Re-significação do esporte em espaços de lazer: propostas de procedimentos pedagógicos com base em grupos de modalidades esportivas La resignificación del deporte en espacios de recreación: propuestas de procedimentos pedagógicos a partir de grupos de modalidades deportivas |
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Docente da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (Brasil) |
Renato Francisco Rodrigues Marques |
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Resumo Este trabalho objetiva apresentar uma proposta de re-significação da prática esportiva em momentos de lazer de modo a privilegiar processos de aprendizagem associados com a transmissão de valores morais ligados à autonomia, auto-conhecimento e inclusão. Para tal, as modalidades esportivas que serão disputadas nos Jogos Olímpicos de Londres/2012 foram agrupadas de modo a respeitar suas características fundamentais e, a partir desta tipologia, foram propostas reflexões e direcionamentos pedagógicos específicos na busca pela re-significação de valores ligados à rivalidade, segregação e concorrência, presentes em modelos tradicionais de prática esportiva. Unitermos: Esporte. Pedagogia do esporte. Processos pedagógicos.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
O esporte no ambiente de lazer apresenta uma enorme gama de possibilidades. São locais de sua prática: escolas de esporte, clubes esportivos e sócio-esportivos, praças públicas, academias, ONGs, hotéis, entre outros espaços. A condução e direcionamento dessas atividades, quando supervisionada por um profissional de Educação Física, podem ocorrer de modo provocado, controlado e sugerido de acordo com os objetivos e possibilidades que o grupo apresenta e que tal sujeito se propõe a promover.
O simples fato de ofertar uma prática esportiva como momento de lazer não garante que essa atividade atinja os objetivos dos praticantes e lhes seja positiva. É necessário que o promotor da mesma direcione-a de modo a otimizá-la nesse sentido, minimizando inadequações quanto às exigências e estímulos aos envolvidos (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
Por essa razão, este artigo propõe uma reflexão a respeito de possibilidades de direcionamento de práticas esportivas de modo a atender não apenas a um modelo hegemônico de esporte, mas sim, re-significá-lo, de modo a adequá-lo aos parâmetros tidos como positivos ao ambiente em que se encontra.
Nesse processo, utilizou-se como metodologia uma revisão de referencial teórico sobre o tema e posterior proposta de re-significação da prática esportiva de lazer, de acordo com características específicas de modalidades esportivas. Para tal, tais formas de prática foram agrupadas em categorias, de modo a facilitar a abordagem pedagógica.
Como estrutura adotada, tem-se a discussão sobre as diferentes formas de manifestação do esporte na sociedade contemporânea e seu caráter plural como ponto de partida. Num segundo momento, o esporte na perspectiva do lazer passa a ser discutido. E para uma reflexão final, tem-se a apresentação de proposta de re-significação do esporte neste ambiente, com base em características específicas de cada grupo de modalidades.
2. Formas de manifestação do esporte contemporâneo
Uma das facetas do esporte contemporâneo se apresenta na pluralidade de suas formas de manifestação. Embora contenha características específicas, esse fenômeno apresenta traços diferentes de acordo com o ambiente em que se insere (STIGGER, 2002). Ao observar manifestações esportivas não é difícil notar semelhanças e diferenças entre elas. Assim como outras produções culturais humanas, apresenta uma grande elasticidade semântica. Logo, oferece uma significativa disponibilidade para usos diferentes, até opostos, podendo mudar de sentido.
O grau dessas possibilidades não é infinito, pois embora as disposições para o esporte sejam inúmeras, o espaço dos possíveis é restrito, preso ao que se considera como pertencente ao universo esportivo (BOURDIEU, 1990).
Mesmo considerando o papel de cada modalidade no universo esportivo, é possível que estas possam ser praticadas de inúmeras formas. As alterações no sentido dominante se dão, de forma primordial, pelas interpretações dos participantes, principalmente os novatos. Essas diferentes formas de compreensão derivam da origem cultural e das disposições dos indivíduos constituídas socialmente. É na relação entre o espaço das diferentes modalidades e das relações sociais que se define as propriedades pertinentes de cada forma de prática esportiva (BOURDIEU, 1990).
Um modo de exemplificar essa realidade é a existência de inúmeras modalidades esportivas e as infinitas possibilidades dessas se apresentarem em diversos contextos. Não se pode atribuir uma função social exclusiva a cada modalidade esportiva. Sem dúvida, uma mesma modalidade pode ser desfrutada como prática recreativa, ser ensinada como atividade pedagógica, ou ser comercializada como espetáculo de massa (PRONI, 1998).
Tem-se nesse quadro inúmeras modalidades esportivas, pautadas por suas histórias, regras, normas, costumes, ambientes, materiais e objetivos próprios, que, dotadas de um sentido (significado) para a prática, produzem uma forma de manifestação do esporte (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
Toda prática esportiva expressa uma forma de manifestação do esporte, e é concebida na inter-relação de um sentido (uma razão de ser, transmitindo valores) e de determinada modalidade (mesmo que as regras adotadas sejam adaptadas em relação às formalizadas por entidades normativas da modalidade em questão, ou criadas pelos praticantes), que se apresentam num determinado ambiente social (MARQUES, 2007).
Para compreender uma manifestação esportiva é preciso observá-la como um fenômeno complexo, que pode estar presente em diversos ambientes de prática. Uma maneira de executar tal análise se apresenta no Modelo de concepção das formas de manifestação do esporte (MARQUES, 2007). Para a configuração deste modelo, faz-se necessário compreender, num primeiro momento, os ambientes de manifestação do esporte, e num segundo, refletir sobre os valores transmitidos pelos seus diversos sentidos. Quanto às modalidades esportivas, apresentam maior especificidade, variedade e autonomia frente às regras e história, podendo estar presentes em qualquer ambiente, sob qualquer sentido.
De acordo com o modelo citado, as formas de manifestação do esporte são compostas por três esferas interligadas: Ambiente; Modalidade; Sentido.
O ambiente da prática engloba a esfera social em que se realiza a atividade esportiva. Diz respeito aos meios profissional, não-profissional e escolar. É o campo de realizações nos quais as modalidades esportivas se concretizam, pautadas em sentidos que a contextualizam e lhe dão significado.
A modalidade da prática diz respeito às diversas modalidades esportivas que se caracterizam por regras, normas de ação e formas de disputa próprias, e compõem universos diferentes. São autônomas quanto às suas determinações legais e, em alguns casos, à sua história. Muitas delas têm entidades reguladoras próprias (federações, associações, confederações, ligas, entre outros) que normatizam e regulam a prática. São exemplos de modalidades esportivas o futebol, o boxe, a natação, entre outras.
O sentido da prática diz respeito às razões e valores transmitidos por ela. O sentido deriva das condições sociais, culturais e históricas dos indivíduos envolvidos, que exercerão influência sobre a concepção da atividade (Efeito de apropriação - BOURDIEU, 1990), e lhe dão significado. O sentido do esporte passa pelo “o que está em jogo”, elemento relacionado a interesses materiais, prestígio pessoal e de grupo, e que dá significado à cultura esportiva (STIGGER, 2002).
Por se tratar de um fenômeno que exerce transmissão e renovação cultural, pois deriva das características de seus praticantes, o esporte transmite valores, e por isso interfere na formação humana. Esses valores são diferenciados de acordo com o sentido da prática. Por exemplo, uma atividade que transmita segregação e comparações objetivas se diferencia de outra que transmita inclusão e autovalorização.
Por isso, torna-se possível afirmar que o esporte não se expressa por si só, mas de acordo com o sentido que lhe é dado. Afirmações deterministas como Esporte é saúde; Esporte não é saúde; Esporte é segregação; Esporte é integração, se fazem insuficientes, pois qualquer ação esportiva tem de ser contextualizada em relação ao seu ambiente, sentido e modalidade (MARQUES, 2007).
Como diferenciação para tais sentidos, pode-se denominá-los, sucessivamente, de esporte oficial e esporte ordinário (GOMES, 2007), sendo o primeiro pautado na regulamentação, sistematização e universalização das regras por órgãos específicos, com o objetivo primordial de busca por vencedores e comparação direta de performances; enquanto o outro lida com a relatividade e subjetividade de significados atrelados ao consenso entre os praticantes, com o objetivo de atender às necessidades, capacidades, possibilidades, intuitos e expectativas dos mesmos frente à atividade esportiva.
Toda prática ligada ao esporte exige um mínimo de rendimento atlético do participante, seja para superar o oponente, ou simplesmente para que a mesma ocorra. Nessa direção, para que o sujeito consiga participar de práticas com o sentido do esporte oficial ele deve apresentar um “rendimento obrigatório” (GOMES, 2007) para o evento em questão. Ou seja, ele tem restrições e possibilidades de ação previstas por regras e normas específicas, e, além disso, como o objetivo é a superação do oponente, deve apresentar performance adequada ao nível de disputa em que se encontra (o que diferencia o nível de dificuldade do confronto entre jogadores profissionais e um campeonato interno de uma empresa).
Já o esporte ordinário, por apresentar objetivos variados, permite que o participante apresente somente um “rendimento necessário” (GOMES, 2007) para a prática, ou seja, que ele consiga realizar um mínimo de ações para que a atividade ou a disputa aconteça de forma interessante (por exemplo, alguém que não consiga patinar terá dificuldades em participar de uma prática de hóquei sobre patins). Essa categoria tem seus limites vinculados à forma (modalidade + sentido) que é dada à prática esportiva em questão. Por sua vez, estas podem ser observadas nos ambientes de formas de manifestação do esporte (escolar, lazer e alto rendimento, de acordo com Marques, 2007), porém, com certos limites.
Enquanto que o esporte oficial, pautado na formalidade e regras determinadas por órgãos reguladores, e por ser um modelo hegemônico e formalizado, pode ser observado nos três ambientes, o esporte ordinário se faz próprio somente para o ambiente escolar e de lazer, pois é fruto de um processo de re-significação da prática hegemônica.
Ambas as formas se apresentam como possíveis sentidos para a prática esportiva. Seja como esporte oficial, visando à superação do adversário e derivado de regras e normas estipuladas por órgãos reguladores, criados no ambiente de alto rendimento e transpostos para a escola e lazer, ou esporte ordinário, uma re-significação das formas regulamentadas, com objetivos distintos.
Desta forma, os sentidos da prática esportiva adotados no Modelo de concepção das formas de manifestação do esporte são o esporte oficial e o esporte re-significado (processo de formação do ordinário) (MARQUES, 2007).
2.1. O ambiente esportivo do lazer
O esporte de lazer se caracteriza pelo não-profissionalismo e tem como características principais a busca por prazer e socialização, compensação, recuperação ou manutenção da saúde, equilíbrio psicofísico, restauração e relaxamento (STIGGER, 2002).
A competição e o desejo de superação (seja do adversário, ou de seus próprios limites, ou de um objetivo a ser cumprido) são inerentes ao esporte e presentes também no esporte de lazer. Porém, nota-se nesse ambiente que essa característica pode tanto remeter à rivalidade (tomando como sentido o esporte oficial), quanto à realização da prática como principal objetivo (sentido re-significado) (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
Por isso, é possível afirmar que o esporte de lazer é plural, pois se percebe tanto a existência de práticas (sempre não-profissionais) com normas oficiais, quanto outras que destas divergem em relação ao sentido das ações. Essas manifestações ampliam-se sob formas diversas, podendo exprimir tanto os valores do esporte profissional, quanto à adaptação da modalidade através da vontade dos praticantes.
Quando pautado no sentido oficial, o esporte de lazer tem suas regras padronizadas, iguais ao ambiente profissional e muitas vezes controladas por órgãos reguladores, visando determinar vencedores através de comparação objetiva de desempenho. Existe uma valorização primordial à vitória e ao resultado da disputa. Como exemplo: um campeonato federado de voleibol para crianças, ou entre clubes amadores adultos.
Quando re-significado, este tipo de evento visa proporcionar a melhor participação possível para os praticantes, adequando a prática às necessidades e limitações, não excluindo a competição, mas redirecionando-a de forma a produzir prazer desvinculado à rivalidade ou desprazer de outros. Como exemplo: uma partida de voleibol adaptado entre idosos.
No esporte de lazer pautado no sentido oficial, as regras fixas e padronizadas valorizam mais o jogo do que o jogador, pois impõem uma lógica interna que determina as condutas e os atos motrizes (PAES, 2001). Ou seja, é estabelecido um padrão de funcionamento do processo esportivo, no qual os participantes devem se adequar às normas para poder participar, e o resultado da disputa é mais importante do que a satisfação e bem-estar dos praticantes.
Esse processo de reprodução das especificações do esporte oficial no lazer privilegia os atletas com maior capacidade de adaptação ao jogo, e estimula a ocorrência de situações de comparação de performances e rivalidade.
O fato de transmitir os mesmos valores do ambiente profissional faz dessa forma um meio pautado em exigências de alto rendimento e tolerância a frustrações as quais nem todos os participantes se encontram preparados. Isso ocorre porque no alto rendimento o sujeito é treinado e recebe recompensa financeira pelos sacrifícios e situações de exposição pessoal às quais se submete, e está ciente disso, o que não acontece no lazer.
Quando essas normas são aplicadas de forma integral no lazer, o que se observa são praticantes se submetendo às mesmas exigências de desempenho de profissionais, utilizando processos de disputa similares e comparação direta de performances, porém, sem recompensa financeira.
É importante salientar que isso não representa um desvio de comportamento na sociedade contemporânea, mas sim, a reprodução de uma prática hegemônica, comercializada pelos meios de comunicação (PRONI, 1998). E que o esporte profissional, ou mesmo o sentido oficial em qualquer ambiente não é, em essência, negativo ou prejudicial aos praticantes. Ele pode transmitir valores inadequados quando inserido de modo incoerente com as expectativas, possibilidades, limites e necessidades dos envolvidos. É importante salientar que, embora possa transmitir valores voltados ao individualismo e superação do oponente, o esporte oficial não pode ser tomado como o “mal a ser combatido”, pois sua prática pode ser positiva em determinados contextos e colaborar num processo de formação moral. É necessário que o sentido adotado para a prática esportiva seja adequado ao ambiente em que ela ocorre, e seus valores transmitidos de forma consciente pelos participantes e promotores da atividade.
Não é o esporte oficial o fator de desequilíbrio entre exigência e capacidade de realização dos sujeitos, mas sim, o que se faz com ele. O esporte de lazer, quando pautado nessas normas, por exemplo, num campeonato de crianças, regido por uma federação, reproduz as realizações adequadas a um ambiente específico, próprio do esporte oficial, porém, num meio diferente. No meio profissional, os sujeitos envolvidos estão cientes da possibilidade de frustrações e preparados para tal. Isso não acontece necessariamente em todos os espaços de lazer. Por isso, inúmeras aberrações são observadas nessas práticas: especialização precoce, exigência de vitória sobre atletas amadores, lesões, entre outras que representam um desvio sobre os objetivos do esporte como lazer (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
Não é que as normas do esporte oficial não sejam adequadas ao ambiente de lazer, mas demandam dos praticantes capacidades físicas, emocionais e até de interações sociais de relacionarem-se com as exigências e ocorrências desse meio para transformá-lo numa prática saudável.
Num outro sentido, se apresenta o esporte de lazer re-significado, que deriva das normas e valores hegemônicos do esporte oficial. É, na verdade, uma transformação que apresenta objetivo distinto da busca exclusiva pela vitória, e prima pela valorização do processo da prática e as vivências que ele proporciona, através da mudança de sentido e significado que os participantes dão à atividade e à possível alteração das regras da disputa.
Isso permite ao praticante e, principalmente, ao professor, instrutor ou condutor da prática, que determine as regras e normas a serem cumpridas, moldando-as, assim como o sentido da atividade, de acordo com os interesses e possibilidades do grupo. Essa mudança de sentido pode tornar a prática mais atraente e integrativa, visto que visa excluir a rivalidade do processo competitivo. Assim, a competição continua presente, visto que é algo inerente ao esporte, porém não constitui necessariamente o ponto central da atividade.
Um fator importante nesse processo é a competição. Esta é uma característica inerente ao esporte, que não pode ser excluída. A essência do esporte pauta-se na competição (BARBANTI, 2011), seja contra um oponente, contra a natureza ou consigo próprio.
Assim sendo, o sentido dado à prática esportiva deriva da competição. Na verdade, é o valor que se dá ao resultado da vertente competitiva que determina o sentido a ser adotado na atividade (PAES, 2001). Se a determinação de vencedores é prioridade, toma-se proximidade ao esporte oficial. Já se a competição tem um caráter de estimular a prática, estabelecendo maiores possibilidades de adaptação da mesma aos participantes, há o apontamento para o esporte re-significado.
A competição no esporte de lazer re-significado pode ocorrer de diferentes maneiras, seja como uma tarefa a ser realizada pelos participantes (uma corrida em longa distância), a superação pessoal de marcas anteriores (melhora dos índices de um nadador amador de academia), ou como meio de motivação para a atividade (dois grupos de amigos que jogam futebol na praia).
Assim, a re-significação mora na alteração no valor da competição na atividade. Seja através de condutas morais, seja pela alteração de regras da disputa. Assim, a simples alteração de regras não garante uma mudança de sentido do jogo, visto que esse depende também de um consenso entre os participantes em relação aos objetivos da prática. Em alguns momentos, o exagero de adaptação das normas pode alterar em demasia a dinâmica do jogo, descaracterizando-o ou retirando sua atratividade. É preciso que o objetivo final seja contextualizado e informado aos participantes, para que se torne algo de conhecimento de todos (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
A adaptação de regras no esporte de lazer re-significado é uma forma de direcionar a prática para um sentido que agrade aos participantes e que transmita valores coerentes com o ambiente em que se insere. A principal meta dos envolvidos não é somente ganhar (claro que isso está presente, pois é um fator motivador para o jogo), mas é também vivenciar sensações provocadas pela disputa e esforço físico dentro de um contexto de oposição (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
O esporte como lazer re-significado implica numa mudança de sentido da prática esportiva hegemônica onde, ao invés dos participantes se adequarem às normas (o que acontece no esporte oficial e causa a segregação e comparação de capacidades individuais), é a atividade que é moldada para atender aos objetivos, expectativas, limitações e capacidades dos participantes. Nesse processo, tanto as normas quanto as formas da disputa podem ser gerenciadas e determinadas pelos participantes (o que não ocorre no esporte oficial). Essa pluralidade na ação criativa mantém vivos o desejo e a possibilidade do jogo, do divertimento e da sociabilidade (STIGGER, 2002). A transmissão de valores morais ocorre de acordo com o direcionamento dado pelo grupo participante, e interfere no processo de formação humana dos envolvidos.
3. Uma abordagem pedagógica acerca do esporte re-significado no lazer
O processo de re-significação do esporte no lazer tem como intenção a facilitação da prática aos envolvidos e uma transmissão positiva de valores morais, não para uma negação da existência ou presença do esporte competitivo de alto rendimento, como fenômeno social influente em nossa sociedade, mas sim, para uma maior compreensão crítica a respeito dele e a capacidade de escolher o sentido ou a forma de prática esportiva que seja mais adequada às necessidades, possibilidades e objetivos dos envolvidos.
A atuação como praticante no esporte competitivo profissional é algo a ser alcançado por poucos, e a participação nesse nível não depende única e exclusivamente de quem o busca, mas também do ambiente em que o indivíduo está inserido e de outros fatores que não competem a ele próprio nem ao professor ou supervisor esportivo. Por isso, não cabe, como objetivo das sessões esportivas re-significadas, uma busca da formação do atleta profissional, pois além da maioria dos alunos não chegarem a esse nível de exigência de performance, essa forma de ensino estaria ajudando a aliená-los sob um modelo de esporte visto como produto imutável. E, segundo Marcellino (2007), uma das funções do lazer é promover a compreensão social e o pensamento crítico.
De acordo com Marcellino (2007), o espaço do lazer é um campo fértil para a educação e a formação de cidadãos autônomos, críticos e independentes. O ensino ou proposta pautada numa re-significação do esporte propõe, para o alcance de tais objetivos um tratamento mais humano e pedagógico a esse fenômeno, orientado por valores, princípios e significados que não os de alto rendimento, mas sim, os de participação e inclusão. Pode-se valorizar e priorizar os impactos do ensino sobre a formação humana dos alunos, e não apenas a manutenção e imposição de formas pré-definidas de práticas esportivas.
Esse ponto torna-se importante metodologicamente, pois, considerando a oportunidade dos envolvidos transformarem e construírem formas de prática esportiva, é legítimo que esta tenha um ponto de partida que valorize a forma de agir e manifestar dos mesmos, atingindo-os de forma mais humana e estimulando-os à participação e intervenção no processo.
É importante que o foco da sessão pautada na re-significação do esporte seja a participação e a realização de objetivos próprios do indivíduo que valorizem não a mensuração de quem é o melhor, mas, sim, a ação de intervir e agir num ambiente que exija uma postura ativa por parte do sujeito. Essa dinâmica possibilita experiências através do aprendizado desse conteúdo da Cultura Corporal, que leve o aluno a acreditar em suas potencialidades, encorajando-o a colocar-se em evidência em ocasiões que sejam de seu interesse.
Para tal, esse processo deve pautar-se em atividades que estimulem a participação de todos e que valorizem o ato de “explorar” o esporte, independente do resultado da disputa, quando esta se fizer presente, visando proporcionar aos envolvidos um sentimento de realização e êxito próprio na prática (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008).
Cabe ao professor/promotor a postura de valorização das realizações próprias do aluno quando estas atingirem ou superarem o nível anterior de conhecimento do mesmo, evitando comparações entre os participantes, não os rotulando como aptos e não aptos à prática de determinada modalidade.
4. Processo de identificação de similaridades e categorização de modalidades esportivas
De acordo com o Modelo de concepção das formas de manifestação do esporte, ao promover ou ensinar uma prática esportiva, o profissional de Educação Física deve atentar-se às características do ambiente, da modalidade e ao sentido desejado para a atividade. Após a definição desses fatores, começa o planejamento e preparação da sessão esportiva. Porém, cada modalidade apresenta suas particularidades, o que demanda do agente da ação o domínio das possibilidades de variações e transformações para que haja uma adequação coerente com o espaço em que se encontra.
Para isso, este trabalho propõe uma categorização e exploração mais específica acerca de modalidades esportivas e suas possibilidades de re-significação. A partir desta divisão, é possível basear o ensino/promoção do esporte em grupos de modalidades comuns que detenham a mesma lógica de ação e possam transmitir determinados valores através de sua prática.
Como exemplo, tem-se os Princípios Operacionais dos Esportes Coletivos, de Claude Bayer (1994), que apontam para similaridades e uma origem embrionária comum entre modalidades coletivas. O mesmo pode ser apontado para as lutas, ginásticas, entre outras formas de prática.
Torna-se interessante, então, uma divisão e categorização das diversas formas de modalidades esportivas, de acordo com características comuns, que possam, a partir de um maior entendimento dessas, nortear um processo de re-significação do ensino e promoção do esporte. Tal processo não visa alterar o esporte em sua forma básica de manifestação, mas sim, transformar modos de comportamento e ação, re-significando valores para que possam ser ensinados de acordo com os objetivos do professor/promotor e grupos de praticantes.
4.1. Categorização das modalidades esportivas e proposta de diretrizes para re-significação do esporte
Para a realização de um processo de categorização das modalidades esportivas, foram estudadas as modalidades que estarão em disputa nos Jogos Olímpicos de Verão de 2012 em Londres, consideradas como de grande importância na manifestação do esporte de alto rendimento, devido suas normas e regras padronizadas mundialmente. De acordo a “home page” oficial dos Jogos Olímpicos de Verão de Londres 2012, as modalidades esportivas a serem disputadas serão:
Analisando essas modalidades esportivas, nota-se algumas semelhanças e diferenças entre elas, determinantes em sua categorização. Independentemente de suas origens e processos de esportivização, a divisão e categorização das modalidades esportivas em questão respeitarão os seguintes critérios, desenvolvidos neste trabalho para identificar semelhanças entre as mesmas:
Formas de mensuração de performance: Análise a respeito de como são determinados os vencedores e contabilizados os recordes nas modalidades;
Relação competitiva entre adversários: Formas de comparação entre adversários para detecção do melhor resultado;
Objetivo da disputa: Meta a ser alcançada por competidores para que haja a disputa pela vitória.
Segundo Kunz (1994), a principal meta a ser alcançada por um processo de ensino/promoção do esporte é a não ocorrência do sentimento de fracasso na prática esportiva, tornando-a prazerosa e interessante a todos. Portanto, para que isso aconteça, é necessário diagnosticar quais as características próprias de cada categoria de modalidade esportiva que propiciam um ambiente favorável à inclusão e vivência de sucesso por parte dos alunos.
Para que isso ocorra, é preciso que os parâmetros referentes a erros e acertos, sucesso e fracasso, sejam delineados de forma diferente aos critérios estabelecidos pelos padrões do alto rendimento, não considerando “erro” ou “fracasso” como uma execução fora dos padrões técnicos pré-estabelecidos ou como resultado não favorável à pontuação de uma equipe, e considerar o “acerto” ou “sucesso” como toda tentativa de realização por parte do aluno que seja produtiva em relação ao processo de aprendizagem e que tenha exigido do mesmo a iniciativa de participar e interagir com a atividade.
De forma paralela a essa iniciativa, é preciso que o ambiente de aula seja pautado por atividades condizentes com as capacidades de realização dos alunos, além do entendimento de que o “erro” se fará presente de acordo com as determinações desse meio, ou seja, desmistificando a necessidade de alto rendimento e proporcionando a todos que ajam de forma própria e tenham novas oportunidades para tentativas melhores sucedidas do que anteriores, promovendo uma desvalorização do ato “errado”, e valorizando mais o indivíduo que tenta realizar, que arrisca, que participa.
Para tal, algumas medidas podem ser tomadas em relação à dinâmica da aula e às atividades propostas, como o sorteio para determinação das equipes (não expondo os alunos à escolha pelos colegas e também não caracterizando a montagem dos times por parte do professor/promotor como um ato autoritário) ou alguma outra forma discutida com os alunos (desde que não proporcione situações de exclusão de algum indivíduo perante o grupo); a alteração ou adaptação das regras do jogo ou das atividades propostas, de acordo com as necessidades percebidas pelo professor/promotor e pelos alunos para o alcance do objetivo da aula; sorteio para ordem de entrada em campo de jogo por parte das equipes (caso não seja possível, por algum motivo de força maior, a presença de todos no campo de jogo); criação, por parte dos envolvidos, de materiais alternativos que auxiliem nas práticas propostas; e a valorização do ato de jogar e interagir com a prática, desvinculando-a da necessidade de busca pela vitória.
Ao considerar os critérios estabelecidos neste trabalho, quatro categorias de modalidades esportivas podem ser caracterizadas:
4.1.1. Jogos de oposição com disputa por implemento central
Essa categoria específica é dividida em dois sub-grupos, devido a estes terem características semelhantes em relação aos critérios adotados. Porém, existe uma diferença marcante e determinante entre os mesmos, um engloba jogos coletivos (disputados entre equipes que se enfrentam) e outro jogos individuais (disputados entre dois indivíduos que se enfrentam).
4.1.1.1. Jogos coletivos
Formas de mensuração de performance
Relação competitiva entre adversários
Objetivo da disputa
Exemplos
Apontamentos para re-significação desta categoria de modalidades
O processo de ensino/promoção do esporte re-significado, através deste tipo de modalidade esportiva, deve, primeiramente, respeitar algumas características básicas, como a necessidade da presença de adversário, a ocorrência de oposição, e disputa pela posse do implemento do jogo (bola ou algum outro objeto), a necessidade de avançar ao campo adversário e defender o próprio, além de atingir a meta, evitando que o adversário chegue à defendida (Bayer, 1994).
De acordo com essas características, o primeiro passo para o ensino/promoção dessas modalidades é o entendimento de que os adversários são inerentes e necessários à prática e que não devem ser considerados inimigos, mas simplesmente, jogadores que atuam por outra equipe. Porém, é implícito ao adversário o desejo de atrapalhar as ações do time oposto, além de tentar realizar mais pontos do que este.
A fim de lidar com esse quadro, é desnecessária a nomeação e a valorização de um vitorioso em determinadas disputas, evitando que as situações de adversidade se transformem em rivalidade. É preciso destacar que num processo dessa magnitude, o papel do adversário é de um sujeito que proporcionará a disputa pela posse do implemento e, assim, contextualizará uma razão ao jogar.
Outro fator a ser tratado é a necessidade do jogo em equipe, pois estas modalidades caracterizam-se por sua necessidade de coletividade, considerando que algumas ações de cunho individualista podem ser entendidas como coletivas, pois, ao realizar um drible em dois adversários, um atacante de futebol pode não ter a necessidade de realizar uma terceira ação, devido ao posicionamento correto de seu colega, atraindo a marcação do terceiro adversário. Alguns autores como Bayer (1994) e Garganta (1995) sugerem essa necessidade de coletividade, tanto em situação de defesa quanto de ataque, assim como, tanto para condução do implemento do jogo ao alvo quanto para o preenchimento de espaços vazios no campo de jogo.
Cabe então ao professor/promotor realizar atividades e jogos próprios ao ensino/promoção dessas modalidades que valorizem o entendimento do adversário como um colega para a prática, e a valorização do caráter de grupo e coletividade dentro da equipe, estimulando a ação de todos dentro do jogo e valorizando ações táticas, que nem sempre deixam o jogador com a posse do implemento, estimulando a participação e despertando o sentimento de realização e atuação ativa em sua equipe, mesmo que não detenham a posse do implemento central durante a maioria do tempo.
A questão não é o método de ensino/promoção ou a habilidade motora trabalhada, mas sim o procedimento pedagógico adotado (FERREIRA, 2009). São os retornos prestados pelo professor/promotor aos envolvidos que garante a re-significação. É a valorização do processo e do sentimento de superação, o estímulo ao aprendizado e à busca pelo prazer e o depósito em segundo plano do resultado e da valorização da vitória.
Um exemplo aplicado deste processo tem-se no revezamento de equipes em campo de jogo. Ao manter sempre o vencedor das partidas em atuação valoriza-se a vitória acima de outras vertentes do esporte. Quando a entrada ou saída de equipes deriva de uma ordem pré-determinada, por exemplo, a certeza da participação e do aguardo faz com que o processo de atuação seja mais importante do que seu resultado.
Concluindo, é preciso que num processo de ensino/promoção de esportes coletivos na escola, seja criado um ambiente em que a participação ativa de todos, a coletividade, o entendimento tático e do contexto do jogo, a criação e adaptação de regras por parte dos alunos e o entendimento da existência de adversidade, e formas de lidar com ela, sem que se transforme em rivalidade, sejam estimuladas pelo professor/promotor, colaborando para que os objetivos do ensino/promoção do esporte re-significado sejam alcançados.
4.1.1.2. Jogos individuais
Formas de mensuração de performance
Relação competitiva entre adversários
Objetivo da disputa
Exemplos
Apontamentos para re-significação desta categoria de modalidades
Alguns dos jogos individuais com implemento, no caso o Tênis de Campo, Tênis de Mesa, Badminton, exigem, além do implemento central do jogo (bola, peteca etc.), algum outro material como raquete, por exemplo (sendo este um implemento de auxílio no jogo). Segundo Stucchi (1993), esse fator pode ser um sério complicador num processo de ensino/promoção desses esportes, pois o dispêndio financeiro com esses utensílios é alto, obrigando muitas vezes o professor/promotor a buscar alternativas, como materiais mais baratos ou adaptados (como rede de vôlei fixada no solo, no caso do tênis de campo), ou até algum outro desenvolvido pelos próprios alunos, que sirva para a vivência e aprendizagem dessas modalidades.
Stucchi (1993) atenta para outra questão a respeito da necessidade de um implemento de auxílio, a exigência de familiarização do aluno com esse objeto. Segundo esse autor, é preciso que o aluno domine a movimentação do braço e do objeto como um único corpo (entendendo este implemento como parte dele), podendo assim, ampliar suas possibilidades de jogo.
Em relação ao ensino/promoção destas modalidades esportivas, pode-se destacar uma grande semelhança em relação aos esportes coletivos, pois, embora o jogador atue sozinho, as intenções e formas de disputa do jogo são as mesmas. Dessa forma, pode-se destacar a necessidade da presença de um adversário para a realização da disputa.
Um fator importante a ser considerado nesse processo é o de que, ao jogar sozinho, o aluno necessita de certa autonomia em suas decisões, assim como a responsabilidade total por seus atos e pelas ocorrências no jogo, sendo esse um ponto que requer uma atenção especial por parte do professor/promotor, devido ao fato de, ao tomar atitudes não tão ideais ao momento do jogo, o aluno possa vir a criar um sentimento de fracasso e aversão à prática. Da mesma forma, se o caráter competitivo e a busca pela vitória não forem valorizados, essas modalidades expressarão uma oportunidade de desenvolver no aluno sua autonomia e responsabilidade por suas ações.
Portanto, num processo de ensino/promoção destas modalidades é importante considerar, assim como nos esportes coletivos, a oportunidade dos alunos sugerirem, alterarem e adaptarem regras, de acordo com as necessidades observadas por eles e pelo professor/promotor.
Em relação às atividades, estas podem valorizar o entendimento tático do jogo e a capacidade do aluno de tomar decisões, estando ausente a nomeação de vencedores e perdedores, sendo, como critério de escolha de adversários, ou alguma forma a ser discutida com os alunos, que não proporcione situações de exclusão de algum indivíduo perante o grupo.
Concluindo, é importante durante esse processo que os alunos tenham liberdade para desenvolverem formas próprias de relacionamento com os implementos do jogo, além de interferirem nas alterações, criações e adaptações das regras dos jogos propostos, estimulando a criticidade e a autonomia ao expressar-se. É importante também salientar a valorização da presença do adversário como necessária à realização do jogo, evitando a rivalidade, além de não denominar vencedor e “campeões”, desprestigiando a comparação direta e taxativa entre os alunos.
4.2. Modalidades de demonstração
Formas de mensuração de performance
Relação competitiva entre adversários
Objetivo da disputa
Exemplos: Ginástica artística; Ginástica rítmica; Nado sincronizado; Saltos ornamentais; Trampolim acrobático.
Apontamentos para re-significação desta categoria de modalidades
Esta categoria de modalidades engloba um campo no qual há grande ocorrência de um processo de aprendizagem e treinamento baseado em exercícios e técnicas pré-definidas e padronizadas. Um ponto muito presente nessas modalidades, devido à sua forma de disputa e objetivo dos participantes, é a busca pela excelência técnica de acordo com a estética de gestos, pois o desempenho é medido através da avaliação do grau de perfeição na execução de movimentos e exercícios.
Segundo Ayoub (2003), a Ginástica exerce um papel de “endireitamento” ou “educação” do corpo, ou seja, um processo de determinação de normas de movimentos e pedagogização de gestos pré-definidos. Devido a esta característica, essas modalidades normalmente são pautadas em treinos de exercícios e movimentos padronizados, além da elaboração de séries de exercícios para apresentações. Conseqüentemente, a exigência sobre o praticante é a busca por um realizar técnico previamente definido, dentro dos padrões estabelecidos pelos órgãos controladores do meio.
De acordo com essa realidade, num processo de ensino/promoção dessas modalidades, o professor/promotor não precisa pautar-se no desenvolvimento puro de exercícios padronizados, exigindo dos alunos um realizar técnico o mais próximo possível de determinações pré-estabelecidas. Esse professor/promotor pode propor atividades que valorizem a liberdade de criação e de transformação das formas de movimentos por parte dos alunos, sem o enfoque de busca por alta performance.
Um ponto importante é a forma com que pode ocorrer o aprendizado de técnicas próprias dessas modalidades. Esse ensino/promoção não precisa, necessariamente, ser pautado em séries analíticas que decompõem o exercício em partes, sendo essas repetidas insistentemente até a compreensão do mesmo como um todo. Este pode ser pautado em atividades que privilegiem o ato de brincar e criar do aluno, através de práticas que proponham formas de se movimentar, para que, com a ajuda do professor/promotor, a criança atinja o aprendizado desejado.
Aprender Ginástica [...] significa, portanto, estudar, vivenciar, conhecer, perceber, confrontar, interpretar, problematizar, compartilhar, apreender as inúmeras interpretações da ginástica para, com base nesse aprendizado, buscar novos significados e criar novas possibilidades de expressão gímnica. (Ayoub, 2003, p.87)
Portanto, essa categoria de modalidades, embora embasada num ambiente que exija do praticante a busca pela melhora de realização de movimentos, pode ser ensinada/promovida de forma a proporcionar uma oportunidade para os alunos se movimentarem de maneira mais autônoma, descobrindo meios próprios de fazê-lo. Dentre as categorias em estudo, essa é a que mais se aproxima do aprendizado pautado na descoberta do movimento em si, sem a intenção de utilizá-lo para outros fins, como nos jogos, para conduzir um implemento, nas lutas, para atingir o adversário e nas modalidades de comparação direta de performances, para realizar tarefas da forma mais eficiente possível. O movimento nesta categoria de demonstração ocorre por si só, proporcionando liberdade e riqueza de possibilidades de expressão aos alunos durante tais práticas.
Nista-Piccolo (1995) sugere uma organização de aula/sessão de ginástica formada por três momentos, sendo o primeiro baseado no contato dos alunos com o tema de aula e descoberta de possibilidades de ação por parte dos mesmos; no segundo as atividades são propostas em forma de problemas a serem resolvidos pelos alunos, fazendo com que os mesmos criem alternativas de ação dentro da proposta do professor/promotor; no terceiro momento, caso algum elemento objetivado pelo professor/promotor não tenha sido trabalhado ou descoberto pelos alunos, este é apresentado ao grupo, porém, oportunizando aos mesmos a possibilidade de exploração sobre o conteúdo de forma livre e lúdica.
Segundo Ayoub (2003), esse modelo de aula estimula a liberdade de expressão, a exploração e a descoberta de novas possibilidades de ação, o que favorece o desenvolvimento da criatividade e a autonomia dos alunos, incentivando-os a pensarem sobre a prática e criarem formas próprias de expressão em relação ao tema proposto pelo professor/promotor. É possível ainda acrescentar que essa prática propicia a troca de experiências entre os alunos, desenvolvendo sua capacidade de decisão e comunicação dentro de um grupo.
Portanto, o ensino/promoção das modalidades pertencentes a essa categoria pode priorizar o desenvolvimento da capacidade de decisão e ação do aluno, incentivando-o a criar e manifestar-se de acordo com suas experiências e trocas de conhecimentos com colegas.
4.3. Modalidades de comparação direta de performances atléticas
Formas de mensuração de performance
Relação competitiva entre adversários
Objetivo da disputa
Exemplos
Apontamentos para re-significação desta categoria de modalidades
Em relação a esta categoria de modalidades esportivas, é importante considerar o trabalho de Kunz (1994), no qual é proposta a transformação didático-pedagógica do esporte, baseando-se e exemplificando suas idéias através do ensino/promoção do atletismo.
Nessa proposta, um item marcante é a eminente desvalorização da competição, pois, considerando a forma de mensuração e comparação de resultados desse grupo de modalidades, nota-se que, para a realização de sua prática, não é necessária a presença de um adversário, pois o Se-movimentar (KUNZ, 1994) próprio dessas atividades consiste na realização de movimentos desvinculados dos de outros praticantes, sendo a relação entre os indivíduos que disputam estar ligada à comparação de índices obtidos pelos mesmos.
Ao desvalorizar o caráter competitivo num processo de ensino/promoção dessas modalidades, o professor/promotor privilegiará o ato de o aluno realizar movimentos e ações próprias do conteúdo ensinado, de forma desvinculada da mensuração e busca por índices e resultados, pois, neste ambiente, o fato mais importante a ser considerado passa a ser a vivência e a realização dos alunos, não a marca alcançada pelos mesmos. Kunz (1994) aponta formas de prática adaptadas, com materiais e regras adequados à realidade dos praticantes, como a utilização de materiais alternativos para o ensino/promoção do atletismo, como bolas mais leves para arremessos e a adaptação de distâncias e alturas a serem superadas, por exemplo.
Outro fator a ser considerado é a ênfase dada ao ensino/promoção da técnica em relação a essa categoria de modalidades. Considerando que num ambiente de alto rendimento os atletas treinam para alcançar uma técnica que seja a mais eficiente possível, na expectativa de alcançar índices cada vez melhores, o processo de treinamento dos mesmos é centrado numa forma de se movimentar extremamente específica e cientificamente determinada, ocorrendo certa padronização de formas de movimento. Já no ambiente escolar, considerando os objetivos e valores a serem transmitidos pelo ensino/promoção do esporte re-significado, o aprendizado deve ocorrer de forma a estimular nos alunos o desenvolvimento de meios próprios de Se-movimentar, de acordo com os objetivos da aula, através de atividades de caráter lúdico, desvinculadas de princípios do treinamento esportivo e de mensuração de índices.
Portanto, a prática a ser utilizada pelo professor/promotor deve ser pautada no estímulo à participação e interferência por parte dos alunos, tanto no desenvolvimento e adaptação das atividades, quanto na valorização da capacidade de criar e transformar formas de Se-movimentar próprias de cada indivíduo, vivenciando as sensações proporcionadas pelas práticas dessas modalidades, como o correr rápido ou por longo tempo ou saltar, por exemplo.
4.4. Modalidades de oposição sem disputa por implemento central
Nessa categoria de modalidades, de acordo com os critérios desenvolvidos, são agrupadas essencialmente diversas formas de Lutas, devido à compatibilidade entre a definição destas e as características desse grupo.
Formas de mensuração de performance
Relação competitiva entre adversários
Objetivo da disputa
Exemplos
Apontamentos para re-significação desta categoria de modalidades
Inicialmente, o ensino/promoção de modalidades de Luta na escola deve ter como objetivo a vivência nessas atividades e das sensações proporcionadas por elas, além da possibilidade de Se-movimentar, de forma contextualizada, em sintonia com o parceiro.
Um fator importante a ser considerado pelo professor/promotor ao ensinar modalidades próprias desse grupo é o conceito de luta a ser adotado pelo mesmo. De acordo com a conceituação de Nakamoto et al. (2004), o ato de lutar é vinculado ao de jogar, pois sua prática necessariamente ocorre com a presença de um adversário, e a lógica central da mesma é baseada no alcance e proteção do alvo por parte dos praticantes.
Dessa forma, num processo de re-significação do esporte através do ensino/promoção desse grupo de modalidades, é importante que sejam considerados a necessidade da existência de um adversário e o papel deste como possibilitador da prática, não sendo nomeado como um inimigo a ser combatido, mas sim, um colega ou parceiro de atividade. Tal medida é importante, pois, além de transmitir valores de cooperação e convivência entre adversários, entendendo o opositor como um indivíduo que colabora para a realização da prática, o ato de lutar, tendo como alvo o adversário, proporciona aos alunos um ambiente que exige respeito e limites de ação, visando até mesmo à integridade física de todos.
É importante que o processo não seja limitado à aprendizagem de técnicas pré-determinadas de modalidades de lutas específicas, pois, o objetivo é proporcionar um ambiente pautado no estímulo ao Se-movimentar em relação ao colega, de acordo com a contextualização da prática, sendo a mesma uma oportunidade de relação corporal entre os alunos, na qual o toque e a sensibilidade de suas formas de movimento e do colega são privilegiados.
5. Considerações finais
O esporte re-significado no ambiente de lazer não é uma forma antagônica ao modelo oficial exposto no alto rendimento. Na verdade é uma alternativa que prioriza questões ligadas à participação social e adequação da prática aos anseios e necessidades dos praticantes. Sua aplicação faz-se legítima e coerente quando o ambiente esportivo é adequado.
A intenção final deste ensaio foi refletir sobre processos pedagógicos de re-significação da prática esportiva de acordo com particularidades de modalidades específicas. Isso não pode ser confundido com uma negação ao esporte de alto rendimento. Muito pelo contrário. É uma tentativa de adequar a prática esportiva aos diferentes propósitos e ambientes em que ela possa ser inserida, e desse modo, otimizá-la para que seja positiva para o desenvolvimento humano dos envolvidos nesse espaço, estreitando seus laços com o fenômeno esportivo como um todo.
Referências
AYOUB, E. Ginástica geral e educação física escolar. Campinas, editora da UNICAMP, 2003.
BARBANTI, Valdir José. Dicionário de educação física e esporte. 3ed. Barueri: Manole, 2011.
BAYER, Claude. O ensino dos desportos coletivos. Lisboa: Dinalivro, 1994.
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FERREIRA, Henrique Barcellos. Pedagogia do esporte: identificação, discussão e aplicação de procedimentos pedagógicos no processo de ensino-vivência aprendizagem da modalidade basquetebol. Dissertação de mestrado (2009). Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
GARGANTA, Júlio. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: GRAÇA, A. OLIVEIRA, J. (Orgs.) O ensino dos jogos desportivos. Porto: Universidade do Porto, 1995.
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KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí, Ed. Unijuí, 1994.
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MARCELLINO, Nelson Carvalho. Algumas aproximações entre lazer e sociedade. Animador social: Revista Iberoamericana, v1, n2, 2007.
MARQUES, Renato Francisco Rodrigues. Esporte e Qualidade de Vida: reflexão sociológica (2007). Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis; ALMEIDA, Marco Antonio Bettine de. O esporte contemporâneo e o modelo de concepção das formas de manifestação do esporte. Revista Conexões. Campinas, UNICAMP V. 6, n.2, 2008.
NAKAMOTO, H. O et al. Ensino de lutas: fundamentos para uma proposta sistematizada a partir dos estudos de Claude Bayer. In: Anais do 3o Congresso Cinetífico Latino-americano de Educação Física da UNIMEP. 9 a 12 de junho, Piracicaba, p.1297, 2004.
NISTA-PICCOLO, V.L. A educação motora na escola: uma proposta metodológica à luz da experiência vivida. In: De MARCO (org.), Pensando a Educação Motora. Campinas, Papirus, 1995, pp. 113-20.
PAES, Roberto Rodrigues. Educação Física escolar: o esporte como conteúdo pedagógico do ensino fundamental. Canoas: Editora Ulbra, 2001.
PRONI, Marcelo Weischaupt. Esporte-espetáculo e futebol-empresa. (1998). Tese de doutorado. Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
STUCCHI, Sérgio. O jogo de tênis na escola: uma tentativa de popularização e inclusão no conteúdo da Educação Física Escolar. Dissertação de mestrado, Universidade Metodista de Piracicaba, 1993.
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