Escalada: da necessidade do limite à sua transcendência La escalada: acerca de la necesidad del límite a su trascendencia |
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*Possui graduação em Educação Física, é Especialista em Pedagogia do Movimento Mestre em Educação Escolar e Doutorando na mesma área Docente nas Faculdades Network e na Secretaria da Educação São Paulo. **Graduado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André Mestre em Educação Escolar e Doutorando pela FCLAR – UNESP, Araraquara Professor do curso de Pós-Graduação das Faculdades Metrocamp em Campinas - SP e na FAC São Roque ***Pedagogo, Mestre e Doutor. Professor da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP) Membro do Laboratório de Psicologia Genética/Unicamp. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da FCLAr/Unesp ****Possui graduação em Educação Física pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo. Especialista em Esportes de Aventura pela FMU. Docente na instituição Pestalozzi e membro do LEL (Laboratório de Estudos do Lazer) Departamento de Educação Física, I.B. UNESP |
Kleber Tuxen Carneiro* Eliasaf Rodrigues de Assis** Ricardo Leite Camargo*** Rodolfo Antonio Zagui Filho**** (Brasil) |
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Resumo O presente texto dedica-se a compreender as dimensões histórica e também transcendentes da escalada, em específico em sua modalidade indoor. Reflete-se sobre a escalada e sua analogia com os limites morais, por intermédio de relatos experienciais vividos pelos autores em sua prática de ensino e supervisão de escalada esportiva em estruturas artificiais (parede móvel). Para contextualização e organização do trabalho apresentamos algumas considerações sobre a ascensão da escalada e também os litígios climáticos que originaram a escalada em ambientes artificiais, suas diferentes tipologias, algumas considerações sobre os acrescentamentos para o desenvolvimento humano e seu profícuo ambiente para compreensão da metáfora do limite. Para elucidação do relato de experiência apresentaremos duas circunstâncias vividas, que engendram claramente o antagonismo do limite, tão presente no ambiente da escalada. Unitermos: Escalada. Limite. Desenvolvimento Humano.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 168 - Mayo de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
“Por isso é que agora vou assim, no meu caminho. Publicamente andando. Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar.”
Thiago de Mello
Limites palavra tão propagada na atualidade, escutamos freqüentemente e normalmente denotando expressões queixosas de ausência de limites. Seja a educação informal, onde pais expressam desalento pelos filhos que não respeitarem limites, seja no trânsito, na escola regular, nos ambientes eclesiásticos, nos apelos midiáticos e mesmo na ciências jurídicas que avaliam a sociedade contemporânea.
Contudo, ao nos referirmos sobre o termo limites, do que exatamente estamos falando? De sua habitual falta? Da necessidade de sua imposição? Ou talvez estejamos propondo o rompimento dele? Talvez aqui resida uma problemática interessante. Porque ela revela uma ambivalência em sua hermenêutica. Se por um lado temos a necessidade de estabelecer limites, demarcar fronteiras e territórios que perpassam desde limites arquitetônico-geográficos até, e principalmente os morais, do outro encontramos circunstâncias que solicitam a transposição, a superação de limites estabelecidos em períodos históricos ou ideológicos anteriores.
A luz do pensamento de La Taille (1998) apresentaremos um relato de experiência, oriundo de alguns anos de atividades de observação, orientação e ensinamento da escalada indoor. Em nosso entendimento, o ambiente produzido pela escalada coaduna os dois pólos que perpassam o limite: a importância de sua existência e o impulso a sua transcendência. Existem muitos ambientes onde a ambivalência do limite se personifica, todavia ressaltamos as atividades de aventura e em especial a escalada indoor (muros e paredes artificiais).
Para tal empreendimento apresentaremos algumas considerações sobre a ascensão da escalada, os litígios climáticos que originaram a escalada em ambientes artificiais, seus diferentes acrescentamentos ao desenvolvimento humano e seu profícuo ambiente para compreensão da metáfora do limite. Contextualizaremos o relato experiência a partir de duas circunstâncias vividas, que engendram claramente o antagonismo do limite, tão presente no ambiente da escalada.
Como muito bem anunciou nossa epígrafe, talvez não tenhamos descoberto um caminho novo, ou revelado uma descoberta colossal. E essa não foi, certamente, a pretensão do presente trabalho. Contudo o que pretendemos é apresentar um "novo olhar", outras dimensões e aproximações entre a escalada e a possibilidades do contato com o limite. Assim sendo, apresentamos em seguida nosso relato experiencial.
Uma breve contextualização da historicidade da escalada e suas tipologias
Embora a finalidade desse trabalho, não seja apresentar a historicidade (desde o surgimento á sua trajetória evolutiva) da escalada, julgamos relevante apresentar uma breve contextualização que permita uma compreensão e aproximação da modalidade (escalada indoor) especificamente que permeia nosso relato experiencial.
Encontramos relatos que narram a primeira escalada1 até o cume de uma montanha, registrados no ano de 1336, mais precisamente no dia 24 de abril de 1336 pelo italiano Francesco Petrarca e seu irmão Geraldo. Os dois moradores da província de Avignon escalaram o Monte Ventux, um típico pico pré–alpino com 1912 metros deixando o seguinte registro, segundo (SOUZA, 2008, p.32):
"Hoje escalei a montanha mais alta da redondeza, conhecida como Mont Ventux, senti por dentro o privilégio de ser o primeiro a estar em um pedaço de terra nas alturas, há muitos anos que vinha sonhando com esse momento. Primeiro fiquei parado, sentindo o sopro do vento em minha face e no minuto seguinte, dei uma volta completa sobre meus calcanhares, contemplando a paisagem que se me estendia e fiquei pasmo com a beleza que vi. Olhei para trás e para baixo, nuvens se juntavam a meus pés e céu infinito alcançava meus olhos ao longe".
Não obstante, em 1786, registros revelam a conquista do cume do Mont Blanc com 4807 metros, nos Alpes Franceses, devido a uma recompensa oferecida pelo suíço Horace Saussure. Iniciou−se, assim, um esporte denominado alpinismo.
Todas essas conquistas produziram o aprimoramento de equipamentos e técnicas que foram adaptados de acordo com as dificuldades encontradas, tais como: clima, altitude, tipos de rocha e a própria evolução técnica. Aqui talvez resida um paradoxo interessante sobre a tecnologia, se por um lado ela produz um distanciamento, uma artificialidade e virtualidade a partir de um mundo abstrato e muitas vezes inexistente, por outro lado ela aproxima e cria possibilidades de experiência e resignificação, ainda que por intermédio de simulacros.
Ainda discorrendo sobre a história da escalda, no Brasil, o que se pode considerar como a primeira ascensão "montanhística" aconteceu em 21 de agosto de 1879, na Serra do Mar Paranaense Há também registros de escaladas no Rio de Janeiro no início do século XIX, com ascensões à Pedra da Gávea e cumes da Serra da Carioca e Maciço da Tijuca, na sua maioria realizados pelos produtores de café.
Não obstante, observa-se que a partir dos anos 1960 a escalada começou a ser praticado também nas proximidades de outros centros urbanos além dos tradicionais do (RJ e PR), principalmente nos estados do Sul e do Sudeste do Brasil. De tal modo que contemporaneamente a escalada é uma atividade em franca expansão e vem seduzindo cada vez mais adeptos.
Tão abrangente é seu desenvolvimento que criou-se tipologias, ou melhor, categorias de escalada. Atualmente as modalidades de escalada seguem algumas variações: escalada em livre tradicional, escalada esportiva em rocha, escalada esportiva indoor em estruturas artificiais (muros e paredes moveis), boulders, solo, big wall, cascata de gelo e alta montanha (escalada alpina).
Aproximando-nos da especificidade do ambiente no qual relataremos nossa experiência está a escalada indoor. Embora saibamos da importância de detalhar cada uma dessas modalidades, os limites do presente texto nos impossibilitam de tal empreitada. Nos ateremos apenas ao que contempla nosso estudo de observação: a escalada esportiva indoor em estruturas artificiais (muros e paredes moveis).
Surgindo na década de 60 na Rússia, a escalada indoor, busca minimizar as dificuldades climáticas, sobre tudo, para dar continuidade aos treinamentos, que poderiam ocorrer mesmo no inverno rigoroso. Concomitante ao pensamento das autoras: "Em outras palavras, é uma forma de treinamento, não só para os iniciantes, mas também para suprir a necessidade de se ter muros artificiais para os escaladores profissionais poderem escalar em locais onde, principalmente, o inverno é rigoroso". (MARINHO & BRUNHS, 2001, p. 37)
E também surgem para minimizar o grande impacto ambiental que causavam, assim passaram a ser realizadas em estruturas indoor. Todavia ressaltamos que nem todo ambiente artificial se caracteriza indoor, como advertem as autoras:
"Por vários motivos, foi criada a escalada em ambiente artificial que pode ser indoor ou não (existem muitos muros - ou paredes, como são também denominados - artificiais de escalada que não são, necessariamente, indoor. No caso do Brasil, devido ao fator climático, é bem menor a necessidade de se ter muros em locais fechados e cobertos". (MARINHO & BRUNHS, 2001, p. 37)
A partir da reflexão das autoras acima mencionadas, poderíamos interpelar as razões para quê o Brasil (sendo um país climaticamente favorável) tenha praticantes que acabem por buscar a vivência da escalada indoor, quando poderiam recorrer a escalada em rocha?
Recorrendo ainda aos pensamentos das autoras Marinho & Brunhs (2001), os participantes podem aprender e praticar o esporte em um ambiente controlado e seguro. Além disso, os locais dedicados à prática do esporte tem normalmente uma localização central nas cidades, permitindo um rápido e fácil deslocamento aos praticantes. Após proporcionarmos a relevância e alguns ensejos que conduzem os praticantes a prática da escalada em ambientes artificiais, apresentaremos um relato experiência a partir da metodologia de observação ao longo de 10 anos supervisionando, orientando e ensinando a escalada esportiva indoor.
Descrição do relato
Nos últimos 10 anos aproximadamente temos observado2 a prática da escalada indoor, em especial de uma parede móvel. E sem hesitar, podemos afirmar que confrontamos as mais distintas e intrigantes situações, ensinando e proporcionando vivências para essa modalidade. Considerando os limites deste relato, não nos estenderemos na discrição de muitos episódios. Afinal 10 anos é um tempo considerável.
Todavia apresentaremos duas situações emblemáticas que elucidam e remetem as duas dimensões (faces) do limite, pela qual devemos enveredar nossas considerações.
Em uma delas, o tutor de um participante questionava os motivos pelos quais o professor responsável pela segurança não "elevava" a criança ao invés de deixá-la cansar tentando agarrar aquelas pedrinhas difíceis. Caso ela não consiga, não ficará frustrada frente ao seus semelhantes?
Considerando que os benefícios da escalada, residem exatamente no desafio de sustentar seu corpo deslocando-se através das diferentes agarras e vencer desafios, tais como: manter o equilíbrio em deslocamento vertical, realizar movimentos que vem sendo trabalhados há tempo, a chegada ao cume de uma montanha ou ao final da parede de escalada, entre outros. Ao permitir que o praticante, se desloque sendo "elevado" descaracterizar-se-ia o cerne da atividade.
Deste modo, a narrativa apresentada acima oculta uma das faces do limite, a da transposição, ou melhor, superação. Ao propor a elevação do praticante, em detrimento ao processo gradativo de subida por via da escalada, se negligenciaria a chance de transcendência dos limites originários do processo de escalar.
Assim sendo, ao invés de possibilitar ao praticante a futura conquista de transpor os desafios da subida, oferecer-se-ia apenas o prazer da sensação de subir e descer por intermédio da elevação. Isso reforçaria apenas o prazer imediato, sem trabalho, sem labor, mas também sem conquista! Seria apenas mais uma vivência que reforça o hedonismo contemporâneo e a serviço do consumo do aqui e agora, como destaca La Taille (1998).
Embora saibamos que a escalada possa atender a diferentes finalidades, em nosso entendimento ela poderia ser uma belíssima ferramenta educativa. Pois como destaca Attariam (1989), o muro artificial de escalada também pode ter outras formas de utilização, além da aprendizagem e do treinamento, tais como: educação e recreação. E também contribuir com o desenvolvimento e expansão das diferentes dimensões humanas, como destacam as autoras apontando estudos nesta vertente:
"Sob essa perspectiva, há um interessante estudo de Humberstone (1995) tratando das interações entre crianças, a partir de atividades outdoor (especificamente a escalada) trazidas para ambientes indoor, em aulas de Educação Física. Nesse estudo, a autora constatou que as atividades de escalada podem ser utilizadas para satisfazer uma variedade de objetivos educacionais, oportunizando diferentes níveis de desenvolvimento: coletivo (habilidades cooperativas e de comunicação); pessoal (auto-estima); cognitivo (tomadas de decisão; resolução de problemas) e físico (aptidão e desenvolvimento de habilidades motoras). Podendo, da mesma forma, serem utilizadas como atividades recreacionais, com fim nelas mesmas". (MARINHO & BRUNHS, 2001, p. 38)
Já a outra situação que compartilharemos têm uma outra conotação, diametralmente oposta da primeira apresentada. Recorrentemente assistimos responsáveis "obrigarem" as crianças a subir na parede de escalada móvel. Mesmo que a criança ou pré-adolescentes não disponha de condições (motoras, psíquicas, etc.) mínimas, eles as empurram, gritam, e até infelizmente insultam para realizarem a atividade.
Em algumas circunstâncias, não há respeito aos limites nem mesmo dos equipamentos de segurança, que obedecem regras de peso ou medida, como é caso da "cadeirinha". Proporcionando não apenas a dificuldade na realização da atividade, mas expondo ao risco o praticante, como ressalta Portela (2005). É imperioso dizer que a escalada segura também depende de todo um treinamento básico, de muita prudência. E de reais qualificações técnicas e principalmente aceitação de seus limites.
E neste "cenário" encontramos a outra dimensão do limite, seu desrespeito, sua completa ausência. Tanto no que tange a imposição em relação a prática da atividade, quanto aos sentimentos que expõem vexatoriamente o praticante, ainda que ele não tenha total dimensão da circunstância. Assim sendo, nesta situação encontramos o extremo do laxismo, permissividade e irresponsabilidade que acarretam prejuízos incomensuráveis no desenvolvimento moral da criança. Em contraposição, a situação anterior denota o excesso de cuidado, o cerceamento o que também não proporciona á atividade de escalada uma significativa contribuição para o processo de desenvolvimento humano.
Após descrevermos sucintamente nosso relato, apresentaremos algumas considerações finais findando nosso relato experiencial.
Algumas considerações finais
Nosso intento ao propormos apresentar um relato experiencial com a prática da escalada indoor, especificamente a partir de uma parede móvel, dar-se-á por entender que a ambientação produzida a partir desse atividade apresenta intenso potencial para se pensar, conhecer e experimentar as diferentes ambivalências que circunscrevem o limite. E sobre tudo por acreditar, que tais experiências podem proporcionar expansão e desenvolvimento humano, se assim forem abordadas.
Mas ressaltamos que a conotação do termo experiência nesse trabalho, esteve associada ao pensamento de Larrosa (2004) que ao abordar o termo relacionando−o com tudo aquilo que toca a essência do ser e que, de alguma maneira, o transforma. A partir dessa premissa, ele enumera uma série de razões pelas quais as experiências são cada vez mais difíceis de ocorrerem.
Portanto identificamos que as práticas de escaladas indoor anunciam uma mudança, uma evolução da modalidade. Funcionam como parte de um espetáculo, ou seja, como componente de uma relação social entre pessoas, mediada por imagens e equipamentos. Não caracterizam somente um suplemento ou uma decoração da vida humana, simbolizam uma época e toda uma geração, como ressaltam Marinho e Brunhs (2001). E, esperamos que ela possa estar a favor da expansão e formação humana.
Notas
www.montanhistasdecristo.com.br (Paulo Henrique Schmidlim) e www.gentedemontanha.com.br (Pedro Hauck)
Dois dos autores (Kleber e Rodolfo) do presente relato são integrante de uma instituição denominada Equação Atividades Interdisciplinares, instituição essa que atua em quatro diferentes frentes de trabalho no âmbito do lazer, sendo uma delas as atividades de aventura, em especial a escalada indoor em uma parede móvel.
Referência
ATTARIAN, A. Artificial rock climbing walls - innovative adventure environments. Journal of Physical Education, Recreation and Dance, v.60, nº 7, 1989.
LA TAILLE, Y. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Editora Ática, 1998. 151 p.
LARROSA, Jorge. Escola viva: Elementos para a construção de uma educação de qualidade social. In. GERALDI, Corinta Maria Grisolia et al. (org.). Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.
MARINHO, A.; BRUHNS, H. T. Escalada urbana - faces de uma identidade cultural contemporânea Movimento, vol. VII, n. 14 (37-48), 2001.
PEREIRA, D. W.; PICOLLO, V. L. N. Escalada, uma ascensão á transcendência ARQUIVOS em Movimento, Rio de Janeiro, v.7, n.2, p.83-96, jul./dez.2011.
PORTELA, A. A influência da fadiga no tempo de reação de praticantes de escalda em rocha. 2005 147f (Mestrado em Ciência do Movimento Humano). Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC 2005.
SOUZA, Jorge dos Santos. Na busca das trilhas: Um estudo sobre saberes matemáticos produzidos na prática da escalada esportiva. 2008 141f (Mestrado em Educação). Universidade São Francisco, Itatiba, SP 2008.
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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 168 | Buenos Aires,
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