Educação Física e ciência: revisitando elementos do debate Educación Física y ciencia: revisando elementos para el debate |
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Especialista em Educação Física Escolar pela Universidade Federal de Santa Maria (Brasil) |
Márcia Morschbacher |
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Resumo Neste artigo, problematizam-se questões relativas ao debate que marca a Educação Física brasileira no decurso da década de 1980 no que se refere ao seu estatuto científico. Assim, a partir de um estudo bibliográfico, revisitam-se os distintos pontos de vista que sustentaram/sustentam o debate em torno do seguinte ponto: “Afinal, Educação Física é ciência?”. Como síntese da discussão, coaduna-se com Gamboa (2007) no que alude à consideração e que, a Educação Física, desafiando a tradicional configuração das ciências, pode e deve constituir-se como uma área de conhecimento cuja especificidade seja a prática pedagógica; cabendo à mesma a sistematização crítica dessa mesma prática, processo esse que demanda a fundamentação no conhecimento científico já produzido e sistematizado pelas demais ciências. Unitermos: Educação Física. Ciência. Epistemologia.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
A necessidade humana de conhecer a realidade coloca-se como uma demanda histórica, motivada por interesses e necessidades distintas nos diferentes períodos históricos. No caso da modernidade, essa complexa necessidade, mencionada aqui de forma sobremaneira simplista, é suprida mediante da convicção de que a razão se constitui na forma factível e adequada para tal.
Tendo em vista a gradativa derrocada do feudalismo e, com ele, os dogmas religiosos, a realidade passa a ser conhecida e “dominada” a partir de rigorosos métodos de investigação, ou seja, métodos científicos. Dadas as condições em que o conhecimento científico é produzido e na medida em que este atende às demandas sociais que legitimam a sua produção, a ciência passa a deter o status de conhecimento “verdadeiro”.
Historicamente, o desenvolvimento da Educação Física como área de conhecimento ocorre devido a influxos que advém de diferentes instâncias, como a medicina e o sistema esportivo, do mesmo modo que a fundamentação de suas intervenções provém de disciplinas já consolidadas no âmbito da ciência (como a biologia e a fisiologia, por exemplo). Esta é a condição mediante a qual, historicamente, a Educação Física se desenvolve, como área de conhecimento/ disciplina acadêmica.
Devido ao desenvolvimento acadêmico da área, a partir da década de 1980, uma questão se torna central ao devir da Educação Física brasileira: “Afinal, Educação Física é ciência?”, ou, de outro modo, podemos/queremos/devemos ser ciência?
Ainda que sejam observadas divergências no tocante à questão, revisitá-la e discuti-la representa um dos desafios propostos neste trabalho, para o qual discutir-se-ão questões em torno do debate científico da Educação Física, o posicionamento de autores que compreenderam que esta temática era (e é) representativa para a área e que propuseram alternativas em relação ao mesmo1 e, decorrido certo tempo em que este debate emerge, quais são as perspectivas que se colocam contemporaneamente em relação ao estatuto científico da Educação Física.
2. Legitimando a Educação Física pela ciência: “Educação Física é ciência”?
Considerando o processo de desenvolvimento histórico da Educação Física, em que esta se desenvolve intimamente ligada às instituições médica, militar e esportiva (evidência que instiga Paiva (2003) a mencionar certa falta e/ou insuficiente autonomia à Educação Física, tendo em vista que, historicamente, esta é subordinada aos interesses próprios destas instituições), observa-se que esta se constitui, precipuamente, como uma área de conhecimento eminentemente voltada à intervenção. Vaz e Carballo (2003, p.108) asseveram que “[...] apenas mais tardiamente, pelo próprio desenvolvimento histórico que lhe é interno e pelas demandas sociais a que tem que responder, se coloca como área/disciplina de conhecimento”.
A preocupação em legitimar e explicitar a identidade acadêmica da Educação Física emerge, portanto, a partir do final da década de 1970 (DAÓLIO, 1997), período representativo para a área por ocasião do período histórico do país, a “abertura política”. Associa-se a este cenário o regresso dos primeiros brasileiros doutorados no exterior, a procura por parte dos professores de Educação Física por cursos de pós-graduação de outras áreas, especialmente das Ciências Humanas, além do desenvolvimento e do crescimento do próprio campo acadêmico da Educação Física brasileira com a criação dos primeiros cursos de pós-graduação em nível de mestrado no Brasil (na USP em 1977, na UFSM em 1979 e na UFRJ em 1980), do aumento das publicações e da realização de eventos acadêmico-científicos (DAÓLIO, 1997; KUNZ, 2006).
É neste período que a Educação Física, em um processo denominado por Bracht (1999) de “crise de identidade”, passa a questionar-se em relação à sua identidade, àquilo que representara até então e em que (quem) se fundamentara para legitimar-se como área de conhecimento/intervenção. O mesmo autor explicita que a preocupação em legitimar a Educação Física ascendendo-a à condição de ciência, com objeto, método e linguagem próprios, representa, hipoteticamente, a possibilidade de superação da referida crise.
Por ocasião das questões mencionadas anteriormente no que se refere à problemática suscitada em torno das demandas colocadas à Educação Física ao intencionar “tornar-se” ciência, sobretudo quanto à indefinição de seu objeto de estudo, mas, também para além deste, torna-se pertinente apresentar alguns questionamentos, os quais convergem ao debate em torno desta temática: a Educação Física pode ser “colocada” no âmbito das Ciências Biológicas ou das Ciências Humanas? A Educação Física é ciência básica ou ciência aplicada?
Estas questões, para além do debate acadêmico, colocam-se também no plano político, na medida em que diferentes concepções (provenientes de visões sociais de mundo diferentes) concorrem para representar epistemologicamente a Educação Física e apresentar distintas “soluções” ao impasse colocado para que esta área “torne-se” ciência. Na seção subsequente, apresenta-se e discutem-se alguns desses pontos de vista.
3. Revisitando os diferentes posicionamentos acerca da temática
No que se refere à problemática relativa ao processo de cientifização da Educação Física, alguns autores elaboraram diferentes proposições, embora antagônicas entre si, com o objetivo de suprir as demandas originadas desse processo.
A fim de possibilitar uma profícua compreensão do mesmo e dessas proposições, faz-se necessário revisitar alguns autores, os quais, mediante suas perspectivas em relação a esta temática, representam o antagonismo supracitado. Neste caso, Souza (2009) classifica estas diferentes posições em dois grupos: no primeiro, situa a perspectivas provenientes da “Ciência da Motricidade Humana” (proposição de Manoel Sérgio) e das “Ciências do Esporte” (proposição de Jorge Olímpio Bento, conforme Ferreira (1995)). O segundo grupo, por sua vez, considera a Educação Física como uma prática social e/ou prática pedagógica que se fundamenta nas demais ciências.
O primeiro grupo compreende que a legitimidade da Educação Física (ou a “resolução” da sua crise de identidade) somente poderia ser alcançada se a área fosse reconhecida como ciência.
Ante esta asserção, alguns autores, consideradas as suas peculiaridades, com o intuito de atender a esta demanda, propõem criar uma nova ciência que solucionaria o impasse sobre o objeto, o método e a linguagem que confeririam à Educação Física o status de ciência. Neste trabalho, apresentam-se e discutem-se a proposição de Manoel Sérgio Vieira da Cunha, a “Ciência da Motricidade Humana” e a de Jorge Olímpio Bento, as “Ciências do Esporte” (BRACHT, 1999).
Manoel Sérgio propõe a Ciência da Motricidade Humana, em que o objeto de estudo desta nova ciência, inserida no âmbito das “ciências do homem”, é a motricidade humana. Nesse ínterim, seria a motricidade humana o elemento capaz de abarcar as diversas manifestações do movimento humano e, concomitantemente, garantir certa exclusividade a esta ciência/área de conhecimento no que se refere ao seu objeto científico (TOJAL, 2006). Para Sérgio (1991 apud BRACHT, 1999, p.109), a Ciência da Motricidade Humana: “[...] tem portanto o seu lugar assegurado entre as Ciências do Homem, como uma região da realidade bem específica: o movimento humano”.
Bracht (1999) contrapõem-se à viabilidade da Ciência da Motricidade Humana apontando alguns equívocos de Manoel Sérgio ao postular a criação/construção desta nova ciência, sobretudo em relação ao objeto de estudo desta (o movimento humano/motricidade humana), o qual não deve emergir/ser construído mediante um simples recorte da realidade, mas sim, precipuamente: “[...] a construção desse objeto de estudo se dá pela maneira como essa realidade é abordada” (Ibid., p.109). Neste sentido, o objeto de estudo preconizado pela Ciência da Motricidade Humana (não é e) não pode se constituir em objeto exclusivo desta, visto que pode ser abordado de diversas maneiras ou pontos de vista, vinculados à perspectiva epistemológica própria de cada disciplina que se propor estudá-lo (Ibid.).
Bracht (1999) ainda esclarece que: “[...] sabemos que as diferentes disciplinas que se ocupam do estudo do movimento humano [...] pautam-se por princípios epistemológicos das ciências da natureza ou das ciências humanas” (BRACHT, 1999, p.110). Nesse sentido, Bracht (1999) questiona, ainda, a intenção de Manoel Sérgio ao inserir a Ciência da Motricidade Humana no âmbito das “ciências do homem”, considerando que esta (a Ciência da Motricidade Humana) não pode prescindir dos conhecimentos acerca do movimento humano procedentes das ciências da natureza.
As Ciências do Esporte, por sua vez, apresentam algumas peculiaridades em relação à anterior “proposta de ‘cientifização’ da área” (BRASCHT, 1999). Ante o status social alcançado pelo esporte, este é estudado e respaldado cientificamente por diferentes área e subáreas de conhecimento: “Se observarmos o quadro das Ciências do Esporte, verificaremos que o movimento dominante ainda é o da fragmentação, que é crescente com o aparecimento de sempre novas especialidades e subespecialidades” (BRACHT, 1999). A evidência da fragmentação, conforme observa o mesmo autor, dá-se ao nível das disciplinas, em que cada uma, em consonância com objetivos e pressupostos epistemológicos distintos, aborda o esporte de diferentes formas. Associa-se a esta constatação, o fato de que, embora fosse (e, em certa medida, é) possível referir-se a uma ciência interdisciplinar, esclarece Bracht (1999), que em vez de uma interdisciplinaridade, tem-se uma multidisciplinaridade, em que as disciplinas que estudam o esporte (ressalvados os seus diferentes objetivos de estudo e identidades epistemológicas) reúnem-se somente em função de interesses corporativos (ligados ao sistema esportivo).
O segundo grupo, em consonância com Souza (2009), considera a impossibilidade de que a Educação Física constitua-se, no atual período histórico, como ciência. Para tanto, tendo em vista a especificidade da área, consubstanciada no seu caráter eminentemente pedagógico, compreendem-na como uma prática social/prática pedagógica que trata/tematiza as manifestações da cultura corporal, a qual, entretanto, não deve se eximir de se fundamentar no conhecimento científico de outras disciplinas (BRACHT, 1999).
Deste modo, Bracht (1999) indica que o campo acadêmico da Educação Física tem se constituído a partir da: “[...] absorção e/ou incorporação de práticas científicas fortemente marcadas por abordagens monodisciplinares do fenômeno do movimento humano ou de atividade física” (p.30). A incorporação das práticas científicas das outras disciplinas dá-se mediante o enfoque disciplinar determinado pela “disciplina-mãe”. Destarte, afirma o autor que: “Um pouco da crise de identidade da EF vem daí, do desejo de tornar-se ciência, e da constatação de sua dependência de outras disciplinas científicas (a EF é ‘colonizada’ epistemologicamente por outras disciplinas)” (Ibid., p.30).
Gamboa (2007) explicita que a colonização epistemológica da Educação Física acaba por caracterizá-la, em linhas gerais, como uma área/disciplina que se encontra na fase de “ciência aplicada”, visto que se caracteriza como tal, ora por apropriar-se dos métodos e referências desenvolvidos em outras áreas de conhecimento, ora por “servir de caminho” às pesquisas das “disciplinas-mãe”: “A Educação Física torna-se um campo colonizado onde são aplicados os métodos e as teorias dessas ciências-mãe, denominando-se, por exemplo, Psicologia da Aprendizagem Motora, Sociologia do Esporte, Fisiologia do Esforço, etc.” (Ibid., p.26).
Esse autor, em continuidade à sustentação deste posicionamento, esclarece que, em referência à especificidade do conhecimento comumente produzido na e pela Educação Física:
O ponto de partida e o de chegada são as teorias sociológicas, psicológicas, fisiológicas e não a Educação Física, que funciona como campo de passagem. Isto é, o ponto de partida está nos referenciais teóricos já constituídos das várias ciências, que são aplicados aos fenômenos da Educação Física, na tentativa de explicá-los e retornam à matriz disciplinar confirmando suas hipóteses (Ibid., p.26).
Explicitadas estas questões, coloca-se como imprescindível discutirmos algumas das contribuições de Gamboa (2007) para a atualização deste debate.
4. Educação Física e ciência - atualizando o debate: elementos para a discussão
Emerge na atualidade, um ponto de vista e/ou uma possibilidade, não de superação do debate em torno da identidade científica da Educação Física, mas de vislumbrarem-se novas perspectivas a este, no sentido de sua continuidade e avanço.
Considerando as questões aludidas na seção anterior, especialmente no tocante ao ponto de vista de Gamboa (2007), evidencia-se que esse autor, em certa medida, converge com as perspectivas de Bracht (1999) no que se refere ao fato de que a Educação Física, em consonância com as exigências impostas para a delimitação de uma área científica/ciência (objeto de estudo, método e linguagem próprios), não apresenta as condições objetivas para tal. De outro modo, explicita que a mesma pode ser caracterizada como prática pedagógica que, enquanto tal, não prescinde do conhecimento científico de outras disciplinas/áreas de conhecimento.
Entretanto, tendo como ponto de partida a constatação de que a Educação Física, nestas condições seria “colonizada epistemologicamente” por outras disciplinas, as “disciplinas-mãe”, ou seja, seria instrumentalizada de acordo com os interesses destas, em detrimento da tematização e do estudo de assuntos próprios e oriundos da sua especificidade - a prática pedagógica -, Gamboa (2007) explicita que a superação deste panorama é possível se a Educação Física representar o ponto de partida e o ponto de chegada do circuito do conhecimento - o qual segundo autor, se consubstancia no circuito prática - teoria - prática.
Gamboa (2007) compreende que a Educação Física, a exemplo de outras áreas de conhecimento dotadas de similar especificidade - a prática pedagógica -, situa-se no que este denomina de “novos campos epistemológicos”. Algumas características são comuns a estes novos campos, a saber: são áreas cujas características não correspondem às tradicionais ciências já consolidadas, condição esta que lhe conferem a possibilidade de “flutuação epistemológica”, na medida em que, não raras ocasiões, predomina a fundamentação, ora das ciências naturais, ora das ciências humanas e sociais, e sobrepõem-se à tradicional classificação da ciências em ciências básicas e ciências aplicadas, tendo em vista a dificuldades de “alocá-las” em um ou outro grupo (GAMBOA, 2007).
No caso da Educação Física, em alusão à flutuação epistemológica, historicamente, esta é marcada por duas fases, consoante Gamboa (2007): inicialmente, esta se fundamenta, até a década de 1980, nas subáreas das ciências naturais (fisiologia, medicina esportiva, dentre outras), para, em um segundo momento, balizarem-se, também, nas subáreas das ciências humanas e sociais. Na década de 1990, emerge o interesse pelas matrizes teóricas (bases epistemológicas) e as concepções de ciência que orientam a produção do conhecimento da área. Para o autor:
Ora, essa preocupação pelo diagnóstico do predomínio de uma ou outra disciplina, oriunda seja das ciências naturais, seja das ciências humanas ou sociais, e mais o interesse pelas matrizes teóricas indicam uma fase salutar da pesquisa, que significa o avanço na passagem das questões instrumentais, técnicas e metodológicas para as teóricas e epistemológicas (GAMBOA, 2007, p.25).
A preocupação com as questões teóricas e epistemológicas, do modo como Gamboa (2007) o caracteriza, possibilita vislumbrar a possibilidade de que a Educação Física se encaminhe para a superação da sua condição de área colonizada pelas “disciplinas-mãe” (denominada, também, por Gamboa (2007) de fase de “ciências aplicadas”), revertendo, conforme se mencionou anteriormente, o circuito do conhecimento: “Nesse caso, toma-se como ponto de partida e de chegada, a Educação Física e, como instrumental explicativo ou compreensivo, as teóricas oriundas das diversas disciplinas” (Ibid., p.27).
Essas considerações convergem para a proposição de Gamboa (2007) que, ao reiterar as condições e as características que marcam a Educação Física, a situa no plano dos novos “campos epistemológicos” em que, devido à impossibilidade de “enquadrá-la” nos tradicionais pré-requisitos científicos e na classificação das ciências, emerge a necessidade de procurar uma nova “categoria classificatória” capaz de abarcar as especificidades destes novos campos. Nesta direção, é que o autor define a Educação Física (bem como as demais áreas cujas características/especificidades também se manifestam na prática pedagógica – como a Pedagogia, por exemplo) como “Ciência Prática” ou “Ciência da Ação” em que a ação prática representa o ponto central de sua ação científica (SOUZA; GAMBOA, 2009).
5. Conclusões
Em análise ao debate acerca do estatuto científico da Educação Física, pode-se identificar, em consonância com Gamboa (2007), que a Educação Física encontra-se em uma etapa importante de seu processo de constituição como área de conhecimento.
Percebe-se que o seu desenvolvimento se encaminha para uma crescente autonomização em relação ao processo de produção de conhecimento. Se inicialmente, a produção do conhecimento emerge dos interesses de instituições externas a esta, gradativamente, esta passa a “pensar-se” em relação aos seus limites e às suas possibilidades no que diz respeito a tornar-se ciência. Tal preocupação, para além da análise crítica do modo como o conhecimento é produzido em seu interior e a quais áreas este conhecimento se vincula, refere-se, também, a análises de ordem epistemológica.
No que se refere à possibilidade de que a Educação Física se torne uma ciência, revelam-se dois grupos distintos, todavia, não menos importantes ao debate científico da área: aqueles que intentam e que consideram possível transformar a Educação Física em ciência, tornando-a a semelhante às demais ciências, com objeto de estudo, métodos e linguagem próprios e; aqueles que, dadas as características da área, compreendem que a Educação Física, caracterizada como prática pedagógica/intervenção, não pode e/ou não necessita ser ciência, ainda que não prescinda de fundamentação científica.
Diante destas proposições, constata-se que esta serve de “caminho” às diversas “ciências-mãe”, caracterizando uma relação de “colonialismo epistemológico”, na medida em que o conhecimento produzido a partir da e na Educação Física sedimenta-se no interior daquelas.
Gamboa (2007) considera que este diagnóstico do processo de constituição do campo acadêmico da Educação Física revela o complexo processo de desenvolvimento pelo qual a área vem passando, em que, se anteriormente, esta era/é colonizada por outras ciências, gradativamente, tem empreendido ações no sentido de autonomizar-se e reverter o circuito do conhecimento. Nesse, o ponto de partida e de chegada da produção de conhecimento passa a ser a Educação Física e as “ciências-mãe” lhe fundamentam, subsidiando-a no processo de produção do conhecimento. Para o autor, uma área somente pode consolidar-se cientificamente (na condição de ciência, ou não) se for capaz de auto-refletir em relação ao conhecimento que produz, às ciências que lhe serve de base, de que forma se dá esta fundamentação (colonialismo ou interlocução) e, ainda, às bases epistemológicas inerentes a este processo.
Como síntese das discussões apresentadas e realizadas neste trabalho, coaduna-se com Gamboa (2007) em relação ao debate científico da Educação Física, na medida em que se entende que, não obstante colonizada epistemologicamente pelas “ciências-mãe”, a Educação Física, desafiando a tradicional configuração das ciências, pode e deve constituir-se como uma área de conhecimento cuja especificidade seja a prática pedagógica. Nesse sentido, a sua centralidade é a preocupação com a sistematização crítica desta mesma prática, processo esse que demanda a fundamentação no conhecimento científico já produzido e sistematizado pelas demais ciências.
Notas
Menciona-se, por exemplo, Manoel Sérgio ao propor a “Ciência da Motricidade Humana” e Valter Bracht, que conceitua a Educação Física como prática pedagógica.
Referências
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DAÓLIO, Jocimar. Educação física brasileira: autores e atores da década de 1980. 1997. 107f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
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PAIVA, Fernanda Simone Lopes de. Constituição do campo da educação física no Brasil: ponderações acerca de sua especificidade e autonomia. In: BRACHT, Valter; CRISORIO, Ricardo (coords.). A educação física no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: PROSUL, 2003. p. 63-80.
GAMBOA, Sílvio Ancisar Sanchez. Epistemologia da educação física: as inter-relações necessárias. Maceió: EDUFAL, 2007. 163p.
SOUZA, Júlia Paula Motta; GAMBOA, Sílvio Ancizar Sanchez. Educação física como ciência da prática. In: XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, 2009. Anais do..., Salvador, 2010.
SOUZA, Maristela da Silva. Esporte escolar: possibilidade superadora no plano da cultura corporal. São Paulo: Ícone, 2009. 173p.
TOJAL, João Batista. Motricidade Humana: ciência ou campo de intervenção? In: I Congresso Internacional de Epistemologia da Educação Física, 2006, São Paulo. Anais do... São Paulo, 2006, p. 06-22.
VAZ, Alexandre Fernandez; CARBALLO, Carlos. Introdução. In: BRACHT, Valter; CRISORIO, Ricardo (coords.). A educação física no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: PROSUL, 2003. p. 105-113.
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