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Pedaladas nos campos de Cima da Serra

Pedaleando en los campos de Cima da Serra

 

*Acadêmicas do curso de Licenciatura em Pedagogia

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)

**Especialista em Administração e Marketing Esportivo, Gama Filho

Graduado em Educação Física, ULBRA. Professor Auxiliar

da UERGS, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

(Brasil)

Gisele Linck Amaral*

gi-uergs@hotmail.com

Lidiane Isabel Castilhos dos Santos*

lidianecastilhos@gmail.com
Luanda Morais Almeida*

luandamorais@live.com

Esp. Rodrigo Koch**

koch.rodrigo@terra.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo tem por objetivo avaliar as sensações dos participantes após a realização de práticas corporais no meio ambiente. O esporte que avaliamos nesta pesquisa é o ciclismo. Acompanhamos a realização de um evento de eco ciclismo ocorrido no meio ambiente na cidade de São Francisco de Paula-RS. O evento reuniu pessoas de várias cidades e até de outro país, o Vietnã. As mulheres marcaram uma forte presença na atividade, mostrando que cada vez mais estão conquistando o seu espaço no esporte. Todos os participantes demonstraram muita garra, animação e resistência na realização da prova, que mesmo diante de alguns contratempos (como pneus furados) não desistiram de completar o percurso.

          Unitermos: Eco ciclismo. Meio ambiente. Atividade física.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 168 - Mayo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este trabalho faz parte da Linha de Pesquisa Práticas Corporais e Meio Ambiente (PRACEMA), no município de São Francisco de Paula/RS, sediada na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Nesta pesquisa foram entrevistados 22 praticantes de ciclismo que participaram do Passeio Eco Ciclístico de Cima da Serra.

    No século XIX juntamente com o futebol, o ciclismo surge no Brasil com bastante força como relata Melo (2009):

    Desde o final da década de 1860, começaram a chegar ao Brasil as primeiras bicicletas (ainda chamadas “velocípedes”) e, a partir dos anos 1890, mesmo que ainda fossem caros objetos de luxo, passam a ser importadas em maior número. Nesse mesmo momento começam a ser organizadas as primeiras corridas, pioneiramente em São Paulo [...] (MELO, 2009, p. 77)

    Em 1904 o Brasil apareceu internacionalmente no cenário do ciclismo quando, Antônio Prado Júnior conquistou a sexta colocação no Campeonato Mundial de Velocidade. É importante frisar que a Federação Paulista foi o referencial do ciclismo brasileiro, fundada pelo comandante Amadeu Saraiva.

    De acordo com FROSI et al. (2011) a prática do ciclismo no Rio Grande do Sul foi instituída no final do século XIX por imigrantes teuto-brasileiros (fundadores de clubes exclusivos para esta prática corporal) e ítalo-brasileiros (que praticavam o ciclismo em outros clubes). As duas entidades de maior destaque neste período no Estado foram o Rodforvier Verein Blitz e a União Velocipédica que competiam entre si. Com o passar do tempo houve grande declínio no ciclismo brasileiro, principalmente pela importação de carros, e em Porto Alegre as entidades exclusivas para o ciclismo foram fechadas entre as décadas de 1910 e 1920.

    Hoje, graças à conscientização sobre os poluentes do ar, algumas pessoas optam pelas bicicletas. Outros fatores que levam um maior público a buscar tal alternativa são as superlotações dos estacionamentos e os congestionamentos nas grandes cidades, que acabam gerando irritação e ansiedade na população. Como percebemos nas entrevistas, a bicicleta alivia de certa forma esse estresse, além de exercitar o corpo de seus praticantes.

    Aliando o ciclismo com a paisagem natural dos campos de cima da serra em São Francisco de Paula-RS o grupo avaliado realizou um passeio eco ciclístico, onde os participantes contemplaram as matas de araucárias, as plantações de brócolis, batatas e outras variedades, além das águas da Barragem da Divisa. Esse ambiente do trecho inicial reanimou alguns participantes a retornarem pedalando e a demonstrarem que o ciclismo além de ser uma forma de se locomover e ser uma prática corporal sustentável, é também uma alternativa para aliviar as tensões do dia a dia.

Tempo e espaço

    O passeio Eco Ciclístico de Cima da Serra – promovido pela agência de ecoturismo Caminhos de Cima da Serra e com apoio da prefeitura de São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul – foi realizado no dia 04 de fevereiro de 2012, com participação aproximada de 100 praticantes de ciclismo. O evento teve percurso total de 49 quilômetros, dividido em duas etapas, a primeira de 25 quilômetros (do Lago São Bernardo até a Barragem da Divisa) e a segunda de outros 24 quilômetros (retorno ao Lago São Bernardo) por estradas vicinais (chão batido) da região.

    A saída foi do Lago São Bernardo, conhecido como o ‘cartão postal’ da cidade de São Francisco de Paula, e um dos pontos turísticos mais visitados do município gaúcho (SILVA, 2000). Ao deixar a área central da cidade, os ciclistas tomaram a estrada RS 110, cruzando o Arroio dos Cervos (na localidade de Passo de Carro), o Rio do Pinto e o Rio Santa Cruz até chegarem à entrada da Fazenda Chimarrão, de onde – após breve parada – seguiram até a travessia na Barragem da Divisa. Na barragem houve descanso de uma hora antes do início do retorno pela Barragem Blang e a localidade de Parque Rural (ambos no distrito de Eletra) até retornarem ao ponto de partida: o Lago São Bernardo.

Metodologia

    A coleta de dados – realizada pelas acadêmicas Lidiane Isabel Castilhos dos Santos, Gisele Linck Amaral e Luanda Morais Almeida do curso de Licenciatura em Pedagogia – consistiu em dois momentos: Ficha de Observação, e Inventário de Sentimentos Induzidos pela Prática Corporal no Meio Ambiente.

    A Ficha de Observação trata-se de uma coleta de observação empírica realizada por um ou mais componentes do grupo de pesquisa, onde foram observados aspectos gerais da prática corporal e do meio ambiente, como local, número de praticantes, gênero, idade dos praticantes, frequência e observações sobre os cuidados com o meio ambiente e como este é preservado.

    O Inventário de Sentimentos Induzidos pela Prática Corporal no Meio Ambiente foi aplicado com alguns praticantes selecionados logo após sua participação na prática corporal avaliada. Este questionário consiste em quinze (15) sentimentos e sensações que podem apresentar desde uma percepção muito forte até nada de percepção por parte dos entrevistados. A escolha dos entrevistados foi aleatória, observando-se o número mínimo de vinte por cento (20%) daqueles que estavam presentes nesta prática corporal no dia do evento.

Resultados e discussões

    Antes do início da atividade, os organizadores do evento convidaram o professor Rodrigo Koch (UERGS) para realizar um aquecimento com os participantes do passeio. Para o alongamento, o professor baseou-se nos estudos de aquecimento para ciclistas do fisioterapeuta Guionardo Furlan. Após este momento, o evento iniciou com a saída de aproximadamente 100 ciclistas do Lago São Bernardo com destino à Barragem da Divisa. O ambiente do trajeto era composto por fazendas próximas à estrada onde percebemos matas de pinus e plantações de batata, milho, repolho, brócolis, couve-flor e outros. Passando pelo morro Santa Cruz também se pôde perceber a presença de mata com pinus. Próximo à barragem observamos mata nativa e mata de pinus e eucaliptos.

    Durante o percurso encontramos apenas duas situações isoladas de negligência com o meio ambiente: a primeira na Estrada do Meio, onde havia um depósito de resíduos de lixo; e a segunda num pequeno espaço do caminho de acesso à Barragem da Divisa onde havia resquícios de queimada. Entretanto, essas negligências não se devem à prática corporal pesquisada neste estudo e sim ao comportamento dos cidadãos do município onde ela foi realizada. No entanto, não podemos ignorar os possíveis impactos que uma prática na natureza – quando realizada de forma desorganizada e sem consciência ambiental – pode causar ao meio ambiente:

    [...] o surgimento constante de novas modalidades esportivas, o aumento do número de praticantes, o mercantilismo por detrás destas atividades, o despreparo e amadorismo dos organizadores, e a não obrigatoriedade de estudos prévios de impacto ambiental para a realização de eventos esportivos podem, realmente, ocasionar a degradação do ambiente onde são realizados. (VIEIRA e TUBINO, p. 139, 2007)

    Felizmente, no evento acompanhado, os organizadores eram profissionais capacitados (gestores ambientais) e a atitude dos mesmos era de consciência ambiental (o lixo dos ciclistas foi recolhido pelos organizadores). Baseados na análise de Vieira e Tubino (2007) sobre impactos ambientais nos meios biótico, abiótico e antrópico, afirmamos que nenhum dos sete (água, solo, atmosfera, fauna, flora, cavernas, e outros impactos ambientais) meios passíveis de serem impactados sofreu algum dano devido à prática corporal. A divulgação da preservação ambiental por parte dos atletas também ganha maior credibilidade em eventos como este, que reúnem esporte e meio ambiente. Segundo Grael & Grael (2002):

    [...] a adesão do atleta às causas sociais e o aproveitamento de sua credibilidade e visibilidade social pode ser um fator decisivo no sucesso de iniciativas e difusão de experiências e conceitos potencialmente geradores de transformações. (GRAEL & GRAEL, 2002, pp. 63-64)

    Conforme os dados obtidos na ficha de observação feita por todas as pesquisadoras, pôde-se concluir que os entrevistados possuem idade média de 13 a 60 anos, sendo dois sujeitos do sexo feminino e 20 do sexo masculino.

    Apesar de apenas duas mulheres terem sido entrevistadas entre o grupo escolhido aleatoriamente para responder o questionário de sensações, a presença feminina foi marcante neste evento. Segundo Melo e Schetino (2009) a entrada das mulheres no ciclismo na transição dos séculos XIX e XX foi marcada por muitas lutas sociais e de gênero:

    As mulheres, tirando proveito das peculiaridades do momento histórico, rapidamente se envolveram com a novidade [Ciclismo]. Nos anos finais do século houve até mesmo pioneiras atletas tentando construir uma carreira esportiva nos velódromos e estradas, na França, Inglaterra, Itália e Alemanha. Tais iniciativas, contudo, foram retaliadas, inclusive com a proibição da organização de competições femininas. (MELO & SCHETINO, 2009, p. 116)

    No Brasil, as mulheres começaram a ter acesso ao ciclismo através de provas mistas (com casais) realizadas no Rio de Janeiro no início do século XX. O ciclismo também contribuiu para a queda de alguns costumes, como o uso do espartilho, e a aceitação de novos hábitos como ver o sexo feminino com roupas mais curtas e justas.

    O Passeio Eco Ciclístico de Cima da Serra reuniu pessoas de várias cidades gaúchas, como Porto Alegre, Rio Grande, Sapiranga, São Francisco de Paula, Ijuí, Veranópolis, Novo Hamburgo, e Taquara, além de Foz do Iguaçu/PR e até mesmo participantes de outro país, o Vietnã. Após os 25 quilômetros iniciais percorridos pelos praticantes do evento, através do inventário de sensações, foi percebido que a maioria estava com sensação agradável, se sentindo calmo, como “novo”, com energia, alegre, tranquilo, e motivado para os 24 quilômetros de volta. Também não apresentavam sensações como tristeza, tensão e esgotamento.

    Apresentamos a seguir a tabela de sensações expressas pelos entrevistados, acentuando apenas as que se demonstraram índices mais significativos:

Considerações finais

    [...] Ser/Estar no mundo incorporam a idéia de um se-movimentar, portanto, o processo de construção da realidade ao se efetivar, a priori, por um sentido, escolha, desejo, intenção há que reconhecer a responsabilidade das repercussões desse movimento. Considerando dessa perspectiva vamos entender, como sugere Tamboer citado por Bruhns (1997), movimento como um diálogo entre homem e mundo. O se-movimentar como uma forma de existência na qual se tem os próprios valores e onde o homem pode realizar-se e expressar-se. (MELO & ALMEIDA, 2007 p. 185.)

    Buscamos em Melo & Almeida (2007) o esclarecimento dessa necessidade do ser humano moderno de buscar esportes e atividades na natureza, diante das exigências da vida contemporânea, a conexão homem-natureza é quase nula nas grandes metrópoles. Notamos que, mesmo os esportistas que demonstraram dar muito valor ao radicalismo da atividade, demonstravam uma relação de respeito e, em alguns casos mais especificamente, veneração ao ambiente.

    Quando parte do grupo chegou à Barragem da Divisa, uma das participantes fez um gesto de contemplação ao sol e à natureza daquele local. Ao ser questionada sobre o porquê do gesto ela respondeu: “meu gesto foi de pura alegria, eu diria até, de exaltação, por estar fazendo algo que curto (sic) demais: praticar esporte de aventura para poder estar em contato com a mágica natureza. Resumindo, o gesto foi meu tributo às forças da natureza... apenas isso.” (Beatriz Azevedo, 60 anos, analista judiciária da Justiça Federal.)

    Ao movimentar-se na natureza, o ser humano que sente a necessidade de relacionar-se com a própria natureza se satisfaz e se realiza, a ponto de saldar o ambiente que o recebe.

    As pesquisadoras perceberam que os envolvidos estavam satisfeitos com a prática do ciclismo em meio à natureza, pois mesmo com um percurso de estrada de chão, obstáculos, como também o cansaço e a chuva no final da atividade, demostravam-se felizes e dispostos.

Referências bibliográficas

  • ALONGAMENTOS para ciclistas. Disponível em http://www.guionardofurlan.com.br, acessado em janeiro de 2012.

  • FROSI, Tiago Oviedo; CRUZ, Lucas Lopes da; MORAES, Ronaldo Dreissig de; MAZO, Janice Zaperllon. A prática do ciclismo em clubes de Porto Alegre/RS. Revista Pensar a Prática. Goiânia, volume 14, número 3, pp. 1-18, 2011.

  • GRAEL, Lars; GRAEL, Axel. Os Atletas e as Questões do Meio Ambiente. In: TAVARES, Otavio; DACOSTA, Lamartine; MIRANDA, Renato. Esporte, olimpismo e meio ambiente: visões internacionais. Rio de Janeiro, Gama Filho, 2002.

  • MELO, Cristiane Ker de; ALMEIDA, Ana Cristina Pimentel Carneiro de. Nas trilhas de relação Educação Física – Meio Ambiente. In: ALMEIDA, Ana Cristina Pimentel Carneiro de; DACOSTA, Lamartine. Meio Ambiente, Esporte, Lazer e Turismo: Estudos e Pesquisas no Brasil 1967-2007, volume 1. Rio de Janeiro, Gama Filho, 2007.

  • MELO, Victor Andrade de. Corpos, bicicletas e automóveis: outros esportes na transição dos séculos XIX e XX. In: DEL PRIORE, Mary; MELO, Victor Andrade de. História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo, Editora Unesp, 2009.

  • MELO, Victor Andrade de; SCHETINO, André. A bicicleta, o ciclismo e as mulheres na transição dos séculos XIX e XX. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, 2009.

  • SILVA, Iva da. São Francisco de Paula: a história, o povo, curiosidades e belezas. São Francisco de Paula, Gráfica da UCS, 2000.

  • VIEIRA, Valdo; TUBINO, Manoel José Gomes. Impactos Ambientais em Práticas Esportivas na Natureza. In: ALMEIDA, Ana Cristina Pimentel Carneiro de; DACOSTA, Lamartine. Meio Ambiente, Esporte, Lazer e Turismo: Estudos e Pesquisas no Brasil 1967-2007, volume 3. Rio de Janeiro, Gama Filho, 2007.

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