Humanização da assistência de enfermagem nos serviços de urgência e emergência hospitalar: um desafio La humanización de la atención de enfermería en los servicios de urgencia y emergencia hospitalaria: un desafío |
|||
*Docentes do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros, UNIMONTES **Enfermeiros graduados no curso de Graduação de Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros, UNIMONTES (Brasil) |
Clara de Cassia Versiani* | Keomas Máximo Silva* Tereza Cristina Silva Bretãs* | Frederico Marques* Simone Guimarães Teixeira Souto* | Daniela Oliveira Lima Magalhães* Lorena Roseli Rios** | Débora Santos Rocha** Larissa Silva Teixeira** | Leandro Barbosa Batista** Lorena Antunes Barbosa** |
|
|
Resumo Para o desenvolvimento deste trabalho, partiu-se do pressuposto de que a humanização tem se tornado destaque, e que o profissional de enfermagem é um dos principais responsáveis por esta prática, então, buscou-se verificar as possibilidades de um processo de atendimento humanizado em atendimentos de urgência e emergência no ambiente hospitalar. Caracterizou-se por uma revisão de literatura tendo como base os bancos de dados virtuais, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Bireme, Scielo, além do uso da RDC nº 50, Constituição Federal de 1988 e Lei 8.080, no mês de junho do ano de 2010. Os descritores utilizados foram: Humanização da Assistência; Enfermagem; Enfermagem em Emergências. Conclui-se que o atendimento humanizado, principalmente nos setores de urgência e emergência, é um ato a ser seguido, a fim de melhorar na assistência não só de enfermagem, mas de toda a equipe que assiste ao paciente. Tal tarefa requer certo tempo de adaptação devido às rotinas que são instauradas nos serviços hospitalares e que muito contribuem para atitudes dos funcionários em cumprir protocolos de atendimento previamente estabelecidos por cada instituição. Assim, a busca insistente por uma assistência de qualidade só podem ser garantidos e transmitidos por pessoas capacitadas e instruídas, trabalhando em um serviço que incentivem e motivem seus profissionais a terem atitudes humanizadas. Unitermos: Humanização da assistencia. Enfermagem. Enfermagem em emergência.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 170 - Julio de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
O conceito de humanização das práticas e da atenção à saúde está na pauta de discussões mundo afora há várias décadas e, nos últimos anos, vem ganhando destaque na literatura científica nacional, principalmente nas publicações ligadas à saúde coletiva (GOULART; CHIARI, 2010). Este conceito pode ser traduzido como uma busca incessante pelo conforto físico, psíquico e espiritual do paciente, família e equipe, elucidando assim a importância da mesma durante o período da internação (BOLELA; JERICÓ, 2006). Sendo assim, a humanização representa um conjunto de iniciativas que visam a produção de cuidados em saúde, capazes de conciliar a melhor tecnologia disponível com promoção de acolhimento, respeito ético e cultural do paciente, espaços de trabalho favoráveis ao bom exercício técnico e a satisfação dos profissionais de saúde e usuários (GOULART; CHIARI, 2010).
A humanização da assistência à saúde é uma demanda atual e crescente no contexto brasileiro que emerge da realidade na qual os usuários dos serviços de saúde queixam-se dos maus-tratos. Essas queixas podem ser observadas na mídia que denuncia aspectos negativos dos atendimentos prestados à população. Até as publicações científicas comprovam a veracidade de muitos destes fatos. No cuidado à saúde, em nosso país, a humanização do cliente está incluída na Constituição Federal Brasileira de 1988 que garante a todos o acesso à assistência à saúde de forma resolutiva, igualitária e integral. O assunto, também, é tema da Carta dos Direitos do Paciente e da Comissão Conjunta para Acreditação de Hospitais para a América Latina e o Caribe. Mais recentemente, o Ministério da Saúde do Brasil lançou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) cujo objetivo principal é aprimorar as relações dos profissionais da saúde, tanto entre si como do hospital com a comunidade. Para isto, é preciso valorizar o ser humano, qualificando os hospitais públicos, transformando-os em organizações modernas, solidárias, com vistas a atingir as expectativas dos gestores e da comunidade (ANDRADE et al, 2009).
A enfermagem é considerada uma profissão que sofre o impacto total, imediato e concentrado do stress, que advém do cuidado constante com pessoas doentes, situações imprevisíveis, execução de tarefas, por vezes, repulsivas e angustiantes, o que é comum nas unidades de pronto socorro. Os profissionais que atuam em unidades de atendimento de emergência devem ser capazes de tomar decisões rápidas e precisas e capazes de distinguir as prioridades, avaliando o paciente como um ser indivisível, integrado e inter relacionado em todas as suas funções. Além disto, uma das características mais marcantes do pronto socorro é a dinâmica intensa de atendimento, assim, agilidade e a objetividade se tornam requisitos indispensáveis aos profissionais, pois o paciente grave não suporta demora na tomada de decisões ou mesmo falhas de conduta (GATTI, 2005). Estas exigências tornam-se também fontes de stress para os profissionais destas unidades, o que muitas vezes dificulta o cuidado humanizado (MENZANI; BIANCHI, 2009).
Diante da realidade e do estresse comum aos usuários (externos e internos) das unidades de emergência e da necessidade de se atuar de forma mais humanizada no atendimento, é necessária uma reflexão sobre a humanização da assistência de enfermagem que vem sendo precariamente exercida em dias de hoje, predominando o avanço tecnológico e científico e, muitas vezes, fragmentando-se a atenção que deveria ser dispensada de forma mais humana. Parte-se deste pressuposto para o desenvolvimento deste trabalho, uma vez que a humanização tem se tornado destaque e que o profissional de enfermagem é um dos principais responsáveis por esta prática. Tendo por objetivo verificar na literatura as possibilidades de um processo de atendimento humanizado e seus dificultadores em serviços de urgência e emergência no ambiente hospitalar dando ênfase à assistência da enfermagem.
Metodologia
Este trabalho utilizou-se do método exploratório e descritivo, é uma pesquisa de revisão de literatura, tendo como local de busca os bancos de dados virtuais, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scielo e Bireme, dando preferência aos artigos publicados a partir do ano 2005, além do uso da RDC nº 50, Constituição Federal de 1988 e Lei 8.080.
Os descritores utilizados foram: Humanização da assistencia; Enfermagem; Enfermagem em emergência O período de coleta de dados ocorreu de fevereiro a junho de 2010. Os artigos foram lidos na íntegra e classificados de acordo com a relação com o tema, sendo analisados um total de 32 artigos.
Resultados e discussões
Histórico da humanização no Brasil
O hospital como instrumento terapêutico é uma invenção que teve origem no final do século XVIII. O hospital era uma instituição que prestava assistência material e espiritual aos pobres portadores de doenças. Portanto, era um lugar para morrer, não para tratar, com a finalidade de curar. Era uma instituição de exclusão, pois abrigava o doente pobre, como forma de proteger os indivíduos sadios do perigo que ele representava. Nessa época, os religiosos detinham o poder no hospital, cabendo ao médico apenas atender aos mais doentes entre os doentes (MACIAK, 2008).
Os progressos alcançados nas ciências, aliados aos desenvolvimentos tecnológicos, foram modificando a maneira de atuação do médico, pois se por um lado, o prestígio das ciências experimentais foi cada vez mais dominando a formação desse profissional, por outro lado, as ciências humanas foram ficando cada vez mais distantes, trazendo conseqüentemente a desumanização (SCHRAMM, 2006).
Em 2000, acontece um avanço para a saúde, quando o Ministério da Saúde elaborou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), que divulga o conceito de humanização para todas as instituições hospitalares por meio da implantação de uma cultura organizacional diferenciada, que visa o respeito, a solidariedade e o desenvolvimento da autonomia e da cidadania dos profissionais e usuários. Tendo como simples objetivo de humanizar a assistência prestada aos pacientes atendidos em hospitais públicos (MARQUES; SOUZA, 2010).
Assim, em 2003 torna-se uma Política Nacional de Humanização (PNH), ou Humaniza-SUS, abrangendo a saúde como um todo. Em 2004, foi possível ampliar significativamente seu raio de ação, desenvolvendo um intenso processo de discussões e pactuações no âmbito dos estados, municípios e serviços. Isto acontece através de dispositivos, tais como: grupos de trabalho de humanização, oficinas e atividades de apoio institucional (BENEVIDES; PASSOS, 2005).
Portanto, a temática ligada à humanização do atendimento em saúde mostra-se relevante no contexto atual, uma vez que a atenção e o atendimento no setor saúde, calcados em princípios como a integralidade da assistência, a equidade e a participação social do usuário, dentre outros, demandam a revisão das práticas cotidianas com ênfase na criação de espaços de trabalho menos alienantes que valorizem a dignidade do trabalhador e do usuário (GOULART; CHIARI, 2010). Sendo bastante utilizado no âmbito da saúde em face de uma demanda crescente no contexto brasileiro, em que os usuários dos serviços de saúde se queixam dos maus tratos de que padecem e que são reforçados pela mídia e por publicações cientificas na área (MARQUES; SOUZA, 2010).
Por isso, autores como Goulart e Chiari (2010) demonstraram em seus estudos que o conceito de humanização tem ocupado um lugar de destaque nas atuais propostas de reconstrução das práticas de saúde no Brasil, no sentido de alcançar sua maior integralidade, efetividade e acesso. Embora muito já tenha sido feito em termos da discussão e da reestruturação das tecnologias e do planejamento dos serviços, á, comparativamente, escassos trabalhos sobre as bases teóricas e filosóficas para as mudanças propostas.
Assistência humanizada na enfermagem
Assistência humanizada é o cuidado que se resgata dos pequenos e grandes eventos do dia-a-dia, que tornam o ser humano único e especial nos diferentes espaços e situações em que se encontra no sentido de prestar um atendimento personalizado, voltado não para a doença, mas para o ser humano que adoece (KLOCK et al, 2006, MACIAK, 2008). Alguns autores defendem a idéia de que a maior ação da enfermagem não é a cura, e sim uma ação que engloba atitudes e comportamentos que visem aliviar o sofrimento e manter a dignidade (CARVALHO et al, 2005).
Ainda segundo Carvalho et al (2005), quando se fala em atendimento humanizado, pensa-se em um processo para facilitar que a pessoa vulnerabilizada enfrente positivamente os desafios pelos quais está vivenciando naquele dado momento. Humanizar a assistência em saúde pressupõe considerar a essência do ser, o respeito à individualidade e a necessidade da construção de um espaço concreto nas instituições de saúde que legitime o humano das pessoas envolvidas.
Acredita-se que profissionais que trabalham com o ser humano devem tratar o outro como humano, isto é, com igualdade, aproximação, tentando fazer o melhor, respeitá-lo e acompanhá-lo (MOTA; MARTINS; VÉRAS, 2006).
A assistência humanizada, então, requer um processo reflexivo acerca dos valores e princípios que norteiam a prática profissional, pressupondo, além de um tratamento e cuidado digno, solidário e acolhedor por parte dos profissionais da saúde ao seu principal objeto de trabalho – o doente/ser fragilizado –, uma nova postura ética que permeie todas as atividades profissionais e processos de trabalho institucionais (BACKES; LUNARDI; LUNARDI FILHO, 2006).
Segundo os autores Backes, Lunardi Filho e Lunardi (2010), o hospital humanizado é aquele que contempla, em sua estrutura física, tecnológica, humana e administrativa, a valorização e o respeito à dignidade da pessoa humana, seja ela paciente, familiar ou o próprio profissional que nele trabalha, garantindo condições para um atendimento de qualidade.
Acredita-se que a enfermagem possua um importante papel na implantação da humanização nos serviços de saúde, seja na assistência direta aos usuários, na educação em serviço com os membros da equipe ou na gestão dos serviços de saúde, uma vez que, em geral, importante percentual desta equipe é composta por trabalhadores da enfermagem que permanecem mais tempo em contato com os usuários (BECK et al, 2009).
De acordo com Salome, Martins e Esposito (2009), a enfermagem é a atividade de cuidar e também uma ciência cuja essência e especificidade são o cuidado ao ser humano de modo integral e holístico, desenvolvendo de forma autônoma ou em equipe atividades de promoção e proteção da saúde e prevenção e recuperação de doenças.
Klock et al (2006) afirmam que a enfermagem mostra-se como um trabalho complexo por envolver múltiplas ações em ambiente de múltiplas relações, compartilhadas por diversos atores sociais. Além de educação, cuidado e gerência, outras dimensões configuram estruturas diversas sendo mais reconhecida a de cuidar investigando, educando e gerenciando e a de mediar o pensar e fazer integrando diferentes modos de cuidar: cuidado solidário, cuidado presença, cuidado relacional, cuidado amoroso, cuidado transdimensional, cuidado holístico, cuidado complexo, cuidado compartilhado, cuidado sensível, dentre outros. Ainda segundo os mesmos autores, a assistência de enfermagem é entendida como todos os cuidados de enfermagem pela equipe de enfermagem, enfermeiros, auxiliares ou técnicos em enfermagem. Os cuidados são ações, procedimentos, intervenções e atividades executadas e avaliadas para atender às necessidades dos usuários ou familiares.
Conforme Carvalho et al (2005), o cuidado voltado para a enfermagem engloba o processo de saúde, de adoecimento, de invalidez, de empobrecimento, pois ele busca promover, manter ou recuperar a dignidade e a totalidade humana. Por isso, espera-se discutir mais a temática sobre o cuidado na enfermagem, não sob a ótica do senso comum que se baseia no cuidado como caritativo, mas sim, na tentativa de discutir o cuidado holístico, além de intencionalmente buscar algumas iniciativas, valores, pensamentos capazes de melhorar o contato humano entre o profissional e o usuário, entre os próprios profissionais da saúde, entre o hospital/unidade básica de saúde/comunidade visando o enfrentamento das lacunas existentes entre este e a atenção integral à saúde do indivíduo.
Pensar na humanização da assistência hospitalar sem pensar no seu alvo principal, o trabalhador de enfermagem, seria contraditório e ineficaz. O trabalhador deve participar de todo o processo para só assim poder cuidar com qualidade e dentro das diretrizes propostas pelo programa nacional de humanização. A atuação profissional dos sujeitos trabalhadores da enfermagem é fundamental para a concretização do processo de assistência humanizada na atenção em saúde (KLOCK et al, 2006).
O cuidador só poderá prestar uma assistência humanizada por meio da sua própria humanização e da sua valorização como ser humano (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
Isso significa valorizar a humanidade no trabalhador, favorecendo o desenvolvimento de sua sensibilidade e competência, com mudanças nas práticas profissionais, de modo a reconhecer a singularidade dos pacientes, encontrando, junto a eles, estratégias que facilitem a compreensão e o enfrentamento do momento vivido (BACKES; LUNARDI; LUNARDI FILHO, 2006).
Assim, para cuidar de forma humanizada, o profissional da saúde, principalmente o enfermeiro, que presta cuidados mais próximos ao paciente, deve ser capaz de entender a si mesmo e ao outro, ampliando esse conhecimento na forma de ação e tomando consciência dos valores e princípios que norteiam essa ação. Neste contexto, respeitar o paciente é componente primordial no tocante a cuidados humanizados. Entende-se que respeitar é ouvir o outro, ser atencioso, considerar a individualidade e subjetividade do Ser humano e tratá-lo com deferência (BARBOSA; SILVA, 2007).
Humanização no atendimento de urgência e emergência
A humanização da assistência à saúde é uma demanda atual e crescente no contexto brasileiro. No entanto, na prática, ela não tem se concretizado principalmente nos serviços destinados ao atendimento de urgência e emergência (ANDRADE et al, 2009).
Atuar de forma humanizada em serviços de urgência e emergência nos hospitais é um desafio ao enfermeiro e sua equipe. Nesse contexto, espera-se estar oferecendo segurança, atendimento rápido e eficaz, além de um efetivo apoio emocional ao cliente e a sua família, aliados a uma atitude orientada para o aproveitamento dos recursos tecnológicos existentes (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
Segundo o mesmo autor, a Unidade de Emergência (UE) é apropriada para o atendimento a pacientes com afecções agudas específicas, onde existe um trabalho de equipe especializado. A UE presta assistência ao enfermo hemodinamicamente grave que muitas vezes chega neste setor inconsciente e acompanhado pelos familiares. Este cuidado deve ser realizado por meio de um relacionamento interpessoal, cujo instrumento se dá por via da comunicação verbal ou não verbal e o toque, contribuindo para amenizar a ansiedade e o medo do desconhecido desses enfermos.
Os profissionais que atuam nessas unidades devem ser capazes de tomar decisões rápidas e precisas e capazes de distinguir as prioridades, avaliando o paciente como um ser indivisível, integrado e inter-relacionado em todas as suas funções. Além disto, uma das características mais marcantes do pronto socorro é a dinâmica intensa de atendimento. Assim, agilidade e a objetividade se tornam requisitos indispensáveis aos profissionais (MENZANI; BIANCHI, 2009).
No Brasil, as unidades de urgência e emergência são cada vez mais procuradas. Ao conviver com essa realidade, sobressai a precariedade desses serviços: corredores aglomerados de pacientes em macas sem colchões, sem privacidade, conforto ou segurança, à espera de atendimento e, ainda, vulneráveis a infecções cruzadas. Nesse ambiente, encontram-se, também, os familiares, geralmente desinformados quanto aos procedimentos adotados em relação ao paciente e à própria situação deste (ANDRADE et al, 2009).
Backes, Lunardi e Lunardi Filho (2006), os recursos para humanização do trabalho e do cuidado parecem estar mais associados a propostas de investimentos na estrutura física dos prédios, na alta e moderna tecnologia e a outros processos que não, necessariamente, impliquem mudanças na cultura organizacional. Sem dúvida, tais medidas podem ser relevantes numa instituição. Contudo, não podem descaracterizar a dimensão humana que necessita estar na base de qualquer processo de intervenção na saúde, principalmente, no que diz respeito à pretendida humanização de um hospital.
A humanização deve ser entendida como a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde, com base nos valores de autonomia e o protagonismo dos mesmos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários, a participação coletiva no processo de gestão e a indissociabilidade entre atenção e gestão. A aplicação prática deste conceito defronta-se com uma gama de obstáculos nas unidades de urgência e emergência. A equipe multiprofissional que atende aos pacientes deve possuir alto padrão de conhecimentos técnico-científicos, o que muitas vezes culmina em uma visão fragmentada do indivíduo durante o atendimento inicial, com a supervalorização da técnica em detrimento à questão relacional da humanização. Nesse sentido, é importante salientar que as vítimas atendidas nesse serviço não são patologias ou objetos de investigação científica, são sujeitos e a razão do tratamento que está sendo oferecido (MONTEZELI, et al 2009).
Esses pacientes, por sua vez, encontram-se tensos e temerosos perante o desconhecido e sentem-se fragilizados, reagindo muitas vezes com agressividade. A passagem, repentina e inesperada, de um estado de saúde plena à proximidade com a morte pode afetar o equilíbrio emocional dos pacientes e seus familiares, os quais, por vezes, se expressam por agressões físicas e verbais, evidenciando revolta contra as carências das políticas públicas e deparando no profissional de saúde o seu representante e o responsável (DAL PAI; LAUTERT, 2005).
Apesar dos esforços dos profissionais que trabalham nas unidades de emergência, esses serviços são vistos como ambientes frios e considerados por muitos como detentores de práticas mecanicistas. Essa visão leva os pacientes a temerem o atendimento nesse setor, embora essa unidade se destaque no contexto hospitalar em relação a equipamentos e capacitação profissional, o que possibilita maior recuperação do paciente (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
Estudos mostraram que os profissionais dos serviços de urgência e emergência são benevolentes e atenciosos para com os pacientes. Apesar do sistema desgastante e da carga de sofrimento psíquico, conseguem manter e expressar suas emoções, ou seja, reafirmar o compromisso de oferecer afeto, cordialidade e trabalho humanizado (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
No entanto, segundo Gallo e Mello (2009), há certa dificuldade por parte dos trabalhadores para atuar na política de humanização, certa desmotivação, uma vez que o processo desumanização no trabalho da enfermagem é uma questão a ser refletida, pois a maioria dos profissionais enfrenta situações difíceis em seu ambiente de trabalho, tais como baixas remunerações, pouca valorização da profissão e descaso frente aos problemas identificados pela equipe, especialmente quanto ao distanciamento entre o trabalho prescritivo, o preestabelecido institucionalmente e aquele realmente executado junto ao cliente.
Os trabalhadores da área da saúde, pela baixa remuneração salarial, na tentativa de ter uma vida mais digna financeiramente, normalmente têm dupla e às vezes até tripla jornada de trabalho, que muitas vezes passam por privação de sono; a insuficiência de recursos técnicos e materiais, a superlotação de doentes e, também, pela atuação de enfermeiros envolvidos em um fazer acelerado e rotinizado, que prejudica a identificação e a definição das necessidades dos doentes, dos trabalhadores e do serviço, apontando para um efeito nocivo (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
Esta situação pode gerar alterações no convívio familiar ocasionando situações de tensão e também de baixa produtividade (KLOCK et al, 2006). Outro fator que dificulta a política de humanização é o déficit de funcionários suficientes no serviço gerando estresse, repercutindo na qualidade do cuidado, havendo confronto freqüente entre os enfermeiros e familiares. A supervisão exercida em pacientes de unidade de emergência determina-se como ineficiente na melhoria do ambiente de trabalho, devido a fatores como: falta de comunicação, inexperiência, falta de compreensão e falta de respaldo institucional (MENZANI; BIANCHI, 2009).
Sendo assim, a tensão surge como uma característica decisiva deste ambiente de trabalho, no qual a equipe de saúde responsável pelo serviço de emergência vive diariamente sob pressão ocasionada pela necessidade do ganho de tempo, pela rapidez e precisão da intervenção/atenção, pela elevada demanda de atendimentos e experiências diárias de morte (DAL PAI; LAUTERT, 2005).
Como o setor de urgência e emergência é um ambiente estressante, não se podendo descuidar da equipe. Para a equipe executar uma assistência dentro dos valores éticos, além do conhecimento das técnicas e da tecnologia utilizada no setor, a instituição deve também reconhecer que o profissional é um ser humano e investir na sua capacitação, reconhecendo o seu potencial e limitações. Assim, estará fornecendo um suporte para que a profissão seja executada com humanidade (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
Portanto, é fundamental a participação do profissional como sujeito que, sendo também humano, pode ser capaz de atitudes humanas e “desumanas” construídas nas relações com o outro no cotidiano (CASATE; CORREA, 2005).
Dessa forma, para haver uma humanização da assistência é preciso que ocorra, simultaneamente, a humanização dos trabalhadores, proporcionando-lhes condições de trabalho, a fim de evitar a patologia, assim como uma gestão participativa que valorize e apóie o trabalho dos enfermeiros e demais membros da equipe multidisciplinar de saúde (BECK et al, 2009).
Gallo e Mello (2009) afirmam que a temática da humanização da saúde é muito importante principalmente quando se fala da integralidade da assistência, equidade e participação social do usuário, pois a valorização da dignidade do trabalhador é imprescindível neste processo. É importante que o profissional esteja técnica e humanamente treinado para atender seu cliente.
Quando se fala em humanização do funcionário, significa, na verdade, fornecer condições dignas de trabalho, valorizá-lo, respeitá-lo. Assim, o profissional terá condições psicológicas e físicas de prestar uma assistência com qualidade e humanizada. Quando a instituição olha para o cuidador nessa dimensão, o ato de humanizar estará transcendendo seu significado etimológico e representando muito mais do que simplesmente tocar, olhar, ouvir, dialogar, fornecer treinamento ou fazer um procedimento de enfermagem (SALOME; MARTINS; ESPOSITO, 2009).
Assim, o atendimento humanizado, principalmente nos setores de urgência e emergência, é um ato a ser seguido, mas que requer certo tempo de adaptação. Trata-se de treinamento dos profissionais de saúde, principalmente aqueles que possuem muitos anos de serviço e que estão acostumados com uma rotina, muitas vezes fria, centrada somente no cuidar, deixando de lado a função de assistir integralmente o doente e seus familiares. Desta forma, acredita-se que é viável que se implante um processo de atendimento humanizado nessas unidades, principalmente pela melhoria vista em longo prazo, tanto nas relações interpessoais entre profissionais como na melhoria da qualidade da assistência ao paciente/cliente e também aos seus entes envolvidos neste processo (GALLO; MELLO, 2009).
Conclusão
Nos últimos anos, o tema humanização passou a ser discutido amplamente na sociedade, particularmente nos serviços de saúde e hospitais como uma reação ao modelo hegemônico de assistência à saúde. Sabe-se que o governo nacional tem priorizado o atendimento humanizado e incentivado que as instituições sigam os modelos padronizados conforme a PNH.
Para que realmente aconteça a humanização da assistência hospitalar como o Ministério da Saúde recomenda, muito tem que ser feito, a começar pela assistência da atenção básica, avançando por toda a rede assistencial até chegar ao nível hospitalar, que necessita ampliar sua estrutura física, seu quadro de recursos humanos e treinar, valorizar e dar condições de trabalho.
Compreende-se que a humanização dos serviços de saúde implica em transformação do próprio modo como se concebe o usuário do serviço - de objeto passivo ao sujeito, de necessitado de atos de caridade àquele que exerce o direito de ser usuário de um serviço que garanta ações técnica, política e eticamente seguras, prestadas por trabalhadores responsáveis. Enfim, essa transformação refere-se a um posicionamento político que enfoca a saúde em uma dimensão ampliada, relacionada às condições de vida inseridas em um contexto sociopolítico e econômico.
Embora exista o estresse característico da unidade de emergência, faz-se necessária a elaboração de estratégias de aplicabilidade na dinâmica do serviço no intuito de amenizar fatores possíveis de interferir na qualidade do atendimento. Portanto, a humanização no ambiente de atendimento de urgência e emergência precisa ser trabalhada com vistas a intervenções voltadas ao bem-estar do paciente/família, dos profissionais, da comunidade em geral e da instituição.
Ressalta-se que resgatar a formação humanística, tanto quanto a da capacitação em relacionamento interpessoal dos profissionais da enfermagem, é ponto básico para a área da saúde, veiculando condutas para uma assistência mais empática, de qualidade, eficiência e confiabilidade. Assim, a busca insistente por uma assistência de qualidade só podem ser garantidos e transmitidos por pessoas capacitadas e instruídas, trabalhando em um serviço que incentivem e motivem seus profissionais a terem atitudes humanizadas.
Diante da execução deste trabalho, ficou claro que há possibilidades de implantação de um processo assistencial humanizado em unidades de urgência e emergência hospitalar, mesmo que em longo prazo, desde que este tema seja abordado na prática e não somente na literatura.
Referências
ANDRADE, Luciene Miranda de et al. Atendimento humanizado nos serviços de emergência hospitalar na percepção do acompanhante. Rev. Eletr. Enf., 2009; 11(1):151-7.
BARBOSA, Ingrid de Almeida; SILVA, Maria Júlia Paes. Cuidado humanizado de enfermagem: o agir com respeito em um hospital universitário. Rev. bras. enferm., Brasília, v. 60, n. 5, Oct. 2007.
BACKES, Dirce Stein; LUNARDI FILHO, Wilson D.; LUNARDI, Valéria Lerch. O processo de humanização do ambiente hospitalar centrado no trabalhador. Rev. esc. enferm. USP, São Paulo, v. 40, n. 2, June 2006.
BECK, Carmem Lúcia Colomé et al. Humanização da assistência de enfermagem: percepção de enfermeiros nos serviços de saúde de um município. Rev. Gaúcha enferm., Porto Alegre (RS), Mar 2009; 30(1):54-61.
BENEVIDES, R; PASSOS, E. A humanização como dimensão publica das políticas de saúde, Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 3, p.561-571, jul/set.2005.
BOLELA F, JERICÓ MC. Unidades de terapia intensiva: considerações da literatura acerca das dificuldades e estratégias para sua humanização. Esc Anna Nery Rev Enferm 2006; 10(2).
BRASIL, Anvisa. RDC nº. 50, de 21 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Publicação: D.O.U. – Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 20 de março de 2002.
BRASIL. Constituição. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providencias. Brasília: 1990.
CASATE, Juliana Cristina; CORREA, Adriana Katia. Humanização do atendimento em saúde: conhecimento veiculado na literatura brasileira de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 1, Feb. 2005.
CARVALHO, Ariana Rodrigues Silva et al. Cuidado e humanização na enfermagem: reflexão necessária. 2º Seminário Nacional Estado e Políticas Sociais no Brasil. Paraná, Out. 2005.
DAL PAI, Daiane and LAUTERT, Liana. Suporte humanizado no pronto socorro: um desafio para a enfermagem. Rev. bras. enferm. [online]. 2005, vol.58, n.2, pp. 231-234. ISSN 0034-7167.
GALLO, Adriana Martins; MELLO, Hellen Caroline de. Atendimento humanizado em unidades de urgência e emergência Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.5, n. 1, p. 1 – 11, 2009.
GATTI MFZ. A música como intervenção redutora da ansiedade do profissional de serviço de emergência: utopia ou realidade? [dissertation]. São Paulo: Escola de Enfermagem/USP; 2005.
GOULART, Bárbara Niegia Garcia de; CHIARI, Brasília Maria Humanização das Práticas do Profissional de Saúde – Contribuições Para Reflexão. Ciência & Saúde Coletiva, 15(1):255-268, 2010
KLOCK, Patrícia et al. Reflexões sobre a política nacional de humanização e suas interfaces no trabalho da enfermagem em instituição hospitalar. Ciência, Cuidado e Saúde. Maringá, v. 5, n. 3, p. 398-406, set./dez. 2006.
MACIAK, Inês. Humanização da assistência de enfermagem em uma unidade de emergência: percepção da equipe de enfermagem e do usuário./Inês MaciaK. – Itajaí (SC): Universidade do Vale do Itajaí. 2008. 144f.
MARQUES, Isaac Rosa; SOUZA, Agnaldo Rodrigues de. Tecnologia e humanização em ambientes intensivos. Rev Bras Enferm, Brasília 2010 jan-fev; 63(1): 141-4.
MENZANI, Graziele; BIANCHI, Estela Regina Ferraz. Stress dos enfermeiros de pronto socorro dos hospitais brasileiros Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2009;11(2):327-33.
MOTA, Roberta Araújo; MARTINS, Cileide Guedes de Melo; VERAS, Renata Meira. Papel dos profissionais de saúde na política de humanização hospitalar. Psicol. estud., Maringá, v. 11, n. 2, Aug. 2006.
MONTEZELI, Juliana Helena et al. Enfermagem em emergência: humanização do atendimento inicial ao politraumatizado à luz da teoria de Imogene King. Cogitare Enferm, Abr/Jun 2009; 14(2):384-7.
SALOME, Geraldo Magela; MARTINS, Maria de Fátima Moraes Salles; ESPOSITO, Vitória Helena Cunha. Sentimentos vivenciados pelos profissionais de enfermagem que atuam em unidade de emergência. Rev. bras. enferm., Brasília, v. 62, n. 6, Dec. 2009.
SCHRAMM; Selena Maria Oliveira. Humanização do cuidado da Mulher Idosa Hospitalizada. Dissertação (Educação em Saúde) Programa de Mestrado em Educação em Saúde da Universidade de Fortaleza, Fundação Edson Queiroz Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Fortaleza, 2006.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 170 | Buenos Aires,
Julio de 2012 |