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A chegada da Doutrina Tecnicista Americana no Brasil durante 

o Nacional Desenvolvimentismo Brasileiro (1946-1964): 

os reflexos para a Educação Física escolar

La llegada de la Doctrina Tecnicista Norteamericana en Brasil durante el Nacional 

Desarrollismo Brasileño (1946-1964): las consecuencias para la Educación Física escolar

The arrival of the American Doctrine Mechanicist in Brazil during the Brazilian Nacional 

Developmentalism (1946-1964): the consequences for school Physical Education

 

*Graduando em Ciência da Atividade Física

Pós Graduando em Psicologia Política

Mestrando em Participação Política

**Profº Dr° de Ciências da Atividade Física da Universidade de São Paulo

(Brasil)

Eduardo Mosna Xavier*

eduardo.xavier@usp.br

Marco Antonio Bettine de Almeida**

eduardo.xavier@usp.br

 

 

 

 

Resumo

          O Nacional Desenvolvimentismo Brasileiro, período histórico identificado entre os anos de 1946 (fim do Estado Novo) e 1964 (início da Ditadura Militar) marcou o enfraquecimento do Método Francês de Educação Física (baseado em exercícios calistênicos, de ordem higienista), para a chegada e popularização da Escola Americana, baseada na utilização dos Esportes como alicerce fundamental para a prática de atividades físicas, com reflexos decisivos na forma de se ministrar a Educação física Escolar. Os efeitos desta mudança técnica causaram profundos reflexos durante o Regime Militar (a chamada política de “dá a bola e deixa jogar”), persistindo até os dias atuais.

          Unitermos: Nacional Desenvolvimentismo. Escola Americana. Sistema Francês. Esportes. Educação Física

 

Abstract
         
The National Developmentalism of Brazil, identified the historical period between the years 1946 (the end of the Estado Novo) and 1964 (beginning of the Military Dictatorship) marked weakening of the French Method of Physical Education (based on calisthenics, order hygienist) for the arrival and popularization of the American School, based on the use of sports as an essential foundation for physical activity, reflected in the decisive way to teach physical Education School. The effects of technical change caused profound consequences for the military regime (the so-called policy of "give the ball and lets you play") and persisted until the present day.

          Keywords: National Developmentalism. American School. French System. Sports. Physical Education.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 166, Marzo de 2012. http://www.efdeportes.com/

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    Em contraponto as Teorias Européias ainda predominantes no Brasil, crescia a propagação de uma nova forma de se lidar com a disciplina da Educação Física Escolar, fruto da Escola Americana, potencializada pela recém criada American College of Sports Medicine (ACSM),1 ganhou muita visibilidade no Brasil a partir de 1950, principalmente pelo fato do Governo Norte Americano entender a necessidade da prática de A.F. para a prevenção de doenças, investindo U$ 200.000.000 no fomento de Políticas Públicas que propiciassem práticas físicas na citada década.

    Tal alocação de recurso camufla o principal propósito que moldou a proposta de formação de uma doutrina norte americana na área de Educação Física, qual seja, o higienismo. O uso de verbas para estimular a prática de atividades físicas funcionaria, segundo os idealizadores desta escola, como um fator preventivo para a diminuição de doenças vinculadas direta ou indiretamente com a condição física do indivíduo.

    Um dos principais meios de propaganda para esta Escola de intervenção na área da Educação Física foi o caráter ético envolvido na formação corporal do indivíduo. A referida doutrina enunciava que, mais do que os benéficos externos, o Tecnicismo norte americano contribuiria para a construção e a impregnação de importantes valores para as crianças e os adolescentes, que seriam somados á suas experiências esportivas, culminando na formação de um cidadão física e politicamente consciente de suas obrigações morais. Júnior (1949), detectou os princípios éticos na aplicação do Tecnicismo Norte Americano:

    Os americanos, estudando as bases filosóficas da Educação Física, fixarão a significação de seu valor ético (grifo nosso), pela sua contribuição para elevar a qualidade de vida humana e para promover a felicidade das criaturas na face da Terra (pág. 09)

    O celeiro americano de formação educacional ultrapassava a área da Educação Física Escolar. O Nacional Desenvolvimentismo marcou o início da interferência norte americana na formação das estratégias pedagógicas de ensino no Brasil. Em junho de1956, o presidente Juscelino Kubitschek selou, logo no início de seu mandato, o Programa de Assistência Brasileiro – Americana no Ensino Elementar (PABAEE). Com foco na tentativa de melhorar o ensino elementar brasileiro (atual ensino fundamental), este programa foi oriundo do péssimo cenário que apresentava o ensino, sobretudo em virtude da baixa qualificação dos professores no período aliado a uma material didático retrógado e ultrapassado. Paiva & Paixão (2002) avaliaram a aplicação do PABAEE entre 1956 e 1964, verificando que, efetivamente, o objetivo deste programa foi de melhorar as condições técnicas e pedagógicas dos professores do ensino fundamental:

    A implantação do PABAEE aconteceu em todo o Brasil [...]. No projeto de desenvolvimento das propostas de melhoria da qualificação do corpo docente do ensino primário, as escolas normais forma naturalmente identificadas como “locus” privilegiado de implantação de ações para a melhoria do ensino primário [...]. O significado do acordo técnico norte-americano para o ensino primário nos anos 1950/1960 destacava a perspectiva tecnicista que dominava as reformas inseridas no acordo de colaboração técnica, de um lado, e as preocupações mais culturais que caracterizaram a pesquisa sobre a educação desenvolvida pelo Governo.

    A disciplina que mais sofreu reflexos da interferência da doutrina norte americana na formação escolar das crianças e dos adolescentes foi a Educação Física Escolar. Oriunda da Associação Cristã de Moços – ACM2, e conhecida como “americanismo”, a visão de formação de um “homem novo”, produto de um meio moderno ultrapassava a área da Atividade Física, constituía uma estilo de vida que apresentava reflexos nos campos sociais, econômicos e políticos. Warde (2001), com um foco gramsciano de raciocínio, acreditava que o “americanismo” refletia na formação de uma cultura propagada mundialmente, como o intuito de recriar o sujeito com base nos anseios e perspectivas de uma nação recém promovida à potência mundial, sobretudo após a II Guerra Mundial:

    Uma mudança radical de toda uma cultura cujo peso jamais poderia ser minimizado, posto que exercia a função de cimentar as reformas econômicas em curso (diria ele, o nome da reforma econômica é reforma intelectual e moral); de outro lado, Gramsci viu nessa cultura a operação de recriação do sujeito; ou seja, nos termos da época, o americanismo estava produzindo um ‘homem novo’ (...) O que estava se operando eram mudanças no modo de ser e viver’ e como tal consistia-se em um processo de configuração subjetiva que se podia compreender como a produção de uma nova conformação psicofísica, ou seja, estava se inventando um “homem novo”. O americanismo penetrou no Brasil e constituiu-se em cultura, moldou formas de pensar, sentir e viver; tornou-se parâmetro de progresso, felicidade, bem-estar, democracia, civilidade; de que modo o americanismo moldou as esperanças em torno da cidade e da indústria, projetou padrões de arquitetura; redimensionou espaços e acelerou os tempos; plantou nos corações e mentes a silhueta do ‘homem novo’ – racional, administrador e industrioso (pág. 42).

    Desta forma, como citado pela autora anterior, o americanismo repercutir diretamente no mundo, com conseqüências perceptíveis na cultura brasileira, sobretudo na concepção social e econômica de formação do chamado “homem brasileiro”. Os princípios apregoados pela Escola Americana, conhecida na década de 1970 como “American Way of Life”, focava a industrialização como um processo necessário à sociedade contemporânea (o que atendia aos auspícios dos Governos Nacionais Desenvolvimentistas). Além disto, este “homem novo” também possui características e virtudes que possibilitavam um estilo de vida regrado, evitando comportamentos denominados “de risco”. Em prol do fortalecimento do Estado Nação: prudência no uso dos recursos econômicos, cuidado com a saúde e práticas de atividades físicas eram “virtudes” presentes nesta doutrina, de grande repercussão em nosso território.

    Além do caráter preventivo (onde os exercícios físicos realizados tinham como o foco não apenas garantir uma melhor qualidade de vida, como também evitar problemas econômicos e sociais para o Poder em vigência), a Teoria Americana vinculava a Atividade Física e o Esporte com princípios morais que poderiam se desenvolver com estas práticas, como o trabalho, a cooperação, a cortesia, a honestidade, a subordinação, a iniciativa, o autodomínio, a coragem moral, a lealdade, a tolerância, as apreciações estéticas, entre outras

    Alguns periódicos publicados no Brasil utilizavam os princípios norteadores a própria Teoria Americana na concepção das práticas de atividade física. Foi o caso da revista “Educação Physica”, que divulgava a cultura norte americana em prol da construção de um ser humano preparado para se adaptar e vencer as contingências da realidade, sobre a própria óptica americana. Em texto extraído de Schneider & Neto (2008), esta forma de idealização não apenas da cultura do movimento, mas da formação ideológica do brasileiro pautada no estereótipo norte americano era oriunda da década de 1930, asseverando-se durante o Nacional Desenvolvimentismo:

    (....) a cultura esportiva veiculada por meio da revista Educação Physica fazia parte de um movimento mais geral de difusão da cultura Norte-Americana sobre a América Latina. Trabalhar com essa hipótese implica examinar, muito detidamente, o padrão cultural vulgarizado pela revista Educação Physica como resultado de apropriações e assimilações de outros padrões culturais em disputa pela construção de um modelo modernizador capaz de fomentar a produção de um “homem novo” preparado para enfrentar as contingências das transformações sociais, políticas e econômicas que as décadas de 1930 e 1940 concretizaram

    Não tão diferente do preconizado pela Teoria Francesa, o Tecnicismo Americano também utilizava as atividades físicas como um instrumento de formação moral do indivíduo. Desta forma, os exercícios da Escola Americana também objetivavam a construção ideológica do ser humano (sobretudo quando realizados no contexto da Educação Física Escolar), com recursos e ferramentas pedagógicas que, se por um lado disseminavam a formação do chamado “homem novo”, alinhado com os propósitos de uma sociedade industrializada, por outro subjugava a sua capacidade de se auto construir não apenas fisicamente, mas social e moralmente. Assim pensava Schneider & Neto (2006):

    Nesse processo que deveria ser pedagógico, a educação do físico é compreendida como a possibilidade de atuar sobre o corpo, porém visando a educar não só o corpo, mas também a sensibilidade, a forma de perceber e agir sobre a realidade, criando nesse processo novas subjetividades.Não sem propósito, o ideário pedagógico que se elabora busca construir o discurso da educação integral em que, para se formar esse novo homem, dever-se-ia intervir tanto em seus aspectos intelectuais, quanto nos aspectos físicos e morais (pág. 111)

    A utilização desta doutrina de atividade física trabalhava conjuntamente com a eugenia existente à época, sobretudo no tocante à camuflada política de embranquecimento da população, originária do grande projeto de imigração que ocorreu no país durante as primeiras três décadas do século XX. Assim, o Tecnicismo norte americano objetivava, suplantando apenas sua seara de preparação e de condicionamento físico, inverter um estereótipo de “Jeca Tatu”,3 classificação postulada pela elite brasileira, com o intuito de transformar modelos de comportamento através de um investimento na transformação do próprio corpo.

    Com este espírito similar a Doutrina Francesa, a Escola Americana distinguia-se pela valorização dos jogos e esportes coletivos em detrimento aos exercícios calistênicos e individualizados. Seguindo o ideário da Nação que idealizou o método, os esportes e jogos possibilitavam uma importante interação entre os indivíduos, reforçando o caráter socializador. A objetividade dos escores dos jogos, além da formação de uma identidade competitiva não apenas com os próprios limites (“gymnástica” individual), mas com os outros participantes da modalidades coletivas são os pontos de ruptura da linha de pensamento entre americanos e franceses na prática de atividades físicas.

    A valorização dos esportes e, principalmente, de seu caráter de competição e resultados, são frutos oriundos do Tecnicismo Norte Americano. Constitui, portanto, o embrião para a formação do paradigma atual do esporte contemporâneo, onde o aspecto lúdico e de qualidade de vida é sobrepujado pelos números e pela exigência de uma performance excepcional, questão esta enfrentada pelos teóricos e pesquisadores atuais mas que, infelizmente, é potencializada em nossa sociedade, amparadas pelo suporte midiático aos jogos e competições esportivas. Estes resquícios muito contundentes da Escola Americana em nossa atualidade deram seus primeiros passos durante o fim do Estado Novo, perdurando de forma entusiástica nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio durante o Nacional Desenvolvimentismo.

Notas

  1. A ACSM foi criada em 1954 por um grupo de educadores físicos e cientistas que reconheceram que os problemas de saúde poderiam ter relação com o estilo de vida escolhido pelas pessoas, englobando a alimentação e a prática de exercícios físicos. Fonte: http://www.acsm.org/about-acsm/who-we-are/history

  2. A ACM é instituição inglesa que foi criada em 1844, tendo como seus ideais a divulgação dos esportes e a formação de professores para atuar em clubes e escolas. Ingressou nos Estados Unidos em 1851, popularizando-se rapidamente, sendo trazida ao Brasil pelo missionário americano Myron Clark, fundados da primeira sede na América Latina, situada na cidade do Rio de Janeiro, em 1893.

  3. Personagem criado por Monteiro Lobato, em 1918, como meio de descrever o típico homem do interior, mobiliza imagens de um País assolado pela doença, decorrente da falta de saneamento, de nutrição e de instrução, mas também fruto do descaso dos governantes

Referências

  • Júnior, Peregrino (1949). Sentidos e objetivos da Educação Física. In Arquivos da Escola Nacional da Educação física e Desporto. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, ano V, nº 5.

  • Paiva, E.V & Paixão L.P. (2002). PABAEE (1956-1964): a americanização do ensino elementar? Niterói: EdUFF.

  • Schneider, O. & Neto, A. F. (2008). Americanismo e a Fabricação do “Homem Novo”: Circulação e Apropriação dos Modelos Culturais na Revista Educação Physica (1932 – 1945). Porto Alegre: Revista Movimento, v. 14, n. 01.

  • Schneider, O. & Neto A.F (2006). Saúde e escolarização representações, intelectuais, educação e educação física. In: Oliveira, M.A.T. Educação do corpo na escola brasileira. Campinas: Autores Associados, 2006.

  • Warde, M. J.(2001). Cultura e educação: o americanismo e a fabricação do homem: São Paulo: Projeto de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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