Educação Física no ensino médio: um estudo de caso no Colégio Técnico Industrial de Santa Maria La Educación Física en la Escuela Media: un estudio de caso en el Colegio Técnico Industrial de Santa María |
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*Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Especializanda do Curso de Educação Física Escolar – UFSM Professora Auxiliar do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria - CTISM **Graduado em Educação Física - UFSM Mestre em Educação – UFSM. Professor adjunto do CTISM ***Graduada em Relações Públicas – UFSM Graduanda do Curso de Educação Física – UFSM Estagiária do CTISM |
Cícera Andréia de Souza* Augusto Pio Benedetti** Rafaela Bordin*** (Brasil) |
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Resumo As aulas de educação física do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria apresentam um histórico de baixa frequência dos alunos que evolui gradativamente da primeira para a terceira série do ensino médio. O objetivo da presente pesquisa consistiu na identificação e análise das causas deste fenômeno, através da realização de uma pesquisa qualitativa, na modalidade estudo de caso, na linha de pesquisa Práticas Escolares e Políticas Públicas. Os sujeitos participantes da pesquisa constituíram um total de dezessete (17) jovens, dos quais nove (09) eram alunos de terceiros anos da escola em 2007 e oito (08) egressos da instituição em 2006. Os instrumentos da pesquisa constaram de uma questão exploratória, respondida pelos alunos de terceiro ano, e de entrevistas semi-estruturadas. Da interação entre os elementos teóricos e empíricos, surgiram duas categorias que sintetizam os resultados da pesquisa: a) condicionantes sociais b) concepção de aula de educação física. Unitermos: Educação. Escola Técnica. Educação Física.
Abstract The physical education classes of the College Technical Industrial of Santa Maria have a history of growth of the number of student’s absence from the first to the third grade of high school. The objective of this study consisted of the identification and analysis of the causes of this phenomenon, across of the realization of qualitative research, in the method of case study, in the line of research School and Political Practices Public. The participants were a total of seventeen (17) teenagers, being nine (09) students who were third grade in 2007 and eight (08) students who graduated in 2006 with and elevated rate of the class absence. The instruments which were used consisted of an exploratory subject by the third graders as well as a semi-structured interview. For the results analysis, the method of content analysis was utilized. From the interaction of the theoretic and empirical elements, two categories that sum up the research results emerged: a) social conditioners; b) physical education conception. Keywords: Education. Technical School. Physical Education.
Artigo extraído de dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. Apresentado na modalidade oral no II CIFPEF e VI SEPEF/2012.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 170 - Julio de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A presente pesquisa nasceu da experiência profissional enquanto professor de educação física junto ao Colégio Técnico Industrial de Santa Maria (CTISM). Este se constitui em uma instituição escolar de nível médio, voltada predominantemente para o ensino técnico e para a preparação dos alunos para a conquista de uma vaga no ensino superior.
O exercício da docência em educação física nesta escola possibilitou a percepção de que há um processo de “desvalorização” das disciplinas que não fazem parte diretamente dos programas do PEIES e do vestibular, caso da educação física, em um crescendo que atinge sua culminância nas terceiras séries do ensino médio. Para os alunos em vésperas de prestar exames vestibulares ou realizar provas do PEIES, a educação física parece se configurar em um estorvo aos planos de estudo e dedicação às “matérias que realmente interessam”, constituindo-se em uma atividade a qual se comparece por mera obrigação, para não se ficar sem freqüência.
Os sinais, num primeiro momento, de que a prática de educação física se converteu, para estes alunos, em um procedimento enfadonho e obrigatório se encontram nos registros de frequência dos diários de classe das terceiras séries, bem como na própria práxis da disciplina, em que a participação dos alunos nas atividades propostas era muito baixa, onde vários educandos permaneciam encostados nas extremidades das quadras, durante a aula. A estes “fujões” das aulas, os professores de educação física da escola apelidaram carinhosamente de “turma do INSS”.
Pesquisas anteriores já haviam apontado para o desinteresse dos alunos do ensino médio pelas aulas de educação física. Alegretti (1995) cita como motivos de desinteresse do jovem pela disciplina os seguintes: obrigatoriedade das aulas, tendo os alunos que assisti-las por exigências legais e curriculares; falta de importância e sentido da educação física para a formação técnica do aluno; existência de problemas estruturais nas aulas (espaço, horário, materiais esportivos); impossibilidade de o jovem escolher a modalidade desportiva que gostaria de praticar.
O presente trabalho vai além das constatações da pesquisa de Alegretti, porém, somente no Colégio Técnico Industrial e com alunos do terceiro ano do ensino médio (em curso ou egressos da escola). Principalmente, pelas expectativas com que estes têm com relação ao desempenho no PEIES e vestibular.
Pellegrinotti (1995) comenta:
Nas séries subseqüentes, ou seja, 8ª e as três séries do colegial, outras preocupações começam a surgir: necessidade de trabalho, preparação para o vestibular, e início da adolescência. Nesse momento, a educação física é vista pelos alunos como algo que atrapalha o seu plano de vida já que o conteúdo trabalhado em forma de jogo não mais satisfaz em forma de disciplina de um currículo escolar. (PELLEGRINOTTI, 1995, p.108-109).
O mesmo autor ainda acrescenta:
É uma etapa onde a educação física tem seu compromisso redobrado com a educação, pois a maioria das disciplinas estão preocupadas em passar o maior número possível de informações visando apenas o compromisso com o sucesso no vestibular (PELLEGRINOTTI, 1995, p.109).
A educação física detem um importante papel no ensino médio, na medida em que contribui para a formação integral do sujeito, abrangendo os aspectos cognitivos, afetivos, psicológicos, físicos, etc. Mesmo que os jovens apresentem uma pré-disposição aos esportes, estes não podem ser os alvos básicos. O importante é o professor buscar conteúdos voltados às expectativas desta faixa etária e debatê-los com os alunos. Assim, a educação física estará apontando caminhos ao aluno, para que este possa cumprir seu papel na sociedade, indo muito além do preparo para o ingresso no ensino superior e da valorização deste como fórmula única e absoluta de sucesso na vida.
A partir destas considerações, delineia-se o objetivo central deste trabalho: identificar e analisar as causas que levam os alunos do CTISM, de maneira progressiva, desde seu ingresso na escola e culminando na terceira série, a se desinteressarem pelas aulas de educação física, tornando-se infrequentes. Em primeiro lugar, traçar-se-ão considerações a respeito das realidades pertinentes ao ensino médio e à juventude na atualidade; logo após, discutir-se-á a situação em específico da educação física escolar no ensino médio; seguir-se-á um breve apanhado sobre o caminho teórico-metodológico que atuou como suporte desta pesquisa; em seguida, apresentar-se-ão e analisar-se-ão os resultados da mesma, que privilegia as falas dos próprios alunos enquanto objeto máximo de seu estudo. Finalizar-se-á com algumas considerações, obtidas através do trabalho realizado.
Referencial teórico
Ensino Médio e juventude
Os últimos anos do século XX assistiram a um processo de expansão e conversão do ensino médio em teto da escolaridade, passando a ser uma instância praticamente obrigatória na vida de adolescentes e jovens de países em desenvolvimento. Esta obrigatoriedade, com sua conotação de inclusividade, fez com que perdesse sentido a ideia de um ensino médio enquanto corredor de seleção para uma cadeira na universidade ou uma boa colocação profissional, determinando perdedores ou vencedores no jogo do futuro.
Conforme salienta Fanfani (2000):
(...) a mudança de sentido e a obrigatoriedade também determinam uma série de transformações nos dispositivos e processos institucionais. O exame e a avaliação já não podem mais cumprir uma função seletiva, senão estritamente pedagógica, e os problemas de aprendizagem já não se resolvem pela via fácil e curta da repetência e da exclusão. O mesmo se pode dizer dos problemas de conduta e de disciplina (FANFANI, 2000, p. 4).
Evidentemente, as mudanças na destinação e propósito do ensino médio não acarretaram uma imediata adequação do mesmo às especificidades de seus novos assistidos, nem garantiram o ajuste das instituições e mentalidades às novas propostas. Corti (2007) enfatiza o consenso entre os especialistas a respeito também da insuficiência do atual paradigma de ensino médio frente às exigências do mercado de trabalho e dos concursos vestibulares. A mesma publicação reflete:
Há claramente uma necessidade de definir a identidade do ensino médio. Mas esta tarefa implica, entre outras coisas, uma aproximação com os sujeitos aos quais ele se dirige. Afinal, quem são, o que pensam e o que querem estes jovens (CORTI, 2007, p.21).
A definição da identidade do ensino médio passa pela discussão de três eixos problemáticos apontados por Fanfani (2000): a identidade e a cultura dos adolescentes e jovens; a modificação dos equilíbrios de poder entre as gerações e o sentido da experiência escolar para os adolescentes e jovens.
Sendo a adolescência e a juventude momentos de construção de uma identidade e de assunção de uma cultura própria, estas não podem ser ignoradas de forma alguma pela escola. A relação professor-aluno precisa ser marcada pela reciprocidade de tratamento, não havendo mais lugar para a obediência cega nem para a premiação simplista baseada em notas, conceitos e conduta apropriada.
À cultura própria da juventude, é preciso acrescer-se os saberes e vivências de todas as diversas individualidades e comunidades atendidas pela atual escola de ensino médio, abrindo espaço para toda uma realidade cultural antes marginalizada. Como enfatiza Fanfani (2000):
Hoje, é impossível separar o mundo da vida do mundo da escola. Os adolescentes trazem consigo sua linguagem e sua cultura. A escola perdeu seu monopólio de inculcar significações e estas, a seu tempo, tendem à diversificação e à fragmentação. No entanto, em muitas ocasiões, as instituições escolares tendem ao solipsismo e a negar a existência de outras linguagens e saberes e outros modos de apropriação distintos daqueles consagrados nos programas e nas disposições escolares (FANFANI, 2000, p.8).
A par da questão cultural, ocorreram transformações no paradigma tradicional da família brasileira. O homem já não se configura inquestionavelmente em chefe da família, uma vez que a mulher assume seu papel de provedora do lar em pé de igualdade com ele, sem falar nas famílias em que a figura masculina praticamente inexiste (mães de “produção independente”, por exemplo). Por outro lado, também surgiram legislações específicas que deram voz ao adolescente e ao jovem para reivindicarem seus direitos e expressarem suas opiniões. Os adultos que querem ser respeitados pelo jovem já não podem fundamentar sua autoridade, seja ela familiar ou pedagógica, exigindo obediência, mas sim procurando ressaltar o diálogo e a empatia.
Por último, mas não menos importante, encontra-se a busca do sentido da experiência escolar. O jovem geralmente justifica sua freqüência à escola como fruto de um ou de mais de um destes fatores: ir à escola é obrigatório (obrigação imposta pela família e pela sociedade); ir à escola é requisito essencial para “ser alguém na vida” (entrar na universidade ou conseguir um bom emprego) e, finalmente, ir à escola é construir conhecimento e, com isso, enriquecer intelectual e culturalmente.
Kuenzer (2000) salienta que o novo ensino médio, preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, precisa conciliar a escola que ensina a pensar e reconhece os saberes socialmente produzidos e acumulados com a escola que ensina a fazer, além de desenvolver as habilidades de memorização e rotinas de procedimentos. Esta escola ideal tem que promover tanto as técnicas como as humanidades, propiciar ao aluno tanto o domínio dos computadores como a fruição estética diante de um quadro de Picasso.
A mesma autora ainda reforça que o ensino médio deve ir além das finalidades propedêuticas, comprometendo-se com a qualificação profissional e formando indivíduos capazes de dominar intelectualmente a técnica, de modo não apenas a reproduzir conhecimentos e procedimentos, mas principalmente a refletir sobre seu trabalho, usando de criatividade e de assertividade diante dos desafios.
No tocante ao que se delimita como juventude enquanto faixa etária, é oportuno que se teçam algumas considerações. Embora a sociologia e antropologia social brasileira costumem circunscrever a juventude ao período entre os 15 e os 24 anos de idade, não deixam de apontar a relatividade do critério etário, uma vez que a juventude, o jovem e seu comportamento não escapam à reformulação de seus conceitos de acordo com a classe social, o grupo étnico, a nacionalidade, o sexo, o contexto histórico e regional, etc, dos indivíduos ou grupos sociais tidos como jovens (GROPPO, 2000).
Independente dos critérios utilizados para determinar seu início e seu fim, a juventude, assim como a adolescência, não prescinde da apropriação de uma identidade coletiva, através da qual se forjam as primeiras referências com relação aos padrões sociais, seja pela sua aceitação, seja pelo seu rechaço. Os grupos juvenis constroem suas identidades a partir de signos e estilos adotados de acordo com seus componentes.
Ainda de acordo com Groppo (2000), as coletividades juvenis são veículos de cultura própria, que se reveste de novas características a cada geração. Os anos 90 e início do século XXI estão assistindo ao boom da bioidentidade, palavra de ordem em uma cultura de risco que apregoa a supremacia do corpo, da aparência na construção do Eu e de suas relações.
O jovem, detentor de uma identidade em construção, defronta-se com uma sociedade altamente competitiva e seletiva, que parece lhe dizer a todo o momento que ele será obsoleto, a menos que reinvente modos e sentidos de inserção produtiva. Uma vez obsoleto para o mercado de trabalho, também obsoleto para as relações pessoais, para a participação na sociedade, para a vida em geral.
Diante das exigências da sociedade moderna e das incertezas do futuro, cumpre repensar o papel do ensino médio, se ele não está alimentando no jovem este medo de “sobrar” ou transmitindo a sensação de que não passa de um corredor para a vida acadêmica ou para o mercado de trabalho.
Ao questionar a finalidade do ensino médio, Corti (2007) salienta:
A orientação do ensino médio oscilou basicamente entre dois pólos: a defesa de um ensino propedêutico, que preparasse para a continuidade dos estudos em nível superior, com forte conteúdo acadêmico, e a defesa de um ensino voltado para a preparação para o mercado de (CORTI, 2007, p.20).
A mesma autora aponta para a predominância da orientação propedêutica, moldando a organização do currículo das escolas de ensino médio conforme os ditames das universidades, com foco na transmissão de conteúdos, no preparo para os exames seletivos e na articulação das disciplinas escolares com as principais áreas acadêmicas.
Educação Física no Ensino Médio
Sobre o status da educação física no ensino médio, Piccolo (1995) comenta que esta deixou de ser, em comparação com as primeiras séries do ensino fundamental, um espaço de novas experiências de movimentos, em que o aluno se integra socialmente, desenvolve seus domínios cognitivo, motor e afetivo-social, com oportunidade de criar, experimentar, tomar decisões, se relacionar e avaliar. Converteu-se em espaço reservado aos jovens com bom desempenho esportivo, geralmente escolhidos pelos professores para integrarem equipes competitivas ou demonstrativas representantes da escola.
No entanto, a priorização das performances e valorização dos talentos esportivos, acabou por gerar a exclusão dos “menos dotados”, bem como determinou a morte da ludicidade nas aulas de educação física, acarretando a mecanização dos exercícios, transformando-os em verdadeiras rotinas de perseguição ao movimento perfeito. Nesta perspectiva, o corpo físico é alienado do emocional, sendo tratado como uma máquina produtora de resultados e não como uma totalidade capaz de se realizar com o prazer do movimento.
Neste contexto, as aulas passam a incorporar sempre os mesmos procedimentos, tornando-se previsíveis e regidas pela ordem, disciplina e imutabilidade personificadas na figura do professor e passando a existir como um fenômeno isolado das demais realidades escolares, deixando assim de fazer sua parte na formação integral do educando.
Piccolo (1995) afirma: “Para que a educação física faça parte do ato educativo, ela não pode ter uma ação pedagógica mecanizada, pois assim estaria estimulando a sua inexistência como prática no contexto escolar” (PICCOLO, 1995, p.12).
E mais:
A educação física escolar deve objetivar o desenvolvimento global de cada aluno, procurando formá-lo como indivíduo participante; deve visar à integração desse aluno como ser independente, criativo e capaz, uma pessoa verdadeiramente crítica e consciente, adequada à sociedade em que vive; mas esse objetivo deve ser atingido através de um trabalho também consciente do educador, que precisa ter uma visão aberta às mudanças necessárias do processo educacional. O compromisso social da Educação incita as transformações quando busca atender às necessidades do educando, e a educação física pode ser um caminho para que ela atinja esse objetivo através de suas atividades específicas (PICCOLO, 1995, p.12).
Passo a passo na postura do educador, há uma série de peculiaridades da disciplina de educação física que podem promover ou solapar a visão que as pessoas e, de modo especial, os alunos têm sobre ela: os locais das aulas, o enfoque de seus conteúdos, a liberdade de expressão dos participantes, a possibilidade de escolhas, etc. De modo geral, a valorização da educação física escolar não cabe somente ao professor, à escola ou à disposição dos alunos. É um projeto que exige uma ação mais ampla. Para Moreira (1995):
... é necessário ressaltar que a relevância da educação física escolar deve ser discutida e analisada no contexto da relevância da educação brasileira, do que representa o ato de educar o seu povo, do que representa a escola em nosso sistema institucional e quais os valores que permeiam essas relações (...) (MOREIRA, 1995, p.25).
Faz-se necessário a toda comunidade escolar e sociedade de modo geral (re)pensar a questão do corpo enquanto objeto de um cuidado saudável, destinado a proporcionar maior qualidade de vida e realização a seu proprietário, e não veículo da obsessão pela boa-forma, entendida no sentido de perfeição física absoluta. Conforme pontua Pellegrinotti (1995):
A televisão, as revistas e os eventos têm levado a maior parte da população a consumir diferentes tipos de produtos. A educação física não ficou de fora dessa propaganda, sendo vinculada até mesmo ao uso de produtos que, comprovadamente, não contribuem em nada para o bem-estar corporal (...). O corpo, por sua vez, foi a arma predileta, vendendo chá para emagrecer, cigarro e até apartamentos. Porém, nada vimos na direção esclarecedora e científica dos valores da atividade física, dando assim uma visão descomprometida com os objetivos educacionais e científicos que possui o movimento humano (PELLEGRINOTTI, 1995, p.111).
É importante lembrar que as vivências corporais vão além do físico. Daólio apud Mattos e Neira (2000) ressalta a necessária inclusão de processos emocionais, cognitivos e sociais no trabalho com o corpo:
A educação física no ensino médio precisa fazer o adolescente entender e conhecer o seu corpo como um todo, não só como um conjunto de ossos e músculos a serem treinados, mas como a totalidade do indivíduo que se expressa através do movimento, sentimentos e atuações no mundo (DAOLIO apud MATTOS & NEIRA, 2000, p.94).
A concretização de uma vivência corporal plena, associando físico e mente em um trabalho verdadeiramente educativo, pode ser obtida mediante ações de uma escola cujo projeto político-pedagógico se proponha a oferecer aos educandos oportunidades de participação ativa na construção de seu conhecimento e significação do mesmo, bem como contemplando a inter e transdisciplinaridade em seus programas.
Caminho teórico-metodológico da pesquisa
Este trabalho orientou-se pelos princípios da pesquisa qualitativa, a qual, segundo Minayo (2004):
Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo nas relações, nos processos e nos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (...). A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, 2004, p.22).
Esta é uma pesquisa qualitativa na modalidade estudo de caso, definida por Bogdan e Biklen (1997) a partir das seguintes características: interpretações em contexto; retrato da realidade de forma completa e profunda; variedade das fontes de informação; apresentação de diferentes pontos de vista, ainda que conflitantes, presentes em uma mesma situação social; utilização de linguagem e forma mais acessíveis que as usadas em outros tipos de pesquisa.
O espaço desta pesquisa abrangeu o Colégio Técnico Industrial (CTISM), vinculado à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e localizado no campus desta instituição na cidade de Santa Maria, RS. Esta escola está inserida em um contexto de busca incessante pelo ensino superior, sendo considerada pela comunidade em geral como uma das mais capacitadas a preparar adequadamente os alunos para o ingresso na universidade ou classificação em concursos de alta concorrência, como por exemplo, o do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (ESPCEX).
Além do bom desempenho nos vestibulares e concursos, os estudantes do CTISM também costumam se destacar no PEIES e no Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), bem como se tornam referência de profissionais gabaritados nas áreas de mecânica, eletrotécnica, segurança do trabalho, automação industrial e eletromecânica, entre outras, que são oferecidas pela escola. A par do ensino técnico, o CTISM oferta um ensino médio regular com ênfase nos conteúdos exigidos para a realização das provas do PEIES e do vestibular.
Para serem admitidos no CTISM, os alunos precisam passar por um concurso, o que, de certa forma, já os introduz em uma situação de concorrência, predispondo-os a futuras competições pós-ensino médio. São, em sua maioria, alunos que freqüentaram cursinhos preparatórios para o ingresso na escola técnica, vivenciando um clima de disputa mesmo antes de sua entrada na escola e, por isso mesmo, diferenciando-se em vários aspectos dos alunos que cursam outras instituições de ensino médio.
Concomitantemente à peculiaridade de seu ingresso na escola, os alunos do CTISM também se caracterizam por serem predominantemente oriundos de famílias de classe média alta, muitos egressos de colégios particulares, com participação em cursos de línguas, informática, artes, música, etc. São jovens, na maioria, o acesso à Internet, livros e revistas de qualidade é algo rotineiro. Alguns têm pais professores ou servidores da universidade, os quais estimulam nos filhos a idéia de que uma vaga no ensino superior é a melhor garantia de futuro que podem ter.
A par do diferencial de seus alunos, o espaço físico do CTISM também é bastante distinto do de outras escolas públicas, pois dispõem de salas bem equipadas, aparelhagens modernas, laboratórios, auditório e outros confortos estruturais. Seu quadro de docentes é formado por especialistas, mestres e doutores, estando em constante contato com as novidades em tecnologia e educação proporcionadas pela universidade.
A presente pesquisa nasceu da constatação de que, entre os alunos do Colégio Técnico Industrial, o índice de frequência às aulas de educação física decrescia significativamente do primeiro para o terceiro ano do ensino médio, fato comprovado através dos registros feitos nos diários de classe da disciplina.
A suspeita de que tal realidade indicasse certo desinteresse pelo referido componente curricular justificou o estabelecimento de uma estratégia de seleção de sujeitos participantes da pesquisa, a qual constou, inicialmente, da proposição de uma questão exploratória, a sessenta (60) alunos das duas terceiras séries da escola: “Se você pudesse optar entre participar ou não das aulas de educação física no ensino médio, qual seria sua decisão? Justifique”.
Após o mapeamento das respostas obtidas, foi encontrado um significativo número de alunos que afirmaram que, se fosse possível, não participariam das aulas de educação física. As justificativas alegadas predominantemente foram: a) questões estruturais (espaço das práticas distante da escola, material desportivo inadequado, etc); trocas constantes de professores; desinteresse pela prática de esportes coletivos; desmotivação sem razões claras.
Porém, a manifestação mais freqüente e que mais se destacou foi a de que a educação física, por não integrar os conteúdos exigidos pelos programas do PEIES e vestibular, seria um empecilho à plena dedicação dos estudantes à preparação para esses concursos.
Do total de sessenta (60) alunos que responderam à questão exploratória, quinze (15) que afirmaram não praticar educação física, os quais foram escolhidos para dar continuidade à pesquisa. Deles, nove (09) verificados como mais faltosos às aulas da disciplina participaram de uma segunda etapa, onde responderam a uma entrevista semi-estruturada. A entrevista semi-estruturada também foi aplicada a oito (08) jovens egressos do CTISM em 2006, os quais apresentaram elevado número de faltas durante o último ano de curso. No total, o número de sujeitos participantes da pesquisa consolidou-se em dezessete (17) jovens, oito (08) egressos de 2006 e nove (09) alunos do terceiro ano de 2007.
Com relação ao segundo instrumento de pesquisa aplicado (entrevista semi-estruturada), enfatiza-se que foi escolhido por ser um método de coleta de dados que, simultaneamente, valoriza a presença do investigador e oferece ao entrevistado perspectiva possível para que este se expresse com a liberdade e espontaneidade necessárias ao enriquecimento e veracidade da pesquisa (TRIVIÑOS, 1987).
Para este trabalho, foram elaboradas duas entrevistas semi-estruturadas, uma aplicada aos alunos do terceiro ano de 2007, a outra aos egressos de 2006. As diferenças entre as duas eram poucas, mas necessárias, devido a serem alunos em curso em um grupo e alunos já saídos da escola em outro.
Condicionantes sociais e concepção de Educação Física Escolar
Cumpre aqui recordar que a presente pesquisa utilizou-se de princípios de análise de conteúdo para proceder à interpretação das respostas obtidas por meio do segundo instrumento, entrevista semi-estruturada.
A análise de conteúdo trabalha tradicionalmente com materiais textuais escritos, os quais podem ser classificados em duas modalidades: textos produzidos para uma finalidade qualquer e já concluídos à época da pesquisa, como jornais, revistas, correspondências, e textos que se encontram em processo de construção durante a realização de seu estudo, como é o caso de transcrições de entrevistas. Nas entrevistas, parte-se da mensagem, mas levam-se em consideração as condições contextuais de sua produção, apoiando-se em uma concepção crítica e dinâmica da linguagem. Conforme enfatizam Puglizi e Franco (2005, p. 24), “... a contextualização deve ser considerada um dos principais requisitos, e mesmo o pano de fundo no sentido de garantir a relevância dos resultados a serem divulgados e, de preferência, socializados”.
A análise de conteúdo é especialmente útil na área da educação quando da investigação conteudística de materiais que levantam dados que exigem descrição, análise e interpretação detalhada, como é o caso da questão exploratória e a entrevista com questões abertas. Para Oliveira et al (2003, p. 5), “Ela ajuda o educador a retirar do texto escrito seu conteúdo manifesto ou latente”.
Condicionantes sociais
Quando do início desta pesquisa, observações de caráter superficial levaram-nos a considerar que o aumento de faltas dos alunos às aulas de educação física relacionavam-se a um certo desinteresse pela disciplina em si. Porém, o decorrer do estudo revelou novos elementos, os quais conduziram à vinculação da baixa freqüência às aulas, principalmente à eleição de determinadas prioridades pelos sujeitos, prioridades estas condicionadas pelas emergências que se fizeram presentes naquele momento de conclusão de curso.
Pellegrinotti (2003) destaca que os alunos do ensino médio são absorvidos por preocupações imediatistas e, por isso, vão descartando tudo aquilo que não tem relação direta com o objetivo a ser alcançado, classificando-o como desnecessário. Para aqueles cujo único objetivo, por exemplo, é ingressar na universidade, as preocupações imediatas são os conteúdos que fazem parte das provas de acesso, sendo o que não colabora diretamente descartado ou visto como um entrave para a consecução da finalidade almejada. Neste sentido, alguns dos entrevistados neste estudo referem-se às aulas de educação física como “perda de tempo”, ressaltando que só as freqüentam por constituírem exigência curricular.
Desta constatação parte um dos eixos balizadores da presente pesquisa, o qual aponta a existência de condicionantes sociais, traduzidos em pressões individuais, familiares, da sociedade em geral, etc, que impelem os jovens a faltarem às aulas de educação física, principalmente na terceira série do ensino médio.
A cidade de Santa Maria (RS), onde se realizou a presente pesquisa, é conhecida a nível estadual, e mesmo nacional, como uma cidade universitária, devido ao expressivo número de instituições de ensino superior, privadas ou públicas, que abriga. A preocupação com o acesso a estas instituições desencadeia uma corrida frenética entre a maioria dos estudantes que vivem na cidade, muitos inclusive provindos de outros municípios, estados e até de outros países.
As escolas de ensino fundamental e médio de Santa Maria não deixam de contribuir para esta apologia da universidade, à medida que seu cotidiano, consciente ou inconscientemente, tudo faz para lembrar os alunos de que há uma trilha a ser seguida para se chegar ao ensino superior. Programas de ensino, propagandas de qualidade e índices de aprovação são cuidadosamente arquitetados e divulgados para demonstrar a eficiência de cada estabelecimento na condução à universidade.
Além das escolas, também os cursinhos preparatórios desenvolvem uma verdadeira guerra pela supremacia na aprovação de alunos, disputando palmo a palmo quem tem os melhores professores, o melhor material, a melhor infra-estrutura capaz de possibilitar ao jovem a conquista de uma vaga no ensino superior.
Vivendo entre a escola e o cursinho, sendo constantemente bombardeado com a exigência de estudar todos os conteúdos que “caem no vestibular”, competindo com os próprios colegas e sendo cobrado por pais e professores, sem falar na própria cobrança interna, o jovem passa todo o período do ensino médio à sombra de uma hipotética vaga na universidade, deixando de lado o convívio com os amigos, a descontração do dia-a-dia na escola, o prazer de estudar. Como ressalta o entrevistado E10:
Todo o mundo dizia, o senhor deve concordar comigo, o ensino médio é um período bom da tua vida, é pra ti aproveitar, é pra bem estudar, aproveitar mais, sair, descansar, te distrair, te manter saudável, não acontece mais. De quem está dependendo deste programa, não acontece mais, no máximo 10% dos alunos do PEIES conseguem fazer isso, o resto não tem essa condição.
Além do já tradicional vestibular, o PEIES (Programa Especial de Ingresso ao Ensino Superior), criado pela Universidade Federal de Santa Maria em 1995, incrementou a busca pela vaga no ensino superior, passando a “sugerir” os conteúdos programáticos a serem desenvolvidos nos três anos do ensino médio junto às escolas credenciadas.
A maioria dos entrevistados tem consciência desta cultura de concorrência e da influência que a mesma tem sobre a sua vida:
(...) Como tu vai na aula, assim, são muitos no vestibular, 16000, e o vestibular e o PEIES já são uma cultura em Santa Maria, tu acaba indo, tu sabe, em cursinho, em aulões, tudo (...) Também porque você vê os professores falando, tu tem que entrar, não sei o que, é aquela pressão assim por ti e pelos outros, tu sabe, e a cultura também te leva a isso aí. Saber que todo mundo que termina o ensino médio tem que entrar na faculdade (E9).
O Colégio Técnico Industrial de Santa Maria, devido à sua história de êxitos em termos de aprovação em vestibulares e outros concursos, é uma escola em que a corrida pela vaga na universidade se faz de forma ainda mais contundente. O próprio ingresso no CTISM se dá através de uma prova, o que constitui significativo diferencial em relação às outras escolas de ensino médio, familiarizando seu alunado com o espírito de concorrência bem antes do vestibular propriamente dito. A preocupação dos alunos da escola com o ingresso no ensino superior é tão marcante, que muitos apontam o curso universitário como o único caminho para o seu futuro, de acordo com as falas de alguns entrevistados:
(...) Eu vejo assim, a universidade como a única via. Tanto que se eu não visse isso, ou se já não fosse alguma coisa de família, criada, eu não teria vindo pra cá, que é uma boa escola.
(...) Pra mim, acho que o nível superior é fundamental assim, porque se tu for pegar só com o ensino médio tu não vai conseguir muita coisa.
Na luta pela vaga na universidade, a prioridade é concedida às disciplinas que fazem parte dos programas das provas de acesso, ficando as aulas das outras disciplinas, como educação física, relegadas a um segundo plano. Segundo alguns entrevistados:
(...) Quarta-feira tem três períodos de educação física, não vai ter a matéria que vai cair no vestibular, a gente já aproveita pra dormir, pra descansar, sabe, então eles priorizam mais as disciplinas que vão cair no vestibular (...) Só que a gente prioriza aquelas que vão cair no PEIES e no vestibular (...).
(...) A educação física, por exemplo, não cai no PEIES e no vestibular, então a gente não tem interesse.
Porém, outros entrevistados têm noção da importância da educação física, e do quanto à mesma pode contribuir para o equilíbrio físico, psicológico, emocional e cognitivo do aluno, auxiliando inclusive a amenizar o stress causado pela rotina de preparo para as provas seletivas:
(...) Se tu entende o princípio da educação física, tu vai levar uma vida melhor, ela é muito importante para o PEIES porque ela vai manter a tua qualidade de vida (...) A parte emocional abala demais, o senhor sai de uma prova do PEIES, vestibular, a única coisa que tu quer fazer é dormir uma semana. Então todo esse abalo seria evitado com uma educação física, atividades que visam essa questão da alimentação (...).
De fato, a qualidade de vida do jovem é diretamente afetada pelo excesso de tempo dedicado aos estudos e à quantidade de obrigações exigidas, resultando em pouco tempo para dormir, má alimentação, baixa disposição para praticar as atividades de educação física, etc:
A nossa qualidade do sono diminui muito, é horrível, a sensação que tu tem depois que passa a prova e a gente deita a cabeça e dorme é um paraíso, um alívio. A alimentação muda muito (...) tu acaba te alimentando em horários errados, alimentando mal, coisa que tu acha pela frente, uma bolachinha pra comer enquanto estuda refrigerante pra tomar enquanto ta lendo ali.
Os condicionantes sociais começam a pressionar o jovem a partir dele mesmo, que se cobra um bom desempenho e resultados o tempo inteiro, conforme mostram as palavras do entrevistado abaixo:
(...) Eu acho que eu me cobro bastante, pra eu passar, sabe. Já que eu fiz cursinho três anos, assim, acho que o mínimo que eu tenho que fazer é passar, sabe (...). O meu pai e minha mãe, ninguém cobra de mim que eu tenha que passar, que precisa ser esse ano, mas é mais em relação a mim mesmo.
No entanto, a sociedade também cobra a partir da escola, principalmente quando esta é uma instituição com tradição em vestibulares e concursos, como é o caso do CTISM. Nas palavras de um entrevistado: “A gente já passou no industrial de 12 por vaga, agora vou num curso de 11 por vaga (grifo nosso), me sinto na obrigação de passar (...). Todo mundo aqui passa por isso.”.
A família exerce sua pressão ora velada, ora declaradamente, pois acredita que o ensino superior é garantia de futuro para seus filhos, não economizando investimentos no sentido de proporcionar meios ao jovem de conquistar uma vaga na universidade. Segundo um entrevistado:
(...) Minha mãe não é tanto, mais é o meu pai assim (...) mais por questão financeira mesmo, eu preciso garantir meu futuro. Eles se preocupam bastante com isso, e para conseguir entrar, eles não têm condições de pagar uma faculdade particular. Então meu pai, principalmente, pressiona bastante.
A competição se instala entre os colegas, acirrando rivalidades e deteriorando amizades, como enuncia um entrevistado:
(...) O contexto, aquela visão que, infelizmente existe bastante, de tu está no terceiro ano do ensino médio e vê teus colegas como concorrentes, isso é horrível (...). A amizade começa a ficar bem superficial, se enfraquece um pouco. No colégio, começa a ter intrigas.
Não se podem esquecer as pressões vivenciadas nos cursinhos, cuja razão de ser é o próprio vestibular e, por isso mesmo, alimentam um ambiente de constante cobrança e de foco exclusivo nas provas seletivas. Fala um entrevistado:
(...) Embora sejamos nós mesmos que procuremos usar o serviço deles, eles exercem uma grande pressão na gente pra passar, sabe. Tem cursinho que tu está no meio do ano e estão falando “oh, te cuida que faltam quatro meses pra prova”, estão sempre ali “oh, tu estuda” e tu já tem tua carga de estudo.Então eles são uma grande força de pressão pra o aluno, com certeza.
Tais depoimentos são fortes indicativos de que os condicionantes sociais, gerando pressões e expectativas quanto ao ingresso no ensino superior, atuam como os principais motivadores da baixa freqüência às aulas de educação física no CTISM, ainda que exista, em menores proporções, outro determinante para esta situação, o qual será discutido a partir de agora.
Concepção de aula de Educação Física
Apesar dos principais elementos motivadores das faltas dos alunos às aulas de educação física no CTISM serem os condicionantes sociais ligados à consecução de uma vaga na universidade, a estrutura das aulas de educação física e a atuação dos docentes da área não deixam de ter sua parcela de responsabilidade na configuração do quadro estudado.
As aulas voltadas para a prática de esportes coletivos e para a obtenção de performances de excelência parecem desagradar a maioria dos entrevistados, que não conseguem se identificar com o padrão de exigências de formação de atletas, muito menos se satisfazem com as poucas opções de práticas físicas ofertadas pela disciplina. Nas palavras de um entrevistado:
(...) É que educação física geralmente é esporte coletivo, e nunca fui muito boa, nunca pratiquei esporte coletivo (...). Vôlei, futebol, assim não me atrai (...) era só isso que tinha, e eu era horrível (...). Eu nunca tive facilidade e quando jogo vôlei o que eu mais faço é machucar o pulso.
O fato dos alunos não apresentarem um padrão de habilidades desportivas, de acordo com a tradição da performance, coopera para que os mesmos fiquem desmotivados e com receio de jogar, pois se sentem pressionados pelos colegas e professores a “jogar bem”, atuarem como atletas e, não o fazendo, podem ser excluídos. Como fala o entrevistado abaixo:
(...) Eu já não sou muito bom mesmo, isso também me desestimula, por exemplo, se eu for jogar uma bola, eu vou errar, e assim vai (...). Eu já não gosto muito, porque tem a pressão normal, e se tu não for bem, às vezes tu vai sendo excluído dos times (...) Pressão de jogar bem. Aí o esporte coletivo acaba sendo mais desgastante.
Piccolo (1995) salienta o cuidado que os professores têm que ter em não transformar as aulas de educação física em “caça a talentos esportivos”. A metodologia fundamentada em rotinas de movimentos e técnicas puramente mecânicas, treinadas até a exaustão para se equipararem aos esportes de alto nível, controladas por um professor rígido e centralizador, fatalmente levam à segregação daqueles alunos que não atingem o escore de perfeição exigida, afastando a maioria dos jovens das aulas e diminuindo o gosto pela atividade física.
O alunado gostaria de ter outras opções de atividades físicas para praticar, além dos esportes coletivos, até porque o temperamento e o condicionamento físico de alguns jovens se adaptam mais a práticas individuais do que aos jogos em equipe. Conforme um entrevistado:
Eu gostaria de ter outras opções, musculação, eu fazia também. Tendo essas opções, quem gosta de esporte coletivo vai para o coletivo, quem gosta, por exemplo, de ginástica ou aeróbica ou uma arte marcial (grifos nossos) também. Se tivesse essa possibilidade, acho que essa variedade que faz. Lembra que tem a variedade de pessoas, cada pessoa é diferente.
A rotatividade dos professores impede o desenvolvimento de um trabalho contínuo e de qualidade nas aulas de educação física, levando ao desinteresse pelas mesmas e à infreqüência. Este aspecto não foi abordado na presente pesquisa, devendo, a nosso ver, receber tratamento especial em trabalhos futuros e por outros pesquisadores.
Kunz (1994) ressalta que é necessário transferir o foco das aulas de educação física da busca de talentos esportivos para o prazer de jogar, de praticar uma atividade física, compartilhando e interagindo com os colegas sem a preocupação de ser cobrado ou excluído. Paralelamente a isto, cabe ao professor contextualizar, de forma crítica, toda a práxis física, relacionando-a a dinâmica social, discutindo-a com o aluno e verificando as possibilidades de transformá-la.
Considerações finais
A presente pesquisa envolveu dois níveis de atuação: um macro, dando conta dos condicionantes sociais que atuam junto aos jovens, pressionando-os a elegerem como prioridade o preparo para os exames seletivos para o ensino superior, e um micro, relacionado a questões internas das aulas de educação física. Como conseqüência de cada um, a baixa freqüência às aulas de educação física, culminância de todo um processo de desvalorização da disciplina, por esta não constituir requisito direto para o ingresso na universidade, e desinteresse pela forma com que são conduzidas as práticas das aulas.
A análise destes dois níveis permitiu constatar, que os motivos pelos quais os alunos do CTISM deixam gradativamente a educação física de lado, à medida que vão caminhando do primeiro para o terceiro ano do ensino médio, residem além da estrutura da própria aula ou de seus professores, é algo cultural, presente no cotidiano da escola, dos alunos, de suas famílias, de toda a sociedade em que se inserem. O ensino superior, ao ganhar status como único caminho, via PEIES ou vestibular, para um “bom” futuro, se sobrepõe a qualquer argumento, ainda mais sobre uma disciplina que não é cobrada como condição para a entrada na universidade.
Para alcançar o “sonho” do ensino superior, os alunos tiveram que fazer escolhas. Devido ao tempo, elegeram como prioridade a dedicação exclusiva e intensa ao preparo para as provas seletivas seja em casa, na própria escola ou em cursinhos. Passam a viver vinte e quatro horas do dia em contexto de concorrência, sentindo-se (e sendo) cobrados pela sociedade para serem os melhores, os vencedores, nem que para isso tenham que sacrificar seu descanso, seus relacionamentos, e mesmo sua saúde. Por outro lado, a estrutura da disciplina de educação física também não ajuda, à medida que segue um paradigma que estimula a concorrência, a necessidade de ser um atleta perfeito, aferrando-se a rotinas e à rigidez do comportamento docente. Tal modelo torna as aulas foco de decepção e exclusão, perdendo a educação física a oportunidade de atuar como um momento de relaxamento para o jovem, de amenizar o stress da fase que o mesmo vivencia.
Faz-se necessário problematizar estas questões identificadas na presente pesquisa, debatê-las junto à comunidade escolar. Cabe questionar a carga colocada sobre os jovens, que muitas vezes deixam de viver boa parte de sua juventude em função de compromissos e obrigações vistos como capazes de conduzi-lo a um futuro que não deixa de ser nebuloso. Afinal, ao lado do tão sonhado diploma universitário, pode estar à certeza de que a segurança ainda não foi alcançada, bem como o vazio gerado pela constatação de que não se viveu plena e equilibradamente um momento importante da vida, fazendo do futuro uma seqüela permanente de um presente mal vivido.
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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 170 | Buenos Aires,
Julio de 2012 |