lazer começou a ser discutido mais intensamente.

    O lazer é um campo de atividade em estreita relação com as demais áreas de atuação humana, havendo divergências não só quanto às atividades ou sentidos correspondentes ao termo – sendo associado popularmente, além de a tempo livre do trabalho, a estilo de vida, a atividades recreativas e culturais, a eventos de massa, ou, ainda, segundo tendência reforçada pelos meios de comunicação de massa, a atividades como teatro, cinema, exposições, esportes, ou a manifestações ao ar livre e de conteúdo recreativo – mas também quanto à utilização da própria palavra. Em espanhol, italiano e alemão, não há palavra correspondente a “lazer”; aparecem recreação e tempo livre. Na França e Brasil, prefere-se o termo lazer, já que recreação está mais ligada à recreação escolar. Nos países de língua inglesa, tanto recreação como lazer são usados (CAMARGO, 1999).

3.     Constitucionalização do esporte e do lazer

    Na década de 1980, o país começou a trabalhar na nova Constituição de 1988, com a consequente constitucionalização do lazer e esporte brasileiro. Ela trouxe expressamente, no seu art. 6º, o lazer como direito social, ao lado de outros, sendo que as práticas desportivas possuem relação com o lazer dos artigos 6º e 7º, IV, e aparece mais claramente no art. 217, ressaltando, dentre outros aspectos, que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, além de incentivar o lazer como forma de promoção social. Já os arts. 5º, XXVIII, e 24, IX tratam da proteção dos direitos de personalidade nas atividades desportivas e da competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre o desporto.

    Além disso, há outros artigos do mesmo diploma legal que inferem importância direta ou indireta ao lazer: o art. 7º, IV, que refere o salário mínimo, que seja capaz de atender a necessidades básicas do trabalhador e as de sua família; o art. 227, em que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem diversos direitos, entre eles, o direito ao lazer.

    As modalidades esportivas constituem manifestações tipicamente urbanas e difundidas, quase sempre, a partir de modelos estrangeiros, na opinião de Requixa (1977, p. 62), acrescentando que, embora haja urbanização acentuada no país, aspectos do desenvolvimento social mostram-se desnivelados em relação àquele processo: “apesar do desenvolvimento econômico, persistem ainda grandes parcelas de população sem acesso aos serviços urbanos básicos, onde incluímos os recursos para a prática de determinados tipos de lazer”. Continua o autor, dizendo que há excessiva concentração esportiva no futebol e que o hábito esportivo não está suficientemente desenvolvido, citando a estrutura do ensino brasileiro, a falta de equipamentos, a redução dos equipamentos naturais existentes, o baixo nível socioeconômico e o pouco tempo livre como obstáculos à prática esportiva. Mesmo assim, no Brasil, há bons exemplos ligados ao lazer esportivo, promovidos pelo Poder Público e pela iniciativa privada.

    Em 1989, foi criada a Lei 7.752, sobre benefícios na área do imposto de renda e outros tributos concedidos ao desporto amador, revogada em seguida pela Lei 8.034/1990.

    Em 1996, a Lei 9.394 estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional (LDB), sendo que no seu art. 26, § 3º, a educação física deverá ser integrada à proposta pedagógica do ensino fundamental e médio, como componente curricular obrigatório da educação básica, mas admitindo exceções em algumas situações; já no art. 27 refere que os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais.

    Por meio da Lei 8.650/1993, os treinadores de futebol conseguiram sua regulamentação profissional. Nesse mesmo ano, foi editada a Lei Zico, Lei 8.672, que instituía normas gerais sobre desportos, sendo regulamentada pelo Decreto 981/1993.

    A partir das discussões de estabelecer passe livre aos atletas profissionais do futebol, foi criada a Lei Pelé – Lei 9.615/1998, regulamentada pelo Decreto 2.574/1998. Essa lei avança em relação à Lei Zico, aperfeiçoando algumas normas gerais para o desporto nacional, como os princípios fundamentais do desporto; sua natureza e finalidades; o sistema brasileiro do desporto; a prática desportiva profissional; a ordem desportiva; a justiça desportiva; os recursos para o desporto; o bingo, dentre outros.

    Assim, um dos aspectos, também tratado na Lei Zico e repetido no art. 3º da Lei Pelé, que merece destaque, diz respeito às manifestações pelas quais o desporto pode ser reconhecido: desporto educacional, de participação e de rendimento. O desporto educacional, para Konig (2008, texto digital), seria aquele “praticado no âmbito escolar, ambiente universitário, bem como em todas as demais instituições de ensino, com vista ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do indivíduo através do incentivo à prática desportiva, contribuindo para a formação da sua cidadania e integração com os demais educandos”. O desporto de participação consistiria em um conjunto de pessoas que se reúnem para participar de evento amistoso com a principal finalidade de integração social entre os participantes, como, por exemplo, em eventos e jogos desportivos realizados entre um grupo de amigos, atletas, funcionários de associações ou sociedades, empresas públicas ou privadas. É o que também se chama de “esporte de lazer”, no qual se busca o lazer no esporte. Já o desporto de rendimento tem por finalidade a obtenção de resultados, da vitória como objetivo principal, buscando, inclusive, resultados competitivos e/ou financeiros e a integração entre indivíduos de diferentes países.

    Segundo Tubino (2002), questões polêmicas relativas a bingo, papel e limites dos investidores estrangeiros no futebol brasileiro, passe e necessidade dos clubes profissionais se tornarem empresas foram motivações para a mudança da legislação, desembocando na Lei 9.981/2000 (Lei Maguito Vilela), que alterou bastante a Lei Pelé, especialmente nos assuntos ligados ao futebol profissional.

    Outra normatização importante na área desportiva é o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671/2003), que estabelece normas de proteção e defesa do torcedor, que se adapta/integra ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). Há ainda a Resolução CNE nº 1/2003, que aprovou o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, atendendo ao disposto nas Leis Pelé e do Estatuto do Torcedor.

    Procurando atender também a outra camada da população, que muito tem crescido no país, é criada a Lei 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso, que traz vários dispositivos relativos ao esporte e ao lazer para a terceira-idade: arts. 3º, 20, 23 e 50, como obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito ao esporte e ao lazer, dentre outros.

    Nesse ínterim, é criado pela Medida Provisória 103/2003, o Ministério do Esporte (ME), que tem como missão “formular e implementar políticas públicas inclusivas e de afirmação do esporte e do lazer como direitos sociais dos cidadãos, colaborando para o desenvolvimento nacional e humano”. O ME elaborou o documento Política Nacional de Esporte, discutido no Conselho Nacional de Desportos, que propiciou a implantação das Conferências Nacionais de Esportes. Foram realizadas três Conferências Nacionais (2004, 2006 e 2010), esta última com a finalidade de consolidar uma política nacional do esporte como direito social, ocasião em que também foi aprovado o Plano Decenal de Esporte e Lazer “10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais”.2

    Também em 2003, merece destaque o trabalho desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério do Esporte, que publicou a “Pesquisa do Esporte 2003”, um dos raros diagnósticos sobre a área no país, realizada com informações obtidas no órgão gestor do esporte nos Estados e no Distrito Federal. Os resultados da pesquisa contemplam informações sobre pessoal ocupado na gestão do esporte, convênios ou outras parcerias realizadas pelo Governo dos Estados relacionadas ao desenvolvimento de ações, projetos e programas focados na área, além de instalações e equipamentos esportivos existentes e em construção, de propriedade e/ou gestão estadual.

    Já em 2006, foi editada a Lei 11.438, conhecida como Lei de Incentivo ao Esporte, regulamentada pelo Decreto 6.180/2007, que estabelece benefícios fiscais para pessoas físicas ou jurídicas que estimulem o desenvolvimento do esporte nacional, por meio do patrocínio/doação para projetos desportivos e paradesportivos nas manifestações de desporto de participação, desporto educacional e de rendimento.

    Como se pode observar, no que diz respeito ao legislador infraconstitucional brasileiro, ainda que em pequena quantidade de diplomas legais até o momento, ele está se preocupando em formalizar o direito ao lazer e ao desporto, mesmo que tenha maior abrangência em relação a crianças, adolescentes e idosos, e ao futebol profissional.

4.     Legislação federal com reflexos no desporto municipal

    Especificamente relacionado ao desporto dos Municípios, há pouca legislação nacional, salientando-se a Lei Pelé, Lei 9.615/1998, que traz os seguintes aspectos:

  1. No art. 2°, X, refere que o desporto, como direito individual, possui como base os princípios fundamentais da descentralização e autonomia nos níveis federal, estadual, distrital e municipal;

  2. No art. 4°, IV, referente ao Sistema Brasileiro do Desporto, menciona que faz parte da sua composição os sistemas dos três níveis hierárquicos, organizados de forma autônoma e em regime de colaboração, integrados por vínculos de natureza técnica específicos de cada modalidade desportiva;

  3. No art. 6°, § 3°, sobre os recursos públicos que constituem o Ministério do Esporte, aparece que do adicional de 4,5% incidente sobre os bilhetes de concursos de prognósticos previstos em lei, do “montante arrecadado nos termos do § 2o, cinquenta por cento caberão às Secretarias Estaduais e/ou aos órgãos que as substituam, e cinquenta por cento serão divididos entre os Municípios de cada Estado, na proporção de sua população”;

  4. No art. 25, há a referência de que os Estados e o Distrito Federal constituirão seus próprios sistemas de desporto, sendo que no parágrafo único é citado que “aos Municípios é facultado constituir sistemas próprios, observadas as disposições desta Lei e as contidas na legislação do respectivo Estado”;

  5. No art. 56, ainda trata sobre os recursos para o desporto, ao destacar que os recursos necessários ao fomento das práticas desportivas formais e não-formais a que se refere o art. 217 da CF/1988 serão assegurados em programas de trabalho específicos constantes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

  6. O art. 85 salienta que os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e também das instituições de ensino superior, irão definir normas específicas para verificar o rendimento e o controle de frequência dos estudantes que integrarem representação desportiva nacional, a fim de harmonizar a atividade desportiva com os interesses relacionados ao aproveitamento e à promoção escolar.

    Portanto, com vistas a um cenário do desporto e lazer municipal, para concretizá-los como direitos sociais efetivos, em termos de legislação federal, há muito por ser feito.

    Também por isso é que a 2ª Conferência Nacional de Esporte, de 2006, promovida pelo ME, discutiu, dentre outros aspectos, as competências dos gestores estaduais e municipais na área do esporte e do lazer, as quais devem ser integradas pela colaboração e comprometimento, respeitando-se as características de cada instância, priorizando a inclusão social. Ela também propõe, dentre outros aspectos, a criação de centros de referência de esporte e lazer para pessoas portadoras de necessidades especiais, idosos, obesos e outros, nas esferas estaduais e municipais (II CONFERÊNCIA..., 2006).

5.     Legislação estadual do desporto e lazer

    O Rio Grande do Sul possui legislação sobre o desporto e lazer, algumas delas foram elaboradas pela necessidade de atender às normas federais, como é o caso da Constituição Estadual de 1989, que trata sobre o desporto no seu Capítulo II, Seção III, arts. 232 e 233, que falam sobre o dever do Estado em fomentar e amparar o desporto, o lazer e a recreação como direito de todos, além de especificar a competência de legislar sobre a área.

    Em decorrência da CF/1988 e da Constituição Estadual, os municípios ficaram obrigados a também terem sua Lei Orgânica Municipal, uma lei geral elaborada na esfera municipal, adaptada às determinações e limites impostos pela legislação superior. Portanto, de modo geral, especialmente em municípios menores, aparecem alguns poucos artigos sobre esporte e lazer ou apenas inciso(s) dentro de artigos relacionados a temáticas mais amplas.

    Há também a Lei n° 10.726/1996, que institui o Sistema Estadual do Desporto (SED) e dispõe sobre normas gerais de desporto no âmbito do Rio Grande do Sul, destacando, no seu art. 1º, que o “desporto estadual abrange práticas formais e não-formais, obedece aos dispositivos da legislação federal e desta Lei, e é inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito”, inclusive mencionando que as práticas formais são aquelas reguladas por normas nacionais e internacionais, e as não-formais são caracterizadas pela liberdade lúdica de seus participantes.

    Essa mesma lei, no seu art. 6º, refere que o SED congrega as pessoas físicas e jurídicas encarregadas da coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da justiça desportiva e compreende, dentre outros, nos seus incisos III, os Conselhos Municipais de Desportos (CMD); e IV - os órgãos governamentais municipais responsáveis pela execução e direção do desporto. Além disso, cita, no art. 14, que os municípios constituirão seus próprios sistemas, respeitadas a legislação federal, onde couber, e as normas estabelecidas nesta lei, e que, no art. 15, enquanto os municípios não fixarem normas de organização e funcionamento dos respectivos sistemas do desporto, aplicam-se os dispositivos da legislação federal e desta lei.

    Outro aspecto significativo dessa lei é a criação, pelo art. 16, do Conselho Estadual de Desportos (CED), sendo que uma de suas atribuições é trabalhar em parceria com os municípios, para estimular a prática do desporto em todas as suas manifestações e faixas etárias. Por fim, o art. 17 refere que esse Conselho será composto de quinze membros titulares e respectivos suplentes, nomeados pelo Governador do Estado, por indicação do titular da Pasta da Educação, sendo que um dos seus representantes será dos CMDs.

    Outra lei estadual que possui ligação com o desporto e lazer é a Lei 11.691/2001, que autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação de Esporte e Lazer do RS – FUNDERGS, a qual estava vinculada à então Secretaria do Turismo, Esporte e Lazer, destinada a projetar, planejar, coordenar e executar a política de esporte e lazer do RS. Pelo que está mencionado no § 2º do art. 1°, as atividades dessa Fundação deverão ser exercidas de acordo com a Política e o Plano Estadual de Esporte e Lazer e de forma integrada com os Sistemas Nacional, Estadual e Municipais de Esporte e Lazer, sendo que suas finalidades são promover o esporte educacional e de práticas corporais de lazer, incentivar o esporte participação, o esporte de rendimento, formar e capacitar recursos humanos na área, dentre outras.

    Em 2002, por meio da Lei 11.721, fica disciplinado o funcionamento de clubes, academias e outros estabelecimentos que ministrem atividades de ginástica, lutas, musculação, artes marciais, esportes e demais atividades físico-desportivo-recreativas no nosso Estado, com a obrigatoriedade de manterem profissionais de Educação Física registrados no Conselho Regional da área, além de certificado de registro no CREF/RS.

    Em 2006, pela Lei 12.542, fica disposto sobre a obrigatoriedade de academias de ginástica, clubes esportivos e estabelecimentos similares no nosso Estado exibirem placa advertindo sobre as consequências do uso de anabolizantes.

    Em 2009, por meio da Lei 13.320, foi consolidada a legislação relativa à pessoa com deficiência no nosso Estado, em que 15 leis estaduais, entre elas a 10.726/1996 (Sistema Estadual do Desporto) foram inseridas, com vistas a facilitar o acesso desses cidadãos aos seus direitos.

    Por fim, em 01 de janeiro de 2011, pela Lei 13.601, foi criada uma Secretaria Estadual específica para o Esporte e o Lazer - SEL, desmembrada da Secretaria do Turismo. A competência dessa nova Secretaria, dentre outras, pelo art. 42, será de coordenar e executar a política estadual de esporte, com vistas ao fortalecimento do Sistema Estadual do Esporte. Com relação aos municípios, essa Secretaria terá como atribuições administrar e viabilizar a implantação, revitalização e manutenção de parques, áreas de lazer e equipamentos esportivos no âmbito estadual, além de estimular a criação desses espaços nos municípios e de pólos regionais de desenvolvimento do esporte; também a de articular a política estadual de desenvolvimento do esporte, em consonância com a política nacional do esporte e com as políticas municipais, dentre outras atribuições. Ainda, coordenará o Comitê Gestor para as ações da Copa do Mundo de Futebol de 2014, a ser realizada no Brasil.

6.     Cenário do desporto e lazer no Vale do Taquari, RS

    O Vale do Taquari se situa na região central do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Pela distribuição dos municípios feita pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES) do RS (Lei 10.283/1994), foram criados Conselhos por regiões, e o do Vale do Taquari é o CODEVAT, que conta com 36 municípios. Na pesquisa geral que objetivou estudar o cenário do desporto e do lazer dos municípios do Vale do Taquari/RS, tomando-se por referência a situação existente no ano de 2009, a amostra deste estudo foi a totalidade dos municípios integrantes da região, ou seja, 36 gestores, responsáveis pelo desporto e lazer de seu município. A área de análise foi referente apenas ao desporto e lazer como bens públicos, administrados pelas prefeituras, e neste artigo apresenta-se síntese de oito categorias investigadas: estrutura física, recursos materiais, recursos humanos, recursos financeiros, políticas públicas de esporte e lazer, política de parcerias, programas e projetos e política de avaliação.

a.     Estrutura física

    O estudo mostrou que o principal cenário para a prática do desporto e lazer no Vale do Taquari/RS está concentrado nos ginásios poliesportivos, pois os municípios disponibilizam a média de dois ginásios e a maioria de boa qualidade, tendo como maior demanda as práticas do futsal e voleibol. Historicamente, a região apresenta cenário de futebol de campo amador comunitário muito forte; no entanto, os dados indicam que as prefeituras possuem poucos campos de futebol administrados por elas, mas que elas auxiliam os clubes de futebol, tanto na manutenção da estrutura física como também no repasse de recursos financeiros. Dos 36 municípios contemplados neste estudo, 72,2% disponibilizam espaços físicos para a prática do voleibol de areia, sendo que a maioria destes está lotada em praças públicas ou mesmo em parques no centro das cidades. Sobre praças públicas, 97,2% dos pesquisados as possuem, mas a maioria não oferece boa estrutura física para práticas desportivas e de lazer.

b.     Recursos materiais

    Existe material suficiente que atende à demanda basicamente nas modalidades de futsal e voleibol. O material que os municípios dispõem para a prática desportiva, principalmente em relação a bolas, é canalizado para dois segmentos: eventos (torneios ou campeonatos) e escolinhas desportivas. Quanto à colocação de placares nos seus ginásios poliesportivos, 94,4% dos municípios que os possuem disponibilizam os modelos manuais. Ainda sobre implementos, como bambolês, cones, cordas, bastões e colchonetes, 47,2% possuem materiais, mas em pouca quantidade, assim como também 50,0% referiram ter jogos para a prática do xadrez. Ficou caracterizado que os materiais, salvo as bolas dos desportos tradicionais, em aproximadamente 60,0%, estão lotados nas escolas municipais.

c.     Recursos humanos

    Na região pesquisada, somente 5,5% dos municípios possuem Secretaria específica para tratar das questões do desporto e lazer; na maioria dos lugares, a área responde para a Secretaria de Educação. A metade dos pesquisados apresenta na gestão do desporto e do lazer a figura de coordenador, chamando a atenção que a grande maioria deles é contratada e nenhum é concursado e, ainda, somente em 5,5% dos municípios os seus coordenadores são profissionais de Educação Física e, em 22,2% deles, os gestores são acadêmicos de Educação Física. Além disso, a maioria dos municípios se utiliza de trabalho voluntário, principalmente por ocasião da realização de eventos desportivos, e sempre são pessoas da própria comunidade. Dos 36 municípios, 36,1% não possuem nenhum professor de Educação Física na sua estrutura hierárquica para gerir o desporto e o lazer, sendo isso mais presente nos municípios menos populacionais.

    Pelo fato de a maioria (75,0%) dos municípios da região ter menos de 10 mil habitantes, a média de gestores por local não chega a cinco, ficando abaixo do estudo realizado pelo IBGE (2006) que apontou, no ano-base 2003, a média dos municípios brasileiros de 8 a 11 pessoas atuando na gestão do desporto e lazer públicos.

d.     Recursos financeiros

    Quase a metade dos municípios do Vale do Taquari teve destinado, no ano de 2009, um orçamento inferior a R$ 20.000,00, para gerir o desporto e lazer públicos, enquanto os 11,11%, com população entre 20 mil e 40 mil habitantes, afirmaram ter orçamento anual para o desporto e lazer, entre R$ 150.000,00 e R$ 300.000,00. Os maiores municípios (5,5%) em termos populacionais, e coincidentemente os que possuem uma Secretaria específica para o desporto e lazer, tiveram um orçamento próximo de R$ 1.000.000.00.

    Em relação às receitas e despesas mensais com a área, dos poucos que informaram, as receitas e as despesas mensais ficam entre R$ 1.000,00 e R$ 7.000,00. Comparando-se os dados do IBGE (2006) – em que foram analisados os municípios brasileiros com população de menos de 5 mil pessoas, os quais utilizaram do orçamento geral para o desporto e lazer 0,9% no ano-base 2003 – com os municípios do Vale do Taquari/RS na mesma faixa populacional, observa-se que estes investem menos no desporto e lazer do que a média nacional.

    Em torno de 10,0% dos 36 municípios pesquisados possuem, além dos recursos da própria prefeitura, outros oriundos do Ministério do Esporte, do Estado do Rio Grande do Sul e da iniciativa privada. Alguns não souberam informar se existiam essas fontes alternativas. Ficou perceptível que há pouco conhecimento da área de recursos financeiros pelos gestores do desporto e lazer, modificando muito pouco esse cenário se forem comparados os municípios de populações menores com os de maiores.

e.     Políticas públicas

    Assim, quanto à categoria das políticas públicas, um pouco mais da metade dos municípios (52,7%) afirmou ter política de desporto e lazer, mas o restante dos entrevistados informou não terem políticas, ou não sabiam, ou não responderam. Para alguns pesquisados, política pública significa realizar um ou outro evento no ano, e não um conjunto planejado, estruturado e continuado de ações para a área. A maioria das atividades desenvolvidas (quase 60%) está voltada para crianças, jovens e terceira idade, sendo que mais da metade dos projetos sociais estão relacionados para grupos de terceira idade. Somente um município informou ter como meta a criação de uma Secretaria de Esportes, convergindo, dessa forma, com a visão de Marcellino (2001) quando refere que o status de secretaria poderá estruturalmente funcionar melhor.

f.     Política de parcerias

    Dos 36 municípios que fazem parte do estudo do cenário de esporte e lazer do Vale do Taquari/RS, 33,3% não possuem uma política de parcerias e 19,4% não informaram ou não sabem se existe ou não alguma. Dos 47,2% que possuem, somente 13,8% deles disseram que estão no papel. Ou seja, mais da metade dos que têm parcerias, não têm ou não souberam informar se essas eram documentadas.

    Ainda em relação aos que possuem política de parcerias, para a maioria deles essa acontece com a iniciativa privada, vindo em segundo lugar com a iniciativa pública. Dos que trabalham com parcerias, uma minoria de 13,8% faz registros sobre isso. A maioria dos municípios que trabalha com políticas de parcerias com a iniciativa privada é quase sempre sob a forma de apoio, principalmente quando da realização de eventos desportivos.

    A coleta de dados mostrou que a maioria das prefeituras encontra dificuldades para implantar parcerias, pois faltam bons projetos, faltam recursos humanos qualificados para captar parceiros, para gerir o processo, para identificar o que cada parte quer do outro e o que pode oferecer, para avaliar o processo e mensurar os seus impactos, sejam eles políticos, sociais, econômicos, sejam institucionais ou outros. Para Ely (2005), as parcerias são um processo inevitável para qualquer entidade ou organização alcançar êxito em sua atividade, inclusive auxiliando na sua sustentabilidade.

g.     Projetos e programas

    Já quanto à categoria de projetos e programas, os municípios de maiores populações realizam um leque maior de projetos e programas, principalmente os que dispõem de uma Secretaria específica para o desporto e do lazer. A maioria dos eventos contempla as modalidades de futebol, futsal e voleibol, sendo que as escolinhas contemplam as mesmas modalidades. A preponderância está no desporto de participação.

h.     Política de avaliação

    Em relação à avaliação das ações desenvolvidas pelos municípios, 80,5% alegam ter uma política sistemática de avaliação, sendo que, destes, a maioria tem essa preocupação basicamente com os eventos realizados, ficando os programas como escolinhas e terceira idade em segundo plano. 8,3% mencionaram que a avaliação dos eventos é feita de forma verbal, enquanto 5,5% não têm uma política de avaliação das suas ações e ainda 5,5% disseram que a avaliação, que é superficial e precisa melhorar, é feita entre a chefia do Executivo e a Secretaria de Educação, para a qual a área do desporto e do lazer responde.

    Dos 80,5% que alegaram ter uma política de avaliação sistemática, 36,1% geram os relatórios sempre no final dos projetos ou dos eventos. Também 13,8% informaram que os clubes participantes fazem uma ata; 22,2% não informaram sobre o destino desses relatórios enquanto 19,4% mencionaram que os relatórios são arquivados, mas sem saber onde especificamente.

    Quando se fala em avaliação das ações desenvolvidas pelos municípios, entendeu-se que eles têm como preocupação a avaliação de eventos em si, e que, seguidas vezes, se reportam ou entendem como avaliação apenas os resultados dos eventos, como, por exemplo, quem ficou campeão, e esse contexto fica mais acentuado em municípios de populações menores. Cohen e Franco (2004) enfatizam que os momentos da avaliação devem ser no começo de um projeto, com o objetivo de avaliar se ele deve ou não ser posto em prática, e quando o projeto já está sendo executado ou concluído, e as decisões devem ser tomadas tendo como parâmetro os resultados efetivamente alcançados.

    O estudo concluiu que nos municípios que utilizam política de avaliação das suas ações, na maioria deles, participam do processo integrantes das Secretarias às quais estão vinculados o desporto e o lazer, assim como também essa maioria alega realizar a avaliação para identificar possíveis pontos negativos e positivos, com a intenção de melhorar a edição seguinte.

    Portanto, em se tratando de cenário da gestão pública do desporto e lazer, o estudo revelou, dentre outros aspectos, que o Vale do Taquari/RS, comparado ao cenário nacional (IBGE, 2006), goza de certos privilégios, e que este contexto é reforçado e qualificado quando se leva em conta uma outra realidade na região: o esporte e o lazer das organizações e instituições comunitárias/particulares, que são bastante significativos. Por outro lado, a pesquisa também evidenciou que as várias categorias enfocadas podem e devem ser otimizadas, para atender de forma mais ampla e diversificada a demanda municipal/regional na área.

7.     Conclusão

    Como visto, depreende-se que os municípios são contemplados na legislação federal e estadual quanto ao desporto e lazer, mesmo que de forma incipiente, aparecendo como prioridades as crianças, os adolescentes e os idosos e, mais recentemente, também pessoas com necessidades especiais. A percepção que se tem é que essas categorias são beneficiadas com a legislação de lazer e esporte – ao contrário dos adultos com capacidade ativa de trabalho – porque são vistas como categorias de pessoas inseridas no processo pré e pós-produtivo, na cadeia do trabalho com objetivos econômicos, esquecendo-se da pessoa humana como um todo, de forma a abranger crianças, adolescentes, adultos (trabalhadores ou não) e idosos/terceira idade. Em todo caso, é um começo.

    Observa-se, contudo, que passados vários anos da criação do Sistema Estadual do Desporto (1996) e, embora se reconheça a recentividade do interesse nacional e a escassa legislação federal e mesmo estadual para a área, existe carência de implementação de políticas públicas nas três esferas de poder político. O nosso país tem previsão de realizar megaeventos nesta década, o que gera oportunidade de conscientizar autoridades públicas, iniciativa privada e a população em geral para aproveitar os inúmeros benefícios que a mobilização das várias modalidades de esporte e lazer podem proporcionar, saindo do monopólio do futebol.

    Portanto, enquanto não houver regulamentação mais efetiva dos direitos ao esporte e ao lazer, assim como há, por exemplo, com outros direitos sociais – saúde, educação etc. –, os Estados federados, e aqui especialmente o Rio Grande do Sul e os municípios inseridos na região do Vale do Taquari, com raras exceções, implantam, quando muito, projetos/ações voluntaristas, independentes e fragmentadas a partir da preocupação e sensibilidade do gestor público do momento, sem visão de políticas públicas efetivas, eficientes e integradas que contemplem períodos superiores ao mandato do titular do cargo público.

    Assim, é preciso urgentemente que o esporte e o lazer façam parte de um programa de governo, em que os municípios implementem ações tanto na gestão de políticas públicas, como em programas e projetos de criação e melhoria da infraestrutura das instalações desportivas e de lazer, além da destinação específica de parte do orçamento anual para a área, da capacitação de recursos humanos, da promoção de atividades pontuais e outras contínuas, da formação de parcerias com a iniciativa privada e demais órgãos públicos, de avaliação sistemática das atividades desenvolvidas, dentre outros aspectos, a fim de se comprometerem efetivamente com o desenvolvimento do esporte e lazer em quantidade e qualidade aos seus habitantes.

Notas

  1. O Brasil tem previsão de realizar megaeventos nesta década: Copa das Confederações da FIFA em 2013, Copa do Mundo de Futebol Brasil em 2014, Jogos Olímpicos de Verão Rio em 2016, Jogos Paraolímpicos de Verão Rio em 2016, dentre outros: “[...] tais eventos irão causar um impacto considerável em diversas áreas. Apenas para se ter uma idéia, um estudo sobre o impacto econômico da Olimpíada realizado pela Fundação Instituto de Administração, encomendado pelo Ministério do Esporte, mostra que os Jogos movimentam 55 setores diferentes da economia. Só a Copa do mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 podem injetar entre R$ 80 bilhões e R$ 130 bilhões na economia até 2027” (BRASIL: Ponto..., 2009, p. 4).

  2. As 10 linhas do Plano Decenal aprovadas em junho de 2010, em Brasília, na 3ª Conferência Nacional do Esporte, são estas: 1- Sistema Nacional de Esporte e Lazer, 2 - Formação e valorização profissional, 3- Esporte, lazer e educação, 4- Esporte, saúde e qualidade de vida, 5- Ciência e tecnologia, 6- Esporte de alto rendimento, 7- Futebol, 8 - Financiamento do esporte, 9 - Infraestrutura esportiva, 10- Esporte e economia (III CONFERÊNCIA..., 2010).

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