efdeportes.com

A retórica no discurso dos jogadores de 

futebol brasileiros: uma análise preliminar

La retórica en el discurso de los jugadores de fútbol brasileños: un estudio preliminar

The rhetoric in the discourse of Brazilian soccer players: a preliminary analysis

 

*Mestranda em Lingüística Aplicada

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

**Dr. Membro do Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano

Universidade de Caxias do Sul

(Brasil)

Luísa Mocelin Fonseca*

luisa.fonseca@pucrs.br

Gerard Maurício Martins Fonseca**

gmmfonse@ucs.br

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo visa analisar a retórica presente no discurso dos jogadores de futebol do Brasil. Inicia com uma breve contextualização do papel assumido pelo futebol no Brasil nos dias de hoje, relacionando-a com a retórica utilizada pelos atletas em seus discursos, bem como os objetivos existentes para tal. Dessa forma, faremos uma análise de trechos de cinco entrevistas proferidas entre os anos de 2010 e 2011, que visam comprovar o alto grau retórico presente no contexto futebolístico.

          Unitermos: Retórica. Futebol. Discurso.

 

Abstract

          This article aims to analyze the rhetoric present in the discourse of soccer players in Brazil. It begins with a brief contextualization of the role played for soccer in Brazil today, relating it to the rhetoric used by athletes in their discourses, as well as the objectives that exist for that Thus, we will do an analysis of five excerpts from interviews issued between the years 2010 and 2011, which aim to demonstrate the high degree of rhetoric present in the football context.

          Keywords: Rhetoric. Soccer. Discourse.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    O futebol brasileiro não é apenas uma modalidade esportiva, com suas técnicas específicas, seus sistemas táticos e suas regras. Também é possível afirmar que ele é muito mais do que uma prática lúdica do nosso povo. O futebol brasileiro é, sem dúvida, uma marca da cultura nacional. Indiscutivelmente, é uma forma de manifestação, de expressão do jeito brasileiro de ser. Ele proporciona que o povo expresse sua paixão, alegria, tristeza, desencanto, fidelidade, resignação, esperança e muito mais. As manifestações presentes no cotidiano do futebol representam, de certa maneira, as mesmas manifestações presentes na sociedade. Existe uma relação entre o torcedor e os jogadores, dirigentes e técnicos. Pode-se dizer que a comunicação construída entre as partes apresenta pontos comuns. Nesse sentido, a vida cotidiana influencia a linguagem do futebol e a linguagem do futebol transfere-se para o cotidiano das pessoas.

    A retórica – subárea da pragmática, que por sua vez, é uma subárea da linguística – investiga as relações entre forma e conteúdo, visto que uma proposição pode ser expressa de diversas maneiras. Os efeitos das formas sob os conteúdos são altamente evidentes e isso faz com que não exista nenhuma proposição livre de retórica. A retórica sempre está presente, contudo, em diferentes graus. No momento em que a interpretação de algo se dá de maneira unívoca, a retórica existe em seu grau mínimo; por outro lado, quando há a possibilidade da realização de diversas interpretações, a retórica está no seu maior grau.

    Assim, a retórica também está presente no contexto futebolístico, onde os jogadores buscam formas de transmitir suas mensagens, fazendo com o que o futebol brasileiro apresente uma linguagem carregada de expressões, neologismos, gírias e metáforas. Nesse meio comunicativo, os jogadores são os mais importantes. Como ídolos e protagonistas do espetáculo, seu discurso reflete o seu perfil e o pensamento da equipe. Eles devem convencer os fãs e simpatizantes sobre sua importância no jogo e para o time. Partindo do conceito básico de que a retórica estuda o efeito das formas sob os conteúdos, pretende-se com este trabalho estudar a retórica dos jogadores brasileiros de futebol profissional nos momentos da saída de campo.

Metodologia

    O presente artigo relata o que se pode chamar de um pequeno exercício de pesquisa. O trabalho foi apoiado metodologicamente na pesquisa de viés qualitativo e de característica descritiva. (LAKATOS; MARCONI, 2005).

    O estudo foi feito tendo como objeto de análise as entrevistas dos jogadores brasileiros de futebol durante o Campeonato Brasileiro dos anos de 2010 e 2011 e durante a Copa do Brasil de 2011. Foram analisadas as entrevistas através dos vídeos gravados e postados na página da internet youtube, nos momentos da saída do campo de jogo, haja vista que é nesse momento em que o atleta está no local mais apropriado para expressar suas ideias e pensamentos: o gramado, no momento final do jogo. Nesse momento, sua linguagem é mais espontânea e natural, ficando livre de cuidados e posicionamentos mais “políticos”. Usando uma própria metáfora muito presente no contexto futebolístico, o momento escolhido para analisar as entrevistas é aquele onde os jogadores ainda estão com a “cabeça quente”.

Análise

    Nos discursos dos jogadores de futebol, uma das características marcantes é a presença constante de afirmações que destacam a qualidade do adversário, tanto após um resultado positivo, quanto após um resultado negativo.

    Além disso, outra presença freqüente no discurso dos jogadores é o destaque para a superação da equipe, principalmente frente aos resultados adversos. Tais discursos, quando relacionados com o fato de que o adversário é de qualidade, tentam mostrar o grau de esforço feito para garantir a vitória. Se a vitória acontece, o discurso acaba por demonstrar o quanto os jogadores são bons. No entanto, se a vitória não acontece, os jogadores se resguardam, na medida em que o adversário é muito forte e vencê-lo seria quase impossível.

    Para a pesquisa que segue, procurou-se selecionar trechos de entrevistas que apresentassem diferentes modelos de retórica, a fim de esclarecer, também, o assunto em questão. No total, foram analisados cinco vídeos. Seguem os trechos selecionados:

Trecho 01

    “Aqui não tem titular e reserva, e sim, um grupo.” Andrezinho – atleta do Internacional.1

    É sabido que, na prática, existem titulares e reservas no futebol. No entanto, neste caso, o entrevistado desejou ressaltar a união dos jogadores da sua equipe. Ademais, a partir deste discurso, o jogador tenta dar importância aos excluídos e ao mesmo tempo, justificar o seu papel perante o grupo, tendo em vista que ele mesmo é um jogador reserva. O discurso do grupo, de um mesmo time onde cada um tem sua importância, é forte e freqüente no esporte coletivo e sabidamente o mais utilizado no futebol.

Trecho 02

    “Está certo que os caras estavam desanimados, mas podiam ter me falado na concentração, que eu não entrava num jogo desses.” Marcos – atleta do Palmeiras.2

    A frase acima se refere a uma derrota pelo placar de 6 x 0 que a equipe do Palmeiras sofreu na Copa do Brasil de 2011. O goleiro Marcos, do time derrotado, usa de ironia para demonstrar a sua indignação com os companheiros de time. Dessa forma, o goleiro preserva-se em relação ao resultado da partida. Conforme explica Fonseca (1998), essa afirmação está apoiada no senso comum existente no contexto futebolístico de que o goleiro não é o único responsável pelos gols sofrido pela equipe.

    O discurso reflete a preocupação que o atleta tem de manter, perante a torcida brasileira, a imagem de um goleiro vencedor. Essa imagem foi construída no ano de 2002, através da conquista da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira de Futebol, onde ele acabou ganhando o apelido de “São Marcos”, pelas suas boas atuações.

Trecho 03

    “O dia em que eu achar que não dá para ganhar de 1 a 0 de qualquer time, de qualquer seleção do mundo que venha jogar aqui, dentro da nossa casa, com 65.000 pessoas (...) Se eu não acreditar que isso é possível, chegou a hora de descansar, de parar.” Rogério Ceni – atleta do São Paulo.3

    Na retórica do discurso de Rogério Ceni nota-se, claramente, o “discurso do líder”, pois o atleta demonstra que suas crenças são determinantes para o futuro do time. Percebe-se isso, no momento em que ressalta que se ele não acreditar na capacidade de vitória do seu time, com o apoio de sua torcida, ele pararia de jogar.

    O discurso do líder é um discurso com forte caráter político. Segundo Dewes (1997, p. 10), “o discurso político tende a adequar-se aos padrões de representação de uma comunidade, organizando-se de forma lógica ou aparentemente lógica, com o emprego de deduções, induções ou falácias de persuasão.”. No discurso do atleta em análise, observa-se o destaque para a importância da torcida na motivação dos jogadores. O jogador passa uma responsabilidade para a torcida no momento em que salienta que 65 mil pessoas estariam presentes. Na fala, o goleiro do São Paulo procura mostrar a força de torcida, dividindo com ela a responsabilidade pela superação do resultado adverso. Igualmente, pode-se considerar como uma persuasão, o fato de que ele garante que abandonaria o futebol se não acreditasse na vitória, passando a imagem de que luta pelos interesses da torcida e de que é um jogador que joga com o coração.

Trecho 04

    “Essa torcida... não tem o que falar... É fora do normal. (...) Eu sempre disse: todo mundo tem um pouquinho de Flamengo dentro. E o meu aflorou de uma certa forma, que eu jamais vou esquecer o Flamengo.” Ronaldinho Gaúcho – atleta do Flamengo.4

    Com este discurso, o jogador quis demonstrar que já existia previamente uma relação com o clube ao qual ele havia acabado de chegar. Ao generalizar que “todos têm um pouquinho de Flamengo”, ele tenta preservar a relação que teve com os outros clubes e com suas torcidas. É importante que contextualizemos o momento em que este discurso foi proferido: a transferência do jogador em questão foi muito conturbada, sendo interpretada por muitos jornalistas e torcedores como uma transferência por interesses estritamente econômicos. Uma vez que o jogador, ao retornar para o Brasil, já havia acertado com o seu clube de origem, o Grêmio, clube em que em outro momento de sua carreira havido afirmado que jogaria até de graça. Assim, o discurso de amor prévio ao clube é uma tentativa de negar as suposições de que o interesse econômico prevaleceu sobre o interesse afetivo.

Trecho 05

    “D’Alessandro é a laranja podre do time do Inter.” Tiago Carleto – atleta do América de Minas Gerais.5

    Neste caso, o jogador do clube mineiro usou uma metáfora para explicar que, na sua opinião, o D’Alessandro é o jogador cuja presença desagrega o elenco do time do Internacional. De acordo com Canolla (2000, p. 57), um dos problemas que se manifestam sempre que se pretende tratar da metáfora é sua definição enquanto fenômeno lingüístico. A maioria dos teóricos não deixa de fazer referência à retórica clássica e aí o problema já se colocava, uma vez que Aristóteles fala em metáfora tanto na Arte Retórica quanto na Arte Poética e, desse modo, o conceito de metáfora apresenta-se amplo, justificando a diversidade de enunciados de diferentes tipos que são ditos metafóricos.

    A metáfora constitui um estado intermediário entre o grau zero de retórica e a patáfora, sendo um estado de intersecção entre conteúdos desiguais. A metáfora afirma ou nega uma comparação. Por exemplo, falar que “aquele jogador é como uma máquina” é, obviamente, comparar o jogador a uma máquina, ao passo que falar que “aquele jogador é uma máquina” é usar uma metáfora. O mesmo ocorre quando se chama um jogador de “um perna-de-pau”, ao se referir à sua falta de qualidade, pois um jogador de futebol com uma perna de pau é algo muito difícil de ocorrer, já que a habilidade de qualquer pessoa ficaria prejudicada. Em linhas gerais, a metáfora nada mais é que uma comparação sem o uso do como. No caso da afirmação do jogador do clube mineiro, a metáfora utilizada relaciona-se com a retórica ao buscar de maneira inversa, salientar a importância do grupo, da coesão da equipe.

Considerações finais

    Reboul (2000) definiu a retórica como a arte de persuadir pelo discurso. Entretanto, a retórica vai além da persuasão: a retórica é a criatividade na forma. Certos discursos exploram bastante esse processo de significação complexa. Nesses casos, há o que se afirma e o que se subentende, sendo que o subentendido é muito mais carregado de significação do que o que é dito.6

    Ainda que tenha uma abrangência pequena em termos de amostragem, o presente trabalho parece mostrar que é evidente que o discurso apresentado pelos jogadores de futebol é carregado de efeitos retóricos. Nos seus discursos, os jogadores tentam salientar sua imagem de vencedores perante si e principalmente perante os torcedores, que são os principais interessados nesses discursos, transmitidos pela mídia. Desta forma, o uso de um grau relativamente alto retórica nas suas falas é algo freqüente e até mesmo inevitável.

    Ainda que o nível cultural da grande maioria dos jogadores de futebol do Brasil pode ser considerado baixo, existe a preocupação com a sua imagem construída pelo discurso, como podemos observar em alguns relatos presentes nesta pequena pesquisa. Acreditamos que esta preocupação está muito relacionada com os interesses econômicos presentes na construção de uma imagem vencedora, de atleta de força, raça e outras qualidades valorizadas pelo povo brasileiro, na relação de idolatria que existe entre a torcida e os atletas.

    Concluímos que a retórica no discurso dos jogadores brasileiros transita por duas linhas. Uma delas, buscando mostrar uma relação de amor ao time, ao clube que é local de trabalho. Vemos aí uma explicação para o torcedor de que o jogador veste a camisa porque ele quis estar naquele clube, naquele local. Foi opção dele. Assim, é um discurso afirmando uma condição mais afetiva do que profissional. Esta relação de amor ao clube, de vinculação com o mesmo, numa imagem de jogador-torcedor está muito presente no discurso atual dos jogadores do futebol brasileiro.

    A outra linha marcadamente presente diz respeito ao esforço. A retórica presente nos discursos analisados procura mostrar o esforço do trabalho. A garra, a união com que os jogadores procuram desempenhar sua função dentro do campo. Entendemos como uma mensagem direta para “os chefes” (torcedores), que são a razão do esforço no momento do jogo, independente do resultado obtido.

    É importante salientar que por trás dos jogadores existem empresários, procuradores e outros profissionais que os orientam para apresentar tal discurso vencedor e achar explicações para os fatos relacionados com sua vida profissional.

    Ainda que seja um pequeno exercício de pesquisa, os resultados apontam para uma existência freqüente e sistemática de um grau considerável de retórica no discurso futebolístico brasileiro.

Notas

  1. http://www.youtube.com/watch?v=Uh03CBb7oXw

  2. http://www.youtube.com/watch?v=YWdrKbnBziM

  3. http://www.youtube.com/watch?v=6T8YsoBrxeg

  4. http://www.youtube.com/watch?v=vYKlj18oSpw

  5. http://www.youtube.com/watch?v=DppqlmfudH0

  6. Ver Costa: http://www.jcamposc.com.br/textos_disciplinas/aretoricainferencialdodiscursopolitico.pdf.

Referências

  • CANOLLA, Clemira. As metáforas da produção: reflexões sobre o discurso de operárias. D.E.L.T.A. São Paulo, v. 16, n. 1, p. 55-82, 2000.

  • COSTA, Jorge Campos da. A Retórica Inferencial do Discurso Político. Disponível em: http://www.jcamposc.com.br/textos_disciplinas/aretoricainferencialdodiscursopolitico.pdf. Acesso em 07 jul. 2011.

  • DEWES, Maria de Fátima M. Retórica, Comunicação e Convencimento. Working Papers em Linguística, UFSC, n. 1, jul/dez. 1997

  • FONSECA, Gerard. M. M. Futsal: treinamento para goleiros. Rio de Janeiro: Sprint, 1998.

  • LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina A. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

  • REBOUL, Olivier. Introdução à Retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 165 | Buenos Aires, Febrero de 2012
© 1997-2012 Derechos reservados