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Dança inclusiva: uma re-significação nas 

atividades rítmicas entre surdos e ouvintes

Danza inclusiva: una re-significación en las actividades rítmicas entre sordos y oyentes

Dance inclusive: a re-signification in rhythmic activities between deaf and normal hearing people

 

*Graduando do curso de licenciatura em Educação Física

da Universidade Castelo Branco, UCB/RJ, Campus Realengo

**Co-orientador. Pós-graduado em elaboração e gestão de projetos sócio-esportivos

pela UCB/RJ. Licenciado em Educação Física pela UCB/RJ. Monitor da UCB/RJ

Membro do grupo de pesquisa aplicada sobre o Esporte e o Lazer

da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL) RJ

***Orientador: Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB/RJ

Licenciado em Educação Física pela UCB/RJ. Docente da UCB/RJ

Membro do grupo de pesquisa aplicada sobre o Esporte e o Lazer

da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL) - RJ

(Brasil)

Bruno Claudio Santos da Silva*

brunno_rj007@yahoo.com.br

Nathália Moreira Gonçalves Araujo*

Isabelle Silva Dias*

Marcelo Trindade de Souza*

Paulo Gomes de Santana*

Mauricio Fidelis**

mauriciofidelis@hotmail.com

Sergio Ferreira Tavares***

sergiof.tavares@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo aborda a temática da inclusão e exclusão social. Devido às variadas abordagens que a questão possibilita, foi escolhido tratá-la analisando a relação do surdo com a dança. Com isso, o desenvolvimento dessa pesquisa objetivou provocar uma reflexão entre os profissionais da área, inclusive para a formação de turmas mistas entre surdos e ouvintes. Nesse sentido, o estudo foi configurado em uma etapa teórica e outra prática, configurando sua práxis. A primeira etapa do estudo consiste numa dissertação argumentativa, contando com o embasamento de literaturas e referências da área. Dessa forma, desenvolvemos um referencial teórico que buscou retratar as causas da exclusão social no contexto histórico brasileiro e mundial, fazendo uma analogia à filosofia cartesiana. Além disso, o conteúdo também contempla as realizações de surdos na história e os benefícios da dança para esse público. Finalizando essa etapa, retomamos a abordagem inicial sobre exclusão social, correlacionado-a ao conceito de inclusão. A segunda etapa corresponde à análise prática dos conceitos elaborados pelo estudo. Para isso, foram consideradas duas amostras de um mesmo grupo, analisadas e comparadas estatisticamente. O grupo amostral corresponde aos graduandos do curso de Dança da UniverCidade, onde a primeira amostra foi testada sem nenhuma interferência e a segunda foi avaliada após uma intervenção.

          Unitermos: Inclusão. Dança. Surdez.

 

Abstract

          This article is about the social inclusion and exclusion. Due to the various possible approaches embedded within the subject, the relationship between deaf people and dance activity was the one chosen for this analysis. Therefore, the research development focused on how to make professionals of the area think about the subject, to include the possibility of assembling groups mixing deaf and normal hearing people. This way, this study was developed in two parts: theoretical and practical, establishing its praxis. The first stage of the study is an argumentative paper containing relevant literature reference as well as reference material in the area. Thus, a theoretical reference was developed showing the causes of social exclusion in Brazil as well as a world's historical context, establishing an analogy with the Cartesian philosophy. Furthermore, the content also includes deaf people achievements throughout history and the benefits of dance for this specific public. After accomplishing this step, the study returns to the initial approach on social exclusion, correlated to the concept of inclusion. The second stage corresponds to the analysis of the concepts developed by the study. For this, two samples in the same group were analyzed and statistically compared. The sample group is composed of graduate students of Dance from UniverCidade University; the first sample was tested up without interference, while the second one was tested after one intervention.

          Keywords: Inclusion. Dance. Deafness.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    A relação entre surdos e ouvintes, brancos e negros, pobres e ricos entre outros dualismos, configuram o ponto de partida para a análise do fenômeno denominado exclusão social. Obviamente, essa temática apresenta diversas facetas e para a elaboração desse estudo, especificamente, escolhemos tratá-la através de uma análise da relação do surdo com a dança. As limitações auditivas desse público podem representar, na interpretação de alguns profissionais, um empecilho para o desenvolvimento de atividades rítmicas.

    Contudo, se olharmos para a história da humanidade, encontraremos diversos exemplos que vão de encontro a essa premissa. O caso de Ludwig van Beethoven é um dos mais famosos e representa uma das maiores provas de que os surdos podem desenvolver atividades que pressupõem a existência do som, bem como a necessidade do ritmo. Partindo dessa comprovação histórica, podemos iniciar um processo de conscientização, voltado para os professores e profissionais que trabalham com a dança, a cerca da capacidade desse público.

    A importância dessa abordagem reside, principalmente, nos benefícios que essa atividade pode proporcionar para os surdos, demonstrando-se também um excelente meio de relacionamento interpessoal. Nesse sentido, a promoção do bem estar social de um determinado grupo também pode funcionar como um estimulante para que os profissionais da área da dança se interessem em desenvolver esse ideal. Somente através de uma prática consciente será possível aliar os conhecimentos a cerca da dança, em benefício de um grupo como este.

    Essa prática consciente, aliás, requer uma discussão mais ampla a cerca das diferenças entre inclusão e integração social. Certamente, os dois processos têm seu valor e podem contribuir para uma vivência integrada entre minorias e maiorias, funcionando para uns como meio de adaptação a realidade social e para outros como transformadores dessa realidade. Como a adaptação do todo às condições da minoria nem sempre é um processo fácil, torna-se importante a existência de uma alternativa. O problema é quando a “alternativa” é a única opção.

Metodologia

    Para a abordagem do tema proposto foi desenvolvida uma pesquisa experimental com delineamento ex-pos-facto, onde a amostra passou por um processo de reconhecimento da questão-problema. Com isso, buscou-se identificar os efeitos dessa intervenção, correlacionando os resultados obtidos antes e depois de sua execução.

    A amostra foi constituída por graduandos do curso de dança da instituição de ensino superior Univercidade, contando com 59 participantes no teste ex-facto e 23 no pós-facto, predominantemente do sexo feminino, com idade entre 17 e 59 anos. Com isso eles foram divididos em dois grupos:

    O instrumento de avaliação utilizado na análise da amostra foi o protocolo de avaliação dos níveis de exclusão social, que foi desenvolvido pelo grupo no decorrer da pesquisa e validado por três mestres em Educação Física. A utilização desse protocolo se deu em dois momentos: antes e depois da intervenção, que foi organizada pelo grupo de estudo. O referido instrumento encontra-se anexado no final do artigo.

    Os participantes da pesquisa responderam ao questionário atribuindo valores para cada questão proposta. Com isso, foram classificados individualmente com um nível de exclusão social, de acordo com a pontuação obtida no questionário. A pontuação de cada participante foi calculada através da média aritmética de todas as suas repostas tanto no teste ex-facto, quanto no teste post-facto. Os valores foram classificados da seguinte maneira:

    A partir dos níveis individuais de exclusão social, foi delineado um perfil para amostra, em ambos os momentos da análise, possibilitando uma comparação entre eles.

    A estatística descritiva do estudo foi calculada através do programa Microsoft Excel 2007, enquanto que a estatística inferencial foi elaborada através do teste de Mann-Whitney, do programa Bioestat 5.0.

    A intervenção foi realizada no dia 06 de junho de 2011, na sala de dança da Universidade Castelo Branco, campus de Realengo, onde os integrantes da amostra participaram de uma oficina ministrada por Maria Auxiliadora Buscacio Gonçalves, professora do INES (Instituto Nacional de Ensino de Surdos), que fez uma exposição do trabalho que ela desenvolve no referido órgão.

O problema da exclusão social no contexto brasileiro

    “[...] o pensamento é um atributo que me pertence; só ele não pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo?” (DESCARTES, 1983, p. 94)

    No mundo contemporâneo, as diferenças entre ricos e pobres, brancos e negros, surdos e ouvintes, entre outros dualismos, são a principal causa para a ocorrência do fenômeno denominado exclusão social. Os antagonismos pautados nas diferenças entre um grupo excludente e um grupo excluído, seguem a ideologia cartesiana que durante anos e até hoje é à base do pensamento ocidental (MEDINA, 2007). A partir do momento em que René Descartes definiu que a existência está vinculada ao pensamento, dissociando a matéria da concepção existencial, o mundo passou a dividir tudo o que não deveria ser dividido.

    Com base nessa ideologia, pode-se perceber uma estruturação social, onde alguns grupos prevaleciam sobre outros. Numa tradução do dualismo corpo-mente para o campo social, historicamente - até mesmo antes da existência (física) de René Descartes - a sociedade criou para si formas de relacionamento e de interação, onde coexistiam uma classe dominante e uma dominada. Essencialmente, a classe dominante era formada por um efetivo bem menor que a classe dominada e, ainda assim, exercia sobre ela uma relação de opressão (DAOLIO, 2007).

    Torna-se interessante entender como uma pequena parcela da população consegue concentrar sob sua responsabilidade o controle das relações de produção, configurando assim um cenário onde a classe dominada é oprimida pela classe dominante. O poder é fruto de uma imaginação política, a qual nem todos têm capacidade de desenvolver, possibilitando assim, que uma minoria consciente majoritária prevaleça sobre uma maioria minoritária (OLIVEIRA, 2004). Então, talvez, Descartes tivesse razão ao condicionar a existência ao pensamento, uma vez que um ser não pensante e não consciente, estaria impossibilitado de viver, limitando-se a sobreviver e subsistindo em sua própria subsistência.

    Em meio a essa complexidade, adiciona-se outro fator importante e complexo para a compreensão das relações de dominação entre grupos diferentes, que é a cultura. Entende-se que ela corresponde ao mecanismo de interações sob os quais uma sociedade desenvolve sua relação com o espaço que ocupa, de como e para que ela o explora e de como ela organiza seu processo produtivo. A existência de pressupostos culturais diferentes, uns mais ambiciosos, outros menos, ajudam a entender porque algumas civilizações conseguem exercer sobre outras uma influência dominadora.

    Quando uma sociedade, que já aprendeu a explorar os recursos naturais ao máximo, vislumbrando os excedentes de produção para seu crescimento econômico depara-se com outra civilização, que mantém com o meio uma relação de exploração baseada no atendimento de suas necessidades básicas, torna-se previsível a relação que irá se estabelecer (DAOLIO, 2007). Entre elas irá ocorrer uma troca que, embora atenda as pretensões de ambas, é desigual. Aliás, foi isso que aconteceu na formação da sociedade brasileira, que desde o seu descobrimento é marcada por uma relação de desigualdade.

    A história do Brasil é uma história de dominação, onde a classe dominante foi uma variável dependente dos interesses europeus (MEDINA, 2007). Os pioneiros desse processo foram os colonizadores portugueses, que buscavam na América, novas fontes de recursos e encontraram no Brasil uma mina de ouro, literalmente. No processo de colonização, os portugueses pensantes conseguiram extrair do território brasileiro muitos dos recursos que a Europa necessitava com a ajuda de nativos indígenas inconscientes e escravos africanos oprimidos.

    Durante esse período de dominação portuguesa, atravessaram-se vários ciclos monocultores, até serem, posteriormente, abalados pelos movimentos abolicionistas e Revolução Industrial (MEDINA, 2007). A América passa a ser dos americanos, mas o Brasil estava longe de ser um patrimônio exclusivamente brasileiro. Os Estados Unidos passaram a estabelecer, não só com Brasil, mas com a América como um todo, uma nova relação de dominação, fundamentada pelo “Corolário Roosevelt”.

    Através dessa breve análise histórica pode-se perceber como a história de dominação pela qual o Brasil foi marcado, ajuda a explicar as diferenças sociais da atualidade. Se, historicamente, a população brasileira acostumou-se a submissão imposta por pequenas parcelas da sociedade, conseqüentemente, o direito de usufruir dos recursos oriundos da produção estaria condicionado aos preceitos da classe dominante. É nesse aspecto que reside a problemática da exclusão social, onde poucos tem acesso à muita coisa e muitos tem acesso à quase nada.

    Nos dias atuais, a questão da inclusão e exclusão social pode ser observada nas mais diversas relações que se estabelecem na sociedade. Para a Educação Física, ganham destaque aquelas que envolvem o corpo, o movimento e a consciência. Como o movimento humano consciente é um reflexo das condições e dos pressupostos culturais e sociais, as formas de expressão corporal tornam-se um atrativo para uma análise nesse sentido. Nos versos do compositor Taiguara “Hoje, trago em meu corpo as marcas do meu tempo” (TAIGUARA, apud DAOLIO, 2007, p. 31), nota-se uma perfeita sincronia entre esses aspectos.

    Entre as formas de expressão corporal destacam-se o teatro, as lutas, os esportes e a dança. Aliás, é exatamente com a dança que tentaremos problematizar a questão da exclusão social, abordando o dualismo entre surdos e ouvintes. Como em todas as facetas desse problema, torna-se difícil entender porque uma diferença biológica, anatômica, química ou motora é suficiente para excluir de um contexto, um determinado grupo, principalmente quando percebemos na história da humanidade, grandes nomes que apesar de sua deficiência conseguiram grandes realizações. “Pode um homem imperfeito ter grandes feitos e um homem perfeito não ter feitos” (YOUNG, 2005).

Surdos e suas realizações na história

    “[...] a linguagem, para o indivíduo humano como para a raça humana, é uma coisa inteiramente adquirida e não hereditária, completamente externa e não interna - um produto social e não um crescimento orgânico.” (KROEBER, 1949, p.244 apud LARAIA, 2009, p. 103)

    Obviamente, quando falamos da capacidade de algum grupo específico, que por suas peculiaridades recebe estereótipos e descrenças por parte da maioria, essa afirmação requer uma prova concreta. Para evidenciar essa questão, traremos agora uma lista, que exalta alguns surdos que venceram suas próprias dificuldades, deixando seus nomes gravados na história brasileira e mundial.

    Um dos casos mais famosos é o de Ludwig Van Beethoven, famoso compositor, portador de uma surdez progressiva que só foi revelada após sua morte em 1827. Sua paixão pela música o fazia esconder sua dificuldade. Foi submetido a vários tratamentos dolorosos e bizarros, o que não levou a reversão de seu estado, mas sua surdez não foi empecilho para uma de suas maiores criações, a nona sinfonia.

    Outro nome importante nessa relação é de Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica. Sua surdez se agravou ao longo da vida, até perder a audição por completo. Aprendeu o Código Morse e sua primeira esposa foi pedida em casamento com batidas de uma moeda por esse mesmo código. Patenteou mais de 1000 invenções.

    Além do imortal Beethoven e do genial Thomas Edison, internacionalmente podemos destacar Lou Ferrigno, o famoso Hulk também conhecido por seus músculos e títulos de Mr. Internacional e Mr. America. Perdeu ainda na infância 85% de sua audição. Um dos motivos pelo qual foi escolhido para o papel era pela sua facilidade de demonstrar emoção sem falar. Ainda no campo artístico destacamos Signmark, que apesar de portar surdez desde a nascença, foi o primeiro rapper surdo da história. Iniciou traduzindo as letras para sua língua materna, e hoje compõe suas próprias músicas.

    No Brasil, Brenda Costa, uma modelo brasileira, surda de nascença, é uma das mais solicitadas no mundo da moda. Lançou em 2007 sua autobiografia “Bela do Silêncio”. Aprendeu libras e leitura labial. Apaixonada por música, gosta de samba e já desfilou várias vezes. Dança sentindo a vibração.

    Um outro bom exemplo de superação é Vanessa Vidal, Miss Ceará e 2º lugar do Miss Brasil em 2008, também surda de nascença. Faz duas faculdades: Ciências Contábeis e Letras. Candidatou-se a Deputada Estadual nas eleições de 2010 e desenvolve um trabalho social para pessoas com deficiência e luta a favor da inclusão.

    Na dança, Cacau Mourão é um exemplo de que os surdos podem desenvolver atividades rítmicas. É mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor de libras, certificado pelo Prolibras. Também é professor de teatro e dança de salão. Possui Licenciatura em Letras/Língua Brasileira de Sinais - Educação a Distância (EAD) - Pólo de Santa Maria - UFSM, pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010) e graduação em Educação Física - Licenciatura Plena, pelo Centro Universitário Metodista IPA (2007).

Benefícios da dança para os surdos

    “Para quem não ouve, o silêncio não é tão dramático como para a nossa imaginação. É apenas o cotidiano. O que é inimaginável é a existência do som.” (FUX, 1988, p. 12)

    Dentre os surdos listados anteriormente, o caso de Beethoven é um dos mais representativos, não só pela sua genialidade, mas por ser uma das principais provas da relação entre surdo, som e ritmo. E quando pensamos nessa relação através da dança abrimos a possibilidade de uma abordagem mais ampla, que possa evidenciar os benefícios da dança para os surdos. Aliás, quando um profissional de dança procura aprender mais sobre os surdos para aliar esses conhecimentos a sua prática de ensino, ele também estará desenvolvendo novas capacidades e aumentando sua experiência profissional.

    Assim como a música, a dança também é considerada uma das três principais artes cênicas, ao lado do teatro. Isso permite traçar um paralelo entre a dança e a cultura do surdo, que tem como uma de suas principais peculiaridades, uma linguagem não-verbal, uma linguagem cênica. “Os potenciais adormecidos no corpo se transformam quando ele, ao mover-se, se expressa numa linguagem não-verbal, que vai produzindo, ostensivamente, mudanças positivas, não apenas corporais, mas também psíquicas” (FUX, 1988, p. 10).

    Tanto na dança coreografada, quanto na dança livre existe uma integração corporal com agentes externos, pois na maioria das vezes ela é acompanhada por estímulos sonoros, que transmitem um sentimento, o qual também será expresso através da dança. Percebe-se nesse aspecto, a capacidade interativa da dança não só em nível de sentimento, como também em nível de inserção social, de melhora do relacionamento interpessoal, de aprendizagem e de expressão. Esse processo, chamado Dançaterapia, pressupõe a existência de um ritmo interno no silêncio (FUX, 1988).

    Contudo, para que a dança possa configurar uma prática benéfica para os surdos é necessário ao professor de dança desenvolver alguns conhecimentos básicos para que ele possa exercer seu trabalho de maneira consciente, conseguindo assim resultados melhores. Dessa forma, ele terá que aprimorar seus conhecimentos da anatomia do aparelho auditivo e dos problemas que levam à surdez. Além disso, o conhecimento da linguagem necessária para comunicação com os surdos também o ajudará nesse processo, bem como a utilização das técnicas adequadas.

    Em sua vivência, Fux (1988) descreve os benefícios da dança através da interação da linha e da cor numa composição coreográfica. A representação de diversas formas como círculos e triângulos através de uma representação desenvolve a imaginação e a consciência corporal dos surdos. Além disso, o trabalho com as cores num projeto coreográfico permitem um movimento integrativo, aliando imaginação e relacionamento pessoal, fazendo com que os grupos adquiram maior liberdade e soltura, segurança, confiança e alegria ao desenvolverem os estímulos de forma coletiva.

Diferenças entre inclusão social e integração social

    “A pessoa humana deve ter a capacidade de transcender a natureza, através da sua consciência e da sua liberdade, manifestada a partir de uma atividade criadora, não alienada.” (CAMPOS, 1980, p. 130 apud MEDINA, 2007, p. 90)

    No intuito de desenvolver uma prática inclusiva através da dança, torna-se necessário uma conscientização do que seria integração social e inclusão social, o que por muitas vezes pode ser confundido. Sem essa consciência, os professores poderiam estar trabalhando a dança, convictos de estarem promovendo a inclusão social dos seus alunos surdos, quando na verdade estariam apenas dirigindo um processo de integração. Nesse sentido, retomamos a construção inicial a cerca da exclusão social, uma vez que o entendimento da inclusão requer uma análise dualística desses aspectos.

    Um dos pontos de partida para essa discussão pode ser encontrado na idéia de igualdade, haja vista que uma prática inclusiva corresponde a uma vivência entre as diferenças. No conceito Aristotélico percebe-se uma nítida correlação desse dualismo quando ele define que a igualdade requer um tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais, a medida de sua desigualdade. Dessa forma, para que os desiguais possam receber um tratamento igual necessitasse que o tratamento para com eles seja adequado as suas desigualdades.

    Essa idéia inicial, embora seja de suma importância para a construção de uma consciência inclusiva, requer um aprofundamento de outras questões, outros dualismos, como unidade e individualidade, desigualdade e diferença. Nas condições em que o conceito de Aristóteles foi elaborado e na intencionalidade de sua construção, ele constitui-se suficiente, mas no contexto contemporâneo necessita-se de uma abordagem mais ampla. Essa abordagem envolve algumas questões como o princípio da alteridade, que Daolio (2007) incorpora ao seu discurso e dos fundamentos etnocêntricos tratados por Rocha (2009).

    “Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência” (ROCHA, 2009, p. 7). Sabendo que a exclusão social é um fenômeno proveniente do choque entre diferenças, o conceito de etnocentrismo é uma das fontes para o entendimento dessa questão. Por outro lado, a existência de um pensamento etnocêntrico não é suficiente para justificar porque ele existe, até porque talvez não haja explicação para tal.

    Com base no princípio da alteridade, Daolio (2007) afirma que a diferença não deve ser vista como desigualdade, mas apenas como uma característica específica, necessária para a construção do todo. Traçando um paralelo entre esse princípio e a ideologia aristotélica, percebemos que um tratamento desigual para obtenção da igualdade, dependendo do contexto, pode ser interpretado de maneira equivocada. Para contextualizar essa idéia precisa-se entender tratamento desigual como um tratamento que atende as diferenças específicas de uma pessoa ou de um grupo.

    É justamente nesse ponto que reside a diferença básica entre inclusão e integração social, na relação do todo com o específico. Quando um grupo representante da “normalidade” vivencia experiências com uma minoria que apresenta uma diferença específica e através dessa relação consegue reformular suas perspectivas estamos falando de um processo de inclusão social. Dessa forma, podemos definir inclusão social como uma reeducação, através da qual o todo passa a considerar uma determinada especificidade, parte da sua realidade.

    A integração social, por sua vez, compreende justamente o processo contrário, onde a minoria tem que se adaptar as condições da maioria, inexistindo assim, a necessidade de uma vivência inclusiva. Obviamente, a integração social também representa um processo importante, sobretudo pelo fato de muitas vezes ser uma alternativa para as dificuldades de uma prática inclusiva. Entretanto, não é suficiente para construção de um mundo igual para os desiguais.

    A partir dessa consciência, foi desenvolvido este estudo a fim de analisar a relação de exclusão entre os surdos e a dança. Como foi entendido nos parágrafos anteriores, para que se possa desenvolver uma prática inclusiva, nesse caso seria necessário um processo que envolvesse surdos e ouvintes, onde ambos pudessem encontrar no outro elementos de sua própria realidade. Os resultados dessa interação seguem abaixo, através de uma análise estatística e gráfica.

Resultados e discussões

    Com base nos resultados obtidos pela pesquisa, pode-se constatar que o percentual dos níveis de exclusão teve uma atenuada variação, no sentido do maior para o menor nível de exclusão social, conforme detalhado na tabela e no gráfico abaixo, principalmente no aumento do nível não excludente. Contudo, a análise estatística inferencial realizada através do programa Bioestat, demonstrou que a diferença não foi estatisticamente significativa, apresentando p-valor maior que 0,05.

Tabela dos níveis de exclusão social

* Diferença estatisticamente não significativa (p>0,05)

    A discussão a que o estudo nos leva compreende alguns dos aspectos tratados anteriormente como o etnocentrismo de Rocha (2009), o princípio da alteridade visto em Daolio (2007) e o ideal aristotélico sobre igualdade. A vivência integrada entre surdos e ouvintes, simulada através da intervenção organizada nessa pesquisa nos revela algumas evidências que podemos correlacionar a esses fundamentos teóricos. Além disso, cria-se também a possibilidade de uma elaboração interdisciplinar desses conceitos.

    Primeiramente, quando analisamos os resultados anteriores e posteriores a experiência vivenciada pela amostra da pesquisa, um dos fatores importantes para uma reflexão inicial trata-se da observação do nível que representa o maior grau de exclusão social, que demonstrou, ainda que atenuadamente, uma elevação. Esse fato pode nos mostrar o que já fora observado na antiguidade pelo historiador grego Heródoto ao afirmar que se fosse oferecido aos homens todos os costumes do mundo, eles escolheriam os que já lhe eram próprios, convencidos de que estes são os melhores.

    Essa idéia possui uma relação perfeita com o conceito etnocêntrico de Rocha (2009), uma vez que compreende a interpretação de uma realidade adversa baseada nas convicções intrínsecas de um grupo. Trata-se de uma análise dialética pautada na epistemologia social própria, ou seja, a compreensão da realidade ampla baseada na própria identidade cultural. O fato em questão poderia representar uma ineficácia do processo desenvolvido, mas não é suficiente para tal devido aos outros resultados apurados na pesquisa.

    Quando observamos, por exemplo, o nível de exclusão social subseqüente a este que acabamos de mencionar, o resultado se apresenta basicamente na mesma proporção, mas de forma contrária e positiva, pois o índice que ele representava antes da intervenção era baixo e após a vivência acabou demonstrando-se nulo. Isso representa não só uma evidência de tolerância as diferenças, como também um reconhecimento à conclusão de Laraia (2009), na qual o autor observa que os indivíduos participam de sua própria cultura de formas diferentes e que nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos dela.

    Por último, destacamos o aumento do nível que representa a menor intensidade de exclusão social e que pode ser um reflexo das atenuações dos níveis de exclusão razoável e pouco excludente. Nesse contexto, evidencia-se uma concepção que combina os princípios de alteridade e igualdade, defendidos por Daolio (2007) e Aristóteles.

Conclusões

    Através do estudo realizado, pode-se concluir que o problema da exclusão social observado através da relação do surdo com a dança configura-se em uma proporção menor que a esperada e que os níveis dessa exclusão, sofreram uma leve atenuação após a intervenção organizada pelo grupo. Isso leva a crer que a questão pode receber outros enfoques e ser retomada em uma próxima oportunidade, haja vista a importância que a dança tem no desenvolvimento dos surdos.

    Pode-se concluir também, conforme vivenciado na intervenção, que os surdos possuem um grande potencial para o desenvolvimento de atividades rítmicas, demonstrando assim que as diferenças motoras e físicas não constituem um fator intransponível para a prática da dança, mesmo por aqueles que não podem ouvi-lá, mas podem senti-lá de uma maneira diferenciada. Esse fato representa não só um exemplo de superação, como também o rompimento de barreiras, principalmente para aqueles que não acreditavam no potencial desse grupo.

    Em uma última análise, podemos definir também que o fato de os resultados não terem apresentado uma diferença estatisticamente significativa não configura insucesso da intervenção. Na verdade, se analisarmos o processo apenas do ponto de vista da conscientização, que era um dos objetivos da pesquisa, a tendência era que esses níveis acabassem aumentando, uma vez que a vivência poderia evidenciar o quanto somos excludentes sem saber.

    Com isso, tanto um aumento quanto uma moderada atenuação nos níveis de exclusão social representam o desenvolvimento de uma consciência que até então não possuíamos. Esse aspecto torna-se importante, uma vez que o conhecimento de nossas próprias resistências é o primeiro passo para podermos tratá-las. Isso nos faz acreditar que a partir desse momento, poder-se-á desenvolver uma prática mais inclusiva, com base na reformulação dos nossos valores sociais.

Referências

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