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Introdução

    Substâncias psicoativas (SPAs) são aquelas capazes de alterar o humor, o nível de percepção ou o funcionamento do sistema nervoso central¹. Os problemas associados ao consumo de tais substâncias não devem ter apenas a conotação psiquiátrica ou médica², uma vez que além dos prejuízos à saúde associados ao uso abusivo e/ou dependência de tais substâncias, como o risco para desencadear doenças cardiovasculares e envolvimento com acidentes de trânsito, o usuário pode desenvolver ainda problemas de ordem pessoal, familiar, escolar, ocupacional e social como maior propensão à violência e homicídios^1,3,4.

    Os fatores de risco para o uso experimental e sustentação são múltiplos, complexos e se afetam mutuamente⁵. Dentre os fatores contextuais -influências que o sujeito recebe do meio social no qual se encontra inserido- se destacam: desfavorável condição socioeconômica, fácil acessibilidade às substâncias, altas taxas de criminalidade, publicidade, políticas públicas sociais, distanciamento da família, da religião e das atividades escolares e ainda, a convivência com pares usuários de SPAs que se influenciam pela modelagem, imitação ou reforçamento do comportamento^1,6.

    Ao se considerar o ambiente universitário somam-se ainda os seguintes fatores contextuais: elevado custo de investimento na formação acadêmica; pressões impostas pela necessidade de adaptação ao novo estilo de vida, que podem desencadear disfunções psicológicas como ansiedade, depressão e estresse; expectativas positivas e prazerosas quanto aos efeitos da substância; privação do lazer, principalmente cultural e/ou esportivo; abandono de regras; moradias compartilhadas com outros universitários –repúblicas- sem a supervisão de adultos; pouca experiência de vida e escasso repertório comportamental principalmente na fase inicial do curso universitário^6-8.

    Apesar de vários estudos terem investigado o consumo de SPAs entre universitários^{6, 8-20} ainda é bastante incipiente a abordagem deste tema no que tange o comportamento de risco entre universitários no início da vida acadêmica. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi investigar o comportamento de risco em relação ao uso ocasional, ao uso abusivo e/ou à dependência de substâncias psicoativas entre calouros do Curso de Graduação em Fisioterapia.

Metodologia

    O delineamento do estudo caracterizou-o como pesquisa epidemiológica descritiva.

    A população foi composta por sujeitos matriculados no primeiro período do Curso de Graduação em Fisioterapia de uma Instituição de Ensino Superior no Município de Montes Claros – MG. De acordo com dados da própria instituição no primeiro semestre de 2011, 50 acadêmicos cursavam o primeiro período do referido curso, no segundo semestre havia 58 discentes e no primeiro semestre de 2012 o número de acadêmicos correspondia a 124 sujeitos. Assim sendo, o número total de estudantes no período de tempo considerado no estudo compreendeu 232 sujeitos.

    A princípio realizou-se cálculo amostral para produção da representatividade populacional considerando nível de confiança de 95%, margem de erro de 5%, perda estimada em 20%, sendo estimado o tamanho amostral em 175 sujeitos. A seleção amostral se deu por conveniência e adotou como critério de exclusão a ausência do acadêmico em sala de aula no momento da coleta de dados. Como critério de inclusão participou do estudo somente acadêmicos matriculados e cursando período do curso envolvido na pesquisa. Ao considerar tais critérios a amostra final do estudo constituiu-se por 182 sujeitos.

    Para a coleta dos dados utilizou-se Questionário validado pela Organização Mundial de Saúde (OMS): “Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test” – ASSIST também validado para língua e cultura nacional²¹.

    Tal instrumento trata-se de um questionário estruturado, que engloba oito questões referentes ao uso de nove classes de SPAs (tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos, e opiáceos). As questões consideram a frequência de uso na vida e nos últimos três meses, problemas relacionados ao uso, preocupação a respeito do uso por parte de pessoas próximas ao usuário, prejuízo na execução de tarefas esperadas, tentativas mal sucedidas de cessar ou reduzir o uso e sentimento de compulsão ou fissura. A última questão refere-se ao uso por via injetável. Cada resposta corresponde a um escore, que compreende de 0 a 4 pontos, sendo que a soma total pode variar de 0 a 20. Considera-se a resultado igual a “zero” sujeito abstêmio, faixa de escore de 1 a 3 pontos indicativo de uso ocasional, de 4 a 15 indicativo de abuso e maior ou igual a 16, sugestivo de dependência²¹.

    Para proceder à coleta dos dados, um dos pesquisadores envolvidos no estudo contatou os acadêmicos em suas respectivas salas de aula. Nesta oportunidade fora apresentada a metodologia da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Participação na Pesquisa. Após realizados possíveis esclarecimentos e sanadas quaisquer dúvidas a cerca do estudo, os acadêmicos eram organizados no ambiente da sala de aula de forma a contemplar a privacidade e confidencialidade dos dados, sendo assim as carteiras dos mesmos eram mantidas a certa distância umas das outras. Após a obtenção da assinatura no termo de consentimento, entregava-se o questionário para coleta dos dados. Ao termino do preenchimento do mesmo, cada acadêmico devolvia-o e este era colocado em um envelope.

    A tabulação, análise e interpretação dos dados coletados deu-se através do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences)¹⁷. Conduziram-se análises descritivas com o intuito de caracterizar os sujeitos envolvidos.

    O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa da Associação Educativa do Brasil – CEPSOEBRAS onde esteve sujeito à aprovação prévia para realização do estudo, tenso sido aprovado pelo parecer consubstanciado 0457/09. Adotaram-se as diretrizes e normas da Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a ética da pesquisa envolvendo seres humanos. Garantiu-se aos sujeitos amostrais e à instituição participante do estudo, a preservação dos dados, a confidencialidade e o sigilo das informações relativas à identidade civil e jurídica.

Resultados e discussão

    A análise dos dados levantados permitiu aferir que a idade média dos acadêmicos foi de 21,4 anos (DP: 4,3517) sendo que 76,9% (n=140) eram do sexo feminino. Tais características sociodemográficas vão de encontro aos resultados do estudo que ao avaliou a prevalência e os fatores associados com o consumo de substâncias psicoativas por acadêmicos de enfermagem da Universidade de Passo Fundo, e identificou predomínio de acadêmicas na amostra, com 82% de representatividade, bem como idade média de 23,3 anos (DP:4,54)⁸.

    Quanto ao formato da estrutura residencial, identificou-se entre os acadêmicos, avaliados a partir do segundo semestre de 2011, predomínio da estrutura familiar com 75,2% de representatividade (n=109), seguidos por 17,2% (n=25) residentes em repúblicas. Os demais residem em pensionatos e/ou moram sozinhos. Resultados que corroboram com estudo que avaliou os fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários e identificou 79,8% de universitários residindo com os pais e/ou familiares¹⁴. Outra pesquisa que teve por objetivo avaliar o uso de drogas e comportamentos de risco no contexto de uma comunidade universitária equatoriana também identificou que 63% dos universitários viviam e residiam na casa de seus próprios pais¹⁰.

    Apesar da grande maioria residir com suas famílias, aferiu-se expressivo número de sujeitos nos quais a estrutura residencial caracteriza-se como república, fato esse que se associa à maior prevalência do consumo de SPAs entre estudantes universitários⁸.

    A Tabela 1 apresenta o padrão de consumo das substâncias psicoativas, considerando as nove classes de SPAs e pondera os resultados quanto ao uso na vida -inclusive um único uso experimental- e o uso nos últimos três meses.

    Estudo de revisão literária de pesquisas sobre consumo de SPAs entre estudantes universitários brasileiros e identificou, entre os estudantes da Universidade de São Paulo, que as bebidas alcoólicas e o tabaco foram as substâncias mais consumidas, com prevalências de uso nos últimos 12 meses de 82,3% para o álcool e 29,6% para o tabaco²⁰. Resultados similares aos levantados no presente estudo.

    Em relação às substâncias lícitas se destaca elevada experimentação de bebidas alcoólicas e tabaco na vida com uso continuado nos últimos três meses.

    Resultados similares aos da pesquisa desenvolvidas com acadêmicos de enfermagem da Universidade de Passo Fundoque identificou 93,6% dos universitários já tendo usado álcool na vida, sendo que 78,9% da amostra mantiveram seu uso no último mês, enquanto 48,9% já usou tabaco na vida, sendo que, 20% fizeram uso no último mês⁸. Outro inquérito que avaliou numa Universidade de Curitiba, o uso de álcool, tabaco e drogas por estudantes da área de saúde, constatou entre os acadêmicos do curso de fisioterapia que 93,3% já fizeram uso de substâncias alcoólicas na vida e 65,4% consumiram álcool nos últimos doze meses, enquanto 53,8% já consumiram tabaco na vida e 25% o consumiram no último ano¹¹.

    Outra pesquisa que demonstrou a mesma tendência, teve por propósito descrever o consumo de substâncias psicoativas entre alunos de graduação em enfermagem e residentes em enfermagem em uma universidade pública do Estado do Paraná e verificar a correlação do consumo com a percepção de otimismo, identificou que 85,1% dos sujeitos amostrais já fizeram uso de substâncias alcoólicas e 32,3% de tabaco. O uso continuado dessas substâncias nos últimos três meses foi de 87,3% para bebidas alcoólicas e 32,8% para tabaco².

    Estudo que mensurou o consumo de álcool e fumo entre os estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândiaconstatou a tendência do aumento do número de acadêmicos consumirem bebidas alcoólicas no decorrer do curso, uma vez que no primeiro ano na universidade, 55,73% dos universitários haviam consumido álcool e já no quinto ano, a representatividade era de 81,48%⁷.Na presente pesquisa, a representatividade de acadêmicos, que já experimentaram bebidas alcoólicas ainda no primeiro período da faculdade, excedeu os resultados levantados entre os estudantes de medicina de Uberlândia.

    Ao se considerar os resultados relativos às substâncias ilícitas, maconha, estimulantes e hipnóticos/sedativos constata-se também uma tendência do uso continuado após a experimentação. A maior prevalência de uso de substâncias ilícitas foi encontrada entre o uso de medicamentos com potencial de abuso - moderadores de apetite, inibidores e indutores do sono, ansiolíticos ou calmantes, xaropes para tosse, relaxantes musculares de ação central, entre outros.

    Inquérito que avaliou os fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários no Município de São Paulo, identificou que entre estudantes do primeiro ano de Ciências Biológicas, 25,5% já haviam consumido substâncias ilícitas e 12,0% feito uso de medicamento de potencial abuso. Resultados ainda mais expressivos foram observados entre os universitários do sexto ano do mesmo curso, onde 40% afirmaram já ter consumido substâncias ilícitas e 28,6% terem consumido medicamento de potencial abuso¹⁴. Neste sentido é possível inferir a possibilidade do aumento do número de acadêmicos consumidores de substâncias psicoativas ilícitas aumentar no decorrer da vida acadêmica⁷.

    Na Tabela 2 são apresentados os dados referentes à frequência que o sujeito sentiu forte desejo ou urgência em consumir substâncias (fissura); a frequência de problemas de saúde, social, legal e/ou financeiro associados ao uso de substâncias; e o fato de ter deixado de cumprir com compromissos em função do uso de substâncias. Todas as questões são alusivas ao último trimestre.

    Em relação à fissura verificou-se predomínio para a urgência em consumir bebidas alcoólicas, tabaco e hipnóticos/sedativos. Resultados que vão de encontro aos levantados no estudo que acerca das drogas de abuso usadas pelos estudantes de medicina de uma universidade privada de Curitiba, e identificou maior fissura pelo consumo de substâncias alcoólicas (23,87%) seguido pelo desejo em consumir tabaco (12,51%)¹⁹.

    Quanto à frequência de problemas de saúde, social, legal e/ou financeiro associados ao uso de substâncias novamente as maiores frequências associam-se ao uso de álcool, tabaco e hipnóticos/sedativos com destaque para o uso de bebidas alcoólicas. A pesquisa com acadêmicos demedicina de Curitiba averiguou 5,68% dos estudantes afirmaram que o uso de álcool lhes trouxe algum tipo de problema no último trimestre¹⁹. O estudo com acadêmicos de enfermagem de Passo Fundo identificou que 21,0% dos universitários ausentaram-se da faculdade, 16,5% dirigiram após uso de substâncias alcoólicas e 2,3% estiveram envolvidos em acidentes⁸.

    Comportamentos de risco como direção perigosa e prática de ato sexual desprotegido; episódios violentos; associação entre substâncias de várias classes; aumento da taxa de mortalidade prematura; e comprometimento do desenvolvimento e estruturação de habilidades cognitivo-comportamentais-emocionais são apresentados como os principais problemas associados ao uso de SPAs entre universitários⁶.

    Ao se considerar o comprimento com os compromissos esperados, expressiva parcela dos acadêmicos relataram a impossibilidade de cumprir com os mesmos em função do uso de bebidas alcoólicas. Essas alterações comportamentais podem interferir no processo de formação acadêmica como um todo, uma vez que favorecem o absenteísmo às aulas e a necessidade que o acadêmico tem de dormir em sala de aula, o que podem desencadear aumento dereprovação entre os universitários¹³. Na Tabela 3 são apresentados os resultados quanto à preocupação de familiares, amigos ou outras pessoas em relação ao uso de SPAs por parte do acadêmico, e o desejo deste em controlar, diminuir e/ou parar com o uso de substâncias.

    As substâncias lícitas foram as que mais lograram respostas positivas nestes itens. Verificou-se também que 2,7% dos acadêmicos têm despertado preocupação em terceiros em função do uso de hipnóticos/sedativos.A pesquisa com estudantes de medicina de Curitiba, identificou que 15,9% dos acadêmicos geram preocupação em terceiros face o uso de bebidas alcoólicas e 10,23% em função do consumo de cigarro¹⁹. Dados estes, muito próximos aos encontrados na presente pesquisa. O estudo em Curitiba detectou ainda que 9,1% dos entrevistados já tentaram controlar, diminuir e/ou parar com o uso de bebidas alcoólicas e 7,96% tiveram o mesmo comportamento em relação ao consumo de cigarros¹⁹. O uso de drogas injetáveis limitou-se a apenas um acadêmico no entantoo mesmo relatou que o uso não fora nos últimos 3 meses. Ao se considerar os pontos de corte do ASSIST, a Tabela 4 apresenta os resultados indicativos de abstêmios, de uso ocasional, de abuso e sugestivos de dependência por classe de substância.

    Chamam a atenção os indicativos de uso ocasional e abuso para bebidas alcoólicas, tabaco e hipnóticos/sedativos. A pesquisa com estudantes e residentes em enfermagem do Estado do Paraná identificou indicativo de uso ocasional para álcool, tabaco, maconha e sedativos -51,1%, 26,2%, 12,2% e 9,2% respectivamente-. Os principais indicativos de abuso encontrados foram de 35,8% para bebidas alcoólicas e 6,1% para tabaco. Já o ponto de corte sugestivo de dependência apontou para 0,4% de acadêmicos dependentes tanto de substâncias alcoólicas quanto de tabaco².

Conclusão

    Pôde-se concluir que os acadêmicos apresentam comportamento de risco indicativo de uso ocasional e uso abusivo para bebidas alcoólicas, tabaco e hipnóticos/sedativos. Quanto ao comportamento de risco sugestivo de dependência os resultados são menos expressivos e associam-se aos derivados do tabaco e às bebidas alcoólicas.

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