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Vivências de atenção a saúde na comunidade 

Guamá: relatos de experiência de enfermagem

Vivencias de atención a la salud en la comunidad Guamá: informes de la experiencia de enfermería

 

*Enfermeiro, Mestrando em Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto

da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Especialista em Integralidade da Atenção Oncológica

pelo Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicologia e Saúde. Ribeirão Preto, São Paulo

**Enfermeiro, Aluno Especial do Mestrado em Enfermagem Fundamental pela EERP/USP

Especialista em Enfermagem do Trabalho. Ribeirão Preto, São Paulo

***Enfermeira, Doutora em Enfermagem Fundamental pela EERP/USP. Docente

da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará (FAENF/UFPA). Belém, Pará

****Enfermeiro, Doutor em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina

Docente FAENF/UFPA. Belém, Pará

*****Enfermeira, Mestranda em Enfermagem pela FAENF/UFPA. Belém, Pará

******Enfermeira, Mestranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Magalhães Barata

da Universidade do Estado do Pará. Especialista em Enfermagem Cirúrgica

e Terapia Intensiva. Belém, Pará

*******Enfermeira Assistente do Município de Ananindeua, Pará

Vander Monteiro da Conceição*

Jeferson Santos Araujo**

Mary Elizabeth de Santana***

Silvio Éder Dias da Silva****

Lucialba Maria Silva dos Santos*****

Esleane Vilela Vasconcelos******

Ralrizônia Fernandes Souza*******

vandermonteiro@usp.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo objetivou descrever a experiência de pesquisadores em contato com a população do bairro do Guamá (Belém, Pará, Brasil), através do projeto a “Qualidade do cuidado à saúde do idoso portador de câncer de cabeça e pescoço: segundo a satisfação do usuário da rede básica em Belém do Pará”. Estudo do tipo relato de experiência. O projeto propiciou entender o contexto ao qual está inserida a população adoecida com câncer e, em busca de tratamento, ressalta-se que este não é um retrato universal do SUS, e sim parte de um contexto existente. Vivenciar as realidades através de um projeto de pesquisa permite a associação entre o contexto universitário e a comunidade, permitindo a visão não apenas teórica do objeto de pesquisa, mas conhecendo sua realidade e os fatores sociais que influenciam em seu cuidado a saúde.

          Unitermos: Sistema Único de Saúde. Enfermagem Oncológica. Saúde Pública.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 170 - Julio de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O Sistema Único de Saúde (SUS) é atualmente considerado um dos melhores modelos de atenção à saúde no mundo. A forma como suas unidades foram organizadas “teoricamente” atende a todas as necessidades e demandas de uma população. Seu processo de construção foi lento e gradual e, gerou inúmeros ganhos à população, porém, por inúmeros problemas, entre eles financiamento, gestão e recursos humanos, levaram, o ainda novo plano público de saúde, a supostos sucateamentos.

    O processo de construção do SUS(1) tem sido marcado pela implementação de diversos instrumentos legais e normativos, tendo como principal objetivo a organização do fluxo financeiro e seu controle pelos sistemas estaduais e municipais de saúde, onde se propõem a autonomia política dos municípios em ralação a estrutura político-administrativa do Estado.

    Em paralelo ao debate em relação ao financiamento e a gestão do SUS, o Ministério da Saúde (MS) criou a Estratégia de Saúde da Família (ESF), esta que apresentou ao longo dos anos uma série de resultados positivos em termos do impacto sobre alguns indicadores de saúde, contribuindo então para sua consolidação nos serviços básicos no SUS(1).

    Mesmo a ESF tendo trazido muito benefícios em saúde, há muitas falhas, sobretudo no diagnóstico clinico do câncer, entre eles o de Cabeça e Pescoço, levando o usuário à sua identificação tardia e conseqüentemente a inúmeras seqüelas ou à morte. Dados(2) revelam que o câncer de cabeça e pescoço representa 10% dos tumores malignos no mundo, e envolve várias regiões entre elas a cavidade oral, laringe, faringe, glândulas salivares são as mais prevalentes, porém, podem surgir em outros sítios. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer, estimou para o ano de 2002 a ocorrência de 337.535 casos novos de câncer, dos quais 11.255 de boca (3,3%).

    Atualmente, existe(3)a necessidade de reestruturar-se a atenção oncológica, não somente em relação à assistência direta ao cliente, mas a um conjunto de ações de ensino, pesquisa, informação e prevenção.Este conjunto anteriormente citado nada mais é do que a integralidade das ações do controle do câncer, que já é aceita a idéia de associação dos diversos serviços assistenciais para o tratamento do câncer.

    Para tanto é necessário também “humanizar’ os serviços de saúde e este processo de humanização requer reflexões acerca de valores e princípios da prática profissional, e esta ultima possui vários percursos a serem traçados em relação ao cuidar. Em sua maioria, o profissional encontra no cotidiano a prestação de um cuidado puramente técnico, e dessa forma, deixa de desenvolver emoções e envolvimentos pessoais com seus clientes(4).

    Neste contexto surgiu o projeto intitulado “Qualidade do cuidado à saúde do idoso portador de câncer de cabeça e pescoço: segundo a satisfação do usuário da rede básica em Belém do Pará”, visando compreender como os serviços em saúde têm sido prestados aos usuários do SUS. O mesmo repercutiu em nossas vidas, pois, enquanto pesquisadores do projeto, teve-se a ampliação do olhar perante a realidade de seus usuários e acerca da dinâmica do serviço público de saúde brasileiro.

Objetivo

    Descrever a experiência de pesquisadores em contato com a população do bairro do Guamá, através do projeto a “Qualidade do cuidado à saúde do idoso portador de câncer de cabeça e pescoço: segundo a satisfação do usuário da rede básica em Belém do Pará”.

Metodologia

    Trata-se de um relato de experiência realizado através do projeto “Qualidade do cuidado à saúde do idoso portador de câncer de cabeça e pescoço: segundo a satisfação do usuário da rede básica em Belém do Pará”. Na execução do referido projeto foi realizado um levantamento em prontuários na Unidade Básica de Saúde do Guamá, onde foram selecionados idosos que em alguma consulta apresentavam sinais e sintomas característicos de câncer na região da cabeça e/ou pescoço.

    Após este primeiro momento, realizamos visitas domiciliares aos idosos selecionados, foi quando houve o deparo com as realidades extra universidade. O projeto iniciou no ano de 2007 e foi concluído no ano de 2009, porém todos os serviços de saúde oferecidos aos moradores do Guamá, assim como eles o vivenciavam merecem ser compartilhados.

    Esta experiência fez-nos refletir sobre o papel da Enfermagem, sobretudo na perspectiva da promoção da saúde, uma vez que o profissional com seu senso crítico, ético e legal, têm a responsabilidade de desenvolver estratégias que oportunizam um maior controle sobre sua saúde e condições de vida, em nível individual e coletivo, sem perder de vista sua cultura e autonomia.

Resultados

    O Guamá, mesmo fazendo parte do complexo de bairros do município de Belém, uma das metrópoles da Amazônia, possui muitas características de uma população interiorana, tais justificam-se pelo fato de seus residentes, em sua maioria, advirem do interior do estado do Pará ou de estados vizinhos. Evidencia-se ao primeiro olhar, a imagem de que tal bairro é semelhante a qualquer outro da capital, porém quem reside em Belém ou mesmo em regiões vizinhas à metrópole, sabe que o mesmo pertence a uma das regiões com os maiores índices de violência urbana do município de Belém, além de ser o mais populoso.

    O bairro está localizado em uma área periférica da cidade, fazendo parte do Distrito das Águas juntamente com os bairros da Terra Firme, Cremação, Riacho Doce, parte dos bairros do Jurunas, Condor, com uma população predominantemente de baixa renda, com difícil acesso aos serviços de saúde. No que diz respeito ao contexto cultural, a interculturalidade populacional permite o encontro pacífico das diferentes práticas cotidianas inerentes a cada grupo social (5).

    O Guamá por apresentar sua população pobre e sem notório saber de seu poder político, aliado a sua má fama e por outros entraves de gestão, a população carente ali inserida, que necessita do SUS, não possui atenção requerida para suas mazelas, as quais nem sempre se apresentam como sendo biológicas, mas também psicológicas e principalmente sociais.

    É perceptível a ampliação dos serviços do SUS, assim como sua degradação, este último impede o seu fortalecimento, uma vez que existem impasses na sua implantação, dentre eles, o financiamento deficitário e os serviços de atenção básica sendo ampliados, porém, de qualidade duvidosa e em graduação abaixo do necessário; os pactos realizados entre os municípios e serviços são virtuais; os hospitais presentes na rede apresentam fragilidades e estão com pouca expectativa de funcionamento (6).

    O difícil acesso às comunidades distantes do centro de saúde, a falta de segurança por parte do poder público que garanta o ir e vir dos profissionais às residências dos pacientes apresenta-se como algumas das principais vertentes que fragilizam as ações em saúde que deveriam estar ativamente na comunidade, limitando então seus serviços apenas a atendimentos ambulatoriais, deixando à margem a essência da ESF, que preconiza a saúde indo ao encontro da comunidade.

    Para os gestores do SUS a ESF representou importantes avanços na prevenção de agravos, na consciência sanitária e na realização de visitas domiciliares, tendo na imagem do agente comunitário de saúde um importante ator na realização deste serviço. As dificuldades no acesso proporcionam a deturpação das vantagens obtidas nos demais itens da integralidade ao prejudicar a realização de atividades de promoção, prevenção e visitas devido à sobrecarga das equipes (7).

    Prestar atendimento em repartições públicas de saúde voltadas para a atenção primária a comunidade é, neste bairro, ao mesmo tempo prazeroso e conflitante. O prazer está desvelado na percepção que a população faz, de fato, do uso dos serviços de saúde pública ao vivenciar a praticidade e funcionalidade do SUS que, para muitos, vigora somente no papel. É prazeroso, também, perceber a satisfação da comunidade pelos serviços prestados, algo que é entusiasmante.

    Já os conflitos consistem, uma vez que, para a comunidade ter acesso aos cuidados oferecidos, a mesma ultrapassa diversas barreiras que perpassam desde a já comentada violência, a falta de saneamento básico, o difícil acesso decorrente da localização geográfica, até o deficitário atendimento por parte de alguns funcionários que prestam assistência “desumanizada”.

    Sabe-se que a atenção a saúde está diretamente relacionada à qualidade de vida, logo o SUS, desde sua implantação, tem proporcionado garantias, limites e avanços constitucionais às questões ligadas à saúde, passaram a serem identificadas como produção social, tendo então influência nas redes causais que envolvem elementos sociais, econômicos e culturais que se resumem na experiência singular de cada individuo que dele utiliza(8).

    Com relevante contingente de usuários que utilizam a instituição, a equipe multiprofissional que trabalha na ESF do Guamá, poderia realizar diversas atividades de prevenção e promoção à saúde, não que estes não o façam, mas, poder-se-ia realizá-las com maior eficácia e efetividade. O mesmo ocorre não unicamente pela falta de compromisso de alguns profissionais, mas também pelo escasso recurso humano de trabalhadores em saúde e de materiais que propiciam um melhor desempenho informacional aos usuários do sistema. Assim os serviços tornam-se fragmentados e por vezes quantitativos.

    O SUS aqui discutido, mesmo com todos seus avanços e conquistas, não alcançou todas as suas propostas preconizadas pela reforma sanitária, possui, como vimos anteriormente, fragilidades que afetam sua política com a sociedade. Atualmente os serviços públicos de saúde foram ampliados, o número de trabalhadores em saúde cresceu chegando, praticamente, a todos os municípios brasileiros, porém só apenas recentemente conseguiu-se organizar as verbas destinadas a este setor (9).

    O termo “quantitativo” aplicado neste relato encontra-se relacionado ao mero atendimento prestado com o objetivo de superar as metas preconizadas pelo Ministério da Saúde do Brasil através de protocolos de atendimento previamente planejados. Desta forma o importante então é o número de atendimento, ou seja, quanto maior a produção, maior o número de recursos adquiridos pelas unidades prestadoras de serviços, e por vezes, maiores serão as gratificações que o profissional de saúde receberá, deixando assim muitos dos cuidados diretos a população em um segundo plano.

    Para se cumprir metas, em muitos dos estabelecimentos de saúde pública, o profissional incorpora comportamentos que desrespeitam a si e ao usuário, em busca da quantidade de serviços prestados. O atendimento então dito pelo SUS como integral, é sistematizado e não individualizado. Percebe-se que alguns profissionais encaram o serviço como apenas mais uma de suas fontes de rendas, deixando transparecer o comodismo e a plena segurança do não serem futuros desempregados por conta de ter um vinculo empregatício estável (servidor público estatutário).

    A humanização(10) no campo da saúde é a reestruturação da forma de trabalhar dos funcionários para com as pessoas. Para se humanizar é necessário reformar a tradição médica e epidemiológica, tendo então que combinar a objetivação cientifica e o processo conhecido como saúde/doença/intervenção. A consolidação da humanização no trabalho em saúde deve ir ao encontro da defesa da vida, para a construção de novos padrões de qualidade de vida concretos. A humanização necessita, também, realizar mudanças em seus trabalhadores, pessoas que devem rever seus conceitos ligados a defesa da vida reduzindo sua alienação e proporcionando um trabalho criativo e prazeroso, propiciando o estabelecimento de laços entre equipes e usuários elaborando a co-responsabilização pelos serviços em saúde.

    Nas unidades de saúde o gestor exerce o papel de administrador do serviço local, questionador e avaliador; auxilia os demais profissionais para que os serviços prestados favoreçam a população, a promoção e prevenção de agravos da saúde. É gratificante ver um gestor acatar ou mesmo acoplar as idéias de seu profissional, pois demonstra a co-responsabilização pelo serviço e que não existe algo imposto ao qual a imagem do gestor esteja ancorada, principalmente a imagem do obedecer sem questionar. Entretanto, as práticas mais comuns observadas são as de que não se deve questionar o gestor, pois a retaliação vertical pode promover inúmeros prejuízos ao promotor da ação.

    O trabalho em saúde é produto de um processo histórico, sendo influenciado, dentre outros fatores, pela cultura e crenças de seus atores, ou seja, seus sujeitos estão diretamente sobre influencias destes fatores, deve-se então elaborar novas condições de trabalho que venham a substituir paulatinamente o modelo vigente. A participação ativa dos sujeitos envolvidos é fundamental para o rompimento da normatização e das prescrições normalmente instituídas pelas administrações superiores dos estabelecimentos assistenciais de saúde (11).

    No cenário vivenciado, foi perceptível a “desumanização” do ser, não só do ser doente, mas também do ser homem usuário do SUS, o ser ativo e reativo social que necessita de ajuda para compensar seus agravos de saúde, pois o não se enxergar no outro como a si mesmo era fluente no cotidiano da ESF Guamá.

    Os servidores públicos estatuários nem se deixam questionar, pois a idéia de segurança no emprego perpassa o pensamento de que se pode fazer o que se tem vontade no serviço e a realidade não é essa. Porém é o que muitos brasileiros têm em mente, seja no serviço de saúde ou em outra repartição do estado, município ou união, sempre está presente na fala dos clientes o clichê de que o serviço público não funciona, ou funciona só para alguns.

    E por que o usuário não procura seus direitos para fazer o que entendemos por justiça? A possível resposta esteja no baixo nível educacional da população, o que prejudica o entendimento real do conceito de justiça, ou mesmo os usuários têm medo de não serem escutados, uma vez que processos judiciais no Brasil demoram anos para serem solucionados.

    É através dessa realidade que percebemos o quanto é diferente o processo de atenção à saúde na rede básica, onde a teoria é bem diferente da prática, a falta de recursos, de profissionais competentes e a junção da problemática social da localidade, mostraram-nos uma representação do quanto é necessário o profissional estar preparado para atuar na atenção básica, pois o então currículo informal coloca em prática, não diria tudo, mas boa parte do serviço funcionando com falhas.

    Nesta experiência é perceptível a falta de integralidade, esta última que é um conceito que permite uma identificação dos sujeitos como totalidades, o holístico, mesmo em dados momentos utópicos, pois levam em conta todas as dimensões possíveis de intervenção. Seu entendimento extrapola a estrutura organizacional hierarquizada e regionalizada da assistência de saúde, e possibilita a atenção individual e coletiva aos usuários do sistema de saúde, porém necessita de co-responsabilização com o contínuo aprendizado e com a prática multiprofissional(12).

    Com o projeto sobre câncer de cabeça e pescoço o contato com a comunidade do bairro do Guamá foi esplêndido e ao mesmo tempo inquietante. Nos primeiros dias a curiosidade e o nervosismo foram eminentemente expostos em nossa vivência, a chance de nos deparar com um dos grandes estigmas do processo saúde-doença realçaram extintos para a busca de maiores informações, por mais que papel de pesquisador naquele momento não se alongasse à assistência de enfermagem, o simples fato de saber que alguém tem algo que lhe aflige, fez a equipe ter informações preciosas sobre esse mal que poderia ajudá-lo, talvez não a superar, mas a aceitar melhor a doença, algo gratificante.

    Em muitos momentos o fato de adentrar em um dos mais perigosos bairros da cidade, e que tem constantemente seus crimes exaltados como troféus pela mídia fizeram-nos pensar que todos ali eram suspeitos. A cada passo sentia-nos perseguido, era como se em cada janela houvesse um olhar vago e certeiro que informavam aos demais, que por via, poderia encontrar durante o trajeto. A metonímia que criávamos nos consumia, sabemos que generalizamos a parte pelo todo, mas o medo, não do fantasma da doença, e sim dos vândalos, ameaçavam o sucesso da implementação da pesquisa. Em cada visita indagava-se, porque os moradores falaram que os médicos da ESF não vêm ao domicilio? Bem, a resposta para esse e outros questionamentos sempre se encontrava na violência vigente do bairro.

    No decorrer das visitas e durante os contatos com a comunidade, percebeu-se o quanto se estava equivocado. É certo que naquela localidade existem e existiam pessoas necessitando de ajuda e que estavam sem escuta para os seus problemas de saúde. As pessoas ali encontradas tinham sintomas a mais de 10 anos, e ao nosso olhar realmente muitos eram indicativos de alguma neoplasia de região cervical, não somente por suas histórias clinicas, mas por visíveis alterações na anatomia.

    Surge então nossa angústia em entender como estes convivem com esses problemas há tantos anos. Então, após a solicitação de respostas a cada casa, a cada história e seus contextos, quase todos eram unânimes em dizer que demoraram meses para conseguir uma consulta na unidade básica; demorou ainda sua realização de exame, e assim, a palavra “demora” foi repetidamente presente em seus discursos. Felizmente quando se trata precocemente a chance de cura é grande, pois sua evolução clinica é demorada, em contrapartida, quanto mais se demora tratar mais difícil é a cura.

    Reconhece-se o curso de uma neoplasia, tanto o diagnóstico quanto a terapia devem ser instituídos o mais precoce possível. A demora no tratamento, por vezes, é relativa ao paciente que retarda sua procura pelo profissional de saúde, porém existe a vertente de que o sistema de saúde não funciona adequadamente (13).

    Cada visita possuía suas particularidades e infelizmente uma história de sofrimento e descontentamento. Houve casas onde o suspeito de câncer, descrito em prontuário, havia falecido há poucos meses. É triste saber que essa realidade está presente diretamente, pois é algo que imagina-se distante de acontecer, porém para esse retrato social brasileiro o câncer representou uma luta contra o tempo.

Considerações finais

    Entende-se que o relato serviu para compartilhar uma realidade vivenciada, porém não a retrata-se como aspecto universal do SUS, e sim como parte de contexto já pré-estabelecido. O projeto permitiu, durante sua vigência, o contato maior com a população, saindo das paredes da universidade, hospitais e unidades de saúde do SUS, e levando-nos ao contato direto com a população.

    Para haver mudanças, é necessária a percepção dos problemas e da situação de vida que aquele grupo está inserido para que se tenha a possibilidade de buscar formas de por em prática ações para que ocorram as mudanças necessárias para a diminuição das vulnerabilidades. Sendo assim, o aprender a apreender e o desenvolvimento de competências e habilidades devem ser temas norteadores do cotidiano do profissional de saúde na construção de práticas que oportunizem o desenvolvimento de hábitos saudáveis, de indivíduos responsáveis pelo seu meio, acima de tudo, o respeito à sua dimensão social.

Referências

  1. Teixeira CF, Paim JS, Vilasbôas AL. SUS, Modelos Assistenciais e Vigilância da Saúde. Informe Epidemiológico do SUS1998; 7(2): 8-28.

  2. Cardoso MFA, Novikoff S, Tresso A, Segreto RA, Cervantes O. Prevenção e controle das seqüelas bucais em pacientes irradiados por tumores de cabeça e pescoço. Radiol Bras 2010; 38(2): 107-115.

  3. Kligerman, J. A Ampliação da Assistência Oncológica no Brasil. Revista Brasileira de Cancerologia, 2000, 46(4): 347-49.

  4. Brito NTG, Carvalho R. A humanização segundo pacientes oncológicos com longo período de internação. Einstein. 2010;8(2 Pt 1): 221-7.

  5. Neto JCM. A Ação Pedagógica do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire: A Inclusão Social de Comunidades Periféricas de Belém do Pará. In: Anais do V Colóquio Internacional Paulo Freire; 2005 set 19-25; Recife (PE), Brasil. Recife: Centro Paulo Freire; 2005. p. 01-09.

  6. Campos GWS. Reforma política e sanitária: a sustentabilidade do SUS em questão?. Ciênc. saúde coletiva. 2007; 12(2): 301-306.

  7. Conill EM. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde: desafios para a organização de serviços básicos e da Estratégia Saúde da Família em centros urbanos no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2008; 24 (suppl.1), p. 7-16.

  8. Schwartz TD; Ferreira JTB; Maciel ELN; Lima RCD. Estratégia Saúde da Família: avaliando o acesso ao SUS a partir da percepção dos usuários da Unidade de Saúde de Resistência, na região de São Pedro, no município de Vitória (ES). Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(4): 2145-2154.

  9. Feuerwerker L. Modelos tecnoassistenciais, gestão e organização do trabalho em saúde: nada é indiferente no processo de luta para a consolidação do SUS. Interface (Botucatu). 2005; 9(18): 489-506.

  10. Campos GWS. Humanização na saúde: um projeto em defesa da vida?. Interface (Botucatu). 2005; 9(17): 398-400.

  11. Martins JJ; Albuquerque GL.A utilização de tecnologias relacionais como estratégia parahumanização do processo de trabalho em saúde. Cienc Cuid Saude 2007;6(3):351-356

  12. Machado MFAS; Monteiro EMLM; Queiroz DT; Vieira NFC; Barroso MGT. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS: uma revisão conceitual. Ciênc. saúde coletiva. 2007; 12(2): 335-342.

  13. Knorst MM; Dienstmann R; Fagundes LP. Retardo no diagnóstico e no tratamento cirúrgico do câncer de pulmão. J. Pneumologia. 2003; 29(6): 358-364.

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