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Breve diagnóstico da atividade física durante o 

nacional desenvolvimentismo brasileiro (1946-1964)

Breve diagnóstico de la actividad física durante el nacional desarrollismo brasileño (1946-1964)

Brief diagnosis of physical activity during the Brazilian national developmentalism (1946-1964)

 

*Graduando em Ciência da Atividade Física pela USP

Pós Graduado em Psicologia Política pela USP

Mestrando em Participação Política pela USP

**Profº Dr° de Ciências da Atividade Física da Universidade de São Paulo

(Brasil)

Eduardo Mosna Xavier*

eduardo.xavier@usp.br

Marco Antonio Bettine de Almeida**

marcobetine@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O Nacional Desenvolvimentismo Brasileiro, período histórico identificado entre os anos de 1946 (fim do Estado Novo) e 1964 (início da Ditadura Militar) foi caracterizado por uma intensa mudança populacional entre o rural para o eixo urbano. Essa mudança paradigmática gerou não apenas o surgimento de novas classes sociais, mas a possibilidade de novas interações e perspectivas de práticas e ações. Entre elas, urge destacar a Atividade Física, que passa a ser praticada num ambiente urbano, com ênfase nas intervenções ocorridas em 03 espaços públicos: Escola (Educação Física Escolar) / Clubes (Serviços Sociais) / Locais de Espetáculos Públicos (Esporte de Rendimento), gerando a ruptura de velhos conceitos e o surgimento de novas interações sociais provenientes desses novos estabelecimentos de situações de convívio social.

          Unitermos: Nacional Desenvolvimentismo. Educação Física Escolar. Esporte de rendimento. Serviços Sociais.

 

Resumen
         
El nacional desarrollismo brasileño durante el período histórico comprendido entre los años 1946 (fin del Estado Novo) y 1964 (inicio de la dictadura militar) se caracterizó por una intensa migración de la población desde el ámbito rural para el eje urbano. Este cambio de paradigma generó no sólo el surgimiento de nuevas clases sociales, sino la posibilidad de nuevas interacciones y perspectivas de prácticas y acciones. Entre ellos, se destaca la actividad física, que ahora se practica en un entorno urbano, con énfasis en intervenciones que tuvieron lugar en tres espacios públicos: Escuela (Educación Física Escolar) / Clubes (Servicios Sociales) y locales de espectáculos públicos (Deporte de Rendimiento) , causando la ruptura de los viejos conceptos y la aparición de nuevas interacciones sociales de estos nuevos modos de convivencia social..

          Palabras clave: Nacional desarrollismo. Educación Física. Rendimiento deportivo. Servicios Sociales.

 

Abstract
         
The Brazilian National Developmentalism, identified the historical period between the years1946 (the end of the Estado Novo) and 1964 (beginning of the military dictatorship) was characterized by intense population change between the shaft urban to rural. This paradigm shift has generated not only the emergence of new social classes, but the possibility of new interactions and perspectives of practices and actions. Among them, highlight the urgent physical activity, which is now practiced in an urban environment, with emphasis on intervention occurred in 03 public spaces: School (Physical Education School) / Clubs (Social Services) / Local Shows Public (Sports Performance) , causing the rupture of old concepts and the emergence of new social interactions from these new establishments of social situations
          Keywords: National developmentalism. Physical Education. Sport performance. Social Services.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 169 - Junio de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Análise histórica do Nacional Desenvolvimentismo

    O processo de análise e investigação de fatos históricos nos auxilia na compressão de eventuais reflexos que venham a repercutir em nossa atualidade. Apenas uma mera análise histórica nos remete unicamente à recordação de fatos que foram vivenciados nas esferas econômicas, culturais e, de forma mais incisiva, nas esferas sociais. Para uma avaliação faz-se necessário recordamos do passado com um enfoque interdisciplinar, buscando na História, Psicologia, Sociologia, na Antropologia e, sobretudo, na formação de novos conhecimentos, a chave para o entendimento das ações do passado. Segundo Bonavides (2002), a interdisciplinaridade não apenas miscigena, mas forma novos conhecimentos e interpretações, tendo uma singular relevância na análise de fatos históricos:

    A interdisciplinaridade, de que tanto se fala, não está em confrontar disciplinas já constituídas (das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar-se). Para fazer a interdisciplinaridade, não basta tomar um “assunto”, e convocar em torno de duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença á ninguém (pág. 102).

    O resgate de elementos importantes dentro do nosso passado, de forma interdisciplinar e transversal, é deveras necessário dentro do processo de formação de uma Memória Política1. Segundo Ansara (2005), os conhecimentos adquiridos em relação a fatos históricos de relevância auxiliam na formação de uma consciência política, necessária para aprofundar e melhorar ações positivas, utilizando as ações negativas como exemplos para não serem repetidas no curso da evolução daquela sociedade:

    O processo de recuperação da memória histórica é, em si mesmo, a construção de uma memória política, que se faz por meio da consciência política. Esse processo de construção da memória, ao levar à conscientização, proporciona um olhar mais crítico da realidade desvelando-a, ou seja, produzindo tanto o conhecimento da própria realidade quanto o conhecimento de seus mitos e suas falsas memórias, que enganam e ajudam a manter a estrutura dominante. Conhecer o passado permite às sociedades não se manterem passivas, aceitando os acontecimentos como uma fatalidade e contribui para que os erros do passado não sejam repetidos (pág. 272).

    À luz da interdisciplinaridade, e sob a égide da formação de uma Memória Política que remonte determinado lapso temporal histórico; esta monografia irá analisar uma fase da história brasileira de grande crescimento econômico e de discutíveis políticas sociais que acarretaram na sedimentação do abismo na desigualdade brasileira (sobretudo referente á distribuição de renda): o Período Nacional Desenvolvimentista2 (1946 a 1964). O assunto a ser analisado orbitará dentro das políticas públicas realizadas pelo Governo Federal, com a finalidade de promover a prática de Atividade Física pela população brasileira que freqüentava as estruturas físicas e atividades, ofertadas pelos “Serviços Sociais”.

    Além do perceptível crescimento econômico e industrial, o Período corresponde á um dos maiores momentos de migração interna de nossa história, onde a inversão populacional (dos campos para as cidades) foi intensificada pelo crescente processo de industrialização. O Gráfico abaixo, do ano de 1940, ainda reflete uma maioria rural, distribuição que iria se inverter durante a fase temporal explanada neste trabalho:

Tabela 1. Comparação entre população rural e urbana em 1946

    A inversão do eixo urbano e rural ocorreu concomitante com um grande aumento demográfico no território nacional, sobretudo em virtude do aumento da natalidade e da expectativa de vida. Segundo dados históricos do IBGE, extraído da obra “Estatísticas do século XX” (2006), a década de 1950 foi a que apresentou o maior porcentual de crescimento populacional durante o século passado (cerca de 3% ao ano), num ritmo percentual representativo de quase o dobro do crescimento apresentado atualmente (em torno de 1,5% ao ano):

Tabela 2. Crescimento Populacional no Século XX

Fonte: Estatísticas do Século XX - IBGE (2006)

    Para fortalecer o raciocínio acima exposto, a tabela abaixo (extraída de www.serieestatisitica.ibge.gov.br) ilustra a rápida mudança do eixo populacional, do rural para o urbano, com uma acentuada migração a partir da década de 50, consubstanciando o poder do crescimento e da industrialização na distribuição populacional em nosso território:

Tabela 3. Fluxo migratório no Brasil entre 1950 e 1970

Fonte: IBGE (http://www.ibge.gov.br)

    Esta mudança populacional ajudou á definir a assunção de uma ideologia política primária, marcada prioritariamente sobre o predomínio do interesse econômico sobre o social. O comportamento político do poder vigente, bem como a materialização deste domínio através de obras e do crescimento financeiro, são marcas das diretrizes de todos os Governos Nacionais Desenvolvimentistas. Segundo Debrun (1983), estas mudanças econômicas somente ocorreram por uma transformação ideológica da Política Nacional, propiciando a incorporação de ideais pelo indivíduo e pela própria sociedade, através de suas Instituições:

    O significado principal do Neo-Desenvolvimentismo é este: político e ideológico, mais do que econômico. Ou melhor, a economia se transformou na ideologia da política, as infra e as superestruturas trocaram momentaneamente de papéis. Estas “pistas” indicam o processo de transformação da Economia de ideologia secundária para primária (pág. 37).

    Seguindo a transformação político ideológica, esse período também retratou o auge das Políticas Públicas vinculadas principalmente ao caráter pessoal do mandatário (clientelismo, coronelismo, populismo, messianismo, entre outras), deixando o aspecto institucional da máquina estatal, bem como minúcias burocráticas, para um segundo plano. Os governos de Getúlio Vargas (2º mandato – 1951 á 1955) e de Juscelino Kubitschek (1956 a 1960) exemplificaram esta espécie de modelo de Gestão Pública onde a personalidade do governante era, deveras, muito mais importante do que seu conhecimento político e administrativo para gerir a máquina estatal. Cremonese (2006) consegue exemplificar a necessidade brasileira de procurar protagonistas políticos com perfil similar ao descrito anteriormente, desde o Estado Novo até os dias atuais:

    Outro aspecto da vida política brasileira de outrora, mas também ainda presente nos nossos dias, diz respeito ao populismo e ao personalismo das nossas lideranças. O populismo está vivo, não apenas no Brasil, assim como em toda a América Latina. As lideranças políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento messiânico, que tem suas longínquas raízes históricas no sebastianismo português. Vivemos ainda esperando que algum “herói sagrado”, ou um “salvador da pátria” desça do Olimpo e resolva os problemas que estamos enfrentando. Dependemos sempre de um líder: Já que somos incapazes de construir nossa grandeza, quem sabe se um novo Dom Sebastião não o pode fazer por nós (pág. 47).

    Apesar do intenso momento político, econômico e social do Nacional Desenvolvimentismo, a significância histórica do período analisado não foi devidamente valorizada pelos estudiosos que, em virtude de múltiplos fatores, abstraíram poucos fatos e perspectivas gerais sobre aquele momento, focando apenas no crescimento econômico industrial, que constituiu a mola propulsora daquela sociedade. Nos dizeres de Ferreira (2001):

    Contribuiu para a desqualificação do período a pouca dedicação dos historiadores brasileiros por temporalidades mais recentes. Enquanto a época colonial e o século XIX, em particular o tema da escravidão, apresentam pesquisas de longa data, os estudos sobre a República brasileira são recentes. As primeiras pesquisas publicadas sobre o governo de Vargas, por exemplo, datam de meados dos anos 1980. Sobre o período 1946-1964 encontramos o pouco interesse dos historiadores. Os grandes temas sobre o período foram pesquisados nas áreas da Ciência Política e da Sociologia, com trabalhos que se tornaram referências. Recentemente, encontramos inúmeras pesquisas produzidas por historiadores voltadas para o estudo da ditadura militar. O regime político inaugurado com a Constituição de 1946 pode ser considerado o período menos pesquisado entre os historiadores brasileiros (pag. 07).

    Santos (2009) reforçou a importância econômica deste Período que, apesar do pequeno número de estudos acadêmicos, constituiu um lapso temporal em nossa história onde a Industrialização foi o ponto marcante na elaboração de políticas governamentais. O Nacional Desenvolvimentismo marcou não apenas a inversão populacional dos campos para as cidades, como também o aumento do número de industriários e de comerciantes, impulsionados tanto pela fabricação como pelo consumo de produtos processados e terceirizados:

    O desenvolvimentismo, nesta perspectiva, é concebido como um projeto de industrialização fundamentado no planejamento e no suporte estatal, como uma estratégia de acumulação de capital na indústria, que viria construir o projeto de nação brasileira por meio de uma modernização conservadora. Na década de 1950, principalmente no governo de Juscelino Kubitschek, este desenvolvimento foi teorizado pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) na formulação da ideologia nacional desenvolvimentista (pág. 01).

    A industrialização contribuiu para formação de uma cultura de trabalho, criando reflexos na população, efeito este denominado por Ansara (2010) de “fatalismo”. Segundo a autora, a visão de marginalização social existente nas camadas menos privilegiadas da população latino americana remonta a políticas públicas praticadas (sobretudo no período estudado) que acarretaram numa aceitação e conformismo de quem não tem condições de ascensão, não apenas social, mas físicas e de saúde. Os industriários e comerciantes (bem como suas famílias), desta forma, ficaram fadados á este “fatalismo”, incorporando como uma espécie de “cotidianiedade3:

    O indivíduo que nasce na periferia das cidades latino americanas aprende cotidianamente qual é o seu lugar social e que seus esforços provavelmente não produzirão transformações efetivas na sociedade, marcada pela exploração e opressão. A realidade social, pois, reforça a ideologia fatalista, transmitida por organizações institucionais e processos de socialização, que envolvem a educação doméstica, a escola, a igreja e o trabalho. O fatalismo, portanto, é um esquema ideológico, que se origina nas estruturas sociopolíticas e se enraíza psiquicamente, garantindo desse modo a reprodução da dominação social e a manutenção da ordem estabelecida. É um valioso instrumento ideológico que favorece as classes dominantes, visto que induz à aceitação da realidade social, gera comportamentos dóceis e estimula a resignação diante das exigências da vida. A concepção fatalista transforma os acontecimentos sociais em fenômenos naturais cuja alteração é improvável (pág. 97).

    Este “fatalismo”, vivenciado intensamente pelos atores sociais das classes operárias e comerciárias, também foi sentido pelas outras Classes Sociais que compunham a Nação Brasileira, sobretudo em decorrência da intervenção do Poder Político, definindo esta etapa democrata da República Federativa Brasileira. Apesar de num período de 18 anos ter ocorrido 09 mudanças de presidente (muitas destas pela escolha majoritária popular), esta alternância continua de poder redundou numa pequena evolução no pensamento e participação política que, apesar do significativo crescimento econômico e industrial, resultou numa espécie de alienação de consciência e dos deveres políticos e sociais desta população. Baquero (2001) denominou este lapso temporal de “Tecnocracia”:

    Estabeleceu-se um consenso generalizado de que o país não tinha capacidade de reformar efetivamente as estruturas tradicionais do Estado, gerando um descompasso entre um acelerado desenvolvimento econômico e uma estagnação do desenvolvimento político, materializado na ausência de uma cidadania organizada e eficaz na defesa de seus interesses, o que somou uma deficiente mediação entre Estado, Sociedade e Partidos. Tais elementos deram suporte ao surgimento da tecnocracia, que serviria de eixo catalisador do desenvolvimento do País a partir dos anos 50, colocando a participação popular como algo secundário. A tecnocracia surge, portanto, como o principal ator da industrialização no Brasil (pág. 99).

Um breve diagnóstico da atividade física e do lazer no Nacional Desenvolvimentismo

    O forte caráter nacionalista, oriundo do Estado Novo, ainda marcou de forma perceptível o Nacional Desenvolvimentismo. O movimento, conhecido como “Nacionalismo” deixou profundas marcas na prática de atividades físicas e de esportes, sobretudo, na Educação Física Escolar. Esta assertiva pode ser confirmada por Neto (2004), que constatou a força ideológica do citado dogma nacionalista nos principais centros de estudo em Educação Física criados no início da Era Vargas e detentores de uma distinta importância formacional no período sucessivo,m alvo deste estudo:

    O movimento nacionalista foi caracterizado particularmente no Brasil pela Era Vargas. Depois da Primeira República (1889-1930) vem a Era Vargas (1930-1937 e 1937-1945), mais conhecida pelo período do Estado Novo (1937-1945) – caracterizado pela instituição do regime totalitário, com forte tendência nazi-fascista. Neste segmento, a educação física foi alvo de interesse e atenção por parte do Estado, tanto é que foram criadas nessa época, a Escola de Educação Física do Exercito, a Escola Nacional de Educação Física e Desportos, a Juventude Brasileira, o Conselho Nacional de Desportos e a Confederação Brasileira de Desportos Universitário.

    A vida tecnocrata e alienada do período em questão impulsionaram os trabalhadores e seus familiares, analisados neste trabalho, para uma vida resumida pela exigência laboral e por exíguos momentos de descanso, deixando para um segundo plano dois tipos de vivência imprescindíveis para um estilo de vida saudável, quais sejam, o Lazer e a Atividade Física. Estas duas atividades, principalmente quando realizadas no Tempo Livre, proporcionam não apenas ao trabalhador, mas á seus familiares, momentos de descontração necessários para suportar a extenuante jornada dentro e fora do âmbito profissional.

    Neste contexto, a Atividade Física contribuiria não apenas para a manutenção da saúde e da qualidade de vida, mas também apara a ”Saúde Mental”, já que seus benefícios ultrapassam os aspectos fisiológicos. Em sociedades que iniciam ou desenvolvem o processo de industrialização (caso do Brasil no Nacional Desenvolvimentismo), a atividade física vem a contribuir de forma plena para a garantia de uma maior qualidade de vida para a população, além de diminuir gastos o Poder Público com a Saúde. Assim pensa Nahas (2000):

    No contexto das sociedades industrializadas e em desenvolvimento, o estilo de vida e, em particular, a atividade física, tem, cada vez mais, representado um fator de qualidade de vida tanto quanto relacionada à saúde das pessoas de todas as idades e condições socioeconômicas, estando associada a maior capacidade de trabalho físico e mental, mais entusiasmo para a vida e sensação de bem estar, menores gastos com a saúde, menores riscos de doenças crônico degenerativas e mortalidades precoces (pág. 02).

    Assim como a Atividade Física, o Lazer não foi valorizado durante o Nacional Desenvolvimentismo. Segundo Almeida (2008), o lúdico não tem apenas uma importância subjetiva e individual, mas tem um fundamental apelo social, possibilitando, além da interação e a convivência entre as pessoas, a possibilidade de se estabelecer novas formas de racionalização sobre os acontecimentos que permeiam a vida das pessoas:

    O lazer seria essencialmente uma relação social que se expressaria no Mundo da Vida. Ele seria uma prática intersubjetiva que foi definida no Mundo da Vida, não como parte de algum contexto particular, como família, parentesco ou norma, mas algo único que se interconecta com os diversos elementos do Mundo da Vida. O lazer ancora-se no Mundo da Vida e se expressa por ele. Como ocorre com o mundo vivido o lazer também se complexifica, a partir da racionalização das formas de vida, criando novas maneiras de se relacionar com a sociedade (pag. 35).

    Tanto a Atividade Física como o Lazer são fundamentais para as mais diversas esferas de convivência. Para atingir este “status quo” de recurso fundamental no Estilo de Vida das pessoas, é necessário que as mesmas incorporem as práticas físicas e lúdicas dentro de sua rotina de vida, como um fator natural, espontâneo e fundamental, ou seja, que este comportamento (muitas vezes, motivado por Políticas Públicas) seja um elemento de conscientização social. Segundo Ansara (2010):

    A conscientização não é uma forma de compreensão individual de si e da realidade concreta nem uma mudança de opinião sobre o mundo cotidiano. É um processo relacional, social, comunitário e político, diretamente vinculado à relação com os sujeitos sociais, à ação coletiva e à transformação da sociedade (pág. 98).

    Especificamente dentro do estudo histórico da Atividade Física, o Nacional Desenvolvimentismo marcou não apenas a continuidade, mas o auge da Doutrina Higienista, oriunda no final do Século XIX. Segundo Bracht (1999), esta filosofia de ensino de práticas físicas priorizava exercícios repetitivos para a busca de um corpo considerado “saudável”. O treinamento físico e a ginástica eram amplamente disseminados, sobretudo em Clubes Poliesportivos e em aulas escolares de Educação Física:

    Aumento do rendimento atlético-esportivo após o Estado Novo, com o registro inicial de recordes, é alcançado com uma intervenção científico-racional sobre o corpo que envolve tanto aspectos imediatamente biológicos, como aumento da resistência, da força etc., quanto comportamentais, como hábitos regrados de vida, respeito às regras e normas das competições etc. Treinamentos esportivos e ginásticos promovem a aptidão física e suas conseqüências: a saúde e a capacidade de trabalho/rendimento individual e social, objetivos da política do corpo. A ginástica é parte importante do movimento médico-social do higienismo (pág. 74).

    A Doutrina Higienista apenas materializou um tradicional apreço que o povo brasileiro sempre teve pela prática de modalidades esportivas (principais formas de intervenção relacionadas á Atividade Física), sobretudo no tocante às modalidades esportivas coletivas. Segundo Costa (2004), a explicação desta proximidade do brasileiro por estas práticas não se limita apenas na busca da competição, do rendimento, da saúde e da qualidade de vida. As execuções destas atividades atingem as esferas sociais e culturais, circunstância esta potencializada pela história, miscigenação, multiculturalismo e voluntariado do povo brasileiro:

    O esporte, como a atividade física em geral, constitui um bem para o Brasil. E assim acontece porque expressa a identidade polissêmica, multicultural e miscigenada de seu povo. Além disso, o esporte historicamente em meio à diversidade nacional sobrevive por ser comunitário em sua essência e por ter como base o voluntariado e, por vezes, a excelência entendida por boas práticas. Como tal, o esporte brasileiro possui valores intrínsecos e distintos das instituições do país e de seu governo ao ser observado como manifestação cultural, social, comunitária e até mesmo econômica. Em resumo, o esporte reflete mais o povo brasileiro do que caracterizações descritivas e analíticas a ele atribuídas, sempre limitadas (pág. 07).

    Esta identidade do povo brasileiro, tanto pela atividade física quanto pelo lazer, criava condições para que o poder constituído durante o Nacional Desenvolvimentismo pudesse trabalhar com diversas formas de intervenção, com o propósito de garantir práticas físicas e lúdicas. A concepção, elaboração e execução destas ações governamentais, segundo Tassara & Ordens (2007), aproxima-se do sentido aristotélico do conceito de “Política”, pois sua aplicação deve ocorrer num espaço ideologicamente formado e democraticamente estruturado, para a busca do entendimento dos problemas que afligem a sociedade:

    Política pode ser entendida, à maneira aristotélica, como a definição de regras de convívio que disciplinam as dinâmicas históricas de interações humanas, e, portanto, a definição do futuro social. Sob tal configuração, Política e Políticas Públicas são sinônimas, uma vez que o espaço das interações humanas, em sua totalidade, é o espaço público em uma sociedade democrática. Logo, a relação entre ideologia crítica e políticas públicas é uma relação de indissociabilidade, quando situada em um contexto social democrático, na medida em que a desnaturalização da ideologia produzida pela crítica necessária, alimentará poeticamente as buscas de compreensão de problemas de interação humana inerentes á vida social em cada instante de sua dinâmica, num processo ininterrupto de aperfeiçoamento da mesma, rumo a utopia da democracia radical (pág. 328).

    Além do esporte de rendimento, a educação física escolar também mereceu uma atenção diferenciada na elaboração de políticas públicas, com o intuito de contribuir com a formação do futuro cidadão brasileiro, nos moldes almejados pela classe política diretiva. As aulas desta disciplina escolar eram elaboradas com exercícios calistênicos e de repetição, com forte teor militarista, denominado de “Sistema Francês”. Esta sistemática de prática (exigente, não lúdica e mecanizada), começou no Brasil em meados do Século XX, atingindo seu ápice durante o período estudado onde, segundo Castro (1997), alcançou sua plenitude, integrando a maioria dos estabelecimentos de ensino do País:

    A rigorosa fiscalização pela Divisão de Educação Física levou o Método Francês a ser, em pouco tempo, efetivamente adotado em todos os cursos do Brasil: em 1938, 61,6% dos estabelecimentos de ensino adotavam o Método Francês; em 1939, essa porcentagem subiu para 81,3%; em 1940, á 90,6% e, em 1941, sua adoção foi praticamente integral (pág. 11).

    A sistematização do ensino da Educação Física Escolar apenas foi mais uma das manifestações do constante aperfeiçoamento das grades curriculares nas escolas de ensino fundamental, médio e superior; fruto da expressiva intervenção do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (INEP). Esta instituição, sobre a liderança do Professor Anísio Texeira (1952 à 1964) e na conformidade com os objetivos governamentais de reconstrução nacional com base na aceleração do crescimento econômico e social, experimentou na década de 1950 uma profunda ruptura de paradigmas seculares até então, permitindo uma evolução na criação e na programação das matérias disciplinares, especializando professores e desburocratizando processos, de forma que a modernização de conteúdo e de tecnologia da educação tornou-se mais célere, ocasionando uma verdadeira ampliação e melhoria na qualidade do ensino.

    Diferentemente da Atividade Física Escolar (higienista e militarizada), o Lazer teve uma concepção diferente no Brasil durante o Nacional Desenvolvimentismo. As atividades lúdicas (oferecidas principalmente em espaços destinados aos trabalhadores) ofertavam alternativas para que o trabalhador pudesse manifestar o que Elias (1994) denominava de “Válvula de Escape”, ou seja, um local para extravasar suas emoções reprimidas de forma a não prejudicar a linha de produção. Segundo este autor, este mecanismo era imprescindível dentro do chamado “Processo Civilizador”,4 garantindo uma continuidade social, através de uma ação reiterada, reproduzível no tempo e no espaço e extremamente necessária para uma vida em sociedade:

    Cada pessoa singular está realmente presa; esta por viver em dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que as prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto não menos fortes. E é a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e a nada mais, que chamamos de sociedade (pág. 21).

    A vida social exige o estabelecimento de relações sociais, facilmente sedimentadas quando são concebidas através de interações com caráter lúdico. Além de imprescindível para o Processo Civilizador, o lazer tem uma importante função social de ocupar o chamado “Tempo Livre”, principalmente do trabalhador, evitando a ociosidade através de atividades físicas e/ou culturais. A extensão e a diversidade de propriedades e de funções, segundo Gillet (2007), transformam o lazer numa importante e singular atividade que suplanta seu aspecto físico-cultural:

    O lazer é um tempo liberado de acesso privilegiado à cultura e à educação, entre os tempos sociais constrangidos e os tempos sociais engajados, uma atividade entre produção e obrigações sociais. È o lugar onde se podem elaborar valores novos, um questionamento das regras habituais endossadas pelo trabalho, pela escola ou pela família, pela igreja ou partido. É também um espaço de conflito de valores (entre individualismo e engajamento coletivo, o trabalho por esforço ou por prazer), caracterizado por quatro propriedades: liberação, desinteresse, hedonismo e individualização, e três funções: descontração, divertimento e desenvolvimento (pag. 33).

    Como visto anteriormente, a atividade física e o lazer possuem destacada importância para a vida social. Durante o Nacional Desenvolvimentismo, o Governo estruturou e fomentou algumas Entidades Paraestatais para proporcionar aos trabalhadores e á suas famílias um espaço, não apenas para as já citadas práticas, mas para a formação profissional e para a educação infanto juvenil. Estes entes formaram um Sistema Integrado denominado de “Serviços Sociais”.

Notas

  1. Ansara (200, pág. 356) define a Memória Política como um processo de perene construção, sendo “uma verdadeira luta contra o esquecimento que nos remete ao debate sobre a importância e a necessidade de se elaborar políticas de memória que se contraponham as políticas de esquecimento

  2. O Verbete “Nacional Desenvolvimentismo” foi concebido, discutido e desenvolvidos pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), a partir de 1955. (fonte: www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando.periodonacionaldesenvolvimentistaintro.html )

  3. Segundo Heller (1985), a “cotidianiedade”, além de definir a vida de todo o homem, é um fenômeno atuante, fruidor, heterogêneo e mutável, inserido na sociedade desde seus primórdios. Além disto, é responsável pela manutenção do comportamento das pessoas nele inseridas (pág. 286).

  4. Segundo Elias, Processo Civilizador é um mecanismo com raízes históricas profundas que busca amoldar as ações dos sujeitos a fim de tornar a convivência coletiva mais suportável. Viver em sociedade é altamente complexo e difícil.

Referências

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  • Almeida, M.A.B. (2008). Análise do desenvolvimento das Práticas urbanas de lazer relacionadas a produção cultural no período nacional-desenvolvimentista à globalização através da “Teoria da Ação Comunicativa”. Campinas: UNICAMP.

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  • Bracht, V (1999). A Constituição das Teorias Pedagógicas da Educação Física. São Paulo: Caderno CEDES, ano XIX, nº 48, Agosto.

  • Bonavides, S, P. & Amaral, R. (2002). Textos Políticos da História do Brasil. Editora Senado Federal, 3ª Edição. Brasília.

  • Castro, C. (1997). In Corpore Sano: Os militares e a introdução da educação física no Brasil. Rio de Janeiro: Revista Antropolítica, nº 02.

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  • Elias, N. (1994). O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar.

  • Ferreira, J. (2001). O populismo e sua história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

  • Gillet, J.C. (2007). O Sistema de Animação Sócio Cultural Francês: entre diversão e educação, a conquista permanente de uma viva democracia. In: Recreação, Esporte e Lazer. Recife/PE: Editora Instituto Tempo Livre.

  • Nahas, S. (2000). Atividade Física, Lazer e Qualidade de Vida. São Paulo: EDUSP.

  • Neto, Samuel de Souza (2004). Educação Physica – Revista Esporte e Saúde: profissão, história e saúde. Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SPUNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro.

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