Ataxia de Friedreich: relato de caso La Ataxia de Friedreich: relato de caso |
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*Fisioterapeuta; Pós-graduado em Ortopedia e Traumatologia pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC); acadêmico do curso de Medicina pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC) **Fisioterapeuta; Mestre em Ciências da Reabilitação pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC) Acadêmica do curso de Medicina do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) ***Fisioterapeuta; Doutor em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Buenos Aires, Argentina; Professor e pesquisador da Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales, Argentina. ****Bióloga; Doutora em Biologia Celular e Estrutural pela Universidade Federal de Viçosa, Brasil; Professora titular do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) |
Anderson Mendes de Lacerda* Juliana Bittencourt e Xavier** Marcus Vinícius de Mello Pinto*** Lamara Laguardia Valente Rocha**** (Brasil) |
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Resumo A ataxia de Friedreich (AF) é uma doença neurodegenerativa com herança autossômica recessiva na qual o indivíduo apresenta alterações da marcha e coordenação de forma progressiva devido à neurodegeneração focal, perda dos reflexos tendinosos das extremidades inferiores, disartria, perda da propriocepção, cardiomiopatias e diabetes. A maior parte dos pacientes são homozigóticos para uma expansão com repetição de guanina, adenina, adenina (GAA) na região não codificadora do gene X25,o qual se localiza no cromossomo 9q13. Este gene codifica uma proteína mitocondrial anômala, a frataxina, que, por sua vez, está envolvida no metabolismo do ferro. O diagnóstico baseia-se em dados clínicos sendo confirmado através do estudo genético. Por se tratar de uma doença progressiva, o tratamento é paliativo e apresenta como objetivo melhorar a qualidade de vida do paciente. O objetivo do presente trabalho foi apresentar o caso clínico de um paciente, do sexo masculino, 7 anos de idade, portador de AF. Unitermos: Ataxia de Friedreich. Idebenone. Ataxia telangiectasia.
Abstract
Friedreich's ataxia (FA) is a neurodegenerative disease with autosomal
recessive inheritance in which a person has changes in march and coordination in
a progressive neurodegeneration due to focal loss of tendon reflexes of the
lower extremities, dysarthria, loss of proprioception, cardiomyopathy and
diabetes . Most patients are homozygous for a repeat expansion of guanine,
adenine, adenine (GAA) in non-coding region of the gene X25, which is located on
chromosome 9q13. This gene encodes a mitochondrial protein anomalous, frataxin,
which, in turn, is involved in iron metabolism. Diagnosis is based on clinical
data, and is confirmed by genetic study. Because it is a progressive disease,
treatment is palliative and features aimed at improving the quality of life of
patients. The objective of this study was to present the case of a patient,
male, 7 years old diagnosed with AF.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 171, Agosto de 2012. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
A ataxia de Friedreich (AF) é uma doença neurodegenerativa com herança autossômica recessiva, considerada a ataxia hereditária mais comum, na qual o indivíduo apresentará alterações da marcha e coordenação de forma progressiva devido à neurodegeneração focal, perda dos reflexos tendinosos das extremidades inferiores, disartria, perda da propriocepção, cardiomiopatias, e diabetes (GIUGLIANO & SETHI, 2007). Foi descrita em 1863 pelo neurologista alemão e patologista Nikolaus Friedreich quando notou-se o aparecimento de distúrbio cardíaco e marcha atáxica em pacientes (PAYNE, 2011)
Segundo JOHNSON (2005), a ataxia ocorre de forma progressiva envolvendo os membros inferiores em grau maior do que os superiores. Pode ser observada a presença de nistagmos e miocardiopatia hipertrófica com evolução para insuficiência cardíaca congestiva intratável, sendo considerada a maior causa de óbito para a maioria dos pacientes.
Inicia-se geralmente na infância levando à perda de habilidades motoras e, finalmente, incapacidade de permanecer em ortostatismo e deambular dentro de 10 a 15 anos do início. Os pacientes desenvolvem uma neurodegeneração primária de gânglios da raiz dorsal o que justifica a perda da propriocepção e da coordenação e, consequentemente, ocasionando ataxia progressiva e escoliose debilitante. Sendo assim, a AF gera comprometimento funcional significativo ao paciente (PAYNE, 2011).
De acordo com Nelson (2005), a maior parte dos pacientes são homozigóticos para uma expansão com repetição de guanina-adenina-adenina (GAA) na região não codificadora do gene X25,o qual se localiza no cromossomo 9q13. Coppola et al. (2009) relatam que o gene codifica uma proteína mitocondrial anômala,a frataxina, que, por sua vez, está envolvida no metabolismo do ferro, sendo assim, o déficit desta proteína provoca o acúmulo de ferro dentro das mitocôndrias, ocasionando um defeito na cadeia respiratória. Desta forma, observa-se produção de radicais livre e, consequentemente, lesão tecidual. Tal processo pode ser evidenciado principalmente nos neurônios, coração, músculos esqueléticos e pâncreas endócrino (ARNULF,2011).
A incidência de AF é de cerca de 1 em 30.000 pessoas (prevalência de 1 para 50.000) com frequência igual em homens e mulheres. É geralmente diagnosticada entre 5 a 15 anos de idade (PAYNE, 2011).
O diagnóstico baseia-se em dados clínicos sendo confirmados através do estudo genético. Dependendo dos sinais clínicos apresentados pelo paciente, o médico pode solicitar alguns exames complementares como eletroneuromiografia (para determinar o comprometimento de transmissão do estímulo nervoso nos nervos periféricos, assim como a presença de lesão de fibras musculares), eletrocardiograma, ecocardiograma (para avaliar a função cardíaca assim como a espessura do miocárdio e das câmaras cardíacas), tomografia computadorizada de crânio, exame de urina e glicemia (CARDOZO & SEIXAS, 2009). A dosagem sérica de vitamina E é recomendada, especialmente nos casos sem expansão GAA.
Por se tratar de uma doença progressiva, o tratamento é paliativo e apresenta como objetivo melhorar a qualidade de vida do paciente. Sendo assim, é necessária uma abordagem interdisciplinar com médicos, fisioterapeutas e psicólogos. Um acompanhamento cardiológico e a dosagem de glicemia de jejum regularmente também fazem-se necessários visto que tais pacientes podem apresentar comprometimento tanto do sistema cardiovascular quando da função endócrina do pâncreas. (GIUGLIANO & SETHI, 2007; CARDOSO &SEIXAS, 2009).
O objetivo do presente trabalho foi apresentar o caso clínico de um paciente portador de AF, demonstrando as manifestações clínicas precoces, assim como a propedêutica adotada para a confirmação diagnóstica.
Relato de caso
Paciente, sexo masculino, 7 anos de idade, história gestacional sem intercorrências, parto normal, a termo, peso ao nascimento de 3.1 Kg, estatura de 49 cm e perímetro cefálico de 33 cm. Chorou ao nascer e não permaneceu internado. Apresenta curvas de peso e estatura abaixo do percentil 3. Ao exame físico, observam-se ataxia axial, marcha atáxica com base alargada, disdiadococinesia, fala disártrica, tônus normal e questionável espasticidade em membros inferiores. Não foi observado clônus ou Babiski. Valores normais foram encontrados nos exames de triagem para acidemias orgânicas, doenças lisossômicas de depósito, dosagem de vitamina E (tocoferol), hormônio tireotrófico (T4), tiroxina (TSH), uréia, creatinina, focalização isoelétrica da transferrina, dosagem das enzimas musculares, anti-HTLV, ceruloplasmina, alfafetoproteína, perfil de ácidos orgânicos urinários e acantócitos. Tomografia computadorizada do encéfalo demonstrou sinais sugestivos de discreta atrofia cerebelar, alargamento da cisterna magna e leve dilatação do 4º ventrículo. Eletroneuromiografia sem alterações. Cariótipo para pesquisa de ataxia telangiectasia mostrou-se negativo. Estudo molecular para ataxia de Friedreich comprovou o diagnóstico.
Metodologia
Foram utilizados artigos coletados da base de dados PubMed referentes ao período de 2007 a 2012, sendo utilizados os seguintes descritores: Ataxia de Friedreich, Idebenone e ataxia telangiectasia.
Discussão
As manifestações iniciais da Ataxia de Friedreich caracterizam-se por comprometimento da marcha, ataxia mais acentuadamente de membros inferiores, disartria, diminuição ou ausência dos reflexos tendinosos e perda da propriocepção (DRINKAD et al.,2010). Analisando-se o caso clínico descrito, pode-se perceber que o paciente apresenta as manifestações clínicas descritas, compatíveis com a literatura.
A propedêutica adotada para a investigação da doença, assim como de possíveis comprometimentos funcionais, mostra-se importante, visto que medidas terapêuticas, levando-se em consideração a melhoria na qualidade de vida, estão diretamente relacionadas com o diagnóstico precoce. Medidas de suporte podem ser utilizadas logo que as manifestações clínicas tornam-se evidentes, sendo que a reabilitação cardiorrespiratória e motora através da fisioterapia auxilia de forma significativa no retardo do comprometimento funcional do paciente, visto que a maioria evoluirá para insuficiência cardiorrespiratória (CARDOSO & SEIXAS, 2009).
No presente trabalho, foi evidenciada atrofia cerebelar através da tomografia computadorizada de crânio, sendo que este achado torna-se importante do ponto de vista clínico e adjuvante no diagnóstico, apesar de que este deve ser confirmado através do estudo genético. Segundo SCHULZ et al., 2009, este sinal geralmente é encontrado em portadores de AF. Sendo assim, justifica-se a ataxia apresentada por portadores desta enfermidade, visto que o cerebelo é responsável pela manutenção da coordenação motora com grande precisão, pois é primariamente um centro para controle do movimento que possui extensivas conexões com o cérebro e a medula espinhal (BEAR et al., 2008).
A dosagem sérica de vitamina E realizada no paciente em questão apresenta como objetivo afastar Ataxia por Deficiência de Vitamina E (ADVE), como diagnóstico diferencial. Esta, por sua vez, como o próprio nome indica, ocorre devido a uma deficiência de vitamina E em virtude de um gene mutante no cromossomo 8. A proteína codificada por este gene é normalmente encontrada no fígado sendo responsável pela liberação de vitamina E no sangue. Pacientes portadores de ADVE eliminam a vitamina E produzida, causando sintomatologia semelhante às evidenciadas na ataxia de Friedreich. A deficiência desta vitamina, nestes casos é tratada com suplementos diários de alfa-tocoferol. Sendo assim, é extremamente importante o diagnóstico diferencial entre estas duas formas de ataxia (KLOCKETHER & PAULSON, 2011).
Outro diagnóstico diferencial da AF é a ataxia telangiectasia (AT) que, por sua vez, é uma patologia autossômica recessiva, sendo manifestada por ataxia que inicia-se geralmente aos 2 anos de idade e evolui até a perda da deambulação na adolescência. A diferenciação, no entanto, pode ser realizada através da dosagem de alfa-fetoproteína que, na AT encontra-se elevada enquanto que na AF os níveis séricos estão normais (JOHNSON, 2005). Com base em tais argumentos, evidencia-se que o paciente do caso clínico descrito apresentou níveis normais de alfa-fetoproteína sendo coerente com trabalhos existentes na literatura.
Apesar de ser uma doença progressiva, alguns medicamentos têm sido testados com o objetivo de retardar a sua evolução, como o Idebenone. Este, por sua vez, é um antioxidante lipossolúvel relacionado à coenzima-Q. Mancuso et al. (2010) realizaram um ensaio randomizado, controlado, com 48 pacientes portadores de AF, confirmados geneticamente, utilizando-se o referido medicamento em doses elevadas (até 45 mg/kg). Tais pesquisadores concluíram que a dose utilizada foi bem tolerada e associada com redução da hipertrofia cardíaca (confirmada por ecocardiograma), e também melhoria na função neurológica e atividades de vida diária de tais pacientes. De acordo com Myers et al.(2009), pouca idade, cardiomiopatia e menor comprimento de repetição GAA são considerados preditores independentes de utilização de Idebenone.
Vale ressaltar que o objetivo principal do tratamento é minimizar as complicações fisiológicas resultantes da deficiência de frataxina, sendo assim, a terapia de quelação do ferro com Deferiprone também tem sido estudada. O controle da glicemia com drogas antidiabéticas como Pioglitazona e melhora dos sintomas neurológicos com 5-hidroxitriptofano também fazem-se necessários (TRUJILLO-MARTÍN et al., 2009).
É importante destacar, que o paciente do caso clínico apresentado, encontra-se em tratamento interdisciplinar há 1 ano com fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e médicos neurologista e pediatra. O tratamento fisioterapêutico é direcionado com especial ênfase à reabilitação cardiovascular, motora e proprioceptiva. O acompanhamento com fonoaudiólogo torna-se necessário para o tratamento da disartria. A terapia ocupacional apresenta como objetivo a adequação da funcionalidade nas atividades de vida diária. As consultas médicas tornam-se necessárias para prevenir possíveis complicações e manter a periodicidade na realização de exames complementares necessários para traçar uma possível conduta terapêutica. A psicoterapia visa não apenas o paciente como também a família, sendo mais uma ferramenta imprescindível no prognóstico (CARDOSO & SEIXAS, 2009).
Conclusão
Com base no exposto, conclui-se que uma melhor elucidação sobre o quadro clínico do paciente portador de Ataxia de Friedreich apresenta importância singular, pois contribui não apenas para o diagnóstico mais rápido e preciso, como também para a orientação aos familiares acerca da evolução da doença. A propedêutica adotada para o paciente mostrou-se adequada visto que foi capaz de diagnosticar a doença, excluir possíveis diagnósticos diferenciais e avaliar comprometimentos geralmente encontrados em portadores de AF. O trabalho interdisciplinar é uma conduta importante e deve ser estimulada visto que, por se tratar de uma doença progressiva, o acometimento global do paciente é inevitável.
Referências bibliográficas
ARNULF, HK. Friedreich’s ataxia: Pathology, pathogenesis, and molecular genetics. Journal of the Neurological Sciences, v.303, n.2, p.1-29, 2011.
BEAR, MF. et al. Controle Encefálico do Movimento. In_____. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. p.451-478.
CARDOZO, DC; SEIXAS, FAV. Ataxia de Friedreich: relato de um caso com manifestação tardia. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, Umuarama, v.13, n.3, p.243-247, 2009.
COPPOLA, G. Functional genomic analysis of frataxin deficiency reveals tissue-specific alterations and identifies the PPARg pathway as a therapeutic target in Friedreich’s ataxia. Human Molecular Genetics, v.18, n.13, p.2452-2461, 2009.
DRINKARD, BE. et al. Exercise Capacity and Idebenone Intervention in Children and Adolescents with Friedreich’s Ataxia. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, v.91, n.7, p.1044-1050, 2010.
GIUGLIANO, GR; SETHI, PS. Friedreich’s Ataxia as a cause of premature coronary artery disease. Texas Heart Institute Journal, v.34, n.2, p.214-217, 2007.
JOHNSON, MV. Distúrbios do movimento. In: NELSON, WE. Tratado de Pediatria. 17 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 2141- 2146.
KLOCKETHER, T; PAULSON, H. Milestones in ataxia. Movement Disorders, v.26, n.6, p.1134-1141, 2011.
MANCUSO, M. et al. Current and emerging treatment options in the management of Friedreich ataxia. Neuropsychiatric Disease and Treatment, v.6, n.1, p.491-499, 2010.
PAYNE, RM. The Heart in Friedreich’s Ataxia: Basic Findings and Clinical Implications. Progress in Pediatric Cardiology, v.31, n.2, p.103-109, 2011.
SCHULTZ, JB. et al. Diagnosis and treatment of Friedreich ataxia: a european perspective. Nature Reviews Neurology, v.5, n.4, p.222-233, 2009.
TRUJILLO-MARTIN, MM. et al. Effectiveness and safety of treatments for degenerative ataxias: a systematic review. Moviment Disorders, v.24, n.8, p.1111-1124, 2009.
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