UFC: os gladiadores pós-modernos do espetáculo esportivo Ultimate Fighting Championship: los gladiadores posmodernos del espectáculo deportivo |
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*Orientador. USP-EACH **Discentes. Ciências da Atividade Física Escola de Artes, Ciências e Humanidades, USP (Brasil) |
Prof. Dr. Marco Antonio Bettine de Almeida* Jackson Gustavson** | Nikolas Garcia** | Rafael Reis** Rodrigo Freitas** | Lucas Fernandes** |
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Resumo Inspirado nas competições de vale-tudo, o Ultimate Fighting Championship - UFC foi idealizado por Rorion Gracie, especialista em jiu-jitsu, e Arthur Davie, publicitário. Rorion Gracie tinha uma idéia de confrontar lutadores de todos os tipos, como boxeadores, praticantes de jiu-jitsu, caratê, entre outras modalidades de lutas. Com ênfase em combates com características de lutas verdadeiras e sem categoria de peso, onde não importava quem era mais leve ou mais pesado, o importante seria em identificar o mais eficiente. Passada esta história, ou este mito, o que transformou o UFC? Eles são Gladiadores pós-modernos? Eles são parte de um atores de um espetáculo? Eles são esportistas? Longe de responder a estas questões este artigo busca discutir um pouco deste mundo que hoje é uma febre no Brasil. Unitermos: Ultimate Fighting Championship. Espetáculo. Esporte.
Resumen Inspirado por las competencias de las MMA, el Ultimate Fighting Championship - UFC fue creado por Rorion Gracie, especialista en jiu-jitsu, y Arthur Davie, publicista. Rorion Gracie tuvo la idea de enfrentar a combatientes de todo tipo, tales como boxeadores, practicantes de jiu-jitsu, karate, entre otras formas de lucha. Con un énfasis en la lucha con las características de una pelea de verdad y sin categorías de peso, donde no importa quién era más ligero o más pesado, lo importante es determinar la forma más eficiente. A partir de esta historia, o el mito de esta, que resultó en la UFC, ¿son gladiadores posmodernos? ¿Son actores, parte de un espectáculo? ¿Son atletas? Lejos de responder a estas preguntas este artículo se propone discutir un poco de este mundo que es hoy una fiebre en Brasil. Palabras clave: Ultimate Fighting Championship. Espectáculo. Atletas.
Abstract Inspired by the competition in MMA, Ultimate Fighting Championship - UFC was the brainchild of Rorion Gracie, jiu-jitsu specialist, and Arthur Davie, advertising. Rorion Gracie had an idea to confront fighters of all types, such as boxers, practitioners of jiu-jitsu, karate, among other forms of struggle. With an emphasis on fighting with characteristics of a real fight and no weight category, where no matter who was lighter or heavier, the important thing would be to identify the most efficient. After this story, or this myth, which turned the UFC? They are postmodern Gladiators? They are part of the actors of a show? They are athletes? Far from answering these questions this article aims to discuss some of the world today is a fever in Brazil. Keywords: Ultimate Fighting Championship. Show. Sport.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 169 - Junio de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Competição absorvente
Clifford Geertz (1980) realizou uma expedição na aldeia balinesa com intuito de fazer um estudo antropológico, onde se depara com briga de galo organizada na praça pública, para arrecadar dinheiro para uma nova escola. Segundo Geertz, ele compara o jogo de Beisebol, futebol americano, golfe da América do Norte à rinha de galo em Bali. Ele enfatiza que apenas na aparência que os galos brigam, sendo o verdadeiro confronto entre os homens.
A grande maioria dos balineses despendem um tempo enorme com seus galos, aparando-os, alimentando-os, discutindo sobre eles ou apenas admirando-os, com um misto de admiração embevecida ou uma auto absorção sonhadora.
Em suma, numa luta de grandes apostas – que envolve uma quantia maior de dinheiro – a pressão é sentida conscientemente. Ela é menor quando as lutas são de nível médio, e menor ainda quando se trata de lutas pequenas. Sendo assim as lutas de menor interesse são desprezadas entre os espectadores, fazendo com que as pessoas saiam para tomar uma xícara de café, ou para conversar com amigos. Com análise dos espectadores, nas lutas frívolas, que envolvem pequenas somas de dinheiro, nota-se da falta de utilidade, no sentido comum, não expandindo prazer e felicidade.
Com relação aos lutadores, em confrontos que tenham elevadas quantias de dinheiro, está em jogo muito mais do que o simples lucro material: o saber, a estima, a honra, a dignidade, o respeito – em suma, o status. Enquanto que as pessoas a volta – espectadores, patrocinadores, apostadores – estão ligados ao fator financeiro. Os lutadores têm como interesse, mais, a questão dos seus status, buscando a superação, a dignidade e a masculinidade.
Foto: cultura10.com
Weber (2002) nos fala da significação das ações humanas, todas as ações tem um significado racional e levam questões objetivas e sentido, no caso da luta de galo a questão objetiva é vencer e o sentido é ser consagrado de forma simbólica dentro do espaço cultural específico. Segundo Weber: “A imposição do significado na vida é o fim principal e a condição básica da existência humana, esse acesso à significação compensa amplamente os custos econômicos envolvidos.” (2002, p.23)
Segundo Geertz (1980), a maioria das lutas é organizada e patrocinada por estabelecimentos, que se torna vantajoso para o comércio de determinados produtos. Para ele, o que torna o confronto absorvente não é o dinheiro em si, mas o que o dinheiro faz acontecer, e quanto mais dinheiro mais acontece. Os lutares são substituídos pelas personalidades de seus patrocinadores, ocorrendo assim um estímulos para ser o melhor.
Gladiadores e lutadores
A violência não é algo único e preciso, ela se modifica durante os anos, culturas ou entre grupos de uma mesma sociedade. Ela se da de varias formas, e ela sempre esta presente. Por isso, sempre é preciso pensar e entender o ser humano com sua diversidade, e com isso devemos estabelecer qual são os parâmetros de violências aceitas, reprimidas e abolidas da nossa vida.
Na nossa sociedade, temos um conjunto de leis que buscam manter a ordem para que se tenha uma harmonia entre todos na sociedade. No império romano, os recém-nascidos indesejáveis eram colocados em situações onde dificilmente sairiam vivos. Isso mostra como a violência não acontece de uma única forma, ela se modifica ao longo do tempo e em diferentes sociedades.
Outra forma de violência que os romanos utilizavam, eram as lutas entre os gladiadores. Era um espetáculo, pois chamava a atenção de muitas pessoas. Essas lutas levavam quase sempre a morte de um dos participantes. A morte não causava um sentimento de culpa, pois a luta era um espetáculo.
No texto “Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo” (Guarinello, 2007, p.108), mostra um cristão chamado Alípio que foi levado à força a uma luta e após ir a esta luta, ele começa a gostar do que acontece. O fato é relatado por Santo Agostinho.
Não desejando de modo algum abandonar a vida deste mundo a que o estimulavam seus pais, tinha me precedido em Roma para estudar Direito e lá foi vítima, em condições inacreditáveis, de uma paixão igualmente inacreditável pelos espetáculos de gladiadores. No início odiava esses espetáculos. Mas alguns amigos, companheiros de estudo, que voltavam de um jantar, encontraram-no por acaso na rua. Tentou resistir energicamente, mas seus amigos o impeliram com uma violência amistosa e o levaram ao anfiteatro, onde nesse dia, ocorriam esses jogos cruéis e funestos. Ele lhes dizia: "meu corpo, vocês podem arrastar e instalá-lo nas arquibancadas, mas poderão fixar meus olhos e meu espírito, pela força, nesses espetáculos? Estarei como que ausente e triunfarei sobre vocês e sobre eles". Essas palavras não impediram seus amigos de levá-lo. Queriam ver se conseguiria fazer o que dizia. Chegaram, sentaram-se como puderam, todo o anfiteatro ardia com as mais selvagens paixões. Alípio, fechando seus olhos, proibiu seu espírito de participar dessas atrocidades. Pena que não tenha também abafado seus ouvidos. Pois aturdido pelo grito tonitruante de toda a multidão após a queda de um dos gladiadores, foi vencido pela curiosidade e, como se estivesse preparado para suportar e desprezar o que fosse que estivesse acontecendo, abriu seus olhos e recebeu em sua alma uma ferida mais severa do que o gladiador recebera em seu corpo, e caiu mais miseravelmente que o homem cuja queda suscitara o grito. Pois quando viu o sangue, imediatamente sorveu a selvageria e não virou o rosto, mas fixou-se na imagem que via e absorveu a loucura e perdeu seu senso crítico e deleitou-se com a luta criminosa e embebedou-se num funesto prazer. Não era mais o homem que tinha ido ao espetáculo, mas um membro da multidão, um verdadeiro companheiro daqueles que o haviam trazido. Em suma, acompanhou o espetáculo, gritou, ferveu de emoção e saiu de tal modo insano que estava pronto, não apenas para acompanhar de novo os que o haviam trazido, mas para convencer outros a ir. (Agostinho, Confissões, VI,8).
Será que a televisão e o espetáculo dos gladiadores pós-modernos são os novos Alípios da contemporaneidade?
Hoje, as lutas são feitas nos octógonos, este é o palco, os especialistas em artes marciais são os gladiadores. Eles são levados aos lugares que sediaram o evento naquela noite para entrar e vencer. O Imperador é o marketing que utiliza os atletas como mercadorias. Hoje, o que prende um lutador ao UFC são contratos. Que buscam fazer um vínculo entre o evento e eles, onde eles aceitam seguir regras. A obrigação de lutar é diferente, vezes é a única forma do sujeito se sustentar. Os lutadores estão enfeitiçados pelos valores sociais dotados ao vencedor do espetáculo. Sabem bem dos riscos que existem, mas a vontade, o sonho de ser o campeão mundial da sua modalidade é muito maior que tudo isso.
A violência esta presente nas lutas do UFC, mas como a sociedade mudou, teve que se racionalizar para atrair os olhares das pessoas e da mídia. Os gladiadores e os lutadores são alienados, pois o papel deles é lutar, ou seja, entreter o público, eles não estão em contato com os outros processos. Não estão promovendo as lutas, não estão fazendo contratos, elas estão cotados apenas para lutar.
O processo de mudança das regras juntamente com a evolução da sociedade e a necessidade por novas emoções, não é estático, transforma-se, as atividades mudam (Almeida e Gutierrez, 2011). Por um lado, existe a vontade de buscar emoções diferentes, sobretudo porque elas deixam de proporcionar catarse (Elias, 1992). Nas lutas o nível de tensão e o próprio combate levam ao espectador a um sentimento de emoção de prazer.
Esse processo é fundamental, o descontrole controlado, onde ocorre a liberação da emoção, da adrenalina de forma que aconteça a excitação, sem ocorrer uma infração às regras estabelecidas. Essa liberação das emoções pode ser um fator que contribui para o crescimento da modalidade, em uma sociedade controlada por leis onde não podemos fazer o que desejamos, o UFC pode ser considerado uma forma de equilíbrio onde o desejo de agredir a outro membro da sociedade pode ser visualizado através de lutas, gerando um equilíbrio emocional. Tornado o UFC uma forma de lazer contemporâneo.
As lutas não são fato social, conforme diria Durkheim, somente da sociedade contemporânea, os confrontos, como forma de violência, existem ou como diria Freud, o Tanatos. Os gladiadores, as rinhas de galo e UFC são parte de um mesmo processo psíco-social. O UFC é um esporte derivado dos confrontos entre homens, porem a partir da formação da sociedade contemporânea e suas leis e normas impostas pelo Estado o confronto surgiu com uma forma controlada com restrições.
Analisando todos esses fatores chegou-se a conclusão de que o crescimento do UFC se deve a sua associação ao descontrole controlado, onde durante as lutas há uma estimulação emocional dos telespectadores causando a sensação de ausência do autocontrole e a liberação de tensões como as ocorridas na arquibancada de um jogo de futebol. Esses fatores associados aos momentos financeiros e ao marketing transformou o UFC em uma nova forma de alienação da sociedade.
Referências bibliográficas
ALMEIDA M. A. B. e GUTIRREZ G. L. Lazer no Brasil: de Getulio Vargas à Globalização, São Paulo: Phorte, 2011.
ELIAS N.; A sociedade dos indivíduos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
GEERTZ C. Interpretação das Culturas. São Paulo: LTC, 1980.
GUARINELLO, L. Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo. Revista História, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 107-114, 2007
SALVADOR, A.; Borges, H.; Cuminale, N. - Por que tanta gente está de olho em Anderson Silva. Publicado em 14 de Março de 2012. Veja edição 2260 – ano 45 – nº11.
STRICKLAND, J. "HowStuffWorks como funciona o Ultimate Fighting Championship". Publicado em 01 de maio de 2007 (atualizado em 19 de setembro de 2008) http://esporte.hsw.uol.com.br/ufc6.htm (27 de abril de 2012).
WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia. Tradução de Rubens Eduardo Ferreira Frias e Gerard Georges Delaunay. São Paulo: Centauro, 2002.
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