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Epidemiologia da paraplegia traumática em um

 Centro de Reabilitação em Fortaleza, Ceará, Brasil

Epidemiología de la paraplejía traumática en un Centro de Rehabilitación en Fortaleza, Ceará, Brasil

 

*Enfermeiro, Mestre em Enfermagem, professor do Instituto

de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)

**Enfermeira, Doutora em Enfermagem, professora

do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina

***Enfermeira, Doutora em Enfermagem, professora

da Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina

****Professora doutora em enfermagem, Departamento de Enfermagem

Universidade Federal do Ceará, Fortaleza

*****Educadora Física, Especialista em Planejamento do Ensino

e Avaliação do Aprendizado pela Universidade Federal do Ceará, UFC

(Brasil)

Gelson Aguiar da Silva*

gelson.aguiar.ufmt@hotmail.com

Soraia Dornelles Schoeller**

soraqia@ccs.ufsc.br

Francine Lima Gelbcke***

fgelbcke@ccs.ufsc.br

Zuíla Maria Figueiredo de Carvalho****

Evelise Maria de Jesus Paula Silva*****

zmfca@fortalnet.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Introdução: A lesão medular geralmente ocorre por trauma, ocasionando sérios transtornos para o indivíduo, família e para a sociedade, sendo um problema grave de saúde pública. O objetivo desta pesquisa foi investigar o perfil epidemiológico de pessoas com paraplegia traumática participantes de um programa de reabilitação, segundo as variáveis: idade, sexo, tempo e etiologia da lesão, nível e classificação pelo critério ASIA (American Spinal Injury Association), tempo de hospitalização e escolaridade. Material e métodos: estudo transversal retrospectivo, quantitativo e descritivo, com análise de 228 prontuários. As análises foram feitas sob testes específicos com auxílio do software SPSS (Statistical Package for the Social Science). Resultados e discussão: a maioria são pessoas jovens entre 20 e 31 anos, do gênero masculino, com tempo de lesão menor de 12 meses. A etiologia predominante foi por ferimento por arma de fogo (FAF), com predomínio de lesões completas, e tempo de internação médio de 33 dias e com ensino fundamental incompleto. Conclusões: No Brasil as estatísticas sobre esta parcela populacional são escassas e fragmentadas, impossibilitando uma análise profunda. Urge estudos maiores e mais aprofundados.

          Unitermos: Reabilitação. Paraplegia. Epidemiologia. Enfermagem.

 

          Artigo parte da dissertação de mestrado “Independência funcional de pessoas portadoras de paraplegia em programa de reabilitação: resultados e fatores associados”. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará – UFC.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    O número de pessoas com lesões do Sistema Nervoso Central (SNC) e respectivas seqüelas têm aumentado na sociedade contemporânea, devido o envelhecimento geral da população, o aumento da sobrevida dos pacientes em razão dos melhores cuidados na fase aguda e o crescimento da violência e das lesões traumáticas daí decorrentes1,2. Estas lesões configuram síndromes devastadoras, pois, além de sua gravidade e irreversibilidade, ocasionam incapacidades intensas que exigem um atendimento em saúde caro e difícil, além de programa de reabilitação longo e oneroso, que muitas vezes não leva à melhora total do quadro, mas à adaptação da pessoa e de seu entorno a sua nova condição.

    A lesão medular é parte importante das lesões do SNC e é caracterizada por alterações da motricidade, sensibilidade superficial e profunda e distúrbios neurovegetativos dos segmentos do corpo localizados abaixo da lesão3.

    Para caracterizar uma lesão medular, são utilizados os seguintes termos: Tetraplegia – lesões ocorridas acima do segmento medular T1, (lesões cervicais) correspondente à primeira vértebra torácica dos elementos neurais dentro do canal espinhal; é caracterizada como paralisia completa ou parcial dos quatro membros, do tronco, dos órgãos pélvicos e inclusive, da musculatura respiratória, como resultado do dano à coluna cervical; Paraplegia - lesões abaixo do primeiro segmento medular torácico, definidos como paralisia parcial ou completa dos membros inferiores, do tronco e dos órgãos pélvicos, de dano à coluna torácica, lombar e raízes sacrais.

    A lesão medular pode ser completa ou incompleta: a lesão completa é aquela com ausência de função motora e sensitiva nos miótomos e dermátomos inervados pelos segmentos sacrais da medula e a incompleta com preservação da função motora e/ou sensitiva abaixo do nível neurológico, incluindo os segmentos sacrais. A primeira é denominada como (American Spinal Injury Association)4 - ASIA (A) . A lesão, quando incompleta, varia de ASIA (B) a (D), sendo a D aquela com menor seqüela sensitivo-motora.

    É incontestável as implicações que a lesão medular acarreta na vida da pessoa, devido as alterações na dinâmica corporal e as transformações abruptas pelas quais ela, sua família e seu entorno social mais próximo passam. Isto os leva a adotar outro estilo de vida para se adequar à nova situação. São várias as alterações decorrentes: eliminação vesical e intestinal, pele e tecidos moles, estruturas articulares, expressão da sexualidade, requisições nutricionais, além das interferências na vida afetiva e profissional e conseqüente produtividade de todos envolvidos.

    No Brasil existem poucos e esparsos estudos sobre o assunto. Segundo a ICCP – International Campaign for Cures of Spinal Cord Injury Paralisy5, 6 a incidência de trauma raquimedular anual varia, no mundo, de 8,4/000 habitantes - oito ponto quatro por cada um milhão de habitantes (China) a 57,8/000 (Portugal), sem considerar as pessoas que morreram por esta causa. Neste rol o Brasil ocupa o segundo pior lugar, imediatamente atrás de Portugal, com incidência de 50/000 – o que indica a provável incidência somente no ano de 2010, no Brasil, de 96.000 novos casos de pessoas com lesão medular adquirida.

    No mesmo levantamento, a sobrevida estimada de uma pessoa com lesão medular adquirida com menos de 20 anos é de aproximadamente 40 anos, o que resultará, no nosso país, no número de 3.840.000 pessoas com lesão medular nos próximos quarenta anos, a continuar os números e a população atual. Para a ICCP, “lesão medular é uma epidemia global”2.

    Existem hoje mais de duzentos mil norte-americanos (EUA) com lesão medular e aproximadamente mais de 10.000 novos casos de lesões traumáticas por ano. Este quadro chega a ser a segunda condição de tratamento mais caro nos hospitais dos Estados Unidos, com um gasto anual aproximado de cinqüenta e três mil dólares por paciente, com as taxas de cuidados hospitalares, além de outros tributos por serviços de suporte para manutenção das pessoas com lesões medulares7.

    De acordo com o National Spinal Cord Injury Statistical Center6, a pessoa com lesão medular – tetraplegia alta (C1 a C4) adquirida com menos de 25 anos de idade resultará em um gasto total em saúde durante sua vida de $4.373.912; a com tetraplegia baixa (C5 a C8) gasta $3.195.853 e a com paraplegia o montante de $2.138.824.

    Em relação às causas da lesão medular, neste mesmo país, 40,4% de todas as causas de lesão na medula espinhal são decorrentes de acidentes de trânsito, 27,5% causados por quedas e 15% por atos de violência, que envolvem armas de fogo e armas brancas. A idade média das pessoas na época da lesão medular passou de 28,7 anos em 1973 para 40,5 em 2005. Do total, 80,7% são homens6.

    No Brasil, somente constam dados do censo demográfico realizado em 20008 no qual havia 955.287 pessoas com paraplegia, tetraplegia ou hemiplegia. O censo não possibilita a separação dos casos de lesão medular e cerebral o que dificulta ainda mais a análise nacional.

    Há, no país, pesquisas esparsas: estudo9 realizado com 92 pacientes internados no Setor de Neurocirurgia do Hospital Santa Isabel , no município de Blumenau - SC, por Melo e Sousa em 2004, evidencia que entre as causas do trauma, as mais prevalentes são queda (50%) e acidente de trânsito (40,2%), sendo a maioria do sexo masculino (80,4%).

    Outro estudo realizado pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação10 em 2005 no período de 1999 á 2000 nos Hospitais SARAH-Brasília e SARAH–Salvador, totalizando 1.578 internações demonstra que a maioria das pessoas com lesão medular são adultos jovens, do sexo masculino (75,9%). Entre estes predominaram os casos de paraplegia (428 pacientes -61,6%), com a lesão medular classificada como completa ASIA (A).

    Botelho e outros11 no ano de 2001 estudaram pacientes vítimas de traumatismo raquimedular na zona norte da cidade de São Paulo entre 1969 – 2000. Eles encontraram uma incidência geral de trauma raquimedular estimada em 22,63 milhão/ano e de trauma cervical de 8,6 milhão/ano, tendo predomínio das quedas (29%), enquanto o acidente de automóvel causou 22% destas. Das quedas, a de laje foi a mais freqüente (7,3), e mergulho em águas rasas foi a terceira causa, com pouco menos de 15%, sendo que a média de idade foi de 35 anos e 45% da amostra apresentavam menos de 30 anos de idade.

    Até o ano de 1945, os artigos publicados em relação à temática tinham nítida preocupação com o diagnóstico e tratamento das vítimas de lesão medular. A maior mudança ocorreu quando um grande número de veteranos da Segunda Guerra Mundial retornou para casa. Embora as lesões de combate causassem uma porcentagem relativamente menor de lesões medulares, os veteranos necessitavam de centros de reabilitação para melhorar os cuidados à saúde12. A partir dessa época, as ciências para a saúde avançaram suficientemente para permitir a incorporação de procedimentos efetivos na reabilitação desses pacientes, pressionadas também pelo fato de que a sobrevida era cada vez maior13.

    Na última década, no mundo, as pesquisas em lesão medular têm avançado em algumas frentes, em especial: reabilitação para a vida, no sentido de possibilitar à pessoa com lesão medular uma qualidade de vida e o retorno ao trabalho; pesquisas com células tronco embrionárias, na tentativa de regeneração da medula espinhal e retorno das funções sensitório motoras perdidas e equipamentos dos mais diversos, chamados também exo esqueletos, cuja função precípua é possibilitar a movimentação da pessoa sem o retorno da capacidade motora ou sensitória. Todas estas frentes configuram importantes espaços da ciência. Porém no Brasil, ainda carecemos de estudos básicos, como o perfil epidemiológico que nos possibilite conhecer quem são, onde estão e como vivem estas pessoas com lesão medular. Este estudo objetivou preencher este espaço, caracterizando as pessoas com lesão medular atendidas em um centro de reabilitação de referência nacional segundo as variáveis: idade, sexo, tempo e etiologia da lesão, nível e classificação pelo critério ASIA, tempo de hospitalização e escolaridade.

Material e método

    Tratou-se de estudo exploratório descritivo, transversal e retrospectivo, com abordagem quantitativa, que objetivou a investigação de algumas características de pessoas com lesão medular internadas em um Centro de Reabilitação do nordeste do Brasil, centro este considerado referência nacional.

    Esta instituição possui diversos programas, entre estes o Programa de Reabilitação de Pacientes com Lesão Medular, desenvolvido e com atividades na enfermaria, ginásio de terapia funcional, salas de aula da biblioteca, entre outros locais.

    Este centro conta com uma equipe multiprofissional, composta por enfermeiros, fisioterapeutas , médicos, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, pedagogos, professor de educação física, farmacêutico, entre outros. Estes profissionais compartilham valores e objetivos comuns. As ações devem ser sincronizadas de forma a somar sempre esforços no estabelecimento de metas para alcançar os objetivos propostos.

    O enfermeiro é parte integrante e fundamental nesse processo, pois participa durante vinte e quatro horas por dia na assistência ao paciente, prestando cuidado integral, desde a admissão ainda no ambulatório até a alta hospitalar, planejando a assistência de enfermagem com o objetivo de otimizar a qualidade prestada, identificando complicações, prestando cuidados diretamente ao paciente de forma holística, auxiliando e supervisionando as atividades de vida diária, orientando o paciente e a família a identificar sinais de complicações.

    A instituição possui o prontuário eletrônico no qual os profissionais anotam as informações do paciente, as ações desenvolvidas e a evolução. Foram selecionados os prontuários de pessoas com lesão medular traumática que ingressaram no Programa de Reabilitação do Lesado Medular, durante o período de 1º de janeiro de 2002 a 31 de dezembro de 2005. Os critérios de inclusão no estudo foram: portadores de paraplegia traumática, porque somente os lesionados traumáticos são submetidos à classificação da ASIA, terem sido submetidos a um programa de reabilitação inicial, ou seja, sua primeira internação para reabilitação, terem tido a permanência no programa de no mínimo 15 dias e no máximo 90 dias e que tenham completado o programa de reabilitação, conforme estabelecido pela Uniform Data System for Medical Rehabilitation14. Este último critério faz-se necessário, visto que alguns pacientes iniciam o programa de reabilitação, mas este é interrompido por intercorrências clínicas, não possibilitando a avaliação final mediante a MIF, apenas inicial. Os critérios de exclusão foram não ter adquirido a lesão por trauma, ser lesão medular alta – tetraplegia ou ter também lesão cerebral.

    Os dados foram coletados na totalidade dos prontuários que respeitassem os critérios de inclusão e exclusão. Nos prontuários foram investigadas as seguintes características: idade (em anos); sexo; tempo da lesão até a admissão no programa de reabilitação (anos); etiologia da lesão traumática; nível e classificação da lesão segundo critério da ASIA (lesão completa, lesão incompleta); tempo de hospitalização (dias) e escolaridade. O total da população foi de 282 prontuários.

    Os dados foram organizados em tabelas próprias e, para as análises estatísticas, inicialmente foram realizadas análises descritivas dos dados sociodemográficos e clínicos, com distribuição de freqüência, além de cálculo de medidas de posição e dispersão. As variáveis categóricas dicotomizadas – hospital-dia e acompanhante foram analisadas por meio do teste t Student para amostras independentes.

    Para tabulação, análises e elaboração de alguns gráficos,foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 13 para Windows.

    O projeto foi encaminhado ao Comitê Científico e Ético da Instituição onde foi realizada a pesquisa, sendo aprovado conforme carta de aprovação emitida. Os aspectos éticos foram guiados pelos preceitos da Resolução nº 196/1996 , do Conselho Nacional de Saúde – Brasil, especialmente no que diz respeito à preservação dos princípios bioéticos fundamentais, do respeito ao indivíduo, da autonomia, não- maleficência, beneficência e justiça.

Resultados

  • Idade e Sexo – Do total da amostra, 96 (42,1%) pacientes, tinham, na época do trauma, idade entre 20 a 31 anos, seguidos de 63 (27,6%), com idade entre 31 a 42 anos. A idade média foi de 32,6 anos.

    • Quanto ao sexo, foram encontrados 193 (84,6%) pessoas do sexo masculino e 35 (15,4%) do sexo feminino.

  • Tempo decorrido entre a lesão e a internação – 50% das pessoas possuíam menos de dois anos entre a lesão e a internação para a reabilitação, sendo, que a moda constatada foi de menos de um ano de lesão.

  • Etiologia da lesão - Em relação à etiologia da lesão, 114 pessoas (50%) foi devido a ferimento por arma de fogo (FAF), seguido por 67 devido a acidente de trânsito (29,38%). Outras agressões não apresentaram freqüência significativa.

  • Classificação e nível da lesão - Avaliando a lesão medular, de acordo com a American Spinal Injury Association (ASIA) houve o predomínio da lesão classificada como ASIA (A), com 163 (71,5%), seguido pela lesão ASIA (B), com 23 pacientes (10,1%).

    • Quanto ao nível da lesão motora, foram encontrados 99 (43,4%) pessoas com lesões de T7-T12, seguido pelas lesões torácicas altas, com 85 (37,3%).

  • Escolaridade - Quanto ao grau de escolaridade, predominou o ensino fundamental incompleto, com 107 (46,9%) pessoas, seguido do ensino médio, com 34 (14,9%) pessoas.

Discussão

    Idade e Sexo – A idade encontrada na época da lesão predominante abaixo de 42 anos, vem de encontro com a literatura nacional e internacional, que evidencia uma maioria das pessoas em sua fase mais produtiva da vida. A lesão medular incide sobre uma população jovem, conforme relatado15 na análise do perfil do diagnóstico de vítimas de trauma raquimedular admitidos em um CTI (Centro de Tratamento Intensivo), no qual foi destacado que as faixas foram de 15 a 30 anos e de 31 a 46 anos.

    Em relação à idade média na época da lesão encontrada de 32,6 anos, remete a estudo realizado por órgão governamental dos Estados Unidos, o qual demonstra que lá, em 1973, a idade média das pessoas com lesão medular era de 28,7 anos, que passou para 40,5 anos em 20056. Nesta perspectiva a idade média aqui constatada está abaixo da norte-americana, se aproximando da idade média daquele país de três décadas atrás. Tal fato deveria ser investigado em estudo à parte, no sentido de analisar a mudança da idade média da ocorrência de trauma raquimedular em pessoas nos diversos locais no Brasil e no mundo, associando os achados à expectiva de vida, etiologia do trauma, escolaridade, rendimento e sexo, entre outros.

    Em relação ao sexo, todos estudos6,16,17,18 examinados evidenciaram o predomínio de pessoas do sexo masculino. No primeiro6, com dados coletados nos EUA, os homens representaram 80,7% das pessoas acometidas por lesão medular. Este dado é do final da primeira década de 2000, e demonstra um pequeno decréscimo quando comparado à 1980, no mesmo país, cuja presença de homens com lesão medular foi de 81,88% do total6. No Brasil há achados16 de até 90,6% de pessoas com lesão medular pertencente ao sexo masculino. O presente estudo confirma os estudos anteriores, quanto ao predomínio do gênero masculino nas lesões medulares aproximando àqueles dados encontrados nos EUA.

    Estudo realizado19 sobre a prevalência de pessoas com lesão medular na província de Lãs Palmas Canárias – Espanha em 2003 evidenciou 30,87 casos por 100.000 habitantes, sendo mais alta em homens (44,92/000) em relação a 16,98 casos por 100.000 habitantes em mulheres. É consenso de que o trauma raquimedular ocorre predominantemente no sexo masculino.

    Tempo decorrido entre a lesão e a internaçãoO programa de reabilitação deve iniciar o mais precocemente possível, respeitando-se as condições clínicas de cada pessoa. Ela passa por diversos estágios e o programa de reabilitação pode ser realizado em qualquer fase, pelos benefícios de ordem clínica e neurológica que são obtidos a partir dele20. Porém, quanto mais precoce for a intervenção para reabilitar, maior é a possibilidade de recuperação e readaptação e maiores são os ganhos.

    A reabilitação tem o objetivo de evitar deficiências e o agravamento das incapacidades e, se considerada como um processo de aprendizagem, cabe à pessoa, família e profissionais de saúde, compartilhar a responsabilidade pela reconstrução gradativa da vida que será muito diferente da anterior. Neste processo de aprendizagem, os cuidados físicos serão os primeiros a ser aprendidos, enquanto que a readaptação biopsicossocial compreende um continuum por toda a vida18.

    Etiologia da lesão – Existem diversos estudos fragmentados no Brasil que investigam a etiologia da lesão medular9,10,11,15,18,19,20 apontando especialmente para os acidentes de trânsito, Ferimentos por Arma de Fogo – FAF e as quedas, em seqüências alternadas.

    Estudo retrospectivo em prontuários no período de 2000 a 2003, realizado com pacientes vítimas de traumatismo raquimedular traumático, aponta que a principal causa da lesão foi o FAF, corroborando com os dados encontrados em nosso estudo21. Já, outra pesquisa epidemiológica sobre o trauma raquimedular cervical realizada na zona norte da cidade de São Paulo, de abril de 1996 à dezembro de 200011, evidenciou que as quedas foram a principal causa de lesão medular, seguidas de acidente automobilístico. Estudo de 199922 traz como etiologia dos traumas raquimedulares os acidentes automobilísticos, as quedas de altura, acidentes por mergulho em águas rasas - MAR e ferimentos por arma de fogo. Relata ainda que a freqüência dos traumatismos raquimedulares em decorrência de ferimentos por projéteis de arma de fogo tem aumentado de modo considerável, refletindo o alto nível de violência nos grandes centros.

    Nos EUA6 as causas da lesão medular são devidas a acidentes automobilísticos com 40,9% do total, seguidas de quedas com 27,9%. Em terceiro lugar vêm aquelas relacionadas ao grande achado deste estudo, que são as oriundas da violência, especialmente FAF com 15%. Os acidentes por esportes representam uma cifra significativa de 8% do total dos traumas raquimedulares. Lá, os casos desconhecidos ou outras causas representam 8,5%.

    Os diversos perfis das etiologias da lesão medular refletem importantes aspectos sociais. Apesar das causas serem similares, há diferenças significativas: o achado deste estudo, evidenciando o FAF como a primeira causa denota a violência urbana relacionada à criminalidade e à falta de segurança pública, que reforça também a segunda causa, os acidentes de trânsito. Pesquisa de um centro referência no Brasil em reabilitação10 revela que, para cada um morto em acidentes, temos, ao menos, 13 pessoas com ferimentos. As estatísticas formais sobre causas de óbito no Brasil apontam para cifras assustadoras das causas externas, que são aquelas relacionadas à violência.

    Classificação e nível da lesão – Há uma associação lógica entre MAR e lesões cervicais e acidentes de trânsito a lesões torácicas e lombares, uma vez que espera-se que, ao mergulhar em águas rasas o pescoço seja a principal parte do corpo relacionado à coluna vertebral associada enquanto que nos acidentes de trânsito há mais possibilidades de a coluna torácica e lombar ser atingida. Investigação retrospectiva dos casos cirúrgicos de fraturas traumáticas em pessoas com lesão medular, durante o período de junho de 1994 a junho de 200323, encontrou 116 casos, havendo predomínio da transição toraco-lombar (T11-L2), seguida pela região cervical e no nível torácico (T1-T10).

    Nos EUA6 nos últimos 15 anos, tem aumentado a participação de tetraplegias incompletas, e conseqüentemente, diminuído a das paraplegias e tetraplegias completas. Naquele país em 2005, as tetraplegias incompletas representavam 39,5%, vindo em segundo lugar paraplegias completas com 22,1%, paraplegias incompletas com 21,7% e, em último a tetraplegia completa com 16,3%. Lá, menos de 1% recuperou completamente.

    É expressiva a discrepância dos achados deste estudo, quando comparados aos dos EUA, especialmente no tocante à classificação ASIA, se completa ou incompleta. Ressalte-se que há a inversão de classificação: lá a grande maioria é incompleta, aqui a predominância é completa. A participação significativa de lesões incompletas lá e completas aqui achadas nos levam a refletir sobre a qualidade dos cuidados de saúde imediatos prestados, que podem agravar ou minimizar os danos à coluna decorrentes do trauma.

    Tempo de internação - O tempo de internação médio foi de 33 dias. Nos EUA, o tempo de internação para reabilitação tem diminuído de um tempo médio de 98 dias em 1973, para 37 em 2005, ainda acima do encontrado neste estudo.

    Escolaridade - Quanto ao grau de escolaridade, predominou o ensino fundamental incompleto, com 107 (46,9%) pacientes, e com ensino médio, 34 (14,9%) pacientes. Carecem estudos que associem a escolaridade à condição de pessoa com lesão medular, agora, espera-se que, quanto mais anos de estudo, melhor seja a possibilidade de aprendizagem e reabilitação, apesar, reforça-se, de não haver investigações científicas a este respeito.

Conclusões

    Este estudo permitiu conhecer o perfil epidemiológico das pessoas com paraplegia traumática participantes de um programa de reabilitação e mostrou que a maioria são pacientes jovens com faixa etária entre 20 e 31 anos, do gênero masculino, com tempo de lesão menor que 12 meses. A etiologia predominante foi por FAF (ferimento por arma de fogo) com predomínio de lesões completas, com ensino fundamental incompleto.

    Os dados nos mostram que a lesão medular traumática deve ser tratada como um problema de saúde pública, pois afeta pessoas jovens em sua fase mais ativa economicamente, ocasionando sérios transtornos não só para o indivíduo, família e principalmente para a sociedade.

    O estudo evidenciou a escassez de investigações voltadas ao conhecimento das pessoas com lesão medular, e aponta para a necessidade de novos trabalhos com este objetivo.

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