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Copa América Alternativa: relato de uma 

experiência futebolística para além do capital

Copa América Alternativa: um relato de experiência futbolística más allá del capital

 

*Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

e torcedor do Clube de Regatas Flamengo

**Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

e torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas

Bruno Gawryszewski*

Gabriel Marques**

grdmarques@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Entre os dias 27 e 29 de janeiro de 2012, ocorreu a I Copa América Alternativa de Futebol “El Hombre Nuevo”, reunindo doze equipes e jogadores de diversos países na Província de Córdoba, na Argentina. Como jogadores da equipe “Pelada da Esquerda”, consideramos pertinente relatar a experiência em participar do torneio após avaliarmos positivamente tal experiência, que se apresenta como uma contraposição ao modelo de futebol apropriado e adequado ao modo de produção capitalista. No evento, encontramos um ambiente de fraternidade, companheirismo e coletividade, características essenciais defendidas por Che Guevara, patrono da equipe anfitriã. Portanto, é fundamental que consigamos ampliar as práticas esportivas entre os seres humanos, reunindo participantes que lutem contra as injustiças e visem à construção de uma nova sociedade.

          Unitermos: Futebol. Esquerda. Copa América Alternativa.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 17 - Nº 168 - Mayo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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    O futebol é o esporte que desperta maior entusiasmo no mundo. O dinamismo das partidas, a facilidade em praticá-lo – pode-se jogar “bola” com qualquer objeto que deslize no chão –, e a relativa imprevisibilidade dos resultados são alguns dos elementos que contribuíram para sua grande popularidade. Contudo, assim como qualquer atividade, também o futebol foi apropriado e adequado ao modo de produção capitalista, objetivado em características como a reprodução da lógica do trabalho alienado, a mercantilização e a elitização da prática esportiva e o embrutecimento dos sentidos e valores, na medida em que o valor estético é posto em eclipse pelo valor de troca da mercadoria futebol.

    O homem se faz homem na sua troca material com a natureza e assim possui a capacidade de processar a objetivação de sua subjetividade nos objetos que cria, conferindo-lhes uma forma útil à vida humana, portanto, humanizando-os. Esse processo de objetivação integra a construção da relação homem-mundo e, por isso, não ocorre como individualidades isoladas, mas como prática social / coletiva. Por isso, afirmamos que o indivíduo é um ser social, bem como os sentidos se fazem humanos no processo de socialização do homem.

    Nesse sentido, compreendemos que o futebol é uma prática social que se transformou num patrimônio cultural da humanidade, fruto do conhecimento e experiência das gerações anteriores. Portanto, ela é dotada de sentidos que foram ao longo da história construídos e formaram uma materialidade corpórea própria, ou ainda, ensejaram uma cultura corporal que possibilita momentos de catarse coletiva, fazendo com que os indivíduos não vivenciem o mundo de maneira sempre atrelada ao pragmatismo e imediatismo da vida cotidiana. E justamente em oposição aos valores e concepção de mundo difundida pelo capital, é que foi organizada a I Copa América Alternativa (CAA).

    A ideia de realizar a CAA surgiu de experiências difundidas na Europa, onde são realizados eventos que reúnem equipes de futebol que discordam dos ditames do futebol-mercadoria, que vão de encontro às práticas fascistas, racistas, machistas e/ou homofóbicas e que decidiram reagir a essa expropriação comercial das práticas culturais. Esses torneios de futebol, inclusive a organização a cada dois anos da Copa do Mundo Alternativa, promovem, ao menos, outro ponto de vista para se vivenciar o esporte, organizado a partir das iniciativas individuais e coletivas dos próprios jogadores, sem que haja preocupações com ações de marketing e propaganda, vendas e lucros muito menos um monopólio de grandes marcas que se revezam como patrocinadores dos megaeventos esportivos. E foi a partir da experiência de jogar a Copa do Mundo em 2010, na cidade de Yorkshire, Inglaterra, que a equipe paulista do Autônomos & Autônomas F.C., em associação com o CSAD Che Guevara – time argentino da cidade de Jesus Maria – se juntaram para organizar a I Copa América Alternativa em janeiro de 20121. Ao tomarmos conhecimento da convocatória do evento, ainda em meados do ano de 2011, decidimos participar dessa empreitada.

    A confiança que nos fez resolutos em montar um time para jogar futebol num outro país se originou ainda em meados da década de 2000, quando alguns amigos entenderam que seria importante a realização de um evento que reunisse os antigos e atuais companheiros de vida, a maioria professores e estudantes de Educação Física, militantes do movimento estudantil na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quase que espontaneamente, o evento, realizado em freqüência semestral, ganhou um nome: “Pelada da Esquerda”. Com a divulgação da convocação da I Copa América Alternativa, o grupo de amigos se expandiu, ao juntar forças com companheiros do Arquivo Nacional, fruto da articulação da luta dos servidores públicos federais no Rio de Janeiro, principalmente nas greves do Ministério da Cultura e do próprio Arquivo Nacional.2 Assim, esse grupo decidiu transformar a reunião semestral numa equipe de futebol para se fazer presente na Argentina.

    Os integrantes do “Pelada da Esquerda” compartilham a compreensão de que é preciso desenvolver uma prática esportiva distinta do modelo hegemônico, difundido para a maioria da sociedade, marcado por um espírito competitivo e destrutivo das relações humanas, em que o prazer e a livre fruição do esporte são minimizados em nome de valores egoístas; também criticam o caráter mercadológico e reificado, que tem no consumo de produtos esportivos, baseado em valores de troca e fetiches de modas fugazes, o seu objetivo final, fator que não atende a contento os seus praticantes, que muitas vezes nem consomem os nutrientes necessários para uma prática esportiva saudável; e reivindicam que o esporte e o lazer sejam fomentados como política de Estado em caráter público, gratuito, universal, compreendidos como componentes para a formação integral do ser humano.

    Nossa expectativa era em encontrar um ambiente de fraternidade, companheirismo e coletividade, em que os ideais defendidos pelo patrono da equipe anfitriã, Che Guevara, se materializassem em práticas diferenciadas no evento. Foi consenso entre os integrantes da equipe de que o evento foi marcado por uma disposição dos participantes em promover relações humanas mais harmônicas e solidárias, fato que se confirmou durante as partidas. Além disso, foram louváveis: a tentativa de que todas as equipes jogassem uma quantidade semelhante de partidas; a possibilidade de realizar substituições a qualquer momento, permitindo que todos os jogadores da equipe participassem durante tempo semelhante; e a realização de alguns jogos que contaram com a presença simultânea de homens e mulheres.

    Contudo, a construção de uma experiência que se pretenda pioneira não está livre de imprevistos, nem sempre sendo possível de serem sanados de modo imediato. De modo a avançar na realização de um evento ainda mais rico e próximo de seus objetivos, ponderamos que os espaços de discussão política não conseguiram acontecer de modo a envolver os participantes, tendo em vista que não foi divulgada previamente nenhuma programação nem houve uma convocação para essas discussões. É imprescindível que haja uma melhor disseminação de informação, antes e durante o evento. Também registramos que, em determinados momentos, ocorreu pouca participação coletiva das equipes na organização do evento, o que também inclui o nosso time. Uma sugestão seria que, conforme as equipes se inscrevessem para participar, elas tivessem de se responsabilizar por alguma tarefa durante o torneio, de modo que o evento se consolide cada vez mais como uma produção coletiva, resultado de um esforço pela construção de um homem novo. No entanto, salientamos que tais ponderações servem tão-somente para acumularmos substratos que nos auxiliem na construção/organização das próximas edições da Copa América Alternativa.

    Realizamos um balanço muito positivo – não tanto pelos nossos resultados dos jogos – de nossa participação na I CAA. Certamente vivenciamos uma experiência a ser relatada, compartilhada e difundida entre nossos alunos nas escolas onde trabalhamos e entre nossos amigos nas “Peladas” aqui no Brasil. Enfrentamos adversários da Argentina, Chile, Lituânia e Inglaterra, conseguimos uma vitória nos pênaltis contra os camaradas do Easton Cowboys e pretendemos organizar um confronto com o Autônomos & Autônomas FC, equipe vencedora da Copa América, denominado Recopa Alternativa. Além disso, é nossa intenção participar da próxima edição da Copa América, nos encontrando novamente com praticantes do futebol, que estejam presentes nas lutas contra quaisquer injustiças cometidas contra quaisquer pessoas em qualquer parte do mundo, vislumbrando e acumulando forças para a construção de um novo modelo de sociedade, para além do capital!

Notas

  1. Está em fase de pós-produção um documentário sobre a Copa América Alternativa. http://www.youtube.com/watch?v=JKCwB76_8I0 – legendas em inglês. http://www.youtube.com/watch?v=FaXhuQyh4ec&feature=youtu.be – legendas em português.

  2. O time também contou com dois valorosos companheiros da cidade de Juiz de Fora (MG), um gaúcho, um colombiano e um cordobês.

    A versão preliminar deste texto foi publicada no periódico digital do Colectivo Hombre Nuevo, edição especial sobre a Copa América Alternativa. Disponível em http://issuu.com/colectivohombrenuevo/docs/edicion_especial_caa2012?mode=window&backgroundColor=%23222222

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