Se ela dança, eu danço: o que a escola tem a ver com isso? Si ella baila, yo bailo… ¿Qué tiene que ver la escuela con esto? If she can dance, so can I... Boys and girls’ body experiences: what does the school have to do with that? |
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*Mestre em Educação nas Ciências pela Unijuí. Docente do Departamento de Pedagogia da Unijuí e Diretora do Centro de Educação Francisco de Assis (EFA). **Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Professora do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação da Unijuí Participante do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE) vinculado ao PPG-EDU da UFRGS e membro do grupo Paidotribus |
Lisiane Goettems* Maria Simone Vione Schwengber** (Brasil) |
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Resumo Este artigo, de cunho qualitativo, está situado no campo dos Estudos Gênero e da Educação. Propomos pensar as pedagogias de feminilidades e masculinidades que se instalam na prática da dança escolar, imprimindo muitas vezes nos corpos (das/os alunas/os) modos hegemônicos de viver a feminilidade e a masculinidade. Na cultura ocidental contemporânea, de um modo geral, a dança é marcada e significada como uma prática corporal feminina. Nossas indagações centram-se na forma como se estruturam as estratégias e as negociações utilizadas pelas práticas de dança na escola. Entendemos a dança como uma prática corporal produzida pela/na cultura que ampliou as ramificações das danças escolares (salão, de rua, jazz, sapateado, hip-hop, folclórica), marcando os corpos e narrando de diferentes formas a constituição corporal dos sujeitos. Busca-se analisar as práticas da dança no contexto escolar como uma alternativa à aproximação de corpos de meninos e de meninas, como um espaço de trocas e de aprendizagens corporais múltiplas na produção de identidades, produzindo posições de meninos e meninas parceiros (solidários), uma vez que, tradicionalmente, ainda se dá pouco espaço aos meninos para vivenciarem o dançar sem se preocupar com o questionamento de suas opções de gênero e de sexo. As práticas da dança escolar, desse modo, lançam os corpos para saírem da solidão, na direção da solidariedade e da cooperação, projetando a superação do medo de “não dançar certo ou da forma como esperam que eu dance”, e apostar na vivência lúdica – se ela dança, eu danço – de dois corpos, banhados no ganho das relações de gênero. Unitermos: Gênero. Práticas escolares. Dança.
Abstract This qualitative study is grounded on the field of Gender and Education Studies. We attempt to think about both femininity and masculinity pedagogies that have been settled in the school dance practice, which has often marked (girls’) bodies by hegemonic ways of living both femininity and masculinity. Generally, in contemporary western culture, dancing has been marked and signified as a feminine body practice. Our questionings focus on the way the strategies and negotiations employed by school dance practices have been structured. We understand dancing as a body practice that is produced by/in culture. It broadens the ramifications of school dances (ballroom dance, street dance, jazz, step dance, hip-hop, and folk dance), marking bodies and differently narrating the subjects’ body constitution. Dance practices in the school context are an alternative to the approximation of boys and girls’ bodies. They function as a space of both exchanges and body learning in the production of subjectivities, thus producing positions of “partners” (solidary boys and girls), since boys still have little room to experience dance with no questioning of their gender and sexual options. Hence, school dance practices get the bodies away from loneliness, directing them towards solidarity and cooperation, making them able to overcome the fear of “either not dancing well or the way they are expected to dance”, and stimulating playful experiences – “if she can dance, so can I” – of two bodies involved by gender relationships. Keywords: Gender. School practices. Dance.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução à temática
O mundo em que vivemos proporciona sons, cheiros, cores, paisagens e movimentos diversos, que podem ser observados, tocados, modificados ou mantidos de acordo com nosso olhar e intenção. Sendo assim, o mundo que temos e interagimos passa ser o mundo de experiência de cada sujeito, o mundo cotidiano no qual fazemos história e que intervém em nossas próprias histórias.
Quanto antes uma possibilidade – motora, afetiva, cognitiva ou que agregue esse conjunto em uma só experiência – é apresentada para um sujeito, mais cedo este terá condições de identificar, compreender e agir frente ao que vive. Com isso, não queremos reforçar que a novidade não possa e nem deva continuar acontecendo, pois sempre é tempo de aprender e relacionar outros componentes às nossas experiências corporais de vida, mas quanto antes o processo inicia, mais cedo teremos condições de responder. É por isso, por exemplo, que a criança, antes de externar o que pensa, percebe tudo que está à sua volta e, de modo espontâneo, decide, toca e intenta conhecer o que lhe é apresentado.
Crianças, em geral, intrigam-se e interagem corporalmente com o que está posto. Com personagens ou com amigos imaginários, vão aparecendo os contrastes com o que os adultos entendem como posto e a criança como possível. O adulto tende a excluir a variabilidade, desvenda o mundo de modo mais regrado e se põe em contato com os desafios em menor grau de variação. Como essas percepções se dão em grande parte pelo corpo, a criança realiza esse processo com certa vivacidade e uma autoria ímpar, querendo descobrir o mundo e seus significados. Algumas escolas ainda não aceitaram que as/os nossas/os alunas/os são seres providos de corpos. Tomamos as palavras de Bento (2005) e assim dizemos que nos assusta o silêncio dos corpos e as tentativas de apagamento dessa forma palpável da linguagem da vida no contexto escolar. Ao querer silenciar os corpos, muitas escolas querem ainda segregar práticas de gêneros, como se fossem perfeitamente definidas as práticas do feminino e do masculino, como se não houvesse pontos de intercomunicação entre esses dois mundos.
Situados os modos de compreender os tempos da existência e da vivencia corporal das crianças. Cientes do aprender relacional dos corpos escolhemos problematizar as práticas dança e as relações de gênero como foco deste artigo. Fazemos essa escolha por saber da presença da dança em muitas civilizações e tempos históricos, por ela adentrar no universo humano, por seu poder agregador a qualquer idade e nível econômico, por percebermos nas linguagens das danças a capacidade de suscitar a corporeidade, além dos seus aspectos sensoriais, motores, comunicativos e culturais.
Corpos de meninos e meninas entram na dança
O mundo sensível está sempre por fazer-se. As relações com meu eu, com os outros corpos e com o mundo cultural são inesgotáveis e, em contrapartida, marcam quem e o que somos. Ao dançar, meninas e meninos descobrem peculiaridades do mundo sensível, corporal e generificado. Para Surdi e Kunz (2009), a vivência e a experiência corporal fazem o mundo aparecer. Os autores indicam, ainda, que o corpo se caracteriza pela sua possibilidade de movimento. O corpo entendido como corpo-sujeito, movimenta-se a partir de intencionalidades, percebe então o mundo vivendo-o (ibidem). A relação reflexiva com o corpo, como encontro consigo, com outros depende em certo grau de nossas disposições e de nossas possibilidades educativas.
Mundo regrado, sujeito regrado. Dança regrada em passos em gestos estereotipados para cada gênero. Dança para meninas/moças/mulheres, ou dança para meninos/jovens/adultos? Ou: melhor, dança para ambos?
Culturalmente, há mais estímulo para a dança na vida das meninas (mulheres) do que na vida dos meninos (homens). As academias, as oficinas ou ainda as aulas de educação física, de um modo geral, são cheias de meninas na pista quando o assunto é a prática de danças, embalando aulas, ensaios, festivais e talvez sonhos. Nas academias, o look é feito de colants rosados, cabelos em coque, sapatilhas, meias calças e polainas.
Espaços de dança são culturalmente caracterizados pela segregação entre meninos e meninas. As práticas de danças são apresentadas por anos como demarcadoras de uma determinada feminilidade. Muitas vezes, convertem-se em performance de gênero, ou seja, estilizam o corpo, repercutem na aparência e no comportamento de quem dança, produzindo e reproduzindo maneiras específicas de feminilidade. A dança, de um modo geral, surge como uma arte feminilizada centrada na graça, na leveza, na beleza encontrada em uma excessiva magreza, como aprendizado de ofício, como disciplina, organização, passividade e obediência. Contudo acreditamos que essas características são marcas de uma feminilidade idealizada que transcende o campo da dança e é por vezes reforçada e compartilhada por esferas como a família e a escola.
Nesse sentido, interessa discutir o gênero, pois é uma categoria teórica e analítica criada para explicar como se articulam as relações entre homens e mulheres, meninos e meninas, que ainda possibilita pensar de como essas relações são efeitos de estratégias educativas. É importante pensar como a escola age, valoriza, nomeia determinados comportamentos como (modos de ser) de meninas e meninos. Esses modos de nomeações são fundamentais no processo de constituição das identidades de gênero. Incluímos aqui as práticas de dança escolar como um espaço de constituições de gênero.
As identidades de gênero (assim como as raciais) são produzidas por meio de repetidos enunciados performativos; inserem-se num campo de lutas dos atores (meninos e meninas) por poder de significações. Definir-nos por ser homem ou mulher faz parte de um amplo processo cultural. É nesse sentido e sob essa perspectiva conceitual que faz sentido compreender os sujeitos (as crianças) e as práticas educativas de gênero e aqui da dança escolar. Gênero é uma categoria conceitual que traz à tona a compreensão de que ninguém nasce mulher/homem, menino/menina, e que essas condições são produzidas pela história e pela cultura; não são fundadas apenas na ordem da natureza (corporal), e sim da ordem do vir-a-ser e do fazer, da produção (LOURO, 1997; MEYER, 2004). É “a civilização como um todo que produz” a posição de gênero (BEAUVOIR, 1988, p. 301).
Para Butler (1999), é por considerar a força do agenciamento e das possibilidades de performatividades – impregnadas em nossa cultura de gênero por esse poder civilizatório e pelos efeitos associados a ele – que utilizaremos essas dimensões na análise, que procuraremos evidenciar como meninos e meninas podem ser produzidos pela dança na escola hoje. Acreditamos, pois, que no universo da dança escolar é possível circular tanto as dimensões femininas como masculinas, e é por isso que nos desafiamos a perguntar: Como possibilitar a desconstrução de relações polarizadas de gênero no interior das práticas expressivas, como a dança na escola? Como viver processos de solidariedade e cooperação, de superação do medo de “não dançar certo ou da forma como esperam que eu dance”, e apostar na vivência lúdica (se ela dança, eu danço)?
Para começar o percurso de compreender essas perguntas, inicialmente situamos o viés da dança enquanto expressão e comunicação de/entre corpos femininos e masculinos, experiências em dança escolar que valorizem o contexto vivido e não apenas as práticas de repetição, competição e performance técnica, ou a codificação de passos.
Dançando, as relações de feminilidade e de masculinidade vão se (re)elaborando, corpos em comunicação não verbal vão pouco a pouco suscitando expressões de sensualidade, sensibilidade e crítica. Essas nuances permitem encontros consigo para comunicar com o outro, que pode ser a/o colega, a plateia, o mundo. Comunicações sobre muitos focos, espaços de se olhar, de persistir, de sintonizar com a música, com os ritmos tensos, intensos, calmos, marcados e/ou retumbantes, processados por corpos que se desnudam para as expressões, que compartilham e desvendam os preceitos sociais que indicam posturas distintas entre meninos e meninas.
Os corpos femininos ou masculinos não tomam o que é do outro. Esses corpos relacionam-se e fazem dessa relação algo possível, que se equilibra em modos de ser feminino e ser masculino, que em certos aspectos são próximos e, por que não dizer, idênticos. Ao dançar, marcamos as trocas pela e com a presença corporal, que requer entrega (preciso estar ali de fato, por inteiro), marcando descobertas para além daquelas que o cotidiano e os valores morais e sociais já marcaram. Afeto e disponibilidade vão encarnando corpos que saem da lógica que ensina a ser homem e a ser mulher em tempos atuais e efetivam a possibilidade de ser homem e ser mulher que se relacionam corporalmente e singularmente, em uma mescla do que a relação de gêneros lhes provoca e constrói.
Segundo Dantas (1999, p. 33), “[...] quando homens e mulheres dançam, seus movimentos são consequência de experiências anteriores. [...] Do mesmo modo pode-se criar técnicas pessoais, que reinventarão gestos, passos e movimentos, propiciando um modo particular de dançar.”. Percebe-se, pois, que de sociedade em sociedade, de linguagens em linguagens, há maneiras eleitas para ser e para agir corporalmente. Dançando, os códigos podem ser recriados, dando condições de reflexão e construção de significados a si e ao outro, ao masculino e ao feminino em interação, em que os corpos, unidos a um objetivo, tornam possível uma comunicação corporal
Permitir-se, como em criar seu próprio estilo de ser e de dançar com o outro. Apesar das inúmeras técnicas que os estilos de dança imprimem, o aprendizado da dança escolar poderá ocorrer pela inclusão de meninos e meninas em mesmo ambiente e tempo, proporcionando-se um modo particular de dançar e reconhecer as técnicas pessoais como possibilidade de conquistar ou treinar o corpo para aquilo que se quer dizer, questionando as concepções e pondo em voga as necessidades e as intenções do corpo que cria. Assim, Dantas (1999, p. 41) reforça que “[...] corpos são não só matéria-prima para a formação e criação da obra, mas também o lugar pelo qual todas as informações transitam.”. Perguntamo-nos: as práticas da dança no contexto escolar não poderiam ser uma alternativa à aproximação de corpos de meninos e de meninas? As práticas da dança no contexto escolar não poderiam inspirar a construção das identidades de gênero? Assim sugerem algumas narrativas, como as de dois exemplos – uma retirada da literatura e outro de letra musical – que passaremos a tratar na próxima seção. Defendemos que a dança na escola possa se inspirar em novas formas de trabalhar e de organizar os corpos de meninos e meninas.
Pedro e Tina, Eduardo e Mônica: quantos existem a se descobrir?
Com muita sensibilidade de narrar a amizade de uma menina e um menino, Stephen Michael King, autor do livro infantil Pedro e Tina: uma amizade muito especial, revela que “Um dia, de manhã bem cedo, quando estava andando de costas contra o vento, Pedro deu um encontrão em Tina” e tornaram-se rapidamente amigos. Pedro conseguia encantar-se com tudo que Tina fazia, sempre certinho. Porém, bem no fundo, Tina gostaria que tudo que ela fizesse não fosse tão perfeito. Foi então que Pedro pôde ensinar a Tina a não combinar roupas, a andar de costas, a rolar no morro, até que se tornaram amigos inseparáveis. O livro termina dizendo que essa amizade tem força “até debaixo d’água e para sempre” e que os dois estão dispostos a negociações com ganhos cognitivos, emocionais para ambos. Uma criança saudável transita pelos universos feminino e masculino com naturalidade, pelas aprendizagens decorridas, e toma a diferença como condição/desejo de aprender.
Pedro e Tina, nessa obra infantil, remetem a pensar que mulheres são apresentadas desde cedo às brincadeiras da infância que enfocam o mundo maternal, a leveza de gestos, a meiguice, em que não devem responder, tentando fazer tudo certinho. E, socialmente, tende-se a destacar que homens são convocados a ser fortes, ter autodisciplina, se recompor, ter coragem e, de preferência, não cair frente às derrotas.
Todas essas características colocam pais e mães a difundir práticas corporais para homens em distinção a práticas corporais para mulheres; projeta-se precocemente a cultura da separação entre gêneros, desmerecendo o ganho da convivência entre meninos e meninas, moças e rapazes. Nas diferenças do modo de olhar o mundo, de experimentar o acaso ou o que está por vir, Pedro e Tina tiveram ganhos, puderam brincar, relacionar-se, puderam ver o diferente sem estranhamento, percebendo-o como possibilidade de constituírem-se humanamente melhores com o outro.
A temática que discute espaços e vivências femininas e masculinas é encontrada em livros, em prosa e verso, ou cantada em músicas de diferentes épocas e cenários sociais. Nesta reflexão recorreremos também à temática suscitada pela música Eduardo e Monica, longa e sem refrão, que foi sucesso em 1986, a qual exemplifica e aponta para uma transfiguração das posições de gênero no tempo passado e presente, no enfoque permitido às meninas e aos meninos.
Com um amparo histórico, considerado um corte temporal a partir das últimas décadas do século XX, a música composta por Renato Russo indica uma transição paradigmática, marcada por um conjunto de transformações culturais que alteram os modos de ser mulher, homem, menino e menina. Mudanças estas que começam a levar homens e mulheres a se descobrirem mais e a desejarem viver a complementariedade na diferença.
A letra da música destaca a história de constituição de um casal que, apesar de não serem parecidos e nem correspondentes aos modelos tradicionais, vivem suas diferenças como possíveis e numa relação amorosa. Diz a letra: “Ela fazia Medicina e falava alemão e ele ainda nas aulinhas de inglês”. A Mônica da canção de Renato Russo – a exemplo de Tina, personagem do livro infantil – ganha destaque de estudiosa, a que faz a carreira escolar e profissional. Eduardo, assim como Pedro, acompanha a garota e, juntos, passam a trocar ideias de seus universos pessoais, que passam a ser universos de investimentos que somam e que se fundem entre duas vidas diferentes e, ao mesmo tempo, de uma convivência tão possível.
Os amigos de infância e o casal jovem, retratados no livro e na música, respectivamente, rompem com uma noção tradicional, agem e interagem como uma ode à diferença e recrutam as dissoluções de posições estereotipadas de gênero. No fragmento da canção, o reforço: “E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente, uma vontade de se ver. E os dois se encontravam todo dia, e a vontade crescia como tinha de ser.”.
Em busca de espaços educativos como os propostos por Pedro, Eduardo, Tina e Mônica
A escolarização, o disciplinamento do corpo e a produção de uma feminilidade e uma masculinidade pela escola acontecem muitas vezes de forma sutil, mas muito eficiente. Indica-se em geral o esforço para que prevaleça o pensamento único, com um caminho e uma resposta. O que porventura for experimentado na alternância logo será questionado, senão esquecido. Meninos jogam, meninas brincam de casinha; meninos correm, meninas não se sujam; homens enfrentam-se em caso de conflito, mulheres choram. O que vier no contraponto chama a atenção.
Entendemos que a convivência entre gêneros, em dança na escola, estará sob grande medida na possibilidade da acolhida de quem ocupa o posto de professor/professora, coreógrafo/coreógrafa, sabendo ler o que os corpos falam, permitindo ser, fornecendo um espaço social de acesso à vivência relacional entre homens e mulheres. Estará na argumentação e na leitura de mundo desse/a educador/a, que fornecerá ferramentas para si mesmo/a desenvolver o conteúdo no nível de seu grupo e no encorajamento de projetar espaço de uma prática que pode, sim, ser para meninos e meninas diferentes entre si – como Pedro e Tina ou Eduardo e Mônica –, mas não avessos entre si, ao ponto de não suportar o que há para ser descoberto no ser e estar juntos.
O reconhecimento de que a construção social influi nos modos de ser mulher e ser homem é um debate grande, que não se esgota aqui. Quando problematizamos, organizamos pensamentos e posições que direcionam certas reflexões. Se o/a leitor/a chegou até estas linhas, também conseguiu parar e se projetar neste pensar, que não precisa ser de concordância com as posições descritas/refletidas.
Repensar identidades e projetar ambientes sociais com menor segregação entre gêneros não se faz com rapidez; se faz construindo significados para quem experimenta, para quem se permite ou ganha espaço para se permitir. Por tratar do movimento com e através da dança, nas aulas de educação física, reforçamos que a reflexão sobre as práticas dessa área precisam esquentar. O humano e a realidade, o instituído e o momento precisam dialogar mais para que homens e mulheres vivam em autonomia, criatividade, expressividade, sendo construtores de seu mundo, e não apenas conhecedores do mundo. Enfim, longe de concluir, fica muito mais o desejo de pensarmos a democratização da dança, de espaços que estimulem convivências e cenas em que “se ela dança, eu danço”, num movimento incessante de parceria e solidariedade entre meninos e meninas.
Referências
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BENTO, Jorge. Outro lado do desporto. Porto: Campo das Letras Editores, 2005.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. São Paulo: Civilização Brasileira, 1999.
DANTAS, Mônica. Dança: o enigma do movimento. Porto Alegre: UFRGS, Ed. Universidade, 1999.
KING, Stephen Michael. Pedro e Tina: uma amizade muito especial. São Paulo: Brinque-Book, 1999.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
MEYER, Dagmar. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2004.
SABO, Donald. O estudo crítico das masculinidades. In: ADELMAN, Miriam; SILVESTRIN, Celsi Brönstrup (org.). Gênero plural. Curitiba: UFPR, 2002. p. 33-46.
SURDI, Aguinaldo César; KUNZ, Elenor. A fenomenologia como fundamentação para o movimento humano significativo. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 187-210, abr./jun. 2009.
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