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As questões sociais do esporte

Las cuestiones sociales del deporte

 

*Mestrando em Educação – FURB, Blumenau, SC

**Professora Mestre em Ciências do Movimento Humano

Faculdade Jangada, SC

(Brasil)

Gerson Raiter*

Gilson Wiggers*

Simone Adriana Oelke**

gerson.raiter@terra.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O esporte como fenômeno sociocultural é consumido em todos os seus sentidos, não somente como elemento de rendimento esportivo, mas também nas diferentes manifestações da nossa cultura corporal de movimento, estando presente nas nossas práticas corporais como as atividades na academia de ginástica, natação ou, simplesmente, correr ou caminhar em um parque e, claro, na Educação Física escolar. Com essas situações, o esporte passa a ser objeto de estudo da sociologia, não somente na forma do rendimento esportivo, mas também como objeto de manifestações corporais, pois ele passa a ser praticado e consumido por diferentes grupos sociais. Este ensaio busca abordar as questões sociais do esporte a partir da sociologia do consenso e do conflito, fundamentada numa pesquisa bibliográfica que aborda a temática em questão. A partir de 1980, a Educação Física incorporou elementos da ótica do conflito, tão bem representada pela tradição marxista, porém permaneceu presa à hegemonia de uma pedagogia do consenso, de valores liberais e pressupostos epistemológicos positivistas. O esporte como fenômeno sociocultural, envolve diferentes pessoas e contextos. Ele rompe o paradigma das macro estruturas para as micro estruturas sociais, passando por reflexões por meio da teoria crítica do esporte nos aspectos da teoria social do consenso para a teoria social do conflito. Ressalta-se que, não devemos tratar o esporte como um vilão nas questões sociais, mas também como uma possibilidade de auxilio na transformação social, utilizando o esporte como um meio educacional e não um fim.

          Unitermos: Sociologia do Esporte. Sociologia do consenso. Sociologia do conflito.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O esporte moderno na época do seu surgimento, no século XVIII e início do século XIX, não tinha uma importância social que possui nos dias de hoje. Surgiu na Inglaterra por Thomas Arnold em uma perspectiva pedagógica que em nenhum momento restringiu as questões agonísticas das competições (TUBINO, 2001), ou seja, a competição e o enfrentamento estavam presentes. Com o passar do tempo, a perspectiva pedagógica na concepção de Arnold passa a desaparecer gradativamente. O esporte foi incorporado ao movimento olímpico,1 passando esse a direcionar suas ações, onde as mulheres não podiam competir e também tinha uma predominância nas competições individuais, como o remo e o atletismo. Com os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, o esporte passa a ser utilizado como uma ferramenta político-ideológica e, o surgimento de questões como a vitória a qualquer preço, o profissionalismo disfarçado, a maior interferência do Estado, casos de doping e subornos, passando o esporte a ter uma maior relevância social (TUBINO, 2001).

    Outra consequência relevante do crescimento social do esporte é o aparecimento de intelectuais que passam a se dedicar na discussão do tema, como Cagigal na Espanha, Manuel Sergio em Portugal, Lenk na Alemanha, Parlebas e Brohm na França, Mc Person nos Estados Unidos, entre outros. Também surgiram nomes mundialmente conhecidos como, Pierre Bourdieu, Jofre Dumazedier, Norbert Elias e Elias Dunning.

    Vaz (2006) comenta que na década de 1960 se desenvolveu um movimento teórico nas Ciências Sociais que ficou conhecido como Teoria Crítica do Esporte. Nascido principalmente na Europa, mas presente também na América do Norte, tomou o esporte como tema de pesquisa, análise e reflexão, valendo-se de um aparato teórico da crítica da cultura e da economia política. Vários autores desse período e também da década seguinte ousaram fazer algo até certo ponto surpreendente: colocar em questão o esporte e suas possibilidades de aparecer como um elemento positivo do ponto de vista pedagógico e social. Rigauer apud Vaz (2006, p.8) coloca que,

    O esporte não é um sistema à parte, mas de diversas formas interligado com o desenvolvimento social, cuja origem está na sociedade burguesa e capitalista. Embora constitua um espaço específico de ação social, o esporte permanece em interdependência com a totalidade do processo social, que o impregna com suas marcas fundamentais: disciplina, autoridade, competição, rendimento, racionalidade instrumental, organização administrativa, burocratização, apenas para citar alguns elementos.

    Estas colocações incorporam as questões da teoria do conflito de Karl Marx que contribui para a discussão da relação entre indivíduo e sociedade, onde não se pode pensar esta relação separada das condições materiais, na qual ela se apoia. Para Marx, a produção é a raiz de toda a estrutura social (TOMAZI, 1993). A teoria do conflito se estabelece pela luta, onde há um diálogo injusto entre sociedade dividida em classes, o qual revela tensões e conflitos entre a sociedade. Já a teoria do consenso de Émile Durkheim, a coletividade da sociedade prevalece ao indivíduo. O indivíduo aprende a seguir as normas e regras que lhe são exteriores, que não foram criadas por ele, e coercitivas, as quais limitam suas ações e prescrevem punições (TOMAZI, 1993). Esta teoria estabelece a ordem onde as instituições socializam os indivíduos, buscando a conservação da sociedade e a reprodução das estruturas existentes.

    A Educação Física no Brasil, nos anos de 1980, passa por uma transformação no seu processo político e pedagógico. Este processo influenciou também as concepções do esporte, pois esporte é um dos conteúdos da Educação Física. Ferreira (2000) coloca que nos anos de 1980, a Educação Física incorporou elementos da ótica do conflito, tão bem representada pela tradição marxista, porém permaneceu presa à hegemonia de uma pedagogia do consenso, de valores liberais e pressupostos epistemológicos positivistas. Neste período, a Educação Física se apresenta de um lado, pelo propósito sincero de contribuir com o emergente discurso transformador relacionado a uma pedagogia do conflito e, de outro lado, pelos pressupostos que dão sustentação antagônica, a pedagogia do consenso. Oliveira (1994) coloca que na Educação Física a pedagogia do conflito se concretiza por projetos político-pedagógicos objetivando transformar a ordem vigente em contraposição à pedagogia do consenso, que atua em função da manutenção do status quo. Bracht (1999) comenta que a pedagogia crítica, ou do conflito na Educação Física, deve propor procedimentos didático-metodológicos que possam propiciar um esclarecimento crítico sobre práticas corporais humanas. Sendo assim, perspectivas tradicionais baseadas no desenvolvimento da aptidão física e no esporte de alto rendimento passam a ser questionadas e estudadas com um olhar reflexivo da sociologia crítica do esporte.

    Partindo do exposto, este ensaio busca abordar as questões sociais do esporte a partir da sociologia do consenso e do conflito, fundamentada numa pesquisa bibliográfica que aborda a temática em questão.

O esporte enquanto fenômeno sociocultural

    O esporte como fenômeno sociocultural é consumido em todos os seus sentidos, não somente como elemento de rendimento esportivo. Ele passa a ter diferentes manifestações da nossa cultura corporal de movimento, estando presente nas nossas práticas corporais como as atividades na academia de ginástica, natação ou, simplesmente, correr ou caminhar em um parque e, claro, na Educação Física escolar. Com essas situações, o esporte passa a ser objeto de estudo da sociologia, não somente na forma do rendimento esportivo, mas também como objeto de manifestações corporais, pois ele passa a ser praticado e consumido por diferentes grupos sociais.

    A sociologia em seu percurso histórico não foi sempre a mesma, nasceu no século XIX com Conte e Durkhein, olhando a sociedade de uma maneira macro, como um todo, e chega na atualidade com Dandurand e Ollivier, deslocando o olhar para o micro, possibilitando perceber aspectos particulares presentes na sociedade. Esta ruptura de paradigmas é classificada, conforme Nogueira (1995, p.31) de “crise dos paradigmas”. Dandurand e Ollivier apud Nogueira (1995) colocam que o olhar sociológico vai se deslocar das macro estruturas e vai para as micro estruturas, onde este deslocamento trás mudanças significativas. Com este enfoque no particular, é possível enxergar o que antes passava despercebido ou tinha-se a intenção de ocultar. Com esta perspectiva investigativa, percebeu-se no cenário a presença de personagens que também fazem parte da nossa sociedade, tanto no espaço escolar ou esportivo, como por exemplo, as pessoas com deficiências, mulheres, crianças e idosos. Parece-nos então que, a sociologia do consenso, que tinha um olhar no macro, não permitia enxergar o particular, pois o interesse estava centrado no consenso, sendo que as minorias deveriam ajustar-se ou eram consideradas marginalizadas ou excluídas.

    Tubino (2001) apresenta três dimensões do esporte no Brasil: o “esporte-educação”, que seguirá uma orientação de que o esporte vincule-se as áreas de desenvolvimento psicomotor, integração social e das atividades físicas educativas, onde estes conteúdos tem a função de formação; o “esporte-participação”, referenciando o prazer lúdico com a finalidade do bem-estar dos participantes; e, por fim, o “esporte-performance”, que é o rendimento esportivo, onde se busca o êxito esportivo. É nesta última dimensão que se concentram as críticas ao esporte por autores que combatem o capitalismo. Tubino ainda lista alguns efeitos sociais negativos do esporte moderno como, a reprodução do “esporte-performance” na educação, a violência do “esporte-performance”, o uso ideológico-político do esporte e a predominância da lógica do mercantilismo no esporte.2

    Bracht (2011) traz um “esquema dual” de divisão do fenômeno esportivo: o esporte de alto rendimento ou espetáculo e o esporte enquanto atividade de lazer. O autor faz uma interrelação entre as duas formas de esporte, colocando o esporte de alto rendimento como o grande influenciador e determinante nas formas de apresentação do esporte enquanto atividade de lazer e também como predominante nas atividades da Educação Física escolar.

    Bracht (2006) argumenta que o esporte passa a ter uma maior importância política, sociocultural e, principalmente, econômica, quando começou a ser fortemente estudado pela sociologia. O autor ainda completa que, “o esporte tornou-se um objeto importante para a sociologia na medida em que não é só um objeto de aplicação das teorias sociais, mas também como um campo social que permite o próprio desenvolvimento das teorias sociais” (BRACHT, 2006, p. 35). Para o autor, os conhecimentos que a sociologia do esporte proporciona podem estruturar a compreensão das funções sociais do esporte na sociedade.

    O esporte, quando voltado para o rendimento esportivo, traz em sua questão estrutural elementos das relações sociais, como forte orientação ao rendimento e na competição, seletividade via concorrência e igualdade formal perante leis e regras (BRACTH, 2009). Porém, o esporte não pode ser negado e abolido da nossa sociedade, mas interpretado e exposto de uma forma a produzir pessoas com discernimento a absorvê-lo como algo benéfico à sociedade. Simões et al (2004) colocam como meta da sociologia do esporte dotar os estudiosos de novos métodos de procedimentos sobre o estudo dos fenômenos que norteiam o esporte em sociedade, que é influenciado por noções falsas como obstáculos à própria definição conceitual dos diferentes tipos de esportes, sendo estes constituídos pelos valores sociais, culturais, econômicos e políticos que fazem parte do universo esportivo.

    Conforme Lovisolo (2011), para a sociologia, os esportes podem ser classificados a partir das interações específicas entre seus atores e o meio ambiente. Esportes individuais são diferentes dos coletivos, esportes em ambiente natural podem ser distinguidos de esportes praticados em ambientes padronizados e que eliminam as incidências da natureza. Os princípios que organizam os esportes são objeto do trabalho sociológico tanto quanto as formas de organização dos envolvidos com os esportes e os motivos das práticas e do gosto pelo espetáculo esportivo. O autor ainda completa que, quando a sociologia estuda o esporte, se preocupa com semelhanças e diferenças em relação a sociedades e culturas organizadas por princípios diferentes e em relação a segmentos sociais e culturais da mesma sociedade englobadora. Gaya e Torres (2004, p. 57) enfatizam que,

    Considerando que o esporte representa um componente cultural de significativa importância na vida de todos os povos, tornando-se, indiscutivelmente, um fenômeno global, justifica-se a relevância de estudos que possam auxiliar na interpretação alargada do esporte enquanto fenômeno social e passível de tratamento pedagógico.

Figura 01. O esporte como fenômeno sociocultural

    O esporte exerce influência e é influenciado por questões econômicas, políticas, sociais e culturais e as influências na formação de valores e hábitos formam parte do discurso da sociologia e da história. Lovisolo (2011) argumenta que a sociologia do esporte pretende entender como chegamos a valorizar o esporte, o lazer, a atividade física para a saúde, a modelagem corporal, segundo padrões específicos e, a partir de interações situadas em relação a valores e normas, como os indivíduos se tornam atletas, como aderem ou não a atividade física para a saúde, como chegam ou não a gostar ou se interessar pelos esportes. “A sociologia requer a relação entre aspectos macro e micro dos processos sociais” (LOVISOLO, 2011, p. 88).

Algumas considerações

    O esporte está presente em nossa sociedade como um fenômeno, quanto a isso não há mais como negarmos. Sua presença permeia os diversos setores da nossa sociedade e faz parte do conteúdo do debate acadêmico, pois sua discussão extrapola a esfera esportiva. Questões econômicas, políticas e culturais, na qual a sociologia foi fundada e se embasa para fundamentar sua discussão cientificamente, no esporte, estes aspectos também estão presentes, caracterizando a sociologia do esporte.

    O esporte como fenômeno sociocultural, envolve diferentes pessoas e contextos. Ele rompe o paradigma das macro estruturas para as micro estruturas sociais, passando por reflexões por meio da teoria crítica do esporte nos aspectos da teoria social do consenso para a teoria social do conflito. Cabe também ressaltar que, não devemos tratar o esporte como um vilão nas questões sociais, mas também como uma possibilidade de auxilio na transformação social, utilizando o esporte como um meio educacional e não um fim.

Notas

  1. O Movimento Olímpico são os Comitês Olímpicos Nacionais e as Federações Esportivas Internacionais.

  2. O mercantilismo no esporte significa, evidentemente, que não apenas ao rendimento do atleta agrega-se valor tornando-o comercializável, mas também que um sem-número de produtos esportivos entram na esfera da circulação no âmbito da indústria do tempo livre (RIGAUER apud VAZ, 2006).

Referências

  • BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. Cadernos Cedes, Campinas, v. 19, n. 48, p. 69-98, ago. 1999.

  • BRACHT, V. Sociologia do Esporte e educação física escolar. In: REZER, R. (org.). O fenômeno esportivo: ensaio crítico-reflexivo. Chapecó: Argos, 2006. p. 33-44.

  • BRACHT, V. Esporte de rendimento na escola. In: STIGGER, M. P.; LOVISOLO, H. (orgs.). Esporte de rendimento e esporte na escolar. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2009. p. 11-26.

  • BRACHT, V. Dilemas no cotidiano da Educação Física escolar: entre o desin­vestimento e a inovação pedagógica. Salto para o Futuro, v. 21, n. 12, p. 14-20, set. 2011.

  • FERREIRA M. G. Teoria/concepção sistêmica: uma perspectiva crítica na pedagogia de educação física? Pensar a Prática, v.3, 2000.

  • GAYA, A.; TORRES, L. O esporte na infância e adolescência: alguns pontos polêmicos. In: GAYA, A.; MARQUES, A.; TANI, G. (Org.). Desporto para crianças e jovens: razões e finalidades. Porto Alegre: UFRGS, 2004. p. 57-74.

  • LOVISOLO, H. R. Sociologia do esporte: temas e problemas. Cadernos de Formação RBCE, p. 80-91, jul. 2011.

  • NOGUEIRA, M. A. Tendências Atuais da Sociologia da Educação. Leitura e Imagens. Grupo de pesquisa em Sociologia da Educação. Florianópolis: UDESC, 1995.

  • OLIVEIRA, V. M. de. Consenso e conflito da educação física brasileira. Campinas: Papirus, 1994.

  • SIMÕES A. C. et al. A psicossociologia como área de conhecimento da ciência do esporte. Revista Paulista de Educação Física. São Paulo, v.18, p.73-81, ago. 2004.

  • TOMAZI, N. D. Iniciação a Sociologia. São Paulo: Atual, 1993.

  • TUBINO, M. J. G. Dimensões sociais do esporte. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2001. - 96p. -

  • VAZ, A. F. Teoria crítica do esporte: origens, polêmicas e atualidades. Esporte e Sociedade, Rio de Janeiro, v.1, n. 1. 2006.

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