A Ginástica para Todos na sua relação com as atividades físicas orientadas para o lazer La Gimnasia para Todos en su relación con las actividades físicas orientadas a la recreación Gymnastics for All in your relationship with physical activity oriented leisure |
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*Mestre em Pedagogia do Movimento, UNICAMP. Docente do curso de Educação Física da ESAMC, Sorocaba e CEUNSP, Itu **Mestre em Pedagogia do Movimento, UNICAMP Doutora em Educação e Sociedade, UNICAMP Docente na Faculdade de Educação, USP |
Profa. Ms. Rita de Cássia Fernandes Profa. Dra. Mônica Caldas Ehrenberg (Brasil) |
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Resumo O referido artigo busca refletir sobre a Ginástica para Todos e sua essência participativa, vinculada aos conceitos de lazer. Desde sua origem, essa manifestação gímnica teve seus pressupostos básicos fundamentados pela prática prazerosa da atividade física, desvinculados dos preceitos competitivos. O que deveria motivar os participantes dessa ginástica era o prazer, o convívio social, a auto superação. No entanto, o que temos presenciado, especialmente no Brasil, tem sido um distanciamento dessa essência da Ginástica para Todos e uma constante aproximação dessa às modalidades de cunho esportivo competitivo. O que propomos aqui é refletir sobre a Ginástica para Todos e sua relação com o lazer, defendendo assim que esta característica seja preservada e garantida aos participantes. Unitermos: Ginástica. Ginástica para Todos. Lazer.
Abstract This essay reflects on the Gymnastics for All and its participatory nature, linked to the concepts of leisure. Since its inception, this event has had its basic gymnastic based practice enjoyable physical activity, released from the precepts competitive. What should motivate the participants in this exercise was the pleasure, sociability, self-transcendence. However, what we have witnessed, especially in Brazil, has been a move away from the essence of Gymnastics for All and a constant approximation of the procedures for competitive sporting nature. What we propose here is to discuss the Gymnastics for All and its relationship with leisure, defending so this feature is preserved and guaranteed to the participants. Keywords: Gymnastics. Gymnastics for All. Leisure.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O presente trabalho pretende discutir e refletir sobre a Ginástica Para Todos (GPT) como manifestação da cultura corporal especialmente orientada para o lazer, representando uma linguagem contemporânea carregada de sentidos e significados. Ressaltamos que a opção de nomear tal manifestação de GPT, se dá em conformidade com a Confederação Brasileira de Ginástica que desde 2007 passou a denominar o que conhecíamos por Ginástica Geral (GG) para Ginástica para Todos (GPT).
A justificativa que fomenta tal reflexão se dá justamente por acreditarmos que a Ginástica para Todos teve, desde sua origem, um objetivo marcado que se pautava pelo lazer e pelo prazer. No entanto, atualmente temos uma percepção clara de que estas características, tão inerentes à modalidade, vêm se perdendo.
Conforme sinaliza o trabalho de Marcassa (2004), vivemos uma realidade em que muitas modalidades gímnicas aliadas a modismos da indústria cultural passam por um processo de “esvaziamento de sentidos”, fundamentando práticas corporais descontextualizadas, elitizadas principalmente nas academias de ginástica.
Em contrapartida, infelizmente, a GPT sequer tem sido atrelada a modismos e vem sendo pouco trabalhada e difundida no âmbito do lazer no contexto brasileiro. As pesquisas na área também reafirmam este quadro, além de apontarem as lacunas deixadas no âmbito da formação profissional em Educação Física no que concerne aos saberes gímnicos (BARBOSA E RINALDI, 1999; OLIVEIRA, 2007; PAOLIELLO, 2008). Uma vez que a formação inicial não consegue abranger a ginástica em sua totalidade, não é possível esperar uma abrangência desta modalidade na sociedade em geral, seja nos meios formais ou informais.
Considerando suas características e pressupostos metodológicos, quais sejam, o respeito à diversidade, o aumento da interação social, a não-competitividade, bem como a participação irrestrita, entendemos que a GPT possui ampla aplicabilidade e legitimidade também no âmbito não-formal de ensino. Sua contribuição pode ser relevante para a formação de sujeitos críticos, sensíveis, autônomos, que não sejam meramente reprodutores, mas capazes de ressignificar suas práticas corporais.
Pressupostos da Ginástica para Todos
Segundo Perez Gallardo e Souza (1997, p. 33), a Ginástica para Todos pode ser compreendida como
manifestação da Cultura Corporal que reúne as diferentes interpretações da Ginástica (Natural, Construída, Artística, Rítmica, Desportiva, Aeróbica, etc.), integrando-as com outras formas de expressão corporal (Dança, Folclore, Jogos, Teatro, Mímica etc.), de forma livre e criativa, de acordo com as características do grupo social e contribuindo para o aumento da interação social entre os participantes. (PEREZ GALLARDO e SOUZA, 1997, p. 33)
Nesse sentido, temos como aporte teórico os pressupostos dos estudos culturais na Educação Física que segundo Neira e Nunes (2006) estão pautados no reconhecimento das identidades culturais, fundamentalmente tematizando o gesto dotado de historicidade. Para os mesmos autores não basta se-movimentar, é preciso refletir, contextualizar, desconstruir e compreender os símbolos presentes na expressão corporal como linguagem.
Trata-se do movimento com sentido e significado aferido pelo contexto sócio-histórico-cultural em que é produzido. Falamos de movimento que expressa e representa cultura, do movimento com intenção comunicativa de idéias, sentimento, etc., que se dá no interior de uma manifestação cultural. (NEIRA e NUNES, 2006, p. 218)
Convém esclarecermos sobre a questão da terminologia que desde 2007 foi alterada pela Federação Internacional de Ginástica (FIG), de Ginástica Geral para Ginástica para Todos, definida como “a esfera da ginástica orientada para o lazer”, que tem como objetivo a participação irrestrita e o prazer pela prática.
De acordo com a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG, 2006) os principais objetivos da GPT são:
Oportunizar a participação do maior número de pessoas em atividades físicas de lazer fundamentadas nas atividades gímnicas.
Integrar várias possibilidades de manifestações corporais às atividades gímnicas.
Oportunizar a auto-superação individual e coletiva, sem parâmetros comparativos com os outros.
Oportunizar o intercâmbio sócio-cultural entre os participantes.
Manter e desenvolver o bem estar dos praticantes.
Oportunizar a valorização do trabalho coletivo, sem deixar de valorizar a individualidade neste contexto.
É fundamental voltarmos nosso olhar para a Ginástica, até para compreendermos melhor o presente, nos debruçando sobre questões históricas relevantes quanto ao seu surgimento bem como da Gymnaestrada Mundial. Neste movimento, entendemos que essa retomada é vista como uma leitura do real, uma “versão” criada na correlação de forças e nas relações de poder inerentes ao tecido social. Assim, não se configura como uma verdade “absoluta” e incontestável.
Localizamos a partir do século XIX, segundo Soares (1998), as bases do seu desenvolvimento com os métodos ginásticos europeus, especialmente, as escolas sueca, francesa e alemã na estruturação da ginástica cientifica, tendo em comum os objetivos de regenerar a raça, desenvolver a coragem, a força, o patriotismo, contribuindo para uma “educação do corpo”, ou seja, para a construção de um “corpo civilizado”.
Esse processo não ocorreu de forma linear nem idêntica em todos os países que sistematizaram as diferentes maneiras de pensar os exercícios físicos (AYOUB, 2003). A partir do século XX, mais precisamente, 1939 com as primeiras Lingíadas é que se identifica um período chamado de “momento de influências recíprocas ou universalização dos métodos ginásticos”, ou seja, a fusão de procedimentos e conteúdos que se estende até os dias de hoje. (LANGLADE e LANGLADE, 1986).
Contudo, no cenário brasileiro, foi somente a partir da década de 1980 que a GPT começou a ser difundida através da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), que oficializou um departamento específico para esta modalidade. No entanto, sua expansão vai ocorrer a partir da década de 1990, portanto, de forma recente, paralelamente ao aumento do número de participantes na Gymnaestrada que configura “[...] a atividade mais significativa dessa instituição no campo da GG”. (AYOUB, 2003 p.50)
Tal evento de caráter mundial realizado a cada quatro anos possui como objetivos divulgar e ampliar o conhecimento sobre a GPT além de apresentar o desenvolvimento atual, as tendências na área da ginástica. No entanto, destacamos que esta modalidade não se resume ao evento em questão, pois são diversas as suas possibilidades de demonstração e prática. Cabe ressaltarmos que os países europeus são os precursores, pois a primeira Gymnaestrada ocorreu na cidade de Roterdã em 1953, em contraposição aos Jogos Olímpicos e seus ideais de competitividade.
Ayoub (2003, p.50) afirma que a Gymnaestrada deu impulso ao crescimento desta modalidade, sendo considerado o evento mais importante da Federação Internacional de Ginástica (FIG). Em 1995, em Berlim, participaram por volta de 19 mil pessoas representando mais de 30 países. Já em 2007, na Áustria, foram por volta de 23 mil participantes, sendo 384 brasileiros (CBG, 2010).
Nesse processo histórico, podemos afirmar que a GPT permite retomar o “núcleo primordial da ginástica” (AYOUB, 2003), qual seja, o prazer e o divertimento. Lúdica e participativa. É assim que definimos esta manifestação onde a coletividade sobressai diante das dificuldades e limitações inerentes a todos nós seres humanos.
A liberdade de expressão e a criatividade também são aspectos marcantes principalmente quando visualizamos a utilização de materiais na GPT. Nesta perspectiva, por exemplo, é possível nos apropriamos de materiais tradicionais de grande porte como é o caso dos colchões, dos trampolins, ou ainda, se optarmos pelos não tradicionais de pequeno porte, podemos utilizar jornais, elásticos, sombrinhas, garrafas pet, flutuadores de natação entre outros. Não há limites para a imaginação e para a novidade no processo de tematização nas aulas de ginástica.
Mas, considerando o contexto do lazer, quais são as possíveis relações entre a GPT e as atividades físicas orientadas para tais objetivos? É o que propomos pensar em foco a partir daqui.
Ginástica para Todos e os pressupostos do lazer: primeiras aproximações
Num primeiro momento, nos aproximamos das concepções de lazer a partir dos trabalhos de Marcellino (1990; 1996) esclarecendo que sua análise está circunscrita a idéia do tempo disponível, do divertimento, mas também do desenvolvimento pessoal e social. O duplo aspecto educativo, educar para e pelo lazer, nos permite falar em seus diferentes interesses: físicos, artísticos, intelectuais, manuais, turísticos e sociais, favorecendo a vivência do componente lúdico da cultura.
Outros autores que também discutem a perspectiva do lazer saudável como forma de emancipação está traduzida no trabalho de Melo e Alves Junior (2003) para os quais a indústria do lazer aliada ao crescimento e aperfeiçoamento das mídias impulsiona, muitas vezes, a vivência do lazer alienado e alienante.
Nesse sentido, numa primeira análise poderíamos destacar que a GPT contemplaria apenas os interesses físicos do lazer. Mas, uma abordagem cuidadosa poderá verificar sua aplicabilidade quanto aos interesses artísticos, turísticos e sociais, na perspectiva de formação humana.
Marcelino (1996, p.23) ainda afirma que é fundamental que as pessoas
(...) conheçam as atividades que satisfaçam os vários interesses, sejam estimuladas a participar e recebam um mínimo de orientação que lhes permita a opção. Em outras palavras, a escolha, a opção, em termos de conteúdo, está diretamente ligada ao conhecimento das alternativas que o lazer oferece.
Destacamos a importância de um trabalho específico que possibilite o conhecimento aprofundado para que as escolhas pessoais das atividades físicas no âmbito lazer possam resistir aos apelos midiáticos, aos modismos, pois só é possível escolher aquilo que se conhece, ou seja, quanto maiores forem as oportunidades, mais chances de praticar o lazer de forma crítica e autônoma podem surgir, tanto na GPT como em qualquer outra manifestação corporal. Para isto não basta propormos apenas ações no plano individual. Cabe ressaltarmos a necessidade de políticas públicas e setoriais que envolvam várias instituições. (MARCELLINO, 1990)
Portanto, o lazer deve ser entendido de forma ampla, sedimentado em valores éticos, como veículo de construção da cidadania, espaço de resistência as imposições culturais, atrelado as várias dimensões da vida social, inclusive o trabalho, para que sua análise possa ser contextualizada.
Para Oliveira (2007) a opção pela vivência da GPT deve ser consciente, ampliando conhecimentos do próprio corpo, do trabalho coreográfico, dos interesses culturais em função dos festivais através da constante troca de experiências e da diversidade.
Porém, Barbosa-Rinaldi (2004) já alertou em sua pesquisa que os saberes vinculados à ginástica na formação inicial do professor de Educação Física é superficial e muitas vezes equivocado. A GPT é comumente vinculada à ginástica em geral, nos currículos de formação. São poucos os currículos de formação que prestigiam todas as modalidades gímnicas e ainda conseguem emancipar o futuro professor a fim de lidar e articular os saberes em sua prática docente.
A ginástica é vinculada, geralmente, a dois ambientes: o escolar e a academia. Sendo que na escola possui o caráter formativo, educacional; já na academia é atrelado ao caráter estético. Nossa inquietação pauta-se justamente pelo fato de que a GPT pode sim estar atrelada a esses dois ambientes, porém também pode manter-se com a vinculação que foi originada, a do prazer.
Reunir grupos que se utilizem da ginástica por puro prazer pode também ser um objetivo significativo. O que nos parece é que objetivar o prazer frente a uma atividade gímnica pode fazer com que tal atividade perca um possível status e assim caia num descrédito. Descrédito tolo, daqueles que acreditam que o prazer deve estar sempre vinculado ao vencer.
O lazer deve ser entendido como veículo de construção da cidadania, de autonomia, de auto superação e, isso já seria o bastante para justificar a Ginástica para Todos como uma atividade séria, que se aproxima do lazer e por isso merece manter e crescer nos espaços tanto de educação formal, como não-formal.
Considerações finais
Esperamos que as pessoas sejam capazes de gerenciar suas práticas corporais no âmbito do lazer, ressignificar e reconstruir suas experiências de forma criativa e crítica. Vislumbramos que nesse universo da cultura gímnica, a Ginástica para Todos possa se fazer cada vez mais presente. Utopia sim, mas não no sentido do irrealizável, emprestando de Paulo Freire suas palavras sobre os sonhos possíveis; utópica no sentido de que é esta uma prática que vive a unidade dialética, dinâmica, entre a denúncia e o anúncio, entre o hoje e o amanhã.
Desta forma, queremos chamar a atenção para o fato de a Ginástica para Todos possa estar perdendo sua essência puramente por ignorância de quem acredita que lazer seja pouco. Por dirigentes responsáveis pela organização e vinculação da Ginástica para Todos, buscarem uma aproximação dessa modalidade ao setor competitivo por acreditarem que desta forma a mesma poderá ter maior visibilidade na mídia e assim ganhar reconhecimento. No entanto, pensamos que se conquista o reconhecimento com trabalho sério, dedicado e com clareza de objetivos. Basta que a Ginástica para Todos seja identificada a tais características que a mesma poderá alcançar o espaço almejado.
Ginástica para Todos, conforme seu nome já diz é para todos, indistintamente. E o que move as pessoas é o prazer!
Referências
AYOUB, E. Ginástica geral e Educação Física escolar. Campinas: SP: Ed. UNICAMP, 2004.
BARBOSA-RINALDI, I. P. A ginástica como área de conhecimento na formação profissional em educação física: encaminhamentos para uma estruturação curricular. 2004. 220 fls. (Tese Doutorado) Faculdade de Educação Física/ UNICAMP. Campinas, 2004.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 34. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
MARCASSA, L. Metodologia do ensino da ginástica: novos olhares, novas perspectivas. Pensar a prática, 7/2, p.171-186, jul/dez, 2004.
MARCELLINO, N. C. Pedagogia da animação. Campinas: Papirus, 1990.
_____________. Estudos do Lazer: uma introdução. Campinas: Autores Associados, 1996.
MELLO, V. A. e ALVES JUNIOR, E. D. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.
NEIRA, M. G. e NUNES, M. L. F. Praticando estudos culturais na educação física. São Caetano do Sul: Yendis Editora, 2009.
OLIVEIRA, N. R. C. Ginástica para Todos: perspectivas no contexto do lazer. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2007,6 (1), p. 27-35.
PAOLIELLO, E. Ginástica geral: experiências e reflexões. São Paulo: Phorte, 2008.
PEREZ GALLARDO, J. S. P.; SOUZA, E. P. M. Ginástica geral: duas visões de um fenômeno. In: AYOUB, E. et al. (org.). Coletânea: textos e síntese do I e II encontro de Ginástica Geral. Campinas: UNICAMP, 1997, p. 38.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico crítica: primeiras aproximações. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1991.
SOARES, C. L. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. Campinas: Autores Associados, 1998.
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