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O futebol como elemento da cultura de 

massa brasileira nas primeiras Copas do Mundo

El fútbol como elemento de la cultura de masas brasileña en las primeras Copas del Mundo

 

*Doutor em História Social pela USP/SP. Professor titular da Universidade Feevale em Novo Hamburgo (RS),

 onde atua também no corpo permanente do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais

Pesquisador do grupo de pesquisa em Cultura e Memória da Comunidade da mesma Universidade

**Graduado em História pela Universidade Feevale em Novo Hamburgo (RS). Mestrando, com 

bolsa Prosup/CAPES, em Processos e Manifestações Culturais, pela mesma instituição

Cleber Cristiano Prodanov*

prodanov@feevale.br

Vinícius Moser**

moser@feevale.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo analisa o início e o desenvolvimento da atividade futebolística no Brasil, ocorrida no período compreendido entre final do século XIX e início do XX, bem como esse esporte alcançou, rapidamente, o posto de maior paixão esportiva brasileira. Também pretende analisar o trajeto que a seleção brasileira de futebol teve nesse período histórico, especialmente, nas quatro primeiras edições da Copa do Mundo.

          Unitermos: História do Futebol. Copa do Mundo. Cultura de massa.

 

Abstract

          This article analyses the development of the soccer activities in Brazil that occurred at the period between the final of the XIX century and the beginning of the XX, and the way that this started to be the biggest passion of sports in Brazil in a fast way. It pretends to analyses too the path that the Brazilian soccer selection had at this historical period, especially at the first four editions of the world cup.
          Keywords: History of soccer. World Cup. Culture of the masses.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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E a partida começa no Brasil e no Rio Grande do Sul

    No período estabelecido entre o último decênio do século XIX e os primeiros vinte anos do século XX, constituiu-se na introdução e no estabelecimento do futebol no Brasil e no Rio Grande do Sul (JESUS, 2003). O futebol desenvolveu-se, grandemente, tanto nos maiores centros industriais e populacionais do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, quanto na região mais meridional do país.

    Oficialmente, o começo das atividades futebolísticas no Brasil deu-se com a criação dos primeiros clubes por ingleses que residiam em São Paulo e no Rio de Janeiro, a partir dos anos 1880 (PEREIRA, 2000). Nesse contexto, Charles Miller, nascido em São Paulo em 1874, mas de ascendência inglesa por seus pais serem naturais desse país, é considerado o “pai” do futebol no Brasil, quando trouxe da Inglaterra, vinte anos após o seu nascimento, as primeiras bolas e bombas para enchê-las, tornando-se um incentivador da prática futebolística.

    Cabe ressaltar que uma das qualidades que fez com que o futebol se tornasse um esporte de vocação popular foi justamente “[...] a possibilidade de jogá-lo sem que seja necessário gastar muito dinheiro. Nos primeiros anos do esporte no Brasil, porém, todo o equipamento adequado para a prática do jogo tinha de ser importado” (GUTERMAN, 2009, p. 33-34). Outros fatores determinantes para a disseminação dessa modalidade esportiva no país foram, por sua vez, o regulamento simples que orienta esse jogo e a perenidade desse, fazendo com que as pessoas que começavam a jogar futebol se acostumassem, rapidamente com as suas regras, não precisando esperar grandes mudanças.

    Embora com essa dificuldade inicial imposta pelo custo dos equipamentos necessários ao jogo e também por ter sido logo adotado pela elite brasileira como um esporte “fino”, o futebol logo popularizou-se por meio dos operários das companhias férreas inglesas que trabalhavam no Brasil nesse período. Esses trabalhadores não só tinham contato com os representantes da classe dominante brasileira, mas também com gente de origem mais simples, o que, ainda segundo Guterman (2009), auxiliou na disseminação dessa prática esportiva, extremamente popular

    Nesse contexto, na última década do século XIX, as alterações políticas internas, como a abolição da escravidão em 1888, a proclamação da República no Brasil ocorrida um ano depois, bem como a forte presença econômica e simbólica das potências europeias seduziram a classe média em formação, que tende, então, a incorporar formas e estilos de vida e de lazer mais europeizados. De acordo com Jesus (1999, p. 29):

    Foi sem dúvida muito grande a receptividade da população carioca aos esportes na virada do século. Tal atitude se vinculava diretamente não apenas ao fato de estes representarem uma via para a vida saudável, mas sobretudo ao fato de constituírem um elemento civilizador do ideário burguês importado da Europa, numa conjuntura em que ser estrangeiro era ser moderno. [...] A adesão maciça aos esportes respondeu a um conjunto geral de profundas transformações na vida urbana, relacionadas ao advento da modernidade.

    Embora Jesus (1999) se valha da situação ocorrida no Rio de Janeiro nesse período, também no Rio Grande do Sul e em São Paulo o futebol pode ser entendido como um fator “civilizador” das elites locais, já que nesse último estado brasileiro a atuação de Charles Miller para a disseminação do jogo da bola foi significativa. Muitos clubes haviam se formado, também, no Rio Grande do Sul, especialmente nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, cidades que iniciaram o movimento de introdução no sentido litoral-interior, ensejando uma multiplicação de equipes esportivas (JESUS, 2003). No estado, as primeiras bolas de futebol e demais equipamentos para a prática do esporte apareceram na cidade portuária de Rio Grande e em cidades próximas da fronteira com o Uruguai e com a Argentina, através de viajantes oriundos desses países e de comerciantes de origem alemã, sobretudo, que estavam de passagem ou estavam estabelecidos nessas cidades.

    Essa presença decisiva dos teuto-brasileiros na introdução do futebol no estado traduziu-se, por exemplo, na fundação do Sport Club Rio Grande, em 19 de julho de 1900. O movimento acabou estendendo-se no interior do Estado, especialmente nas colônias italianas e alemãs e, em especial, na já próspera economicamente localidade de Novo Hamburgo, o que cabe aqui frisar (PRODANOV; MOSER, 2009). A prosperidade dessas cidades, com acentuada presença teuto-brasileira na sua composição populacional, ocorreu muito em função da chegada da linha férrea a essas localidades, o que ocorreu no último quartel do século XIX.

    Todavia, o primeiro clube de futebol no Rio Grande do Sul tenha sido fundado por comerciantes de origem teuto-brasileira em Rio Grande, que pertenciam a uma elite local, rapidamente, o esporte, que chegou ao Estado como uma prática esportiva ligada às classes mais abastadas, transformou-se em uma prática ligada às massas. O público consumidor ligado aos segmentos populares, cada vez mais adepto ao jogo da bola , não formulava exigências particulares a esse produto cultural que chegava à região sul do Brasil. Assim,

    Mesmo estando geograficamente no extremo sul do Brasil e não sendo o centro político e econômico do país, o Rio Grande do Sul teve certo grau de pioneirismo nessa acelerada e apaixonante expansão do futebol. Houve uma considerável contribuição de uruguaios e ingleses residentes nesse Estado, assim como daqueles que trabalhavam em nossos portos e fronteiras mais meridionais e traziam consigo a prática do chamado esporte bretão. Também foi decisiva a grande massa de imigrantes alemães, italianos e seus descendentes, que habitavam essa região mais ao sul do Brasil, nas bordas da região platina e povoada por imigrantes europeus de várias etnias (PRODANOV; MOSER, 2011, p. 03).

    Nesse contexto de expansão da imigração e de seus descendentes no Estado, também na capital, em 1903, foram fundados, no mesmo dia (15 de setembro), os dois primeiros clubes de futebol de Porto Alegre: o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, Grêmio FBPA, e o Fussball Club Porto Alegre. Assim, a inserção e o desenvolvimento do futebol no contexto sul-rio-grandense, foi marcado pela etnicidade teuto-brasileira, no entanto esse esporte, em nível nacional, tenha sido trazido por ingleses que trabalhavam ou possuíam negócios no Brasil (PRODANOV; MOSER, 2010).

    Assim, nesse panorama de rápido desenvolvimento da atividade futebolística, tanto em nível regional quanto nacional, o futebol, no Brasil, menos de trinta anos após o começo efetivo da organização de seus times e primeiros campeonatos, assume a liderança de preferência como o esporte da massa brasileira (MURRAY, 2000). O outrora “esporte bretão”, restrito às elites e aos clubs chiques, ganhava os campos de todo o país. Com isso, a participação do Brasil nas Copas do Mundo de Futebol – em especial nas quatro primeiras edições, constitui-se como um elemento importante para entender como o futebol passou a ser considerado a maior paixão esportiva brasileira.

As primeiras copas do mundo e o futebol como elemento de cultura de massa

    O Brasil é o único país filiado à FIFA1 que disputou todos os campeonatos mundiais, desde a primeira edição, que ocorreu em 1930, no Uruguai. A seleção brasileira, nesse primeiro campeonato mundial, envergava o uniforme nas cores branca e azul e fez uma campanha não muito animadora. O selecionado nacional marcou uma apagada presença, vencendo apenas uma partida, contra a Iugoslávia, no certame vencido pelo país anfitrião. (GUTERMAN, 2009).

    Um dos principais motivos apontados na época para o insucesso da seleção brasileira em gramados uruguaios foi o fato de que os dois estados mais importantes, econômica e futebolisticamente falando, Rio de Janeiro e São Paulo, possuíam grandes divergências e rivalidade entre si, dificultando a escalação de um time que tivesse jogadores das duas unidades federativas e com maior qualificação nacional (MURRAY, 2000).

    Um exemplo de como essa disputa afetou o desempenho da seleção brasileira no mundial do Uruguai foi demonstrada no momento do embarque dos jogadores brasileiros no navio que os conduziria a Montevidéu para esse torneio. Os jogadores oriundos de São Paulo não compareceram, boicotando, assim, a seleção que disputaria esse certame. Apenas o jogador austríaco naturalizado brasileiro Araken, sem contrato com o time paulista do Santos, apareceu ao embarque, e este jogador foi o único representante de São Paulo no selecionado . Com o desentendimento ocorrido entre as federações carioca e paulista de futebol, o jogador mais expressivo desse momento, Friedenreich, um mulato de olhos claros e cabelos alisados que jogava então pelo São Paulo Futebol Clube, não participou do time que disputou o mundial de 1930 (PEREIRA, 2000).

    Quatro anos após o torneio disputado no Uruguai, foi a vez de a Itália sediar o Mundial de Futebol de 1934. Esse país vivia sob o regime fascista instaurado por Benito Mussolini, o Duce, em 1920. O futebol configurava-se, também na Itália, como uma das maiores expressões esportivas populares nacionais e o chefe supremo da nação, Mussolini, acreditava que esta Copa do Mundo seria um momento importante de propaganda política do regime (GUTERMAN, 2009). Com efeito, o país-sede do mundial ganhou o torneio, com uma campanha exitosa e um vistoso futebol exibido durante todas as partidas do campeonato. É importante ressaltar que, de modo geral, o fascismo, nos anos 1930, recebeu, na América Latina e principalmente no Brasil, atenção especial das elites e de setores médios urbanos, que acreditavam que esse tipo de projeto de poder seria capaz de transformar positivamente o cenário político e social do país em pouco tempo, e o futebol foi utilizado no processo de convencimento das classes populares (SCARZANELLA, 2009)

    No processo de preparação para disputar a Copa do Mundo de 1934, feita através da CBD – Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da atual CBF – já que esta entidade mantinha a esperança de melhorar o sexto lugar obtido no campeonato anterior no Uruguai. Depois, na Copa da Itália, a CBD novamente convocou jogadores paulistas para reforçar a seleção “carioca”, a ser comandada pelo técnico Píndaro de Carvalho.

    O time brasileiro somente se classificou para o mundial de 1934 em virtude da desistência do Peru em disputar a eliminatória, abrindo uma vaga ao selecionado brasileiro sem necessidade de jogar. Classificado, foi à Europa com apenas 17 jogadores. Assim,

    Para cortar custos, a delegação decidiu viajar em cima da hora, sem tempo para treinamento e adaptação. Como resultado da desorganização e da teimosia [já que ainda persistia a disputa entre as federações paulista e carioca de futebol, como mencionado acima], a participação brasileira na Copa de 1934 foi a mais rápida de sua história: durou apenas 90 minutos, tempo suficiente para ser eliminada pela fortíssima seleção espanhola por 3 a 1 (GUTERMAN, 2009, p. 66).

    Esse verdadeiro vexame que a seleção brasileira passou nos gramados da Itália, a sua eliminação do certame mundial em apenas uma hora e meia, pode ser mensurado na crônica esportiva da época, que registra que o time brasileiro “se arrastava” em campo. Entretanto, a fragorosa derrota do time brasileiro na Itália fez com que, irreversivelmente, o amadorismo fosse abandonado como forma de reunir atletas em clubes e no selecionado nacional. A afirmação do profissionalismo no futebol brasileiro foi decisiva para que, no mundial seguinte, a atuação brasileira tivesse um destaque expressivo e digno da crescente paixão brasileira por esse esporte.

    O Mundial de 1938, que ocorreu na França, marcou o momento em que as federações paulista e carioca entraram em acordo quanto à cedência de jogadores ao selecionado nacional, e o Brasil, finalmente, teve um time competitivo para disputar essa Copa do Mundo (MURRAY, 2000). A seleção brasileira, melhor organizada, contava com dois times, um leve e outro pesado. O time leve foi composto para enfrentar adversários mais fracos; o pesado foi montado para as partidas mais importantes. Como resultado do bom entendimento que houve entre os dirigentes esportivos, bons jogadores foram escalados e a pode-se contar com presença de um dos melhores zagueiros do mundo de então, Domingos da Guia. O Brasil, finalmente, reunia condições de disputar o título e, de certo modo, responder aos anseios da população brasileira, que, cada vez mais, se apaixonava pelo futebol (PEREIRA, 2000). Assim, a seleção conquistou a terceira colocação neste campeonato, sendo a primeira colocação obtida, assim como na Copa do Mundo anterior, pela seleção italiana.

    Um elemento que também foi relevante para essa acentuada disseminação e massificação do futebol, a partir desse campeonato mundial, foi a realização das primeiras transmissões radiofônicas das partidas disputadas pela seleção brasileira (GUTERMAN, 2009). Essas transmissões eram irradiadas para boa parte do território brasileiro, o que reforçava justamente a ideia de integração nacional, proposta pelo ideário varguista do Estado Novo (1937-1945), segundo a posição de Drumond (IN PRIORE; MELO, 2009). O rádio fez o futebol e a seleção brasileira entrarem definitivamente na mídia de massas e na população brasileiras.

    Nesse contexto de grande popularização que ocorreu com esse esporte no Brasil, o futebol possui uma relação bastante aproximada com as premissas teóricas da cultura de massa, ou mass media, elencadas por Umberto Eco (2004). Nesse sentido, Eco divide a Cultura de Massa em três níveis distintos – alto, médio e baixo – partindo da classificação elaborada pelo teórico de comunicação norte-americano Dwigth MacDonald no final da década de 1930.

    Dentro dessa perspectiva, no Brasil, o futebol dialoga com essas delimitações propostas por Eco, pois a comunicação de massa retro-alimenta e sustenta o futebol como elemento dos meios de comunicação de massa, em detrimento de outras práticas esportivas ou culturais. Desse modo, o futebol no Brasil é legitimado pela mídia de massa em seus diferentes níveis, ainda segundo o pensamento de Eco (2004), e o país apoia e aprova o futebol como seu principal elemento de cultura de massa, elemento esse cuja construção remonta ao início do século XX.

    Dessa forma, o futebol foi conquistando cada vez mais espaço na preferência esportiva do brasileiro, suplantando outros esportes como atividade ligada às massas. O futebol, durante o primeiro governo de Vargas, foi alçado à condição de um elemento de integração e disciplina das massas, ligando-se, dessa forma, a um projeto nacional de criação de uma identidade brasileira. Nesse momento histórico, o futebol já tinha deixado de estar circunscrito às elites, locais ou nacionais, para ser praticado por pessoas de todas as classes sociais. Com isso, o futebol

    [...] correspondia a um movimento cultural e político mais amplo, envolvendo tanto os interesses de disciplina social do Estado, a dinâmica específica do futebol, quanto um clima cultural, que perpassava toda a sociedade, de produção de uma identidade nacional forte. Com relação à situação específica do futebol, a profissionalização correspondia à tensão que existia entre a tradição elitista e amadora dos primórdios da prática esportiva e a necessidade de regulamentar nos clubes - numa conjuntura de popularização do futebol - a crescente participação de jogadores remunerados, de sua maioria de origem pobre e negra (RIBEIRO, 2003, p. 02).

    Nos anos 1930, a atividade futebolística e a sua consequente profissionalização tornaram-se os principais vetores da construção da identidade nacional brasileira, criando, segundo autores como Gilberto Freyre (apud RIBEIRO, 2003), um estilo próprio de jogar, que caracterizava e valorizava o jogador brasileiro nos gramados, tornando-o único em relação ao futebol praticado na Europa, por exemplo.

    Com a eclosão da II Guerra Mundial, entre 1939 a 1945, não ocorreu a edição da Copa do Mundo no ano de 1942. Em 1946, também não houve a edição do campeonato mundial, em decorrência do processo de reconstrução da Europa estava passando, que era o principal polo futebolístico da época, devido à destruição que ocorrera no velho mundo com o conflito mundial (GUTERMAN, 2009).

    O mundial de 1950, por sua vez, foi sediado pelo Brasil e, no país, havia a expectativa de que a seleção brasileira venceria o campeonato, já que era tida como a grande favorita da competição, em virtude do bom resultado obtido no último mundial ocorrido em 1938.

    A impressionante campanha que o Brasil fez nesse campeonato aumentou ainda mais quando a seleção brasileira chegou à partida final, contra o Uruguai, na então capital federal, Rio de Janeiro, no estádio do Maracanã. O estádio era considerado o maior do mundo, possuindo na época capacidade para acolher duzentos mil torcedores; tratava-se, sem dúvida, de um símbolo para o futebol nacional e simbolizava a confiança que os torcedores brasileiros depositavam em sua seleção (MURRAY, 2000).

    Contudo, a “Celeste Olímpica”, apelido dado pela crônica esportiva à equipe uruguaia, venceu a partida com escore de 2 a 1, para perplexidade nacional, tanto que, no final da partida, multidões choravam pela derrota pelas ruas do Rio de Janeiro. O verdadeiro choque causado pela derrota brasileira nessa copa do mundo, chamado pela imprensa esportiva uruguaia de então de Maracanazo, pode ser explicado pelo generalizado sentimento de já ganhou que a população e que os próprios jogadores brasileiros estavam sentindo nas vésperas da final do mundial (GUTERMAN, 2009).

    Dentro desse contexto, o Rio Grande do Sul, desde a primeira Copa do Mundo, teve participação nas seleções nacionais, seja com jogadores atuando como titulares ou como reservas, salvo no campeonato mundial de 1938, quando não houve nenhum jogador sul-rio-grandense convocado para o selecionado nacional (MURRAY, 2000). No primeiro certame mundial, ocorrido em 1930, o futebol gaúcho foi representado por Moderato Wisentainer, atacante nascido em Alegrete, que atuava pelo Flamengo quando convocado para jogar no mundial. Esse jogador chegou a fazer dois gols no mundial em partida contra a Bolívia (ZERO HORA, 2002). Na edição seguinte da copa do mundo, em 1934, Luiz Luz, que então atuava como zagueiro pelo Grêmio FBPA, foi convocado para o selecionado nacional, tornando-se o primeiro gaúcho a jogar em um clube do estado a participar da seleção brasileira.

    Outra relevante contribuição dada por gaúchos à seleção brasileira foi a criação do uniforme nas cores verde e amarela, que ficou popularmente conhecida como o uniforme “canarinho” e que se tornou a marca registrada do selecionado. Como que em uma tentativa de apagar o péssimo resultado obtido no mundial de 1950.

    A Confederação Brasileira de Desportos – CBD – promoveu, em 1953, um concurso em nível nacional para definir o novo fardamento da seleção, em substituição ao uniforme azul e branco até então utilizado (MURRAY, 2000). A comissão organizadora definiu como condição que o uniforme tivesse as cores verde, amarela, azul e branca, representando as cores da bandeira brasileira. O vencedor desse concurso, dentre os mais de 300 concorrentes, foi o desenhista, jornalista e escritor Aldyr Schlee, gaúcho de Jaguarão. O desenhista foi convidado para ir ao Rio de Janeiro acompanhar o lançamento do novo uniforme, que teve como modelo o jogador do Fluminense Carlyle. A estreia da camisa canarinho em um jogo oficial deu-se em partida, contra o Chile, pelas eliminatórias da Copa de 1954 (ZERO HORA, 2002).

Considerações finais

    O futebol constituiu-se, já na primeiras três décadas do século XX, como uma paixão lúdica fascinante para os jogadores e espectadores; tratava-se de um esporte com regras claras, simples e que necessitava de pouco equipamento para ser praticado e podia ser assistido por contingentes relativamente grandes de pessoas. O surgimento dessa prática esportiva no Brasil, por sua vez, se deu no último decênio do século XIX e evoluiu rapidamente ao longo do século XX, transcendendo da concepção de esporte da elite, inicialmente, atingindo o status de futebol negócio e espetáculo globalizado na atualidade. Ao longo de sua implantação e consolidação em terras brasileiras, o esporte afirmou-se como um dos mais importantes elementos da formação da identidade brasileira.

    Com distintas fases, o seu papel alterou-se ao longo do tempo na sociedade brasileira. Iniciou como elemento de uma pequena elite, tornou-se paixão popular integradora, profissão, caminho de afirmação nacional e também um negócio milionário e global dentro do qual o Brasil possui um importante papel. Nesse sentido, nas primeiras décadas do século XX, o futebol desenvolveu-se, grandemente, também no Rio Grande do Sul, o que, em linhas gerais, ocorreu de forma semelhante em outros estados brasileiros.

    Nesse período efervescente para o esporte, vários clubes se formaram no estado, especialmente em Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, cidades que iniciaram o movimento de introdução no sentido litoral-interior, ensejando uma multiplicação de equipes de futebol nesse estado brasileiro.

    Nesse contexto, a participação brasileira nas quatro primeiras edições da Copa do Mundo, em 1930, 1934, 1938 e 1950, assume uma posição interessante para compreender de que forma o futebol consolidou-se como a grande paixão esportiva nacional. Durante a década de 1930, o país já era guindado à condição de “país do futebol”, pelo fato de ter obtido o terceiro lugar no campeonato mundial de 1938. Essa colocação foi fruto de um esforço articulado entre um projeto de Estado e o crescente desenvolvimento dos meios de comunicação de massa existentes à época – o rádio, especialmente – bem como da já grande paixão popular que já existia pelo jogo da pelota no Brasil.

    Tanto no âmbito nacional quanto no do Rio Grande do Sul, a Copa do Mundo teve uma grande e decisiva influência para a consolidação e a expansão da atividade futebolística no Brasil. Já no primeiro campeonato mundial, disputado em 1930, havia a presença de um jogador sul-rio-grandense no selecionado nacional, que, inclusive, marcou gols na primeira participação brasileira em campeonatos mundiais. Nesse sentido, outra contribuição relevante que o estado deu para a seleção brasileira foi no sentido de que foi um gaúcho Aldyr Schlee o criador do uniforme da seleção brasileira nas cores verde e amarela, no ano de 1953. A chamada camiseta “canarinho” forjou uma marca registrada do futebol brasileiro no exterior e acabou se tornando praticamente um sinônimo do futebol do Brasil em termos globais.

    Pode-se dizer que a paixão brasileira pelo futebol foi reforçada pela participação do país nas copas do mundo, bem como o futebol pode ser entendido como um dos primeiros elementos de formação de uma identidade nacional brasileira mais coesa e definida. O futebol, antes restrito a uma pequena elite e que, seja no contexto nacional ou do Rio Grande do Sul, já nos anos 1930, popularizou-se rapidamente entre as diferentes classes sociais brasileiras, tornando-se um elemento importante para a criação, em termos mais gerais, de um “jeito brasileiro de ser”.

    Finalmente, as copas do mundo também podem ser compreendidas como um vetor importante de análise e de reflexão acerca da própria dinâmica histórica e social brasileira desde o início do século XX até a contemporaneidade. A partir do desastre de 1950 no Maracanã contra o Uruguai, moldou-se um patriotismo futebolístico que faz o Brasil ser hoje um país com quase 200 milhões de técnicos e apaixonados pela seleção.

Nota

  1. Sigla em francês para Fédération Internationale de Football Association. Essa entidade foi fundada na Suíça, em 1904, por Jules Rimet, sendo que o primeiro troféu ofertado aos vencedores da Copa do Mundo, até o ano de 1970, levava o nome do fundador da Federação (GUTERMAN, 2009).

Referências

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  • DRUMOND, Maurício. O esporte como política de estado: Vargas. In: PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (Orgs.). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora da UNESP, 2009.

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  • MURRAY, Bill. Uma história do futebol. São Paulo: Hedra, 2000.

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  • ______; MOSER, Vinícius. Marcas de uma história, marcas do futebol: o Foot-Ball Club Esperança. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 14, n.152, jan. 2011. http://www.efdeportes.com/efd152/marcas-de-uma-historia-o-football-club-esperanca.htm

  • RIBEIRO, Luiz Carlos. Brasil: futebol e identidade nacional. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 8, n. 56, ago. 2003. http://www.efdeportes.com/efd56/futebol.htm

  • SCARZANELLA, Eugenia. Fascistas en América del Sur. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2009.

  • ZERO HORA. Brasil nas copas: em destaque, a participação dos gaúchos. Porto Alegre: ZH Publicações, 2002.

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