Repensando os temas atividade física e qualidade de vida na escola Repensando los temas actividad física y calidad de vida en la escuela |
|||
*Doutor em Biologia Funcional e Molecular, Instituto de Biologia Departamento de Bioquímica, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP **Licenciada em Educação Física, pelas Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas, METROCAMP ***Licenciada em Educação Física, pelas Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas, METROCAMP |
Joaquim Maria Ferreira Antunes Neto* Flávia Urbano Alberti Olmos** Vanessa Oliveira Sinigaglia*** (Brasil) |
|
|
Resumo Em passado até recente, a utilização de ferramentas e métodos para avaliação de parâmetros motores e habilidades físicas era feita com o propósito de posicionar o aluno numa escala de rendimento. Os melhores avaliados eram indicados para grupos de treinamento de equipes esportivas, caso a Escola os possuíssem. Autores que se dedicaram ao estudo das avaliações cineantropométricas, nos meados de 1980, iniciaram um movimento que, de certa forma, reduziram os valores das avaliações motoras nas Escolas e trouxeram um ranço de “conteúdo reducionista” para os mesmos. Hoje, com o avanço de doenças relacionadas à síndrome metabólica e sedentarismo e a importância da temática qualidade de vida, o papel do profissional de Educação Física passa a ter extrema relevância no interior do Ensino Formal, pois ele pode ser o elo entre o conhecimento e as formas de tradução destes para pais, professores e alunos. Unitermos: Educação Física Escolar. Cineantropometria. Síndrome metabólica. Sedentarismo. Qualidade de vida.
Abstract In the past until recently, the use of tools and methods for evaluation of motor parameters and physical skills was made for the purpose of placing students on a scale of performance. The best students evaluated were recommended for training groups of sports teams. Authors, who have studied the evaluations kinanthropometric in mid-1980, began a movement that, to some extent, reduced the values of the motor assessments in schools and brought a stale "reductionist content" for them. Today, with the increase of diseases related to metabolic syndrome and physical inactivity and the importance of quality of life issue, the role of the professional in physical education is extremely important to have within the formal education; it can be the link between knowledge and translation of these forms for parents, teachers and students. Keywords: Physical education. Kinanthropometry. Metabolic syndrome. Sedentary lifestyle. Quality of life.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
A associação entre a prática de atividades físicas e a melhoria nas condições de saúde vem sendo relatada extensamente na literatura ao longo dos anos e aumentando na década atual, especialmente nos estudos relatados por Matsudo e colaboradores (2002; 1998) e Biassio e colaboradores (2004). Os resultados mostram evidências de que problemas epidemiológicos agravam-se em situações onde a prática de atividades físicas não é rotineira. Atualmente, as questões relacionadas à saúde e atividade física estão preocupando a sociedade. Tais preocupações, que antigamente eram apenas com adultos e idosos, já estão se transferindo para as crianças e especialmente aos adolescentes.
A má alimentação e a falta de atividades físicas agravam alguns problemas de saúde, afetando a qualidade de vida das crianças. Ferraz (OMS, s/d, p. 37) define qualidade de vida como a “percepção individual de um completo bem estar físico, mental e social”. Cada vez mais, podemos perceber que crianças e adolescentes na idade escolar passaram a ter em seus hábitos alimentares, com grande freqüência, o consumo de “fast foods” e a aderência a jogos virtuais por computadores. Muitas escolas preferem enfocar a importância do conhecimento em informática, desde escolas maternais e de pré-ensino fundamental, a desenvolver, como antes, a prática da Educação Física em seus currículos. Outro ponto que vem colaborar com a diminuição na aderência à prática de atividades físicas, sobretudo nos grandes centros urbanos, é a violência, deixando que as brincadeiras infantis fiquem restritas ao domínio do apartamento. Considerando os pontos enfocados acima, cada vez mais fica difícil nossas crianças terem acesso a uma justa qualidade de vida Montti (1997).
A atividade física é importante em qualquer idade e especialmente na idade escolar, porque através dela pode-se melhorar o nível de aptidão física, que nada mais é do que o conjunto de atributos que se relacionam com a capacidade que um indivíduo tem de realizar atividades físicas. Este nível está relacionado diretamente à condição de saúde que as pessoas apresentam; o sedentarismo pode ser considerado tão prejudicial à saúde quanto qualquer outra doença, como o diabetes, a hipertensão e outras patologias classificadas à síndrome metabólica (Ciolac, Guimarães, 2004), estando as pessoas inativas e sedentárias mais predispostas a estes mesmos distúrbios e mais expostas a doenças relacionadas ao estilo de vida. Os adolescentes têm apresentado alto índice de sedentarismo, especialmente pelo uso constante do computador, tanto na Escola quanto em casa.
Quando falamos da relação entre atividade física e qualidade de vida é importante compreender que esta relação pode ser positiva ou negativa, dependendo do sentido que o individuo dá a sua vida; porém há uma grande relação em que atividade física causa saúde e, conseqüentemente, qualidade de vida (Malina, Bouchard, 2002; Nahas, 2001). Estudos epidemiológicos e documentos institucionais propõem que a prática regular de atividade física está associada à menor mortalidade e melhor qualidade de vida em população adulta. São infinitos os benefícios que a atividade física pode trazer para as pessoas, podendo atuar diretamente no campo da saúde física onde se pode ter: redução de peso e porcentagem de gordura; diminuição da pressão arterial em repouso; melhora do diabetes; redução do colesterol total; melhora da relação LDL-C/HDL-C; melhora da capacidade aeróbia e anaeróbia (McArdle et al., 2003).
Considerando que os malefícios do sedentarismo superam em muitos as eventuais complicações em decorrência da prática de exercícios físicos, acreditamos que a Escola deve assumir frente nas discussões dos assuntos pertinentes a qualidade de vida, riscos epidemiológicos futuros (e até mesmo os já instalados) e importância das atividades físicas como instrumento valioso de permitir uma expectativa de vida saudável. O objetivo geral deste trabalho foi analisar os hábitos de vida de alunos inseridos no segundo ciclo do Ensino Fundamental de uma Escola particular e verificar as influências na qualidade de vida, índice de atividade física e aptidão física.
Materiais e métodos
Abordagem e tipo da pesquisa. Para fornecer fundamentação teórica, realizamos uma pesquisa do tipo bibliográfica, pois esta nos deu oportunidade de adquirir amplas informações qualitativas relativas à qualidade de vida e atividade física e fundamentação para o experimento prático com adolescentes (Marconi e Lakatos, 1986). Após o contato com a literatura específica do estudo de nossa temática, desenvolveremos uma pesquisa de campo, de característica quantitativa, porém os dados levantados serão tratados numa perspectiva qualitativa, nos quais buscaremos extrair o maior número de informações sobre os aspectos que influenciam a aquisição de uma boa aptidão física.
Sujeitos.
Análises antropométricas
Análise da flexibilidade.
Análise da resistência de força dos músculos abdominais.
Levantamento de informações sobre condições de saúde e prática de atividades físicas.
Análises estatísticas.
Resultados
Figura 1. Análise percentual relativa dos níveis de gordura de meninas e meninos, estudantes do
segundo ciclo do ensino fundamental, estabelecidos por Slaughter e colaboradores (1988)
Figura 2. Análise média dos grupos “meninas” e “meninos”, estudantes do segundo ciclo do ensino
fundamental, considerando valores de percentual de gordura. Não houve significância estatística (P>0.05)
Os gráficos da Figura 1 mostram que houve grande variabilidade nas análises de percentual de gordura, revelando-nos uma maior concentração de resultados acima do estabelecido como uma faixa ótima, de acordo com os critérios de Slaughter e colaboradores (1988). Quando realizamos a análise do grupo (Figura 2), não obtivemos significância estatística (P>0.05), pois há de se levar em consideração critérios como diferenças maturacionais e fatores de ordem exógena (alimentação, níveis de sedentarismo, condições de mobilidade, aspectos sócio-econômicos) e de ordem endógena (fatores hereditários genéticos, predisposições patológicas, etc.).
Figura 3. Análise da média dos grupos “meninas” e “meninos”, estudantes do segundo ciclo do ensino fundamental,
considerando valores de flexibilidade de acordo com o protocolo do banco de Wells (cm). Onde: * = (P<0.05)
Como era de se esperar, os valores de flexibilidade apresentaram grande variabilidade, sendo que os resultados mais altos foram obtidos por alunos que estão inseridos em atividades físicas regulares. Quando analisamos os valores médios, tanto para meninos quanto para meninas, obtivemos uma significância estatística positiva no grupo das meninas (P<0.05). Questões de flexibilidade podem ter um caráter genético, considerando níveis hormonais, sobretudo em relação às meninas. Para facilitar esta consideração, marcamos uma linha tracejada na marca dos 20 cm, tanto para meninos quanto para meninas – valor considerado ideal para a idade estudada, e notamos que as meninas, em sua maior quantidade, superam essa marca (n = 18), enquanto que os meninos estão muito abaixo deste valor (n = 2).
Figura 4. Análise da média dos grupos “meninas” e “meninos”, estudantes do segundo ciclo do ensino
fundamental, considerando valores de resistência de força abdominal. Não houve significância estatística (P>0.05)
Para este parâmetro estudado, também houve grande variabilidade dos resultados, mostrando que, na média, tanto meninos quanto meninas, encontram-se em condições similares. O índice de 30 cm é um valor considerado aceitável para a idade estudada. Não obtivemos resultados significativos quando comparamos os grupos.
Análise do Questionário sobre Estilo de Vida
Questão 1a. Você tem o hábito de assistir televisão? (meninos): todos os dias (85%); 1-2 dias por semana (3,7%); 3-5 dias por semana (11%).
Questão 1b.
Questão 2a.
Questão 2b. Você tem o hábito de utilizar o computador para realizar seus trabalhos escolares? (meninas):
Questão 3a. Você tem o hábito de utilizar jogos eletrônicos? (meninos):
Questão 3b. Você tem o hábito de utilizar jogos eletrônicos? (meninas):
Questão 4a. Você utiliza a Internet para entretenimento? (meninos):
Questão 4b. Você utiliza a Internet para entretenimento? (meninas):
Questão 4a. Você pratica alguma atividade físico-esportiva fora do espaço das aulas de Educação Física? (meninos):
Questão 4b. Você pratica alguma atividade físico/esportiva fora do espaço das aulas de Educação Física?
Questão 5a. Você realiza algum tipo de curso fora do espaço da Escola? (meninos):
Questão 5b. Você realiza algum tipo de curso fora do espaço da Escola? (meninas):
Questão 6a. Você saberia responder se sofre de alguma patologia? (meninos):
Questão 6b. Você saberia responder se sofre de alguma patologia? (meninas):
Questão 7a. Você saberia responder se seus familiares sofrem de alguma doença que mereça cuidados especiais? (meninos):
Questão 7b. Você saberia responder se seus familiares sofrem de alguma doença que mereça cuidados especiais? (meninas):
Discussão
A prática habitual de atividades físicas surge como componente essencial para o estabelecimento de situação ideal de saúde. Estudo realizado pelo US Department of Health and Human Services (1996) observou claras indicações no sentido de que menores níveis de prática de atividade física estão diretamente associados à elevada incidência de cardiopatias, diabetes, hipertensão, obesidade, osteoporose e alguns tipos de câncer. Da mesma forma, numa perspectiva mundial, uma meta-análise envolvendo mais de 40 estudos sugere que as doenças cardiovasculares são 1,9 vez mais provavelmente desenvolvidas em sujeitos menos ativos que nos mais ativos fisicamente (Berlin, Colditz, 1990). Entre portadores de fatores de risco predispostos às disfunções crônico-degenerativas, a proporção de sujeitos classificados habitualmente como sedentários é significativamente maior que a de sujeitos ativos fisicamente (Centers for Disease Control and Prevention, 1991).
Embora menor número de adolescentes possa vir a apresentar disfunções crônico-degenerativas, estudos recentes apontam comprometimentos em indicadores de pressão arterial, lipídio-lipoproteínas plasmáticas e gordura corporal nessa idade, em conseqüência de menores níveis de prática de atividade física (Centers for Disease Control and Prevention, 1993), e que, na seqüência, induzem importantes limitações metabólicas e funcionais na idade adulta (Twisk, Kemper et al., 2000). No campo psicoemocional, níveis mais elevados de prática habitual de atividade física estão associados à conservação da autoestima e do autoconceito e melhoria do relacionamento interpessoal que pode ser projetado para a idade adulta (Park, 2003).
Por outro lado, mesmo admitindo que a potencial contribuição da prática habitual de atividade física em relação à proteção e à melhoria do estado de saúde é extremamente mais difícil de identificar durante a adolescência, existem fortes suspeitas de que comportamentos indesejáveis que podem afetar melhor estado de saúde na idade adulta, como é o caso da prática inadequada de atividade física, podem ser estabelecidos e incorporados em idades jovens (Forier et al., 2001). Dessa forma, parece ser possível admitir que possam existir evidências suficientemente convincentes de que a prática habitual de atividade física deva ser incentivada na adolescência, não apenas por conta da busca de melhor estado de saúde no presente, mas também na tentativa de preparar os jovens para a prática regular de atividade física na idade adulta. Conseqüência a longo prazo da prática habitual de atividade física na adolescência potencializa sua importância no campo da saúde pública (Antunes Neto, Barbosa, 2011; Guedes et al., 2005).
Em vista disso, a monitoração dos níveis de prática habitual de atividade física em segmentos da população jovem tem-se tornado importante tema de interesse e preocupação constante entre especialistas da área. Nesse particular, apesar da disponibilidade de vários métodos voltados ao acompanhamento de indicadores associados à prática de atividade física, como, por exemplo, observação direta, sensores de movimentos, freqüência cardíaca e registro de auto-recordação (Montoye et al., 1996) nem todos são apropriados para ser empregados em análises envolvendo grande número de sujeitos. Nesses casos, os questionários auto-administrados acerca das atividades desempenhadas no cotidiano têm-se definido como uma opção freqüentemente recomendada para esses tipos de análise (Guedes et al., 2005).
No entanto, as informações relacionadas à prática habitual de atividade física encontradas mediante a aplicação de questionários podem diferir por conta da natureza e das especificações das questões apresentadas, o que deverá variar de acordo com o sexo, a idade, o desenvolvimento cognitivo e o contexto sociocultural em que os sujeitos estão inseridos (Melanson, Freedson, 1996), e o procedimento de tratamento dos dados direcionados ao cálculo do dispêndio energético ou do índice de atividade física. Portanto, previamente à aplicação de um questionário torna-se importante analisar indicadores quanto à sua validade e reprodutibilidade especificamente na população na qual deverá ser utilizado.
Com relação às opções de questionários disponíveis para avaliação dos níveis de prática habitual de atividade física, em função das evidências quanto ao atendimento dos critérios de padronização e de praticidade, mais recentemente o Questionário Internacional de Atividade Física (WHO, 1995) tem recebido atenção especial. No entanto, embora alguns estudos tenham procurado apresentar indicações relacionadas à validade e à reprodutibilidade desse questionário na população brasileira de adultos (Barros, Nahas, 2000; Pardini et al., 2001), até o momento não foram localizados estudos com essas características envolvendo segmentos da população jovem. A nossa proposta foi desenvolver um questionário específico que pudesse nos trazer informações diretas da realidade dos hábitos de atividade física e estilo de vida de alunos do Segundo Ciclo do Ensino Fundamental da Escola em estudo. Como sabemos, para uma pesquisa científica a validação do questionário a ser aplicado é peça de fundamental importância na adequação metodológica, mas muitas vezes os questionários disponíveis trazem questões que não são de total aplicabilidade ou da realidade dos sujeitos, sobretudo no Brasil. Assim, elaboramos um simples questionário que nos pudesse trazer informações pontuais. O objetivo do nosso grupo é poder, através de um estudo longitudinal junto a essa Escola, aprimorar o questionário desenvolvido e poder, num futuro próximo, discutir seus pontos de validação. O que nos ficou evidente é que as questões por nós elaboradas puderam responder nossas indagações e colaborar para conhecer os hábitos de atividade física e estilo de vida dos alunos.
A análise do percentual de gordura dos alunos (Figuras 1 e 2), tanto meninos quanto meninas, trouxeram-nos um ponto de extrema preocupação: pelo método por nós utilizado, apenas 35% das meninas encontram-se em um índice considerado ótimo para este parâmetro, sendo que 65% estão acima de uma faixa desejável; quanto aos meninos, a condição também não se altera, pois apenas 29% residem na faixa ótima. O excesso de peso corporal durante o início da primeira infância, de acordo com Malina e Bouchard (2002), não se correlaciona bem com a obesidade em períodos posteriores da vida. No entanto, os autores ressaltam que as verificações melhoram quando o peso corporal e a gordura durante a adolescência estão relacionados ao estado adulto. Por exemplo, os dados de uma variedade de estudos (Malina, Bouchard, 2002) sugerem que o risco relativo de uma criança obesa tornar-se um adulto obeso é cerca de 2.0, enquanto o risco relativo de um adolescente obeso tornar-se um adulto obeso pode chegar a 5.0 ou 6.0. Ainda ressaltam que, embora a maioria das crianças e adolescentes acima do peso ou obesos desenvolva um peso corporal menor durante o crescimento, aparentemente existe um subgrupo de crianças e adolescentes obesos que correm alto risco de tornarem-se adultos obesos. Identificar esse subgrupo é uma questão importante para a prevenção primária. Neste aspecto, acreditamos que o simples fato de termos ido a Escola e levantado tais resultados, ajudam-nos a discutir e levantar uma problemática a ser pensada no âmbito da direção escolar, dos professores de Educação Física e, sobretudo, da família.
Nesta perspectiva, torna-se claramente adequado encorajar as prevenções primárias e secundárias da obesidade e do acúmulo excessivo de gordura abdominal durante o crescimento (Malina, Bouchard, 2002). Porém, como profissionais de Educação Física Escolar, sabemos que a prevenção ou tratamento da obesidade não é uma tarefa fácil. O professor deve usar uma prescrição adequada de exercícios que enfatize sua duração e dispêndio total de energia. No espaço da aula de Educação Física, sabemos bem que a questão da individualização é uma missão “quase impossível” por vários fatores. Além disso, o professor, muitas vezes, sobretudo nas Escolas Particulares, deve seguir um projeto pedagógico diferenciado, e o tempo de se trabalhar os conceitos que abordam saúde, qualidade de vida e atividade física não é o suficiente ou, simplesmente, não existe.
Acreditamos que o apoio dos membros da família, assim como de colegas que possam estar próximos ou também portadores de problemas semelhantes, facilita os processos de prevenção. Ficou extremamente evidente a relação entre os hábitos de estilo de vida – que muitas vezes reproduzem o comportamento da família como um todo – e os altos percentuais de gordura obtidos. As questões apresentadas trazem informações importantes: quanto a assistir televisão todos os dias (85% meninos e 68% meninas), utilização de computadores para trabalhos escolares (96% meninos e 100% meninas), utilização de games eletrônicos todos os dias (70% meninos), utilização da Internet para diversão (81% meninos e 87% meninas) e aderência de atividade física fora do Espaço Escolar (58% das meninas não realizam qualquer tipo de atividade física sem ser nas aulas de Educação Física – este hábito de sedentarismo “compensa” o fato dos meninos utilizarem mais games eletrônicos do que as meninas). O que queremos salientar é que o comportamento permissivo para que os adolescentes estudados tornem-se adultos com sobrepeso surge no interior das suas próprias casas. Fica muito difícil o professor de Educação Física Escolar buscar formas de intervenção se não houver um apoio familiar. Quanto ao apoio dos colegas, a questão torna-se ainda mais complicada, pois há a tendência dos mesmos colegas da Escola serem aqueles mais próximos dos adolescentes, até por uma lógica de tempo. Assim, a conscientização precisa ter uma dimensão pluralista e acreditamos que o professor de Educação Física possa vir a ser um grande agente de facilitação deste processo.
McArdle e colaboradores (2003) enfatizam que um estilo de vida sedentário tende a aumentar a gordura de reserva e a reduzir a massa muscular ao longo da vida. Isso vem a ocorrer até mesmo quando a ingestão de calorias diária mantem-se inalterada. Os testes de aptidão física trouxeram-nos pontos de análise importantes sobre sedentarismo. O nível de repetição máxima de abdominais (Figura 4), que é uma variável que informa condições de resistência de força muscular, na maioria dos avaliados, mostra-se num mesmo patamar. Realizando uma comparação entre os próprios alunos estudados, sem nos atermos a dados da literatura, observamos que os jovens que aderem à atividade física regular são aqueles que conseguem um maior número de repetições. Da mesma forma, esta condição repete-se para o teste de flexibilidade (Figura 3). Malina e Bouchard (2002) enfocam que há um efeito negativo da gordura sobre desempenhos que exigem o movimento do corpo todo. Apesar dos testes aplicados serem de característica localizada, fica evidente que o aumento percentual de gordura é um fator limitante nas atividades que exigem um mínimo de aptidão física. Sobre o teste de flexibilidade, nas meninas, as pontuações médias são um tanto estáveis dos 5 aos 11 anos, aumentam até os 14 anos, e depois parecem atingir um platô. As meninas são mais flexíveis do que os meninos em todas as idades, e parece que a diferença entre os sexos é maior durante o estirão adolescente e a maturação sexual (Malina, Bouchard, 2002). Nossos dados mostraram tais evidências. Um ponto que merece atenção é que o aumento da flexibilidade em meninas após os 11 anos de idade, aproximadamente, coincide com o estirão adolescente para o comprimento do tronco. Além disso, os estirões adolescentes para os ossos longos das extremidades superiores, que deveriam influenciar o alcance do indivíduo, ocorrem próximos àqueles para o comprimento do tronco. De maneira semelhante, o ponto baixo no desempenho do teste de alcance sentado dos meninos é geralmente coincidente com o estirão adolescente para comprimento do tronco e comprimento das extremidades superiores. As alterações anatômicas e funcionais nas articulações provavelmente também influenciam a flexibilidade e geração de força neste período (Malina, Bouchard, 2002). Com base nesses fatos, optamos em não calcular o IMC (índice de massa corpórea) dos sujeitos, pois nesta fase as relações de comprimento do corpo como um todo e do comprimento tronco-cefálico podem alterar a obtenção do índice.
Um dado que nos chamou muito a atenção foram as doenças relacionadas aos familiares (Questões 7a e 7b). Todas elas têm características crônico-degenerativas e relacionadas de forma extremamente positiva com o estilo de vida dos indivíduos (McArdle et al., 2003). As doenças mais mencionadas foram diabetes e hipertensão, que são freqüentes em populações obesas e sedentárias. No caso do diabetes, sobretudo do tipo II, as pessoas portadoras mostram uma tolerância reduzida ao exercício, independente do controle glicêmico. Os fatores que contribuem incluem a genética, características indesejáveis ao estilo de vida, gordura corporal excessiva e atividade física precária (MaArdle et al., 2003). O diabetes do tipo II é totalmente relacionado ao consumo exagerado de açúcar, o que pode produzir uma desensibilização dos receptores de insulina. Com o passar do tempo, esta característica torna-se crônica e o sujeito não respondendo mais aos estímulos hormonais. Deve-se ressaltar que o treinamento aeróbio resulta em efeitos benéficos quanto ao aumento no conteúdo total dos transportadores de glicose na célula músculo-esquelética (Sherman et al., 1993; Dela, 1996; Reynolds et al., 1997). Esse dado nos fortalece para mostrar na Escola que a prática de atividades físicas regulares podem atuar não apenas como terapia em casos já instalados, mas também pode reverter tais processos.
Quanto às doenças cardiovasculares, atualmente a maior prevalência advém dos problemas gerados pela hipertensão arterial. A hipertensão, uma vez instalada e crônica, vem a lesionar os vasos das artérias, funcionando como um risco primário para a arteriosclerose, doença cardíaca, acidente vascular cerebral e insuficiência renal. Em muitas circunstâncias, o exercício regular proporciona uma primeira linha prudente de defesa para tratar a hipertensão leve (140-159 mmHg de pressão sistólica; 90-99 mmHg de pressão diastólica) e a hipertensão moderada (160-179 mmHg de pressão sistólica e 100-109 mmHg de pressão diastólica) (Mc Ardle et al. 2003).
Uma vez os alunos tendo a consciência de que determinada patologia é incidente na família, o estímulo para realização de atividades físicas regulares deve ser contínuo, de forma que a Escola pode atuar como agente de transformação dos hábitos de vida, vindo a contribuir com a melhoria da qualidade de vida de seus alunos.
Conclusões
Após a discussão, ficou-nos transparente que a intervenção realizada junto ao Colégio pôde nos trazer dados relevantes sobre aspectos de estilo de vida, hábitos de atividade física e composição corporal. A análise sistemática dos resultados trouxe-nos relações diretas e afirmativas que o alto percentual de gordura dos adolescentes pode ser fator limitante nos aspectos relacionados à aptidão física e que o sedentarismo contribui com a permanência desta situação. Os vários trabalhos estudados para fundamentar nosso estudo também corroboraram com as nossas análises. Portanto, um estilo de vida ativo e a inserção regular da atividade física, desde a infância e, sobretudo, na adolescência, podem contribuir com a melhoria da qualidade de vida na vida adulta.
Referências bibliográficas
ANTUNES NETO, J. M. F., PAULA, BARBOSA, L. p. Índices de estresse oxidativo em sujeitos com diferentes níveis de composição corporal e aderência a prática de atividade física. Brazilian Journal of Biomotricity, v. 05, n. 02, p. 117-131, 2011.
BARROS M.V.G., NAHAS M.V. Reprodutibilidade (teste-reteste) do Questionário Internacional de Atividade Física (QIAF-Versão 6): um estudo piloto com adultos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência e Movimento , p. 23-26, 2000.
BERLIN JA, COLDITZ GA. A meta-analysis of physical activity in the prevention of coronary heart disease. American Journal of Epidemiolog, V.132. p. 612-28. 1990.
BIASSIO, L.G., MATSUDO, S.M.M., MARSUDO, V.K. Impacto da menarca nas variáveis antropométricas e neuromotoras da aptidão física, analisando longitudinalmente. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v, 12, n 02, p. 97- 101, 2004.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Update: prevalence of overweight among children, adolescents, and adults. United States, 1988-1994. Morb Mort Wkly Rep, p. 46, 1997.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, NATIONAL CENTER FOR CHRONIC. Disease Prevention and Health Promotion, 1996.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Prevalence of sedentary life-style: behavioral risk factor surveillance system, USA, 1991. Morb Mort Wkly Rep, p. 576-579, 1993.
CIOLAC, E. G., GUIMARÃES, G. V. Exercício físico e síndrome metabólica. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 10, n. 04, 2004.
DELA, F. On the influence of physical training on glucose homeostasis. Acta Physiologica Scandinavica, v. 158, supplementum 635, p. 3-41, 1996.
FORIER, M.D., KATZMARZYK, P.T., MALINA, R.M., BOUCHARD, C. Seven-year stability of physical activity and musculoskeletal fitness in the Canadian population. Medicine and Science in Sport and Exercise, p. 1905-1911, 2000.
GUEDES, D. P., LOPES, C. C., GUEDES, J. E. R. P. Marcadores de qualidade de vida e atividade física. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, v.11, n.2, p. 23-31, 2005.
HEYWARD, H.V., STOLARCZYK, M.L. Avaliação da composição corporal aplicada. São Paulo: Human Kinetics, v. 1, 2001.
MALINA, R., BOUCHARD, C. Atividade Física do atleta jovem, do crescimento a maturação. São Paulo: Editora Roca, 1º ed , 2002.
MARCONI, M. A., LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1986.
MATSUDO, S. M. M. et al. Nível de atividade da população do estado de São Paulo: análise de acordo com o gênero, idade, nível sócio econômico, distribuição geográfica e de conhecimento. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 10, n. 04, p. 34-45, 2002.
MATSUDO, S. M. M; ARAUJO, T. L; MATSUDO, V. R; VALQUER, W. Nível de atividade física em crianças e adolescentes de diferentes regiões de desenvolvimento. Revista da Associação Paulista de Educação Física, v. 03, n. 04, p. 45-53, 1998.
McARDLE, W. D., KATCH, F. I., KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e Desempenho Humano. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2003.
MELANSON, E.L., FREEDSON, P.S. Physical activity assessment: a review of methods. Crit Rev Food Sci Nutr, p. 385-396, 1996.
MONTTI, M. Qualidade de vida: o que é atividade física. 1997. htth://www.physicaltraining.com.br/ativfisica.htm.
MONTOYE, H.J., KEMPER, H.C.G., SARIS, W.H.M., WASHBURN, R.A. Measuring physical activity and energy expenditure. Champaign, Illinois: Human Kinetics, 1996.
NAHAS, V. Atividade Física, Saúde e Qualidade de vida: conceitos e sugestões para um estilo de vida. Londrina: Paraná, 2001
PARDINI, R., MATSUDO, S.M.M., ARAÚJO, T., MATSUDO, V.K.R., ANDRADE, E., BRAGGION, G. Validação do Questionário Internacional de Nível de Atividade Física (IPAQ – Versão 6): estudo piloto em adultos jovens brasileiros. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 9 p. 45-51, 2001.
PARK, J. Adolescent self-concept and health into adulthood. Health Rep, p. 41-52, 2003.
REYNOLDS, T. H., BROZINICK, J. T., JR., ROGERS, M. A. et al. Effects of exercise training on glucose transport and cell surface GLUT-4 in isolated rat epitrochlearis muscle. American Journal of Physiology, v. 272, n. 02, p. E320-E325, 1997.
SHERMAN, W. M., FRIEDMAN, J. E., GAO, J. P. et al. Glycemia and exercise training alter glucose transport and GLUT4 in the zucker rat. Medicine and Science in Sports and Exercise, v. 25, n. 03, p. 341-348, 1993.
SLAUGHTER et al. Skinfold equations for estimation of body fatness in children and youth. São Paulo: Human Biology, 2a ed., 1988.
TROIANO, R. P., FLEGAL, K. M. Overweight children and adolescents: description, epidemiology, and demographics. Pediatrics, v. 101, p. 497-504, 1998.
TWISK, J.W., KEMPER, H.C., VAN MECHELEN, W. Tracking of activity and fitness and the relationship with cardiovascular disease risk factors. Medicine and Science in Sport and Exercise, n. 32, p.1456-1461, 2000.
US Department of Health and Human Services. Physical Activity and Health: A Report of the Surgeon General. Atlanta, GA: US Department of Health and Human Services.
WHO/FIMS. Committee on physical activity for health: exercise for health. Bull World Health Organ, v. 73, p. 135-136, 1995.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 15 · N° 166 | Buenos Aires,
Marzo de 2012 |