Os jogos de estratégia no contexto da Educação Física escolar Los juegos de estrategia en la Educación Física escolar |
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Licenciatura Plena em Educação Física (CEUCLAR/SP) Especialista em Educação Física Escolar (CEUCLAR/SP) Mestre em Educação (USF – Itatiba/SP) Docente da Faculdade Calafiori, MG |
Rogério de Melo Grillo (Brasil) |
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Resumo O objetivo desse estudo é evidenciar como os jogos de estratégia, assumidos como conteúdo nas aulas de Educação Física Escolar, desenvolvem habilidades e competências cognitivas e sociais. Além é claro, possibilitar aos alunos a produção de conhecimento a partir do jogo, sob um enfoque pedagógico por meio da metodologia da Resolução de Problemas. Ademais, validar o jogo de estratégia dentro das aulas de Educação Física como um conteúdo em confluência com os jogos e brincadeiras corporais, esportes, lutas, ginástica, dança, já que esse tipo de jogo é muitas vezes negligenciado, sendo trabalhado em dias de chuva, ou dias em que a quadra e/ou pátio não podem ser usados como espaço para as aulas. Unitermos: Jogo de estratégia. Educação Física escolar. Resolução de problemas.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 168 - Mayo de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Como é sabido, as discussões a respeito do jogo e seu valor pedagógico no âmbito da Educação Física Escolar vem sendo debatido há tempos. Basta analisar documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – Brasil, 1998) ou mesmo o Conteúdo Básico Comum (CBC – 2005/2007), proveniente do Estado de Minas Gerais, Brasil. Ambos os documentos debatem sobre o jogo como um instrumento pedagógico e enaltecem seu valor educativo para o desenvolvimento motor, cognitivo e social da criança ou do adolescente. No entanto, os documentos não evidenciam como isso pode ser feito, de um modo que transponha a simples prática com o jogo, ou seja, que envolva um processo de investigação, resolução de problemas, raciocínio lógico-matemático, raciocínio abdutivo, intervenções pedagógicas por parte do docente, entre outras habilidades e competências.
Assim, podemos estar sujeitos a trabalhar com o jogo em uma perspectiva do “jogo pelo jogo”. Ora, nessa perspectiva o jogo torna-se um simples “passatempo”, isto é, não há espaço para um olhar mais pedagógico e sim, acredita-se que o jogo por si só é educativo e “desenvolve a mente da criança”. Todavia, “nenhum jogo é educativo por si só; para que se tenha essa conotação é preciso ser, intencionalmente, planejado para ser usado em um contexto educativo” (MARCO, 2004, p. 1).
Dessa forma, o cerne desse trabalho é justamente discutir o jogo de estratégia, em uma perspectiva da Resolução de Problemas, como um instrumento pedagógico voltado para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais, tais como: raciocínio lógico e hipotético-dedutivo, cooperação, percepção espacial (memória visual e percepção das relações entre objetos), trabalho em equipe, atenção, concentração, tomada de decisões, respeito às regras e ao colega, capacidade de levantar hipóteses e criar planos de jogo, dentre outras. Em suma, para validar a importância dos jogos de estratégia no contexto da Educação Física Escolar serão apresentados algumas análises ocorridas a partir de aulas de Educação Física, no qual foi trabalhado o Jogo da Velha e duas variações do mesmo jogo, em total acordo com a teoria de “jogo pedagógico” defendida por Grando (2000, 2008).
O jogo é um problema!
Os jogos de estratégia podem ser compreendidos pela constante busca de procedimentos/métodos para ganhar a partida. Esse jogo se opõe aos jogos de azar, pois abarca a ideia de que os jogadores precisam ser capazes de selecionar suas próprias ações (jogadas) na tentativa de estabelecer uma estratégia superior ao do adversário, vencendo a partida. Para tanto, é precípuo que o jogo seja imprevisível e represente um desafio para o jogador, de tal modo que ele dependa de si e de suas ações e não de recursos aleatórios advindos do fator sorte (dados, “ímpar ou par”, “cara ou coroa”). Nesse sentido, há um espaço para o levantamento de hipóteses, análise das possibilidades de jogadas, antecipação e previsão, estudo das jogadas do adversário e a construção de estratégias a partir desse processo de investigação durante o jogar.
Indubitavelmente, uma das principais características do jogo é sua imprevisibilidade, no qual Huizinga (2008) chama de “incerteza”. Tal aspecto engendra uma “tensão”, visto que não se sabe qual será o resultado. Para Caillois (1990), os jogos de estratégia representam o oposto do acaso. Com isso, joga-se a partir de regras estabelecidas e cria-se por meio do cálculo, da análise, do desejo de medir forças, sem a interferência de fatores externos, como a Alea (sorte).
Defendo então os jogos de estratégia como um embate entre dois adversários, em que cada um tece sua própria estratégia, cria suas “armadilhas” e segue suas decisões diante dos problemas decorrentes durante a partida. De acordo com Grando (2000):
Diante das situações-problema de jogo que se apresentam ao sujeito, quando ele age sobre o jogo e o constante desafio em vencê-lo, novos espaços para a elaboração de estratégias de jogo são abertos. A análise de possibilidades é marcada por tomada de decisões sobre quais estratégias poderiam ser eficazes. É possível ao sujeito, que não domina um jogo, estabelecer jogadas extremamente aleatórias, sem realmente refletir sobre suas ações. Mas jogar operatoriamente um jogo de regras, significa ser capaz de analisar as possibilidades de jogadas, elaborar estratégias, testá-las e avaliá-las (p. 40).
Por conseguinte, pode-se afirmar que todo jogo de estratégia desenvolve a tomada de decisões e isto devido ao fato de que, o aluno cria seu “plano de jogo” por si próprio e em seguida, o coloca em prática contra seu adversário, embora às vezes, suas decisões sejam aleatórias.
Moura (1992) defende a prática do jogo, em sala de aula, embasada em um processo de resolução de problemas, no sentido de ser visto como um desencadeador de situações-problema. Para esse autor,
o jogo tem fortes componentes da resolução de problemas na medida em que jogar envolve uma atitude psicológica do sujeito que, ao se predispor para isso, coloca em movimento estruturas do pensamento que lhe permitem participar do jogo. (...) [Com isso], definir jogo como um problema em movimento. Problema que envolve a atitude pessoal de querer jogar tal qual o resolvedor de problema que só os tem quando estes lhes exigem busca de instrumentos novos de pensamento (p.53).
Com isso, a partir das pesquisas de Grando (2000, 2008), Moura (1992) e Grillo (2009, 2010), defendo então, o “jogo como um problema dinâmico”. Sendo assim, o jogo, portanto, propícia aos alunos resolver problemas, investigar, conjecturar e criar estratégias. Analisando e refletindo acerca do jogo e de seus elementos, bem como de suas possibilidades, desde que, trabalhado pedagogicamente na perspectiva da Resolução de Problemas.
Enfatizo que a Resolução de Problemas é entendida aqui como um “veículo”, isto é, uma metodologia capaz de atribuir ao jogo de estratégia um sentido pedagógico. Metodologia essa que utiliza de situações-problema de jogo, intervenções pedagógicas de forma escrita ou verbal por parte do professor, problemas abertos e impossíveis, entre outros recursos.
Nesse contexto, Macedo, Petty e Passos (2008), indicam as situações-problema de jogo como um recurso fundamental, já que o desenvolvimento e a aprendizagem não estão nos jogos em si, mas principalmente nas ações que são desencadeadas a partir das intervenções e dos desafios propostos, corroborando para a aquisição de conhecimento.
Portanto, a visão do jogo de estratégia como um “problema dinâmico” e desencadeador de situações-problema, engendra condições que visam colocar o aluno em um movimento de pensar de forma ativa e reflexiva, na qual ele torna-se um produtor de conhecimento.
Grando (2000), por sua vez, apresenta o jogo como
um “problema que ‘dispara’ para a construção do conceito, mas que transcende a isso, na medida em que desencadeia esse processo de forma lúdica, dinâmica, desafiadora e, portanto, mais motivante ao aluno. Ambos, o jogo e a resolução de problemas, se apresentam impregnados de conteúdo em ação e que, psicologicamente, envolvem o pensar, o estruturar-se cognitivamente a partir do conflito gerado pela situação-problema.
Ademais, Grando (2000), sugere as “intervenções pedagógicas” como um modo de transpor o jogo para o âmbito pedagógico. Assim, essa autora afirma que: “a intervenção do professor no jogo pode ser um fator determinante na transformação do jogo espontâneo em pedagógico” (Ibdem, p. 4). Para além disso, as intervenções pedagógicas também podem ser compreendidas como estratégias utilizadas pelo professor, no intuito de problematizar ou propor uma situação-problema no jogo, podendo ser verbais ou escritas. Nesse contexto, a intervenção pedagógica “caracteriza-se pelos questionamentos e observações realizadas pelo orientador da ação a fim de provocar os alunos para a realização das análises de suas jogadas (previsão de jogo, análise de possíveis jogadas a serem realizadas, constatação de “jogadas erradas” realizadas anteriormente, etc)” (Ibdem, p. 44).
De resto, pode-se inferir que o jogo é um problema em movimento desde que ele seja concebido pelo seu dinamismo que se dá entre as jogadas e estratégias dos jogadores. Essa característica presume a ideia de que a cada jogada/lance um novo problema surge e também, novas possibilidades de “fazer o próximo lance” por meio da “resolução do problema” no jogo, sendo esse o ato de realizar um lance “contra” o outro jogador que o coloque em uma situação “desafiadora”.
É importante enfatizar que, em se tratando das ações do sujeito no jogo, Macedo (2006), propõe o “jogar certo” e o “jogar bem”. Para ele, “jogar certo” é
uma condição necessária, mas não suficiente. Ou seja, trata-se de sempre obedecer às regras, levar em conta o objetivo do jogo, respeitar o tempo e o espaço das jogadas, aceitar, mesmo que a contragosto, os resultados. Jogar certo é um problema de aprendizagem: dominar as informações ou instruções relativas a cada jogo, criar hábitos de respeitar às regras etc. (Ibdem, p. 38).
No que concerne ao “jogar bem”, o referido autor sugere que esse é um “problema de desenvolvimento: refere-se às decisões e às escolhas no contexto de uma partida em que se expressa em cada jogada” (Ibdem, p.38). Assim, o “jogar bem” está relacionado ao processo de analisar partidas, construir estratégias e refletir sobre erros e/ou acertos. Ademais, são situações de jogo, únicas e singulares, no qual “refletem como cada jogador as interpreta segundo os diferentes fatores que as possibilitam (seu nível de desenvolvimento como jogador, as peças que estão em jogo etc.)” (Ibdem, p. 38).
Direcionando tal concepção de Macedo (2006) para o Jogo da Velha, objeto de estudo do presente artigo, podemos observar que o entendimento e a execução das regras básicas do jogo estão no campo do “jogar certo”, enquanto as jogadas construídas intencionalmente como os “ataques”, “contra-ataques”, as “defesas” e as “armadilhas” criadas pelo jogador se remetem ao “jogar bem”. Em suma, “jogar certo” é agir de acordo com as regras, frisando “o que pode” e “o que não pode”. Por outro lado, “jogar bem” é transcender, ir além superando o “normal” que é proveniente das regras.
O Jogo da Velha e suas variações
O Jogo da Velha, na sua versão tradicional, é um jogo desenvolvido em um tabuleiro quadriculado composto por nove casas, formando uma matriz de três linhas e três colunas. Os jogadores escolhem uma marcação, sendo geralmente utilizado um ‘círculo’ (O) e um ‘xis’ (X). Os jogadores alternam suas jogadas, fazendo uma marcação por vez, em uma casa que esteja vazia. O objetivo é conseguir três círculos ou três xis em linha reta, seja na horizontal, vertical ou diagonal, ou seja, o vencedor é aquele que marcar primeiro uma ‘trilha’ de casas em uma dessas direções. Além disso, impedir que o adversário faça o mesmo. Por esse motivo, o Jogo da Velha é um jogo que exige a construção de estratégias de ataque e defesa.
As potencialidades pedagógicas do Jogo da Velha são: percepção espacial – noções de direção (diagonal, vertical e horizontal), memória visual e percepção das relações entre objetos (versão tradicional; versão dinâmica) e pessoas (Jogo da Velha ‘humano’), raciocínio lógico e abdutivo, discriminação visual, autonomia, criatividade, imaginação, cooperação e trabalho em equipe (versão humana), respeito às regras e aos colegas, capacidade de levantar hipóteses e resolver problemas, criação de estratégias e análise das possibilidades de jogadas, saber ganhar e perder.
O referido jogo foi trabalhado em duas aulas consecutivas de Educação Física (no mesmo dia) com alunos 14 alunos de uma turma de 6ª ano de uma escola de zona rural do município de Passos/MG (Brasil). A aula foi dividida em quatro partes: Jogo da Velha ‘tradicional’, Jogo da Velha ‘dinâmico’, Jogo da Velha ‘humano’ e registro das atividades realizadas.
Na primeira parte, os alunos jogaram o Jogo da Velha na versão tradicional (conforme descrito anteriormente), usando o caderno ou folhas avulsas. Esse momento caracterizou-se como um espaço para garantir as regras do jogo. Assim, muitos alunos jogaram de forma aleatória, sem criar estratégias e analisar jogadas. A importância desse momento é familiarizar com o jogo, reconhecer e garantir as regras. Além disso, essa primeira parte foi essencial para observar os alunos em “estado de jogo” e analisar que no decorrer das partidas, surgiu a necessidade dos mesmos em construir estratégias objetivando a vitória, caso contrário, eles correm o risco de depender somente dos lances aleatórios para vencerem.
Na segunda parte, os alunos jogaram a versão dinâmica do Jogo da Velha. Em relação à versão tradicional, o que muda é a troca do “círculo” e do “xis” por fichas ou pinos de cores opostas, sendo três para cada jogador. Na aludida aula de Educação Física, foi dado aos alunos fichas de cor preta e azul e folhas avulsas para construírem seus tabuleiros. O objetivo do jogo é o mesmo, pois basta fazer uma ‘trilha’ na horizontal, diagonal ou vertical para vencer a partida. No que concerne ao desenvolvimento do jogo, nessa versão os alunos possuem três fichas de cores opostas e eles alternam os lances colocando as fichas em casas vazias, intentando fazer uma ‘trilha’. Caso um dos jogadores não consiga realizar tal tarefa, então é permitido a eles movimentarem as fichas que estão colocadas no tabuleiro, alternadamente, para as casas vazias. É justamente essa característica que dá a essa variante um dinamismo, pois existe um princípio de tomada de casas no tabuleiro, já que as casas ora são tomadas por um jogador, ora pelo outro. Esse aspecto difere da versão tradicional, no qual a casa marcada por um “círculo” ou “xis” permanece ‘fechada’ até o final da partida.
Nessa segunda parte, os alunos já familiarizados com as regras básica do Jogo da Velha e compreendendo essa nova variante, iniciaram um processo de investigação no jogo, marcado pela análise das possibilidades de jogadas, conjecturação, construção de estratégias, antecipação e previsão de lances, características essas que rompem com o “jogar por jogar” (jogo espontâneo). Assim, nesse momento os alunos trazem um conhecimento acumulado de jogo, pois foi consentido a eles tanto o jogar espontâneo para experimentar e explorar, como o resolver situações-problemas direcionados para uma reflexão mais profunda sobre o jogo.
Foi possível observar os alunos analisando suas jogadas antes de concretizá-las. Em uma partida observada pelo presente pesquisador, um dos alunos antes de realizar sua jogada, afirmou que “havia perdido a partida”. Ao ser questionado sobre essa afirmação, ele disse: “Se eu colocar aqui (ficha azul – X na diagonal representada pela casa 1) ele fecha (faz trilha) na horizontal e se eu colocar ali (ficha azul – X na horizontal representada pela casa 2) ele fecha na diagonal”. A seguir um esquema da situação de jogo (extraído do diário de campo do presente pesquisador), em que o “X” representa a ficha azul e o “O” a ficha preta:
Essa antecipação do aluno evidenciou que o mesmo estava em um processo de análise das possibilidades de jogadas e de conjecturação. Grando (2000, 2008) considera esse aspecto como “jogar com competência”, no qual é um momento no jogo em que o aluno passa a jogar e refletir sobre suas jogadas e outras possíveis, adquirindo uma certa “competência” naquele jogo, isto é, o jogo passa a ser considerado sob vários aspectos e óticas que inicialmente poderiam não estar sendo considerados.
Na terceira parte, os alunos foram direcionados para o pátio e, subsequentemente, divididos em duas equipes de igual número e fazendo uso de coletes na cor verde e azul, para que fossem diferenciados. Essa variante do Jogo da Velha segue a mesma estrutura (regras, objetivo e tabuleiro) da versão tradicional. Contudo, os alunos são as “peças” do jogo, substituindo o círculo e o xis. Destarte, os alunos tinham que assumir posições em um tabuleiro desenhado no chão do pátio. Apenas duas ressalvas precisam ser feitas. Primeira, o jogo passa a ser coletivo, ou seja, com equipes e não mais entre dois jogadores. Segunda, embora o jogo passe a ser em equipes, uma regra foi proposta aos alunos, no que diz respeito à interferência dos outros alunos da equipe durante as jogadas. Desse modo, ficou combinado que durante a jogada de um aluno A, por exemplo, o restante da equipe não poderia dar dicas ou falar o que deveria ser feito. Com isso, os alunos possuíam mais autonomia e responsabilidade em suas jogadas.
Finalmente, após vivenciarem o Jogo da Velha em três momentos, foi solicitado a eles que registrassem em forma de texto, ou texto com desenho, as partidas que mais gostaram durante a aula. Tal fator é importante para os alunos revisitarem sua memória, registrando de modo escrito o que vivenciaram durante as aulas. Destaco que esse momento representou uma maneira de propiciar aos alunos procedimentos para sistematizar e formalizar suas resoluções, ideias e raciocínios no jogo, por meio de uma linguagem própria. Foi também um importante instrumento para conhecer melhor os alunos e suas opiniões respeitantes ao jogo trabalhado. Em linhas gerais, a ação de registrar durante ou após uma atividade é um exercício voltado para as capacidades de reflexão, planejamento, estudo e avaliação.
Uma das habilidades/competências que foram analisadas, durante os três momentos, foi a relação entre o Jogo da Velha (e variações), e, a tomada de decisões e o raciocínio lógico. Nos jogos de estratégia não há como resolver uma situação-problema ou efetuar uma jogada se uma decisão não for tomada. Mesmo que essa decisão não consista em uma vantagem ou leve a vitória. Entretanto, não deixa de ser uma posição do aluno, nesse sentido, podemos relacionar a tomada de decisões ao processo de autonomia, já que o aluno é livre para construir seus planos e colocá-los em prática, assumindo seus resultados positivos ou negativos (responsabilidade). Pode-se dizer então que, a tomada de decisões está atrelada nesse jogo e em suas variações, a todo o instante, considerando que a cada jogada surge um novo problema (jogo como problema em movimento).
Outro aspecto analisado durante a realização do Jogo da Velha foi que os alunos foram estimulados a pensar estrategicamente e usar do seu raciocínio lógico. Ficaram visíveis os momentos em que eles decidiram por si, tanto individualmente quanto coletivamente, mostrando autonomia, capacidade de resolução de problemas e de interação. A título de exemplo, um aluno durante uma partida do Jogo da Velha “humano” (sem o auxílio da equipe na tomada de decisões) tinha a possibilidade de assumir uma casa livre e assim vencer o jogo, ou tomar uma casa em que no próximo lance, a equipe rival venceria fazendo uma ‘trilha’ na horizontal. Esse aluno ficou em estado de dúvida, visto que ele tinha que tomar uma decisão por si próprio. Podia vencer ou empatar no próximo lance.
No que concerne a isso, ele então tinha três hipóteses, ou vencer a partida, ou evitar que a outra equipe o fizesse, ou ainda, preterir essas duas conjecturas optando por outra casa livre. Esse procedimento de levantar hipóteses está envolvido com o raciocínio lógico-matemático. No caso do exemplo anterior, o aluno preferiu tomar a casa em que a equipe adversária poderia fazer uma ‘trilha’. Entrementes, com essa jogada, ele deixou de vencer a partida. Vale dizer que, a referida partida terminou empatada.
Apesar disso, na aludida situação, ele se responsabilizou pelos atos. E mesmo não vencendo a partida, ele tomou uma decisão independente de ser a melhor naquele momento, ou seja, ele decidiu por si mostrando autonomia e um determinado raciocínio advindo de uma lógica.
A partir do seu erro ou do seu acerto, ele construiu seu conhecimento acerca do jogo e sua estratégia. Por isso, nos jogos de estratégia, a tomada de decisões, a construção de estratégias e o raciocínio lógico são fundamentais, pois estão intimamente ligados à inteligência que, por sua vez, se liga a percepção e a análise das possibilidades de jogo, levando o aluno a pensar e resolver problemas (GRILLO, 2009, 2010; GRANDO, 2000, 2008). Dessa maneira, o jogo de estratégia, no caso o Jogo da Velha e suas variações, segundo Grando (2000) proporciona ao aluno a resolução de problemas, entendendo que a cada jogada surge um novo problema a ser resolvido, o estimulando a pensar, decidir e usar, sobretudo, de um raciocínio lógico.
Sobre esse arrolamento entre raciocínio lógico, resolução de problemas e a tomada de decisões, Petty (1995) coloca que um dos objetivos do jogo de estratégia é
promover o desenvolvimento do raciocínio das crianças por meio de situações em que jogos de regras são instrumento para exercitar e estimular um pensar com lógica e critério, porque interpretar informações, buscar soluções, levantar hipóteses e coordenar diferentes pontos de vista são condições para jogar (p.2).
Outro tópico analisado foi o “erro”. Em uma das partidas do Jogo da Velha ‘dinâmico’, um aluno devido a um “erro” foi derrotado. Essa decisão gerou uma consequência, mas também, o “erro” por outro lado, foi importante para o desenvolvimento dele, pois foi assumido como um objeto de estudo e reflexão, visto que o aluno, ao término da partida, sugeriu: “tenho que ver as jogadas do colega antes de fazer as minhas” (trecho extraído do diário de campo do presente pesquisador).
Destarte, o aluno ao jogar algum jogo de estratégia no contexto da Educação Física Escolar, desde que explorado pedagogicamente conforme foi evidenciado nesse artigo, está constantemente exposto a situações que precisa analisar e compreender um determinado momento de jogo que está envolvido, de tal maneira que ele aprenda a planejar de forma adequada e equilibrada, buscando meios que o levarão a decidir melhor e proporcionarão a ele entender limites e valores estabelecidos, além de vivenciar inúmeras experiências relativas ao conhecimento. Resultando por fim, no desenvolvimento não só do raciocínio lógico ou dos processos de tomada de decisão, mas também da autonomia, da responsabilidade, da criatividade e da capacidade de resolução de problemas, planejamento e análise.
Considerações finais
O conjunto de aspectos apresentados atinentes ao jogo de estratégia coadunado com os excertos advindos de uma aula de Educação Física, no qual foi trabalhado com o Jogo da Velha e duas variações, contribuem para validar os jogos de estratégia não só como mais um conteúdo, mas como um instrumento pedagógico importante na formação dos alunos. Além disso, o presente artigo pretendeu também questionar algumas concepções a respeito do jogo ser educativo por si próprio ou não, ou ainda, se deve ou não ser utilizado para fins didático-metodológicos no âmbito da Educação Física Escolar.
De resto, o presente estudo possibilita dirimir os preconceitos com os jogos de estratégia, tais como: o Xadrez, o Jogo de Damas, o Matix, o Nim, o Jogo da Velha, dentre outros. Além disso, comprovar que o jogo estratégia atrelado a metodologia da Resolução de Problemas, proporciona ao aluno analisar, criar, refutar e/ou apropriar de determinadas estratégias de jogo, e, a investigação ocasionada pela análise dessas mesmas estratégias permite uma aprendizagem via reflexão e tomada de decisão a cada “problema” que surge durante uma partida, além é claro, possibilita a elaboração de novos pensamentos e/ou conhecimentos. Isso oportuniza ao aluno produzir conhecimento, uma vez que existe a construção de um raciocínio baseado em um processo de conjecturação, investigação e estudo das possibilidades de jogo. São por esses motivos peremptórios que os jogos de estratégia necessitam ser considerados nas aulas de Educação Física Escolar e não relegados para os dias de chuva ou sendo praticados devido a fatores que impeçam a atividade física propriamente dita (esporte, brincadeiras, dança, ginástica) na quadra ou no pátio.
Referências bibliográficas
CAILLOIS, R. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
GRANDO, R. C. O jogo e a matemática no contexto da sala de aula. 2 ed. Campinas: Editora Paulus, 2008.
_______________. O Conhecimento Matemático e o uso de Jogos na Sala de Aula. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação – UNICAMP, Campinas, 2000.
GRILLO, R. M. A tomada de decisões a partir da Resolução de Problemas no Xadrez. In: Anais... 17º Congresso de Leitura do Brasil – COLE, CD-ROM, Unicamp, 2009.
_____________. O tabuleiro, as peças e a experiência matemática. In: Anais... III SHIAM – Seminário de Histórias e Investigações de / em Aulas de Matemática, CD-ROM, Unicamp, 2010.
HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
MACEDO, L.; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2008.
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MARCO, F. F. Estudo dos processos de Resolução de Problema mediante a construção de jogos computacionais de Matemática no Ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2004.
MOURA, M. O. A construção do signo numérico em situação de ensino. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
PETTY, A. L. S. Ensaio sobre o valor pedagógico dos jogos de regras: uma perspectiva construtivista. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.
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