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Sociologia e Educação Física: abordagem multidisciplinar 

no trato com o conhecimento e na formação inicial

Sociología y Educación Física: el abordaje multidisciplinario en el tratamiento del conocimiento y en la formación inicial

Sociology and Physical Education: multidisciplinary approach in dealing with the knowledge and initial

 

Licenciado em Educação Física e Ciências Sociais, UFSC

Mestre em Educação Física, UFSC. Professor DEF, UFS

Grupo de Estudos Observatório da Mídia Esportiva, UFS, UFSC

Cristiano Mezzaroba

cristiano_mezzaroba@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          As reflexões contidas neste ensaio teórico se propõem a pensar, a partir de uma abordagem multidisciplinar, os campos da Sociologia e da Educação Física (EF). O texto aborda a atual discussão do retorno da Sociologia enquanto componente curricular às instituições escolares, as possíveis implicações disso e uma breve contextualização da formação de professores de Sociologia no Brasil. Na tentativa de aproximar Sociologia e EF, no que se refere ao trato com o conhecimento na escola e na universidade, tecemos aproximações entre essas duas disciplinas, tendo em vista a necessidade iminente de pensarmos em um trato diferenciado e criativo para ampliar o repertório cultural e de conhecimentos daqueles diretamente envolvidos (professores, pesquisadores, alunos). Um recurso teórico-metodológico é sugerido, ou seja, a perspectiva da mídia-educação, e os exemplos de “pontes” que podem ser realizadas são os mais diversos: a manifestação do fenômeno esportivo na atualidade; as questões corporais; os padrões de beleza; as discussões sobre estética e saúde; as relações com o consumo; as interferências e influências da mídia nesses processos todos; as possibilidades a partir das tecnologias de informação e comunicação seja no âmbito escolar ou mesmo fora dele, as transformações históricas disso tudo até este momento atual e as implicações ao campo educacional e cultural etc. Com isso, pretende-se, ao aproximar Sociologia e EF, fazer com que estratégias de intervenções sejam voltadas a ações educativas que sejam criativas, questionadores, participativas, esclarecedoras e que permitam a construção de uma efetiva cultura cidadã para nossos jovens.

          Unitermos: Educação Física. Sociologia. Mídia-educação. Abordagem multidisciplinar.

 

Abstract

          The reflections contained in this theoretical essay are intended to think, from a multidisciplinary approach, the fields of Sociology and Physical Education (EF). This paper addresses the current discussion of the return of sociology as a curriculum component to educational institutions, the potential implications of this and a brief overview of the background of Sociology’s teachers in Brazil In an attempt to bring together sociology and EF, with regard to dealing with knowledge in school and university, weave similarities between these two disciplines in view of the imminent need to think in a different and creative deal to broaden the cultural background and knowledge of those directly involved (teachers, researchers, students). A theoretical and methodological feature is suggested, or it be the perspective of media education, and examples of "bridges" that can be achieved are various: the manifestation of the phenomenon of sports today, body issues, standards of beauty ; discussions about aesthetics and health, relations with consumption, interference and media influences in these all processes, the possibilities departure of information and communication technology be within or outside school, the historical transformations of this everything into present moment and the implications for the educational and cultural fields etc. Thus, it is intended, when approaching Sociology and EF, making intervention strategies are focused on educational activities that are creatives, inquisitive, participatory, enlightening, and that allow the construction of an effective civic culture for our youth.

          Keywords: Physical Education. Sociology. Media education. Multidisciplinary approach.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Não é porque certas coisas são difíceis que nós não ousamos;

é justamente porque não ousamos que tais coisas são difíceis.

Sêneca

Introdução

    As tentativas de aproximação entre as diversas áreas do conhecimento, quando pensadas em sua aplicação no âmbito escolar, a partir da formação inicial de professores/pesquisadores é algo sempre bem-vindo, porém sempre arriscado. No primeiro caso, porque é urgente e necessário que passemos a pensar, dialogar, atuar e intervir a partir de práticas escolares não fragmentadas, tampouco descontextualizadas que “engavetam” os conhecimentos a partir de um único referencial ou matriz científica. Em relação ao segundo, o risco encontra-se em dificuldades de articulação, comodismos, falsos discursos ou mesmo nos egocentrismos acadêmicos onde uma “ciência” sempre procura se sobrepor à outra “ciência”, além, é claro, da possibilidade de se cair nos “modismos” científicos que nem sempre são muito bem definidos ou clarificados (como a própria discussão das questões multi e interdisciplinaridade)1.

    O exercício teórico, contido neste ensaio, será pensar duas áreas (ou campo) do conhecimento consideradas afastadas no campo escolar – e mesmo na universidade, em que geralmente uma se coloca no interior dos centros de filosofia e ciências humanas e a outra é colocada nos centros de ciências biológicas ou da saúde, em poucos casos está inserida nos centros de educação – a partir de uma perspectiva multidisciplinar.

    Sociologia e Educação Física, são essas as disciplinas que abordaremos aqui, enquanto áreas do conhecimento, com suas especificidades próprias, mas pensadas num plano multidisciplinar, enquanto constituintes diretamente tanto da formação acadêmica do autor deste texto como da sua prática enquanto professor e pesquisador, o qual procura, em suas práticas e pesquisas, articular tais conhecimentos.

    Assim, o texto que segue abordará inicialmente a atual discussão do retorno da Sociologia enquanto componente curricular às escolas, as possíveis implicações disso bem como uma contextualização da formação de professores de Sociologia no Brasil. Pensando no plano multidisciplinar, serão tratadas também algumas questões que relacionarão a Sociologia à Educação Física, como possibilidades de aproximação entre essas duas disciplinas – já que, pensando-se no ensino médio brasileiro, há necessidade iminente de pensarmos em um trato diferenciado e criativo pensando na ampliação do repertório de conhecimento e cultural daqueles que ali atuam e participam.

    Atualmente as tradicionais “disciplinas escolares” são pensadas e trabalhadas a partir do entendimento de “componentes curriculares”, expressão esta que “tem sido empregada para designar a forma de organização do conteúdo de ensino em cada grau, nível ou série, compreendendo aquilo sobre o qual versa o ensino, ou em torno do qual se organiza o processo de ensino-aprendizagem.” (SAVIANI, 1994, apud PIROLO et al, 2005, p.91).

    A partir tanto da Sociologia como da Educação Física, poderíamos pensar em ambas não apenas como pertencentes ao rol das disciplinas escolares, como elementos da organização curricular da escola que,

    em sua especificidade de conteúdos, traz uma seleção de conhecimentos que, organizados e sistematizados, devem proporcionar ao aluno uma reflexão acerca de uma dimensão da cultura e que, aliado a outros elementos dessa organização curricular, visa a contribuir com a formação cultural do aluno.” (SOUSA JUNIOR, 2001, apud PIROLO et al, 2005, p.92)

    Antes de adentrarmos nas especificidades a que este ensaio se propõe, convém melhor definirmos essas duas áreas que aqui estamos tratando, a Sociologia e a Educação Física. Quanto à Sociologia, faremos uso do conceito utilizado por Anthony Giddens, em seu livro Sociologia (2005), já em relação à Educação Física, apoiaremo-nos em Mauro Betti (2003) e Valter Bracht (1992), dois autores que costumam ser referenciados nas pesquisas e reflexões desta área.

    Segundo Giddens (2005, p.24), a Sociologia:

    é o estudo da vida social humana, dos grupos e das sociedades (...) seu objeto de estudo é nosso próprio comportamento como seres sociais. A abrangência do estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo desde a análise de encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos sociais globais. (...) A sociologia mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre por que somos como somos e por que agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que encaramos como natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os ‘dados’ de nossa vida são fortemente influenciados por forças históricas e sociais. Entender os modos sutis, porém complexos e profundos, pelos quais nossas vidas individuais refletem os contextos de nossa experiência social é fundamental para a abordagem sociológica.

    Neste conceito, podemos perceber o quanto daquilo pertencente à Educação Física, seja como senso comum, seja como conteúdo trabalhado em âmbito escolar ou como tratamento científico no âmbito acadêmico, pode ser “visto sob o olhar” da Sociologia, aproximando as áreas. Os exemplos são vários e diversos: a manifestação do fenômeno esportivo na atualidade; as questões corporais; os padrões de beleza; as discussões sobre estética e saúde; as relações com o consumo; as interferências e influências da mídia nesses processos todos; as possibilidades a partir das tecnologias de informação e comunicação seja no âmbito escolar ou mesmo fora dele, as transformações históricas disso tudo até este momento atual e as implicações ao campo educacional e cultural etc.

    Amparado em Wright Mills (1970), Giddens (2005) sugere que se estude a Sociologia a partir do que Mills chamou de “Imaginação sociológica”, ou seja, que se amplie o olhar, o entendimento e a crítica das questões comuns do cotidiano no sentido de fazer com que os sujeitos tenham consciência das diferenças culturais (ver o mundo social a partir de outros pontos de vista que não o nosso), que possam ampliar e avaliar os efeitos da política em suas vidas (o olhar que avalia os resultados das políticas púbicas, por exemplo), bem como encaminhar-se ao auto-esclarecimento (uma maior compreensão sobre a relação das coisas com o todo, com a sociedade). (GIDDENS, 2005).

    Quanto à Educação Física, entendemo-a como uma área de intervenção pedagógica (BRACHT, 1999), que seleciona, organiza e atua/intervém (na escola) a partir de diversos outros conhecimentos, não sendo, portanto, “uma ciência” com um objeto próprio. Segundo Bracht (1999, p.81), “Para realizar tal tarefa é fundamental entender o objeto da Educação Física, o movimentar-se humano, não mais como algo biológico, mecânico ou mesmo apenas na sua dimensão psicológica, e sim como fenômeno histórico-cultural.” Esse “objeto” da Educação Física seria a cultura corporal de movimento (BRACHT, 1999; BETTI, 2003), um entendimento de movimento humano para além dos conhecimentos das ciências físicas e biológicas, ampliando-se para algo em torno da comunicação com o mundo e com os simbolismos, ou seja, a cultura no plano de pressupostos sociofilosóficos da uma educação crítica.

    Assim, tanto a Sociologia quanto a Educação Física, em conjunto com os demais saberes, têm, na escola, o compromisso com uma educação crítica, a partir das teorias críticas, as quais têm como objetivo “formar indivíduos dotados de capacidade crítica em condições de agir autonomamente na esfera da cultura corporal de movimento e de forma transformadora como cidadãos políticos”. (BRACHT; GONZÁLES, 2005, p.155)

    Em seguida tratamos da volta da Sociologia aos currículos escolares no Brasil, seus aspectos históricos e implicações atuais, para depois fazermos a aproximação, numa abordagem multidisciplinar, entre Sociologia e a Educação Física, apontando possíveis possibilidades.

A Sociologia volta aos currículos escolares no Brasil

    Antes de partirmos para a discussão específica em torno da volta da Sociologia aos currículos escolares brasileiros e fazermos essa contextualização histórica para pensarmos nas implicações atuais desse acontecimento, torna-se relevante trazer a ideia de um dos principais sociólogos que em muito ajudou a pensar as relações da educação com a sociedade (e vice-versa).

    Trata-se do sociólogo francês Pierre Bourdieu,2 para o qual a escola, e sua função sendo a educação, permitiria ao homem conhecer o mundo para se libertar de certas estruturas e ideologias, e este espaço – a escola – se colocaria como um dos domínios que poderia possibilitar essa libertação do homem. Isso porque, conforme sua argumentação, o sistema de ensino desempenha papel de realce na reprodução dessa relação de dominação cultural, ou seja, há o acesso desigual à cultural segundo a origem de classe, e a escola, ao invés de libertadora, seria conservadora, mantém a dominação dos dominantes sobre as classes populares, sendo apresentada como um instrumento de reforço das desigualdades e como reprodutora cultural. (CULT, 2008)

    De acordo com Nogueira e Nogueira (2002, p.3), a escola, na perspectiva de Bourdieu,

    não seria uma instituição imparcial que, simplesmente, seleciona os mais talentosos a partir de critérios objetivos. Bourdieu questiona frontalmente a neutralidade da escola e do conhecimento escolar, argumentando que o que essa instituição representa e cobra dos alunos são, basicamente, os gostos, as crenças, as posturas e os valores dos grupos dominantes, dissimuladamente apresentados como cultura universal. A escola teria, assim, um papel ativo – ao definir seu currículo, seus métodos de ensino e suas formas de avaliação – no processo social de reprodução das desigualdades sociais. Mais do que isso, ela cumpriria o papel fundamental de legitimação dessas desigualdades, ao dissimular as bases destas, convertendo-as em diferenças acadêmicas e cognitivas, relacionadas aos méritos e dos dons individuais.

    Ainda para Bourdieu, tratando da questão da transmissão do capital cultural (e é aí que chegaremos as nossas reflexões aqui neste ensaio, a partir das contribuições da Sociologia e da Educação Física), ele considera que:

    Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere sob dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, conseqüentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 1992, p.40-1)

    De acordo com Nogueira e Nogueira (2002, p.11), “a grande contribuição de Bourdieu para a compreensão sociológica da escola foi a de ter ressaltado que essa instituição não é neutra. Formalmente, a escola trataria a todos de modo igual, todos assistiriam às mesmas aulas, seriam submetidos às mesmas formas de avaliação, obedeceriam às mesmas regras e, portanto, supostamente, teriam as mesmas chances.”

    Sabemos que a questão, na prática, não é bem assim. E com o retorno da Sociologia aos currículos escolares, quem sabe a escola poderá impactar de maneira positiva nessa “herança cultural” do ponto de vista sociológico, fazendo seu papel de formar sujeitos mais críticos e esclarecidos, ou, no mínimo, um pouco mais conscientes e questionadores de suas realidades.

    No percurso de nossas reflexões, cabe-nos agora situar historicamente as inserções e retiradas, e suas contextualizações, da Sociologia nos currículos brasileiros ao longo da história.3

    Conforme Bragança (s/d), a Sociologia, enquanto disciplina escolar, foi marcada por um “processo pendular de inclusão e exclusão da disciplina no ensino fundamental e médio.” A partir do entendimento deste autor, há uma organização cronológica que divide a história da Sociologia nos currículos escolares no Brasil em três importantes períodos, assim descritos e definidos por ele:

  • 1891 – 1941 à Período de sua institucionalização: em 1891 é proposto pela primeira vez a disciplina de Sociologia no ensino “secundário”, sendo uma disciplina obrigatória e responsável pela preparação de advogados, médicos, engenheiros, arquitetos e professores.

  • 1941 – 1981 à Período de alijamento: o qual se configura a partir das determinações do regime ditatorial que se inicia com a decretação do Estado Novo em 1937 e pelo autoritarismo militar instaurado pelo golpe de 1964, e que viam na Sociologia nas escolas algo indesejável e impertinente.

  • 1982 – 2001 à Período de retorno gradativo: com a abertura democrática algumas lutas se intensificaram, tanto pela defesa da Sociologia como da Filosofia no ensino médio, como por exemplo, em 1986, quando a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo realizou concurso público para admissão de professores de Sociologia; em Minas Gerais a Universidade Federal de Uberlândia, em 1997, inclui Sociologia, Filosofia e Literatura como disciplinas constantes no vestibular; assim como em outros estados como Rio de Janeiro (1989), Distrito Federal (1985), Pará (1986), Pernambuco e Rio Grande do Sul, onde a disciplina de Sociologia passou a constar em seus currículos escolares.

    Para outra autora investigada, no caso Silva (2007), citando Pinto Ferreira (1957), poderia-se dizer que a história da Sociologia foi dividida, no caso brasileiro, em três fases, com uma organização um pouco diferenciada da apresentada anteriormente. Segundo esta mesma autora:

    a primeira abrangeria o Brasil Império até os primeiros anos da República. O segundo iria até meados da década de trinta com o estabelecimento das primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras e os primeiros cursos de formação de cientistas sociais no país, em especial a Universidade de São Paulo, a Escola Livre de Sociologia e Política, também em São Paulo, e a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, ex-Universidade do Distrito Federal e atual UFRJ, e um terceiro que se iniciaria a partir desta época.

    Ainda para Silva (2007), ao se fazer um levantamento dos períodos da Sociologia no Brasil, enquanto área de conhecimento inserida na escola ou mesmo na universidade, a autora aponta cinco períodos, considerando-se os dias atuais. Para ela, ficaria assim delimitado:

  • Primeiro período: de meados do século XIX ao início do século XX, chamado de pioneirismo;

  • Segundo período: início do século XX até meados da década de 40, com a abertura da Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo (1933) e pelo curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (1934), da Universidade do Distrito Federal (1935) e o da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro (1939), período este chamado de institucionalização;

  • Terceiro período: meados da década de quarenta até 1968, quando é decretado o AI-5 pelo governo militar, o que abala fortemente a produção sociológica brasileira;

  • Quarto período: inicia-se em 1968 com as produções daqueles que se exilaram e também pela produção dos que aqui ficaram, com ênfase na questão da democracia;

  • Quinto período: em curso desde o final do século XX e início do século XXI, decorrente do processo de redemocratização do país com novos atores sociais em cena, com os movimentos sociais e demandas que surgem no interior da sociedade civil (a questão ambiental e os desafios impostos pela nova urbanidade, entre outros). (SILVA, 2007)

    Em outra pesquisa, desta vez de Pavei (2008), resultante de sua dissertação de mestrado, explicita-se que foi a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96, a responsável, até hoje, pelo retorno da disciplina de Sociologia e Filosofia aos currículos do Ensino Médio (que outrora chamava-se 2º Grau), a partir do Artigo 36, § 1, III, o qual considera o “Domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários para o exercício da cidadania [no ensino médio]”. (PAVEI, 2008, p.50)

    Feitas essas aproximações e explanações em relação ao contexto histórico quanto à origem e ao desenvolvimento da Sociologia nos currículos escolares do Brasil, passamos agora a pensar em algumas possíveis implicações e discussões que se ampliam quanto às opiniões que ora se posicionam meramente a favor, ora contra essa inserção/obrigatoriedade.

    Conforme Moraes (2009), suas reflexões inserem-se numa perspectiva de crítica à forma como a Sociologia (e a Filosofia, por conseguinte) são “colocadas” no âmbito escolar. Para este autor, possibilitar ao aluno uma leitura do mundo social é algo necessário e situa-se para além do tradicional “ler, escrever e contar” dos defensores das hierarquias escolares. A inserção, portanto, de Sociologia e Filosofia nos ambientes escolares não se caracteriza como um “eruditismo e enciclopedismo inúteis” (Op. cit., p.3), e amplia-se para além daquilo que a História e a Geografia já fazem nos currículos escolares, a partir do viés das Ciências Humanas e Sociais.

    Para este mesmo autor,

    De outra parte, temos que a disciplina escolar "Sociologia" consagrou um espaço para as outras ciências sociais, a ciência política e a antropologia que, juntamente com a primeira, trazem uma ampliação do debate em torno dos fenômenos sociais. Não se pode ignorar que tanto a história como a geografia vêm incorporando traços constituintes das ciências sociais. A geografia humana ou a história social são tributárias da Sociologia, da antropologia ou da ciência política. (MORAES, 2009, p.6)

    Defende-se, com isso, para além de uma abordagem interdisciplinar entre as mais diversas ciências humanas, como a história, a geografia, a política, a antropologia, sociologia e filosofia, que seja garantido o componente curricular que trabalhará com a especificidade de cada uma delas, tendo em vista que ficará distante da ação efetiva de cada professor “dar conta” de tantas questões colocadas, por exemplo, como “temas transversais”4 nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

    A partir de pesquisa realizada por Guimarães & Tomazini (2009), que, entre outras questões abordadas, procurou investigar o contexto bibliográfico de autores clássicos e contemporâneos das Ciências Sociais e da Educação bem como aproximar-se de professores e profissionais da área a partir da aplicação de questionários, na cidade de Uberlândia/MG5, constatou que:

    a Sociologia ainda não conseguiu se impor como uma necessidade frente aos demais conteúdos, principalmente porque ela se insere na parte diversificada, cedendo espaço para as disciplinas do currículo básico comum. A carga a ela destinada é insuficiente para cumprir as metas e objetivos propostos. Não possui um quadro de professores especializados, sendo, na maioria das vezes, ministrada por profissionais de outras áreas. (Op. Cit., p.1)

    Percebe-se, com essa experiência investigativa num contexto bastante específico, apesar de manter sua particularidade, o quanto as discussões precisam avançar em se tratando das interpretações e efetivações de legislação educacional, no caso, a que garante a obrigatoriedade das disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio.

    Sobre isso, Sarandy (2001) nos ajuda a aprofundar a discussão afirmando que para compreender “o sentido da Sociologia como disciplina na grade curricular do Ensino Médio deveremos, antes de tudo, compreender os objetivos que por meio dela se pretende atingir.” (p.1). Para este autor, o objetivo ao qual a Sociologia poderia se dedicar no âmbito escolar, em específico no ensino médio, seria o desenvolvimento da perspectiva sociológica:

    Trata-se de uma apropriação, por parte dos educandos, de um modo de pensar distinto sobre a realidade humana, não pela aprendizagem de uma teoria, mas pelo contato com diversas teorias e com a pesquisa sociológica, seus métodos e seus resultados. Nesse sentido, o objetivo do ensino de sociologia como, aliás, deveria ser o de qualquer ciência, é proporcionar a aprendizagem do modo próprio de pensar de uma área do saber aliada à compreensão de sua historicidade e do caráter provisório do conhecimento – expressões da dinâmica e complexidade da vida. (SARANDY, 2001, p.6)

    Em outra pesquisa, de Jenikings (2009) também há a contextualização histórica e configuracional já tratada até aqui sobre a Sociologia, e em especial, há a apresentação de outro quadro de como a Sociologia está sendo tratada no estado de Santa Catarina, tendo em vista que em sua última proposta curricular para todo estado, em 1997, há a especificidade da Sociologia nos currículos escolares. Neste estado, no sul do Brasil,6 a Sociologia está estruturada da seguinte maneira no ensino médio:

    articula-se em torno de dois blocos: o bloco A, que trata do surgimento do pensamento sociológico e de duas das matrizes teóricas clássicas da Sociologia, a partir dos estudos sobre as concepções de Karl Marx e Émile Durkheim; e o bloco B, abordando quatro temas considerados fundamentais para a compreensão da sociedade capitalista: a estrutura da sociedade; a divisão do trabalho na sociedade de classe; classes sociais e Estado; movimentos sociais – formas de organização da sociedade. (JENIKINGS, 2009, p.22)

    Ainda para esta mesma autora, é preciso ter o entendimento de que essa marca deficitária em relação à Sociologia é característica da própria educação básica brasileira, que, no caso específico da Sociologia, sua frágil presença disciplinar no Ensino Médio só agravam o problema. Para Jenikings (2009, p.23):

    A ausência de tradição de trabalho com o ensino de Sociologia nas escolas, o desconhecimento sobre o sentido e a finalidade da disciplina na grade curricular e sua conseqüente desvalorização, tanto pelas direções das escolas e pelo seu coletivo de professores, como pelos alunos, obstaculizam a criação e a consolidação de espaços de reflexão sociológica que promovam mediações significativas entre os estudantes e o conhecimento científico da vida social. Essa ainda frágil presença disciplinar da Sociologia nas escolas catarinenses revela-se também nas debilidades formativas dos seus professores. Apesar da medida que tornou obrigatória sua adoção na grade curricular do Ensino Médio, indutora de processos de melhoria da formação docente, muitos professores da disciplina não têm formação em Ciências Sociais.

    Outro autor, Sousa (2009), também referindo-se ao contexto catarinense, traz algumas contribuições e reflexões sugerindo possibilidades para tratar pedagogicamente a Sociologia e a Filosofia no Ensino Médio, considerando-se que naquele estado, essas duas disciplinas já garantem o status obrigatório neste nível de ensino. A iniciativa pioneira ocorreu com o desenvolvimento, em Santa Catarina, a partir de encontros de professores de Sociologia e Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina com professores da rede estadual de Ensino Médio, em que iniciou-se um projeto do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO – www.cfh.ufsc.br/~lastro) e em seguida contou com a participação do Núcleo de Estudos e Atividades de Filosofia no Ensino Médio (NEAFEM), com apoio do Departamento de Sociologia e Ciência Política, do Departamento de Filosofia, além do Colégio de Aplicação e do Centro de Educação da UFSC.

    Com isso, vemos que apesar das dificuldades impostas, historicamente e estruturalmente, além do pouco incentivo no plano político, e da complexidade que é essa “obrigatoriedade” de disciplinas de cunho crítico nos âmbitos escolares, no caso Sociologia e Filosofia no Ensino Médio, algumas iniciativas começam a ser efetivadas em território brasileiro, as quais, embora esparsas e difusas, vão colocando-se como possibilidades reais e concretas de legitimar esse campo do saber nas escolas. Nas palavras de Sousa (2009), ao finalizar suas reflexões:

    Finalmente, faz-se necessário destacar que o fortalecimento das humanidades como dimensão vital no ensino médio e universitário, se por um lado depende de iniciativas e projetos específicos como o aqui relatado, por outro lado, complementarmente, é imprescindível sua continuidade como política de Estado, para não se resumir ao episódico. Afinal, trata-se de favorecer um outro ciclo histórico de superação do autoritarismo que negou a Filosofia e a Sociologia como saberes humanos a várias gerações. Sem esses saberes criticamente elaborados e transmitidos, certamente a barbárie social e ambiental nos distancia das transformações que se fazem necessárias. Posto assim, a Sociologia e a Filosofia como saberes efetivamente fortalecidos no Ensino Médio, como política de Estado e como projeto de cultura universitária, é uma convergência que se faz como um compromisso urgente. As propostas estão aí e os meios começam a ser encontrados para que os jovens estudantes secundaristas e os universitários tenham uma longa perspectiva de aprendizado e intervenção. (SOUSA, 2009, p.10)

    Em outro contexto brasileiro, neste caso, do Distrito Federal, em pesquisa realizada por Santos (2002), também uma dissertação de mestrado, investigou-se a percepção dos professores da rede pública do Distrito Federal em relação à Sociologia no Ensino Médio, a partir de um estudo com 24 sujeitos, apoiado teoricamente em Giddens, Berger, Moscovici e Doise. De maneira bastante sintética, chegou às seguintes constatações:

    Constatou-se que a visão acerca da Sociologia enquanto instrumento de formação para o exercício da cidadania constitui uma referência comum para os professores. A partir dessa referência, porém, se verificou a existência de posições diferenciadas entre os sujeitos. Aqueles com formação superior em Ciências Sociais acreditam que a Sociologia teria esse caráter formativo, na medida em que propicia a compreensão sistemática das relações sociais. Entretanto, ela não direciona o aluno para nenhum projeto de intervenção na realidade social. Por sua vez, os sujeitos com formação em outras disciplinas acreditam que a Sociologia ajuda na formação do cidadão, na medida em que conscientiza o aluno acerca da necessidade de sua intervenção na realidade visando mudanças no âmbito da comunidade, da família, da vida pessoal e do trabalho. O conhecimento sociológico não seria somente um instrumento de compreensão das relações sociais, seria também, um instrumento prático, de ação tendo em vista a melhoria das referidas relações. (SANTOS, 2002, p.9)

    E os alunos, aqueles que são diretamente envolvidos com essas discussões e que pouco são tratados nas pesquisas, o que pensam a respeito da Sociologia em seus currículos escolares? Rêses (2009), em estudo intitulado “...E com a palavra: os alunos – Estudo das representações sociais dos alunos da rede pública do Distrito Federal sobre a Sociologia no Ensino Médio” traz algumas contribuições a partir da visão dos alunos para pensarmos no tema que estamos aqui apresentando e discutindo.

    Situando o contexto específico do Distrito Federal, em que a Sociologia passou a constar no currículo das três séries do ensino médio, Rêses (2009) procurou saber a percepção dos alunos sobre o papel da Sociologia em sua formação, estudando 79 sujeitos que vivem em realidades sociais diferenciadas, fazendo uso de grupos focais na cidade-satélite de Santa Maria, Asa Norte, tendo como referencial teórico principal a teoria das representações sociais e a perspectiva societal para o referido estudo.

    Os resultados de sua pesquisa revelaram que a Sociologia contribui para a compreensão da sociedade moderna, para a construção do senso crítico e para a formação do exercício da cidadania, elementos que constituem o campo comum das representações sociais desses sujeitos pesquisados. (RÊSES, 2009)

    Feito esse “giro” em torno de como se apresenta a disciplina de Sociologia em algumas partes do território brasileiro e as representações que são feitas a partir disso, sob a ótica de pesquisadores, professores e alunos, cabe-nos, agora, tratarmos de uma aproximação, em vista de uma abordagem multidisciplinar, em torno da Sociologia e da Educação Física no contexto escolar, com o propósito de lançar possibilidades a duas áreas geralmente distantes (do ponto de vista histórico), porém próximas (do ponto de vista sócio-educativo).

Aproximando áreas do conhecimento. Sociologia e Educação Física: uma abordagem multidisciplinar

    Nossa intenção, neste tópico, é tensionar uma aproximação entre Sociologia e Educação Física, buscando possibilidades a partir de uma abordagem multidisciplinar, como já dissemos, considerando-se o contexto de formação e intervenção do próprio autor deste ensaio teórico.

    Qual seria, então, a ligação dessas duas áreas, ou, melhor dizendo, a partir de que elemento poderíamos pensar na ligação dessas duas áreas ao tratar dos conhecimentos no contexto escolar?

    A resposta pode parecer óbvia num primeiro momento, mas aprofundá-la mostra que precisamos complexificar nossas tentativas de aproximação. Mesmo assim, os primeiros passos, pelo que vemos no nosso cotidiano, já podem ser dados. Trata-se de pensarmos “Sociologia” e “Educação Física” no caminho daquilo já consolidado no campo acadêmico, nomeado de “mídia-educação” (FANTIN, 2006) ou “educação para as mídias” (BELLONI, 2001) – que em seguida serão melhor conceituados e caracterizados.

    Conforme Pereira (2007), utilizando-se do referencial dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio (2000), cabe à Sociologia abordar dois eixos fundamentais, que são (1) a relação entre indivíduo e sociedade a partir da influência da ação individual sobre os processos sociais, além do processo inverso; (2) a dinâmica social, processos que envolvem a manutenção da ordem e a mudança social. Ainda conforme Pereira (2007, p.6), isso deve ser orientador a partir de “1. conceitos, 2. temas e com 3. teorias”, ou mesmo com esses itens articulados.

    O “pontapé” para o trato desses conhecimentos, sob o olhar da Sociologia, é o próprio cotidiano, o próprio senso comum, em direção à problematização, aprofundamento e complexificação do pensamento social dos temas cotidianos e reais dos jovens que estão sob a responsabilidade pedagógica dos professores.

    Para Pereira (2007, p.8), o professor pode fazer uso do “método-técnica”, ou seja, dos recursos através dos quais os professores utilizam-se para ministrar/aplicar suas aulas. E essa mesma autora enfatiza o uso dos meios de comunicação de massa, “os jornais, as revistas, a televisão, a internet, a literatura, vídeos,7 teatro, saída de campo, fotografia, textos e muito mais.” (Op. cit.).

    Conforme apontamos anteriormente, a articulação e a aproximação entre Sociologia e Educação Física poderá ser feita a partir de temas cotidianos, em direção àquilo proposto pela mídia-educação.

    Segundo Belloni (2001, p.12) este processo de educação para as mídias se trata “de um novo campo de saber e de intervenção, que vem se desenvolvendo desde os anos de 1970 no mundo inteiro (...) cujos objetivos dizem respeito à formação do usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de informação e comunicação.”

    Fantin (2006) propõe um entendimento da mídia-educação como um campo peculiar em que se integram “teoria e prática de fazer-refletir educação com os meios, através dos meios e sobre os meios” e tendo como enfoque principal o pensamento crítico. O que Fantin busca, baseada no pesquisador italiano Rivoltella,8 é a superação de qualquer dicotomia entre o uso da mídia enquanto Ferramenta Pedagógica e Objeto de estudo, sintetizando ambos no termo Mídia-Educação.

    Esta perspectiva concebe, portanto, explicitamente que a mídia-educação tem o papel fundamental de fomentar a apreciação estética da cultura; a criatividade e a experimentação de possibilidades expressivas diversas com a tecnologia audiovisual, através da produção midiática (fazer mídia); e a reflexão sobre a cultura e ambigüidade das discursividades midiáticas. Vemos com isso similaridade com o proposto por Pereira (2007) pensando no ensino da Sociologia.

    Fantin (2006) não somente fornece uma definição mais completa como também evidencia seu entendimento a respeito do significado da tão falada dimensão crítica da mídia-educação:

    Tal pensamento crítico se traduz em duas dimensões: uma significa a capacidade de metarreflexão (saber do saber, ter consciência da estratégia que utilizou e colocar isto em jogo quando conhece) e a capacidade de questionamento (saber fazer perguntas, pois quando se faz perguntas se compreende a questão); e outra que significa a capacidade de saber fazer análise de textos (analisar, refletir, apreciar, comentar) e a produção (fazer mídias através de aprendizagem colaborativa, de resolução de problemas e de co-invesigação). (FANTIN, 2006, p.100)

    Por tais motivos, Fantin (2006) parece expor uma concepção de mídia-educação mais completa, principalmente por articular o termo ao que ela própria denominou de 4“C”s, ou seja, a mídia-educação como campo de fomento à Cultura, Crítica, Criação/Criatividade e Cidadania.

    Portanto, quando se fala de mídia-educação não se está referindo a uma mera incidência das TIC’s9 na escola, ou mesmo de sua utilização técnica neste âmbito, mas, ao contrário, se trata de um campo definido para a construção de um olhar e de uma expressão crítica e autônoma da cultura midiática – e isso pode ser observado tanto para a Sociologia como para a Educação Física, para seus temas em comum.

    Considerando-se que é tarefa da escola mediar criticamente à cultura da mídia em seu âmbito, seja pelo fato dessa exercer uma forma de pedagogia cultural, ou ainda, pela simples razão de que a cultura dos meios é a linguagem mais próxima das gerações atuais, esta problemática afeta de modo muito específico às diversas áreas e disciplinas que compõem a estrutura escolar. Sendo assim, é perceptível a incidência da cultura da mídia na totalidade do âmbito escolar, incluindo-se aí a Educação Física e a Sociologia.

    Os agentes da instituição escolar podem até não perceber, mas, de fato, cada vez mais alguns dos elementos da Sociologia10 e da Educação Física, especialmente o corpo e os esportes (mas não apenas eles), têm se apresentado marcado pela cultura da mídia, nos corredores, pátios, ginásios e salas de aula. Basta um passeio por qualquer escola e rapidamente se verá crianças e jovens utilizando indumentárias típicas de universo esportivo, como por exemplo, camisetas dos consagrados times de futebol, roupas grandes e largas características dos skatistas ou dos jogadores de basquete de rua, isto sem falar nos tênis com amortecedores exorbitantes, desenvolvidos para superar os mais altos graus de impacto, sofridos especialmente nos campos de batalhas esportivas. E não são apenas as indumentárias, boa parte das discussões que preocupam os estudantes se refere à busca por um corpo “sarado”, às dietas alimentares lançadas pelas revistas, à nova aventura em meio à natureza anunciada na tv, ou mesmo as imitações de hits e danças que se popularizam propagando uma certa vulgaridade nas crianças e jovens, entre outros. Coloca-se a possibilidade de tratar de fenômenos sociais como homogeneização, mercadorização, espetacularização, dinâmicas culturais, violência/civilização, consumo, sociedade, individualização, entre tantos outros que não é nosso propósito, agora, descrevê-los.11

    Assim, imersos na cultura da mídia, a população em geral tem constituído seus saberes a respeito dos conhecimentos tanto da Sociologia como da Educação Física, também de forma desorientada e simplificada, a partir de um tipo de conhecimento dispersivo, compartimentado, sem contexto e incoerente. Tais saberes são levados pelas crianças e jovens para a escola e para as aulas dessas duas áreas do conhecimento – assim como para as demais que compõem os currículos escolares – exigindo destas disciplinas uma nova competência, quer seja, de mediar este processo de construção de conhecimentos acerca dos fenômenos sócio-culturais em relação às especificidades da “sociedade” (no caso da Sociologia) e da “cultura de movimento” (no caso da Educação Física) em diálogo direto com as informações da mídia.

Breves considerações finais

    Ao término dessas reflexões, podemos tecer, agora, algumas breves considerações conclusivas, considerando-se, porém, que aqui propôs-se apenas o início de uma jornada que ainda pretende lançar possibilidades mais efetivas em torno de uma realidade possível que articule Sociologia e Educação Física no âmbito escolar.

    Qualquer exercício que extrapole as “cercas” e “gavetas” das áreas de conhecimento torna-se uma tarefa complexa. Apesar disso, e diante do que vemos e constatamos no ambiente escolar – e obviamente, em âmbito da sociedade – é necessário e urgente aproximações que levem o conhecimento de maneira mais abrangente e eficiente em torno dos educandos. Quando falamos de Sociologia e Educação Física, disciplinas um tanto quanto desconsideradas em suas reais importâncias tanto na escola como na sociedade – a primeira, a Sociologia, porque pode ser confundida com a aula que não se aprende nada, só se discute temas políticos ou em torno da sociedade, além de que os defensores de uma educação mais pragmática em torno da aprovação no vestibular podem alegar que não ensina nada que cai no vestibular; e a segunda, a Educação Física, também por não ter conteúdos úteis que caem no vestibular e vista geralmente como a hora da recreação ou do jogar bola na escola – temos a possibilidade de trilhar um caminho ainda não trilhado, porém possível em se tratando de uma educação que possibilite ampliar os conhecimentos em direção, certamente, a uma aprendizagem mais segura e consciente da realidade social.

    Não queremos, aqui, defender um discurso multidisciplinar vazio, sem propósitos, ou mesmo a título de “modernizar a educação”. Pensamos que o conhecimento escolar deve sempre partir da esfera cotidiana de seus sujeitos, e para isso, o universo midiático coloca-se como um dos maiores produtores (e reprodutores, obviamente) de discursos que atribuem sentidos e significados aos mais diversos campos do saber, gerando, assim, formas de representação social diversas e também modos de se viver que podem (e devem) ser levados à discussão na escola.

    Com a volta da Sociologia ao Ensino Médio aqui no Brasil, talvez seja o momento deste componente curricular voltar-se para si mesmo, ou seja, questionar-se sobre essas “idas e vindas” num momento inicial, mostrando aos jovens sua importância e o porquê da desvalorização deste campo do conhecimento, bem como suas possibilidades de esclarecimento. Soma-se a isso a possibilidade de articular com a Educação Física, por meio da mídia-educação, discussões, estratégias e intervenções realmente voltadas às intenções educativas que proponham, de fato, um esclarecimento e uma construção de uma efetiva cidadania para nossos jovens.

    Lembremos, pois, que tratar do universo educativo não é algo linear, tampouco fácil e simples: educação é processo, Sociologia e Educação Física são partes disso e não podem deixar passar este momento de questionamentos e novas (e criativas) práticas quanto tratamos da (ainda) frágil educação escolar brasileira.

Notas

  1. Conforme o Dicionário Aurélio Eletrônico, multidisciplinar refere-se àquilo que é “referente a, ou que abrange muitas disciplinas” e interdisciplinar é aquilo que “comum a duas ou mais disciplinas ou ramos do conhecimento”. (DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO, 2004)

  2. Como um autor que trouxe ao campo teórico possibilidades para se pensar o universo empírico, formulou alguns conceitos como o de habitus (entendido como um sistema aberto de disposições, ações e percepções que os indivíduos adquirem com o tempo em suas experiências sociais, tanto na dimensão material, corpórea, quanto simbólica, cultural, entre outras); campo (caracteriza a autonomia de certo domínio de concorrência e disputa interna. Serve de instrumento ao método relacional de análise das dominações e práticas específicas de um determinado espaço social, que corresponde, assim, a um campo específico – cultural, econômico, educacional, científico, jornalístico etc. - no qual são determinados a posição social dos agentes e onde se revelam, por exemplo, as figuras de ‘autoridade’, detentoras de maior volume de capital) e capital (cultural, econômico, social e simbólico), entre tantos outros. Tais conceitos – parte de sua teoria sociológica – são algumas de suas contribuições também para o campo da sociologia da educação. É importante considerar e ressaltar que tais conceitos devem ser entendidos de forma interdependente e não isolados. (CULT, 2008)

  3. Independente dos períodos e das classificações, o que marcou o início da Sociologia no Brasil são as origens de seus autores e pesquisadores, ou seja, vinculados a uma determinada classe social e suas idéias dominantes (pesquisadores brancos, de origem européia, oriundos de classes sociais abastadas, preocupados com as questões da identidade nacional etc.).

  4. Para os Parâmetros Curriculares Nacionais, sintetizados pela sigla PCN’s, são seis os temas transversais que cada uma das disciplinas escolares deverão abarcar no seu trato pedagógico: Saúde; Orientação Sexual; Ética; Trabalho e Consumo; Pluralidade cultural; Meio ambiente. (BRASIL, 1998)

  5. A particularidade desta cidade mineira é que os conteúdos relacionados à Sociologia passaram a ser cobrados no vestibular, o que gerou a “necessidade” de ser incluído nas escolas, principalmente as particulares.

  6. Pesquisa de Mota (2005) aborda o contexto e as perspectivas de um grupo de professores do Rio Grande do Sul em relação ao “lugar” da sociologia na formação dos estudantes de ensino médio.

  7. Em texto de Martins (2007) podemos observar um relato de experiência sobre o ensino de Sociologia e o uso de filmes em sala de aula.

  8. Uma entrevista com este pesquisador italiano, falando sobre a Mídia-Educação, pode ser conferida em: http://www.labomidia.ufsc.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=53&Itemid=126&limitstart=6

  9. Tecnologias da Informação e Comunicação.

  10. Em artigo de Liedke (2007) é possível tomarmos conhecimento das possibilidades do ensino de sociologia hoje, a partir dos mais diversos autores que se colocam como ícones do pensamento social. A partir disso, poderíamos pensar nas temáticas mais urgentes que podem ser abordadas com os alunos em nossas aulas.

  11. Em outro momento, esperamos tomar este texto como ponto de partida para aprofundarmos os exemplos aqui apresentados, já que, conforme apontamos, nossa intenção aqui é “aproximar” as possibilidades entre Sociologia e Educação Física.

Referências

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